quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Capítulo 13 - Nicolas Weny e Griphons

Kal estava a meio passo da entrada da sala de Cacius. Olhou para o professor em pé ao seu lado, ele estava nervoso, apreensivo. Suas mãos suavam frio e se contorciam enquanto o diretor não respondia de dentro da sala.

- Tirso! – chamou Kal, mas ele não parecia ouvir ou se importar – Por favor, fale alguma coisa...

- Vou deixar para o professor Cacius. – respondeu.

- Entre, entre professor. – era a voz de Cacius.

- Desculpe incomodar, mas acredito que...

- Oh sim, sim. Tirso, poderia ter uma outra conversa a sós com o senhor Foster?

- É claro. – respondeu já se retirando.

- Muito bem, muito bem...

- Professor, eu posso... é quer dizer eu não sei como...

- Não se preocupe, Kal. Não se preocupe. Você não tem qualquer culpa. Se existe um culpado de isto estar acontecendo, este sou eu.

- Como assim? – perguntou Kal olhando fixamente para o diretor.

- Eu explico. Eu vou te explicar porque você tem o Enid de Donnovan. Algo que parece muito irônico, já que você é um Foster, responsáveis pela queda dele. Muito irônico que isto tenha acontecido... mas não foi por acaso. – dizia Cacius andando de um lado para outro de sua sala.

- Professor, como? De tantos Enids, por que logo o dele? E, por que o senhor se disse culpado?

- Você nasceu sem Enid algum, e ninguém sabe porque. – iniciou - Mas milagrosamente você recebeu um e se tornou bruxo. Essa é a história que todos conhecem. O problema Kal, é que você ter recebido um Enid aos seis anos não foi algo milagroso. Foi o resultado de uma sucessão de fatos que devem ser mencionados antes de qualquer coisa.

- Que fatos? – perguntou Kal aflito.

- Tudo aconteceu há alguns anos. A fuga de Kricolas, os sete humanos assassinados e o encontro internacional na sua casa.

- Professor, por favor, seja mais claro. – falou Kal um pouco mais alto.

- Por que motivo você acha que Kricolas fugiu de Warren?

- Para pegar o Livro de Merlin e reviver Donnovan! – responde com toda franqueza - Se bem... se agora isto for possível.

- Teoria interessante. Muito interessante. No entanto, equivocada em alguns pontos. – explicou – Kricolas, inicialmente, fugiu de Warren para trazer o Enid de Donnovan de volta.

- E onde ele estava? – perguntou Kal imaginando um lugar possível para Enids descansarem.

- Não é exatamente esta a pergunta. O Enid de Donnovan, que agora é seu, e vamos chamá-lo assim, estava vagando. Perdido da realidade desde que Foster atingi-o com o Perpétuo. E foi necessário que Kricolas assassinasse sete humanos inocentes para despertar seu Enid. Em minha teoria, Kricolas despertou-o para que possuísse um bebê.

- Por que isto, professor?

- Seu Enid é muito poderoso Kal, e assim como o meu, que você bem sabe que é o de Merlin, tem vontade própria. Funciona dentro de você como uma segunda mente.

- Eu não tenho uma segunda mente. – falou Kal com veemência.

- Não deveria afirmar tais coisas. Nunca fez nada por impulso ou imaginou coisas que não tem nada a ver com você?

Kal ficou pensativo, mas não demorou muito para sua mente capturar lembranças em que ele em momentos de raiva agia descontrolado como fora com Rick Wosky na semana anterior.

- Pois bem Kal, deixe-me continuar. O plano seria que seu Enid crescesse no corpo de um recém nascido. Bebês não têm uma mente formada, seria fácil para uma força tão poderosa tomar total controle do corpo. Assim, Donnovan renasceria. Com plenos poderes e o com seu braço direito, Kricolas, ele trilharia pelo mesmo caminho que andou há novecentos noventa e oito anos.

- Mas onde eu entro nesta história? O senhor está dizendo que eu posso, que eu vou ser Donnovan? Está errado, ele não me possuiu quando eu era bebê. E por que ele me escolheu se o plano era de entrar em um recém nascido? – Kal erguia o tom de voz, mas Cacius parecia não se importar.

- Desabafe, desabafe. – disse.

- Eu não sou Donnovan! Nem nunca vou ser! – Kal virou-se contra o professor decidido a não escutar nem mais uma palavra e a sair dali o mais rápido possível.

- Kalevi Foster entrou por aquela porta e eu não vou permitir que Donnovan saia por ela! – Cacius disse isto em tom firme e muito sério. Kal percebera, mais uma vez, que agia por impulso. Parou, olhou para Cacius e chorando alçou-lhe os braços em volta do professor.

- Acalme-se, Kal, acalme-se.

- Professor. Eu não quero isso... por que comigo? – Kal largara o professor e enxugava as lágrimas quando gritou – Revelarbus!

Donnovan surgiu mais uma vez com seu sorriso ofídico, como se estivesse pronto para morder e envenenar qualquer um que se aproximasse.

- Eu não sou você! – berrou Kal para a projeção a sua frente – Monstro! Por que me escolheu?

- Lócus Amenus! Eu posso te responder isso Kal.

Ele olhou para o diretor, o suor escorria-lhe pelo rosto, sentia os membros fraquejarem como se carregasse o mundo nos ombros.

- Depois daquele dia em sua casa, Donnovan não teve outra escolha se não você.

- Como assim?

- Vou te contar o que nós fizemos. Com medo de que Kricolas tivesse trazido o Enid de seu mestre de volta do “exílio” para se apoderar de um recém nascido, decidi reunir os maiores bruxos do mundo para proteger cada novo bebê. Ao nascer, cada criança estaria protegida de Donnovan. Ele não conseguiria encarnar em nenhum bebê de família bruxa, sabíamos que ele não tentaria com um bebê humano, primeiro porque para ele é uma raça desprazível e também ele não desenvolveria seu poder máximo. Restou-lhe você. Uma criança sem Enid e de família de bruxos. É claro que ele não conseguiu dominá-lo completamente porque você já tinha seis anos. Mas era você, a única opção.

- Quer dizer que Donnovan quer se apoderar de mim? Terminar o que começou usando o meu corpo?

- É o meu palpite. Ele deve ter percebido que não conseguiria se apossar de nenhum outro bruxo e te encontrou. No dia em que descobrimos que você havia adquirido poderes eu tive minhas desconfianças, mas não poderia afirmar nada.

- Professor, o que eu tenho que fazer agora?

- Você tem que se controlar, não deixar que Donnovan domine os seus pensamentos. Só você pode se ajudar. Lamentavelmente, não se pode separar um Enid de um corpo, sem que um dos dois morra, ou chegue perto disto... – falou Cacius com profundo desânimo – Agora, volte para os seus amigos, penso que você tem muito o que dizer a eles.

Kal saiu da sala de Cacius vagarosamente, como se cada um de seus pés pesasse uma tonelada. Arrastou-os pelos corredores espaçosos do quinto andar até finalmente achar o caminho que o levaria ao grande salão, onde almoçaria com Ralph e Guine. Ele estava tão pensativo que nem percebeu que todos os alunos, por onde ele passava, apontavam e cochichavam em silêncio. Tantos murmúrios fizeram Kal sentir como se ainda estivesse na sua antiga escola, na Vila da Cachoeira. Ao menos tinha Daimon, Guine e Ralph, pensava.

- Kal! Você está bem? – perguntou Guinevere cedendo seu lugar para que ele se sentasse.

- Estou.

- O que Cacius disse a você? – perguntou Ralph por sobre a mesa com cara de quem estava esperando por isso há muito tempo.

- Não seja indelicado, Ralph! Não vê que ele está mal?

- Está ok, Guinevere. – falou ele voltando a olhar seu pedaço de bife.

- Tudo bem Guine, tudo bem. Acho que preciso mesmo desabafar.

Kal contou então que Cacius dissera-se culpado por ele ter o Enid de Donnovan porque havia impedido que este se apoderasse de um bebê. Pela cara de espanto que Guinevere fez ela deveria achar que se apossar de bebês era realmente inescrupuloso.

- Quer dizer que Cacius é culpado? – perguntou Ralph fazendo gestos confusos com as mãos.

- Ele disse. Mas para mim não é. – respondeu Kal – Eu não nasci bruxo e isso ninguém tem culpa. Mas Donnovan sentiu-se encurralado, jamais escolheria um humano, e como eu não tinha Enid e sou de família de bruxos, ele se apoderou de mim...

- Mesmo você sendo um Foster? – espantou-se Guine novamente.

- Talvez a vingança seja melhor assim. Mas o fato é que só está em mim porque não teve outra opção.

- Isso é tão maluco... Donnovan agora quer se apoderar de você. Parece-me tão esquisito.

- É esquisito, Ralph. Porém não se preocupe. Ele não me controla.

- Você tem certeza, Kal? E o lance com Wosky?

- Calma, Guinevere, aquilo não foi Donnovan. – mentiu Kal.

- Você é quem sabe... Ainda assim acho melhor você tomar cuidado com o que for fazer daqui para frente. E também acho que você deveria avisar ao tio Adonis.

- Por quê? Eles vivem tão contentes desde que me tornei bruxo. Não vejo porque dizer a eles o que está acontecendo. Eu tenho minhas próprias escolhas.

- O problema não são suas escolhas. São as suas atitudes. – respondeu Guinevere de imediato.

- Guine, quero que me prometa que não vai contar isso aos meus pais. Termina aqui, ok?

- Ok. – respondeu contrariada.

- Oh, vocês dois, caso não perceberam todos já estão terminando de almoçar. Não vão nem ao menos tocar na comida?

- Não, Ralph... perdi a fome. Preciso ficar um... um pouco sozinho. – disse Kal procurando as palavras.

Naquela tarde Kalevi Foster não compareceu a nenhuma outra aula, sobre o pretexto de estar passando mal. Subiu até o quinto andar e se acomodou na vazia sala de estar dos alunos de Tadewi. Sentou no parapeito da janela e começou a observar o movimento nos campos da escola. A janela de vidro estava enfumaçando com a sua respiração, mesmo assim não o impedia de ver os alunos de Angus atravessarem o campo até a horta. Atrás deles vinham os alunos de Katzin com sorrisos debochados e nauseantes. Mesmo se Kal ficasse míope e estivesse a milhas de distância seria capaz de reconhecer aquele sorriso seboso e repugnante. O sorriso de Rick Wosky.

No entanto, havia um belo conjunto de dentes brancos e reluzentes que, misteriosamente, despertou em Kal um sentimento forte, quase inexplicável. Emanuela Goldemberg era, na sua opinião, a garota mais bonita do primeiro ano. A única oportunidade que tinha de estar ao seu lado era nas reuniões semanais do Conselho Estudantil. Uma hora e meia de relatórios e discursos do presidente Rômulo compensavam aquele momento em que ele podia admirá-la e apreciar sua voz aveludada.

Kal desembaçou o vidro da janela com as mangas da camisa para avistar melhor Emanuela, mas ao voltar a contemplá-la, viu Rick com o braço intimamente envolvido em torno da cintura da garota.

- Larga! – falava Kal batendo no vidro – Larga!

Os dois seguiram abraçadinhos até a horta onde permaneceram, do mesmo modo, até o fim da aula. A professora não se importara muito com a intimidade dos dois, pois não bravejou como fazia de costume.

Ficar ali, parado, olhando Wosky e Emanuela juntos não estava nos planos de Kal. Resolveu então sair da sala e ir à biblioteca procurar algo sobre o Livro de Merlin.

Com a ajuda do bibliotecário, o senhor Rovil, um homem de meia idade com cabelos grisalhos, óculos grandes que aumentavam seu olho fundo e acentuava suas olheiras, ele era baixo e tinha uma barriga presa por um cinto de couro numa calça azul marinho e uma camisa de manga longa também azul.

Kal amontoou alguns livros de história em uma mesa. Por um momento pensou estar preparando um porque parque de diversões para Daimon, que adorava se emaranhar em meio a pilhas de livros.

Depois de muitas páginas folheadas, Kal percebeu que era tudo muito inútil. Era realmente como Daimon mencionara, “todos falam sobre o Livro de Merlin, mas nenhum é digno de confiança”, mais ou menos isto.

O garoto começou uma sessão de martírio que logo foi notada pelos outros poucos alunos do lugar, em geral eram alunos do último preparando seus trabalhos de final de curso. Logo Kal percebeu que bater com um livro grosso na própria cabeça não era algo muito normal de ser feito. Mesmo que fosse de leve.

Tanta pressão no cérebro o fez lembrar de um outro livro que talvez pudesse ajudar. O livro que ganhara de seus pais como presente de aniversário, “Os bruxos que mudaram a história”. Só o que precisava fazer era correr até a sala de Tadewi e abrir a mochila.

Assim o fez.

Olhando pelo índice ele correu até a letra “M”, a fim de procurar Merlin. Lá estava, página 401.

Um dos bruxos mais poderosos do mundo, Merlin se destacou em todas as atividades mágicas, mas em especial na clerigologia.

Merlin fundou algumas escolas pelo mundo, sendo a principal a Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon, atualmente dirigida pelo Prof. Cacius Henrique, que detêm o Enid daquele grade bruxo.

Sem dúvida nenhuma a maior criação do mago Merlin foi o seu livro. A lenda vem ganhando forças e se tornando fato, alguns historiadores como o renomado Nicolas Weny afirmam que Merlin, o grande bruxo, realmente escreveu um livro com os maiores segredos mágicos, e que por séculos ele permanece perdido em algum lugar do globo. Para que fim o livro foi escrito ninguém sabe responder. Apenas se conhece que o seu portador terá poderes insuperáveis.

Sua localização é totalmente desconhecida, pois Merlin residiu nos quatro cantos do mundo, mas especula-se que esteja no Brasil, lugar aonde veio a falecer há novecentos e noventa anos, na época o país era conhecido como a Ilha Hy Brazil”.

Kal leu o trecho ao menos cinco vezes antes de decidir falar com Guinevere e Ralph. Iria propor aos dois que procurassem Cacius, sendo ele o detentor do Enid de Merlin, talvez pudesse ajudá-los.

- O que o faz pensar que Cacius sabe onde está o Livro de Merlin? – perguntou Guinevere enquanto desciam até a Cidade dos Elfos – Se Cacius soubesse do paradeiro do livro ele já o teria pegado.

- E se ele não souber? Cacius pode querer nossa ajuda.

- Ele é um dos bruxos mãos influentes do mundo! Por que precisaria da nossa ajuda? – retrucou Ralph.

- Me respondam. Quantos bruxos vocês conhecem que pode ver o passado?

Ralph e Guine se entreolharam curiosos e sem jeito. Ralph coçou a nuca então disse:

- Mas você não tem controle sobre isto. É sempre uma visão involuntária.

- Então vou precisar aprender a controlar.

Naquela noite, Kal sentou-se em sua cama com alguns objetos de Ralph. Ele deveria dizer de quem Ralph ganhara cada um. Já passava da meia-noite e Kal não tivera nenhuma visão. Quando Ralph cochilou e caiu da cama eles resolveram que era hora de dormir.

No dia seguinte, com a ajuda de Daimon e Jonathan, Ralph e Guine, Kal procurou pela biblioteca algum livro que lhe pudesse ser útil. Nem mesmo em “Os intrigantes dons mágicos” mencionava algo sobre ver o passado. Era realmente algo inédito. Cacius não havia brincado quando disse a Kal que o seu dom era muito especial.

Outra vez retornando à Cidade dos Elfos, no fim do dia, Kal, Ralph e Guine continuaram a conversa sobre o Livro de Merlin.

- Assim que você adquirir controle sobre seus poderes procuraremos Cacius. – falou Guinevere, era incrível com ela mudava rápido de opinião.

- Teremos tempo nas férias para você aperfeiçoar. – disse Ralph.

- E então, vai mesmo conosco para Vila da Cachoeira? – perguntou Kal amistosamente.

- Eu não sei... preciso ver com meus pais primeiro.

- Chegamos. – falou Guine quando o balão tocou o chão.

Depois de abrirem a portinhola do cesto e atravessar o muro que separava os terrenos de Avalon da cidade, eles avistaram uma multidão de bruxos, Elfos e Fadas amontoados em um único ponto. Aproximando-se do lugar eles viram uma belíssima carruagem de madeira com detalhes arredondados de prata e três grandes letras moldadas nas portas moldaram um grande sorriso no rosto de Ralph.

- GAW! – disse ele lendo as letras da carruagem.

- O que é GAW? – perguntou Kal.

- Guarda Armada de Warren. – respondeu Ralph – Meus pais devem estar aqui!

Os três forçaram passagem até ficarem frente a frente com a carruagem. De dentro dela surgiu um homem muito magro e de nariz empinado, usava um terno fino com bordas roxas e uma camisa branca de algodão. Os sapatos de couro apenas tocaram o chão depois que lhe foi estendido um tapete vermelho. Cheio de pose, segurou a varinha como se fosse um microfone e anunciou.

- Direto dos castelos franceses, o Inquisidor Mágico, capa dos maiores jornais mágicos britânicos. Doutor formado em magia antiga, com especialização russa em feitiços. Expeditor de uma das maiores descobertas mágicas até hoje. Historiador renomado pela Academia de História da Magia Chinesa e, é claro, Chefe do Conselho Mundial de História e Artefatos Mágicos, Sr. Nicolas Weny!

Todos pareceram muito espantados com o currículo do visitante, a exceção de Kal.

- Quem é ele? – perguntou.

- O bruxo do século! – responderam Daimon e Jonathan em coro aparecendo logo atrás dos três.

- Ok, quem é ele? – insistiu Kal.

- O maior perito em magia avançada do mundo! – respondeu Jonathan quase aos pulos.

- Pela última vez, quem é ele?

Kal obteve uma resposta visual. Sr. Nicolas Weny acabara de descer da carruagem pousando seus lustrosos sapatos italianos no tapete estendido.

Era alto, forte, cabelos e olhos castanhos claro, nariz curto e tinha a face sobressaltada. Seu sorriso com dentes brancos e brilhantes arrancou suspiros de várias garotas presentes, incluindo Guinevere. Atravessou rapidamente pela multidão como se estivesse em uma passarela exibindo sua beca esverdeada e sua gola de rufos.

- O que um cara desses está fazendo aqui? – perguntou Kal com indiferença.

- E onde estão os meus pais?

- Por que você acha que eles estão aqui Ralph?

- Porque este cara veio em uma carruagem de GAW. E os meus pais devem tê-lo escoltado.

- Seus pais não são Guardiões Chefes? – perguntou Kal – Por que têm que escoltar um panaca em uma carruagem?

- Kal! Ele é o bruxo do século! – respondeu Daimon.

- Já sei, já sei...

- Como Daimon disse, ele é o bruxo do século. Metade da GAW deveria estar aqui. – falou Ralph enquanto olhava sobre os ombros a procura dos pais.

- Hei olhem! Ele está indo até a Pousada das Fadas. – gritou uma velha ao lado de Kal.

Toda a movimentação se acentuou em frente à pousada que foi obrigada a trancar suas portas para receber com tranqüilidade o novo hóspede.

Por toda a cidade correu a notícia de que na quinta-feira à noite, Sr. Nicolas iria ministrar uma palestra em praça pública a todos que se interessassem, principalmente aos alunos de Avalon. Dois dias se passaram e a cidade mudara completamente.

Enquanto Cidade dos Elfos se preparava para a grande noite, Kal treinava com Daimon, Ralph e Guinevere suas visões do passado. Eles ainda não haviam obtido nenhum sucesso, mas Daimon insistia muito para Kal pedir ajuda ao senhor Weny. A celebridade do momento debochava de Kal.

- Ele é perito! – retrucava Daimon.

- Ele não vai me ajudar. Ele não atende nem aos chamados do professor Cacius.

Desde o dia em que chegara à cidade dos Elfos, Sr. Nicolas era instigado a uma visita ao castelo de Avalon, todavia ele não aceitava os convites de Cacius. Dizia-se sempre muito ocupado com os trabalhos e precisava preparar o discurso palestral.

Quinta-feira chegou com ar de animosidade. No meio da cidade foi montado um pequeno palanque para a palestra, também mais de mil lugares foram postos para os ouvintes. A cidade parecia ter recuado em direção à orla da floresta para acomodar todo aquele espaço.

Oficialmente, as aulas acabariam naquela manhã, após o almoço os alunos já estariam de férias até o final de julho. No entanto, muitos alunos já haviam abandonado as salas de aula para curtir passeios matinais dentro da floresta amazônica. Algo que parecia exótico e muito divertido.

Para a maioria dos alunos do primeiro ano que haviam passado em Maldições, os testes finais de História e Feitiços foram os únicos da quinta.

Estando livres, das aulas e deveres de casa, eles desceram de Avalon radiantes de alegria. Alguns veteranos conjuraram aves de luzes para animar a cidade. Todos corriam muito contentes.

Ainda naquele dia, muitos alunos partiram para suas casas, entre eles Jonathan, que antes de ir embora implorou a Daimon que conseguisse um autógrafo de Nicolas.

Cidade dos Elfos nunca pareceu tão agitada quanto agora. Nicolas Weny devia ser realmente um exímio bruxo para provocar tanto alvoroço. Segundo Daimon, ele recentemente havia descoberto como repor chifre de unicórnio quebrado e também derrotou a bruxa Nicácia que estava espalhando terror por todo o mundo raptando criancinhas.

- Ele ainda derrotou lobisomens e pode resistir ao encanto da Iara! – Daimon explicou que Iara era uma mulher que seduzia homens e os matava afogados em rios.

- E por isso ele ficou tão famoso assim? – questionou Kal.

- Celebridade instantânea! Só sei que o cará é o máximo! Não vejo a hora de ouvir o que ele tem a dizer!

Daimon não era o único que estava ansioso. Até mesmo Guinevere, que não ligava para este tipo de coisa, mostrava-se nervosos pela ocasião, além dos outros tantos alunos que faziam fila na Pousada das Fadas na tentativa de conseguir um autógrafo do tão grandioso bruxo.

No fim da tarde, enquanto Kal e Ralph caminhavam pela cidade, Guinevere e Daimon haviam se juntado à multidão de fãs na pousada, encontraram Tirso ajudando com a varinha a erguer bandeirolas feitas com jornais velhos.

- Olá garotos! – cumprimentou o professor.

- Como estão com os preparativos? – perguntou Kal.

- Do meu ponto de vista está um pouco exagerado. Ainda estão faltando alguns enfeites e as fogueiras e tal... Acho que muito enfeite estraga... mas o dono da festa quer assim...

- Você o conhece, professor?

- Na verdade, Ralph, Nicolas não cursou escola alguma, tudo o que aprendeu foi com um tio avô. Ele é de alguma região do Centro-Oeste, não sei... Mas depois que o tal avô morreu ele seguiu a carreira de historiador, fez grandes descobertas em várias áreas da magia e hoje ele é mundialmente conhecido e mora na Europa, onde também está desenvolvendo novas pesquisas. É isso que sei sobre ele.

- Tem idéia do que ele veio fazer aqui? – perguntou Kal.

- Qual o problema, Foster? Tem medo dele roubar o brilhantismo da sua família? – Rick Wosky surgira atrás dos três ao lado de seu pai e seu irmão de apenas seis anos, Amadeus Filho.

- Continua por aqui, maldição? – perguntou Tirso referindo-se a Amadeus, o pai.

- Não que sua presença me agrade, feitiço. – respondeu de imediato.

- Foi no veterinário tosar as crinas? – falou Kal debochadamente encarando Rick com furor nos olhos.

- Anda muito audacioso, Foster. – disse Rick que cuspiu em seguida – Vamos ver por quanto tempo.

- Você pode até contar, se souber...

- Ora seu... – disse avançando contra Kal, mas Amadeus o deteve.

- Não Rick!

- Tudo bem, é cedo demais para ver sangue de Foster.

A família Wosky virou-se com rispidez e seguiram até a loja Labaredas de Ferro.

- Como eu odeio este amaldiçoado. Não sei como Cacius pode mantê-lo aqui. – resmungava Tirso.

- Eu não gosto de nada que termine com Wosky. A propósito, onde está o Srª. Wosky? – terminou Kal imitando uma voz fina e irritante.

- Ela cuida da casa. Não sei onde moram. – respondeu Tirso.

- Professor, você tem algum palpite sobre o que vai ser dito na palestra? – perguntou Ralph desviando o assunto.

- Bem, a última notícia que tive a respeito dos assuntos tratados pela nossa celebridade diz que ele quer reimplantar o uso das espadas mágicas.

- Não entendemos. – disse Kal cruzando o olhar duvidoso com o de Ralph.

- Ok. Eu explico. Há muitos anos. Mesmo antes de Merlin ficar conhecido, quando magia era algo comum no mundo todo. Nós, bruxos, usávamos espadas mágicas ao invés de varinhas. Mas com o passar dos tempos, com a perseguição de Donnovan, e posteriormente o medo dos humanos pela magia, precisamos nos esconder, mas um bruxo não andaria desarmado em um mundo que se tornara tão perigoso. E como andar sempre com uma espada enfeitada com pedras preciosas e laços não era muito discreto, nós resolvemos copiar as fadas! Algumas delas usam varinhas de condão. São simples e discretas. Entenderam? O que Nicolas quer é que usemos novamente espadas, com os feitiços que conhecemos hoje poderíamos disfarçá-las ou guardá-las em nossos bolsos, mas todos se acostumaram com a praticidade da varinha...

- Professor, e Nicolas o que usa? Espada ou varinha? – perguntou Ralph.

- Nenhum dos dois. – respondeu – Ele não precisa de nada a não ser as mãos para realizar magia.

Agora Kal começava a entender o fascínio que aquelas pessoas tinham por Nicolas. Ele era surpreendente. Um bruxo e tanto. Nem mesmo Cacius vivia sem a sua varinha e ele, com pouco mais de trinta anos, fazia grandes descobertas usando apenas as mãos.

Mal anoitecera e os habitantes de Cidade dos Elfos já se acomodavam na platéia improvisada no centro da cidade. Todos muito bem arrumados, as fadinhas com vestidinhos lilás e gorro na cabeça com enfeites esvoaçantes. Os elfos vestiram-se impecavelmente com lindos conjuntos de algodão e as indispensáveis botas de couro com tiras. Rainha Eva, que estava no palanque, trajava um vestido comprido cor de abóbora.

- Muito chique! – diziam os elfos.

Professores e alunos de Avalon foram mais discretos com roupas habituais.

Quando o grande bruxo da noite surgiu em meio a uma nuvem de fumaça azul bem no centro do palanque todos o aplaudiram com furor.

Sr. Nicolas Weny estava com uma calça e blusa azul-marinho com uma luxuosa gola de rufos cobrindo-lhe do pescoço até o lóbulo.

- Boa noite, Cidade dos Elfos! – saudou o bruxo amistosamente – Creio dispensar apresentações. Portanto, prosseguirei. É notável o desenvolvimento proeminente desta cidade graças à escola de Magia e Feitiçaria de Avalon.

Todos aplaudiram. Kal então se deu conta de que não vira Cacius ainda. Procurou no palanque e na platéia, ele não estava em parte alguma.

- Vocês viram o professor Cacius? – cutucou Ralph e Guinevere.

- Também não o vi. Assim como não vi os meus pais. – falou Ralph.

- Este cara é muito chato... – resmungou Kal e Guine pisou em seu pé.

- Oh, desculpe, foi sem querer.

- Ralph eu vou dar o fora. – disse Kal já de pé.

- Eu vou com você. Esse cara está me dando náuseas. Proeminente? Quem usa isso? É tão arcaico.

Nicolas tinha um jeito muito peculiar de falar, era pomposo e fazia entonações, do mesmo modo que os políticos fazem em campanha eleitoral. Chegava a ser irritante, mas ninguém a não ser Kal e Ralph parecia se importar.

- Para onde vamos? – perguntou Ralph quando já tinham se afastado do público.

- Eu vou para onde não possa ouvi-lo. – respondeu Kal – também vou praticar um pouco. Preciso aprender a controlar as visões.

- Tudo bem. Que tal irmos para a loja abandonada.

Os dois fizeram o caminho até a antiga Mausoléu, iluminados por suas varinhas. Foram discutindo sobre como era possível fazer qualquer feitiço mágico sem elas.

- Eu acho que Cacius não precisa de varinhas para fazer feitiços.

- Então por que usa? – perguntou Ralph.

- Porque ele não é um exibido como esse aí.

- Tem razão.

- Chegamos. Aqui deve ter muitos objetos em que posso praticar. E com toda certeza eles não têm menos de cinqüenta anos de história.

- Tomara que consiga. – torceu Ralph.

No momento em que Kal tocou a maçaneta veio um flash de luz branca e ele se viu dentro da loja olhando para Nicolas Weny.

- É hoje à noite. – disse o historiador – será inesquecível.

Nicolas tocou na maçaneta para abrir a porta e então tudo voltou ao normal. A não ser o fato de Kal estar deitado no chão da loja e Ralph encarando-o com extrema curiosidade enquanto se preparava para lhe jogar um copo de água no rosto.

- O que você viu? – perguntou o amigo colocando o copo em cima do balcão velho de madeira.

- Eu vi, vi Nicolas. Ele estava aqui. Disse que esta noite seria inesquecível.

- Como assim?

- Não sei. Ele apenas disse isso e desapareceu.

- Ele vai fazer um discurso e tanto. Que convencido. – bufou Ralph.

- Não tenho tanta certeza de que será só um discurso, Ralph. Ele não parecia muito amistoso e por qual motivo viria se encontrar com alguém aqui?

- Realmente estranho...

- Temos que avisar aos outros. Tirso e quem mais puder...

Kal foi estupidamente interrompido por uma forte gritaria vinda do centro da cidade, onde estava ocorrendo a palestra. Os dois saíram à pressas da loja, Kal e Ralph se esbarraram na porta e lhe veio outro flash que desapareceu rapidamente deixando a imagem de uma criança loira sentada em um berço.

- Você está bem? – perguntou Ralph quando viu o amigo com as mãos na cabeça.

- Estou, acho. Vamos ver o que está acontecendo.

Enquanto corriam até a gritaria outros fugiam desesperados dela. A cidade estava um enorme tumultuo, o palanque havia sido quebrado e as cadeiras que não estavam ao chão flutuavam a quinze metros de altura com seus ocupantes que desesperados pediam por socorro.

- Garotos! Corram! Vão para o alojamento de Tadewi!

- Professor Tirso, o que está acontecendo?

- Griphons!

- O que?

- Kal, acho que são eles... – Ralph apontou para três criaturas amareladas atrás deles.

Kal reconheceu-os de imediato, eram as mesmas criaturas que ele vira no castelo e em Tadewi. Agora pareciam bem mais reais e assustadores. Tirso avançou e disparou um feixe de luz que pareceu engolir os Griphons fazendo-os desaparecer.

- Eles são criaturas da escuridão. Não gostam de luz, porém eles acabam retornando e destruindo mais coisas. – disse Tirso – Acompanhem os outros alunos, depressa.

- Onde estão Daimon e Guinevere? – perguntou Kal.

- Já devem ter se abrigado. Agora vão!

Ralph puxou Kal pela camisa na direção de Tadewi, por onde passavam viam a destruição provocada pelos Griphons, casas e lojas estavam em chamas e metade do acervo da Livros e Boatos estava sendo jogada para fora da loja.

- Socorro! – gritou uma voz vinda de dentro da floresta.

Kal apurou os ouvidos e mudou de direção ao que Ralph rugiu:

- Aonde você vai?

- Eu vou ajudar, quem quer que seja. Vá chamar ajuda.

Sem mais palavras, Kal passou pelas árvores e correu muito até se orientar pela voz que não parava de gritar.

- Alguém...

O som ficava mais forte assim como o som rouco dos Griphons. Kal entrou em uma clareira e viu um garoto que deveria ter a sua mesma idade encurralado entre uma árvore e cinco das criaturas amarelas.

- Feche os olhos garoto! – ordenou Kal com a varinha erguida e ele obedeceu prontamente – Pelínculo!

O raio de luz correu em direção aos Griphons e provocou uma forte luz roxa que consumiu com os cinco inimigos.

- Você está bem? – perguntou ao garoto que estava muito pálido.

- Cuidado! – gritou ele, mas Kal não conseguiu esquivar-se dos três Griphons que surgiram da floresta. Ele caiu no chão largando a varinha aos pés do garoto.

- Pelínculo! – disse ele e Kal viu uma bola luz dourada engolir novamente as criaturas.

- Você também é bruxo? – perguntou Kal levantando-se.

- Tome. Disse ele. Meu nome é Thalis Kinguest e não sou isto que você disse.

Thalis tinha a mesma altura que Kal, cabelos escuros e olhos castanhos claro, uma pele branca e macilenta, ele também parecia muito magro dentro das roupas vermelhas que estava usando.

- Olá, Thalis, meu nome é Kalevi. O que você está fazendo aqui?

- Fiquei perdido.

- Onde você mora? Perdeu sua varinha também?

- Eu não tenho varinha e não moro aqui.

- Você é um bruxo e não tem varinha?

- Eu não sou um bruxo! – gritou Thalis como se estivesse sendo ofendido.

- Calma, vou chamar ajuda. Pelínculo!

Segundos depois de a bola de luz explodiu no ar cinco bruxos esfumaçaram diante deles com varinhas em punho.

- Professor Tirso, este garoto, Thalis, estava cercado por Griphons e tive que ajudá-lo. – falou Kal rapidamente percebendo que o professor estava demasiadamente zangado – Não podia deixá-lo aqui...

- Quem é o garoto? – perguntou Amadeus com a varinha ainda em punho e apontando na direção de Thalis.

- Ele também é um bruxo. Fez um feitiço professor. – respondeu Kal encarando Amadeus.

- Quem são seus pais? – perguntou Tirso.

- Eles morreram... – disse Thalis chorando – Eu quero ir para casa...

Kal abaixou-se também e quis consolar o garoto que se desmontara em lágrimas e cansaço a sua frente.

- Não vai acontecer nada com você, acalme-se. Vamos sair desta floresta e te ajudar.

Kal e Thalis atravessaram a floresta com a escolta de Tirso, Amadeus e dos três outros bruxos.

- Vamos até Cacius.

domingo, 25 de novembro de 2007

Capítulo 12 - Revelarbus

Depois de descobrirem que a fada Bruxa era o objeto que deveriam procura, Kal, Guine, Ralph, Daimon e Jonathan foram aprovados em maldições e saíram cantarolando até o grande salão, onde lá esperariam até a hora do almoço.

Para surpresa deles ao chegarem no grande salão encontraram Adonis e Amanda Foster sentados a um canto com um pequeno bolo de aniversário com cobertura de glacê azul com treze velas brancas acesas.

- Papai, mamãe! – gritaram Kal e Daimon que em seguida correram para abraçar os pais, em seus calcanhares seguiu Guine no mesmo passo frenético e cheio de animosidade.

- Meus queridos, que saudade... – falou Amanda dando um amoroso beijo na testa de cada um dos três.

- Não vão apresentar seus amigos? – perguntou Adonis após dar um último abraço em Kal.

- A claro, estes aqui são Ralph e Jonathan. – apresentou-os Kal.

- Muito prazer, muito prazer. – disse Adonis erguendo a mão para os dois garotos a sua frente.

- É um prazer também, senhor Foster. – disse Ralph correspondendo ao gesto.

- Viemos aqui para comemorar com você, meu filho. Não podíamos deixar passar esta data.

- Obrigado, papai...

- Ah, nada que todos os pais não fariam por um filho.

Eles comemoraram e Adonis encantou confetes e serpentinas, o bolo feito por Amanda estava exatamente como Daimon definiu, um pedaço de nuvem caramelada, macio e saboroso. Assim que os primeiros alunos começaram a entrar no salão, Adonis e Amanda anunciaram sua partida dizendo que precisavam resolver uns assuntos na Cidade dos Elfos.

- Estamos hospedados na casa da Rainha Eva, vamos ficar lá esta semana, e na próxima iremos juntos para casa. – disse Adonis já muito ansioso.

- Tudo bem, pai, agora, poderia fazer estes enfeites sumirem. Porque os outros alunos estão olhando, e está ficando constrangedor... – falou Kal meio que sem graça coçando a nuca.

- Ah tenha certeza de que não queremos isto, tchau enfeites. – Adonis girou a varinha e num passa de mágica sumiram.

- Vamos bater uma foto para imortalizar o momento! – disse Amanda batendo palminhas.

- Mãe... todo mundo já está olhando...

- Sorria, Kalevi Foster! Adonis querido, a foto é só com os garotos... – disse Amanda ao ver que o marido se posicionava ao lado de Kal.

- Eu faço questão de sair na foto com, Kal, Daimon, Guinevere e seus amigos. Já ia me esquecendo, querem chapéus de aniversário? Eu trouxe alguns. – disse Adonis retirando do bolso um chapéu pontiagudo feito de papelão colorido.

- Não! – responderam os cinco.

- Fotograph! – os três flashes saíram da varinha de Amanda ofuscando a vista dos que estavam próximos da cena.

- Por favor, mamãe, chega... – disse Kal suplicante.

- Tudo bem, eu e seu pai já estamos atrasados.

- Fiquem bem, garotos!

Mesmo a alguns metros de distância Kal ouviu seu pai falar com Amanda que a foto ficaria melhor se todos estivessem usando os chapéus de aniversário.

- Seus pais são demais. – disse Ralph.

- Demais para a minha cabeça...

- Não resmungue tanto, Kal, eles são os pais perfeitos. – retrucou Ralph.

- Exceto pela overdose de carinho. – brincou Kalevi.

- Talvez os meus pais pudessem aprender um pouco com o de vocês.

- Nossa, Ralph, você fala de um jeito dos seus pais... Você é filho do Amadeus? – brincou Guine.

- Eu quis dizer que os meus pais não são atenciosos, e não monstros.

- Alguém ainda vai almoçar? – perguntou Kal.

- Eu não. – respondeu logo Guine.

- Jonathan e eu vamos subir e estudar para as outras avaliações. – disse Daimon levantando-se.

Os cinco saíram do grande salão e enquanto Daimon e Jonathan subiam as escadas, Kal, Guine e Ralph atravessavam a grande porta de carvalho que dava acesso aos jardins do castelo. Guine e Ralph sabiam que Kal havia ficado inquieto desde o momento em que a fada disse a eles que a ametista ganhada de Cacius estava no local em que Donnovan fora derrotado por Foster.

- E se for outra mentira daquela fada! – argumentou Guinevere.

- Por que outro motivo Cacius me daria esta pedra? Talvez ela me faça entender algo mais.

- Kal, não há mais o que ser entendido! Isto aconteceu há quase mil anos. Se algo diferente do que todo mundo sabe aconteceu, ninguém pode fazer nada. – falou Ralph.

- Eu sei, eu sei. Mas se Cacius quiser que eu veja? Com meus próprios olhos.

- Então tente! Vamos, tente ver alguma coisa. – motivou Guine.

Kal segurou a pedra entre os dedos e se concentrou no objeto. Imaginava a história que ouvira desde muito criança, que o seu antepassado destruiu um bruxo e todo seu exército das trevas. Ele começou a suar e sentir calafrios, os sons de pessoas conversando ruindo em sua cabeça, o som do vento tocando a grama... Todos esses barulhos misturavam-se em uma solução sonora enlouquecedora. A imaginação foi deixada para trás e em seu lugar veio angustia e aflição.

- Hurg! – exclamou soltando todo o ar dos pulmões – Não consigo!

- Acalme-se, nervoso você não vai conseguir nada, a não ser uma dor de cabeça. – disse Guinevere repousando a mão amigavelmente no ombro de Kal. Era incrível como ela se parecia com Amanda, talvez até mais que Kal e Daimon, a garota sabia animar e consolar qualquer um que precisasse, além de estar sempre presente para qualquer eventualidade.

- Obrigado... nossa próxima aula é de quem?

- Acho que é Biomagia. – informou Ralph – Não estou com a menor vontade de assistir aula mais... aquele teste do Amadeus pegou todo mundo de surpresa.

- Se Daimon não prestasse tanta atenção nas aulas provavelmente ainda estaríamos lá.

- Não duvido disto, Kal. Meninos, agora vamos subir para a aula, não podemos nos atrasar.

No caminho até a sala da professora Flora, Kal lembrou-se da carta dos pais de Ralph e da aparência horrenda de Kricolas. A mistura de humano e vampiro não fizera bem a ele, era a criatura mais pavorosa que já vira. No entanto, um pensamento novo surgiu em sua cabeça.

- Como Donnovan era?

- O que foi, Kal? – perguntou Ralph – parece que ouvi você dizer algo.

- Estava pensando como era Donnovan. – respondeu.

- E porque a curiosidade agora? Você não corre o risco de encontrá-lo em qualquer esquina.

- Tenho certeza que não, Ralph, mas é intrigante...

- Não acho intrigante ver o rosto de um assassino milenar. Já basta um louco a solta. – disse.

- Já faz tanto tempo que ele fugiu, e não se mostrou mais depois de alguns homicídios no início do ano.

- Talvez tenha morrido. – sugeriu Guine e Kal pode sentir a esperança da garota ocupar todo o corredor onde estavam.

- Ele é um vampiro Guine... – disse Kal expulsando a esperança.

- Quem sabe foi tentar pegar um bronzeado em Copacabana e acabou virando fumaça. – disse ela trazendo novamente a esperança.

- Ele também é um bruxo... – disse o outro a empurrando para fora mais uma vez.

- Então quem sabe ele desistiu de tudo e está morando em uma ilha no pacífico e...

- Chega de suposições, Ok? Agora, vamos para a aula.

Finalmente na sala de Biomagia, os três acomodaram-se em lugares onde mal se via a professora.

Na aula daquele dia Flora traduziu para os alunos alguns livros de feiticeiros antigos, em seus herbários, tipo de livro onde se cataloga espécies vegetais, a professora explicou que eles colocavam apelidos em determinadas plantas para que humanos mal intencionados não pudessem se aproveitar de suas poções.

- Exemplo, uma asa de morcego na verdade era uma folha de louro, olhos do diabo eram um tipo de castanha vermelha, patinhas de aranha tratavam-se apenas de canela. – explicou a professora.

Já na aula de Relações com a Natureza, com a turma de Katzin, a professora iniciou uma chata explicação sobre a importância de uma planta chamada Vitória-régia, segundo Margarida, uma mulher apaixonada pela lua atirou-se no rio atrás do seu amado, que na verdade era um reflexo da luz lunar, e...

- Coitadinha... transformou-se num vegetal... – comentou – suas pétalas ainda hoje são utilizadas para preparos de poção do amor.

Rick Wosky não parecia dar atenção à história de uma mulher que se transformou em planta, pois passou a aula inteira cochichando com um pequeno grupo de alunos de Katzin, mas foi repreendido pela professora um pouco antes do sino anunciar o fim da aula.

- Pode parecer uma surpresa para você, senhor Wosky, mas a matéria que leciono, por mais desinteressante que possa lhe parecer, ainda conta pontos para o seu boletim!

Depois das duas terríveis aulas com os alunos de Katzin, eles seguiram para uma segunda e dolorosa aula de Biomagia. E a palavra que descreveu a aula era realmente essa, dolorosa. Os alunos estavam em um nível avançado de contato com suas plantas, que já começavam a ficar irritadas.

A Fantara d’ouro de Ralph lhe provocou algumas queimaduras na mão quando ele tentou coletar uma pétala para preparar uma poção.

- Use as luvas de couro de dragão. – berrou a professora em seguida – E você, Andrade, não aperte tanto o caule de sua planta ou ela vai...

Não dera tempo de terminar o aviso e Pedro Andrade foi mordido por sua planta carnívora e seus ossos ficaram expostos.

- Alguém leve este pateta para a enfermaria... – sibilou a professora.

- Alguém coloque a cabeça de Rick na boca daquela planta. – cochichou Kal a Guine e Ralph.

- Eu ouvi isso, Foster! – falou novamente a professora muito zangada.

Com o fim de toda aquela tormenta, os alunos de Tadewi caminharam até o quinto andar para assistirem a última aula do dia. Na primeira aula, Cacius iniciara uma revisão sobre Merlin, Donnovan, Foster e Kricolas, embora todos concordassem que esta revisão era desnecessária, já que todos os bruxos do Brasil conheciam a história de cor. No entanto, o que despertara a atenção geral fora Cacius dizer que contaria um pouco mais sobre a vida de Kricolas.

- Olá novamente, alunos! – saudou o diretor ao entrar na sala com seus costumeiro atraso de cinco minutos – Continuaremos com a Revolução dos Duendes de 1432, não é?

- Na verdade, professor, iríamos falar sobre Kricolas. – corrigiu Pedro.

- Oh, sim. Obrigado por lembrar esta cabeça velha, senhor Andrade.

Cacius não parecia nada convincente em seu papel de caduco, na opinião de Kal.

- Muito bem, vamos partir das origens então. Kricolas nasceu no mesmo período que Foster. Era filho de um vampiro com uma bruxa, Kricolas já nasceu poderoso, cresceu e ficou ainda mais. Diferente dos outros vampiros, ele podia andar naturalmente sob a luz do sol, e diferentemente dos outros bruxos, ele possuía grande força física e imortalidade. Foi um grande achado para Donnovan...

- E o que Kricolas ganharia ajudando Donnovan? – perguntou Camila Cerda após levantar a mão.

- Certo, Kricolas era uma aberração aos olhos dos outros, nem vampiros, nem bruxos o aceitavam. – Cacius parou por um segundo e deu uma piscadela para Kal – Ao lado de Donnovan, Kricolas seria finalmente reconhecido pelo seu grande talento, não importando a aparência que tivesse. Enquanto ficasse ao lado do Cavaleiro Negro, ele seria respeitado e aceito dentro de qualquer grupo.

- Professor! – interrompeu Guine.

- Sim.

- Se Donnovan era tão contraditório quanto a mistura de raças, por que admitiu Kricolas?

- Donnovan não aceitava a condição não mágica de alguns humanos, e não a mistura de raças. Os que não eram portadores de nenhum talento em especial eram dignos de viver, é o que ele pensava. E aos seus olhos, Kricolas era um ser quase perfeito. Forte e imortal.

- Por que quase perfeito? – agora quem interrompia era Ralph.

- Porque Kricolas não gozava de muita beleza. Era realmente horrendo. Mesmo assim se tornou o braço direito de Donnovan.

- Se ele era mesmo o maior soldado de Donnovan, por que não esteve no dia em que o exército foi derrotado, por, bem... quando foi derrotado. – disse Kal embaraçado por não querer chamar atenção.

- Não tenho dúvidas de que ele esteve lá. Não tenho dúvidas. Mas não permaneceu por muito tempo. E depois que se viu sozinho, fugiu e ficou desaparecido por muitos anos. Até que finalmente foi apanhado pela Guarda de Warren.

- E o que ele fez enquanto esteve livre? – indagou Kal muito curioso e com medo de ouvir uma determinada resposta.

- O mesmo que ele deve estar fazendo desde que fugiu de Warren. – respondeu Cacius tenebrosamente.

- Tentando trazer Donnovan de volta. – arriscou Kal, e os outros alunos prenderam a respiração a espera de um pronunciamento mais claro da parte de Cacius. Mas o professor, pelo menos naquele momento, calou-se e consentiu.

O final de semana havia chegado e todos os alunos tinham tempo livre para passearem pela Cidade dos Elfos, seja tomando sorvetes ou saboreando doces na Suor de Sapo, o mais popular ponto de encontro entre os estudantes. Alguns dos alunos mais aplicados passavam os dias de sábado e domingo lendo alguns livros na biblioteca da loja Livros & Boatos, o lugar preferido de Daimon, e também da maioria dos outros alunos de Angus. Kal, Ralph e Guinevere preferiam sentar-se na pequena praça no centro da cidade a espera de Adonis e Amanda que estavam pousados na casa da Rainha Eva. Os dois enviaram a Kal um recado, na noite anterior, para que ele os esperasse naquele mesmo lugar àquela hora.

- Estão demorando... – queixou-se Guine.

- Hei, olhem os Wosky! Não parecem a família perfeita?

Kal acabara de avistar Rick e seu pai saindo de uma pequena lojinha com janelas de vidro e uma portinha como as de faroeste. Rick saiu às pressas da loja como se estivesse prestes a explodir de tanto ódio. Não foi difícil perceber o motivo. Ao que parecia, Amadeus forçara o filho a cortar os longos cabelos que já desciam a altura do ombro. De onde estavam puderam ver nos lábios de Rick uma enorme indignação dizendo algo, como, “ele me paga”.

- Vocês estão aí! – Adonis e Amanda haviam acabado de chegar – E onde está o seu irmão?

- Deve estar na livraria, como sempre, pai.

- Olá, senhor e senhora Foster. – cumprimentou Ralph.

- Olá, como vai? – retribuiu Amanda procurando ser o mais atenciosa possível.

- Semana que vem vocês entrarão de férias! Júlio os levará para casa, meus queridos. Se quiser passar as férias conosco será bem vindo, Ralph.

- Obrigado, Sr. Foster. – disse Ralph muito alegre, aparentemente, seus pais não pareciam ficar em casa durante as férias de julho porque Ralph de imediato aceitou o convite.

- Amanda de eu tínhamos planejado passar o final de semana inteiro com vocês, mas soubemos que Thom piorou...

- Como assim piorou? – perguntou Kal.

- Bem, desde aquele dia na cripta ele tem estado no Hospital Nautilus, e... desta vez ele ficou inconsciente. Ninguém sabe porque isto está acontecendo, lógico ele é um vampiro, não deveria ficar doente, e isto não é normal.

- Ah... tudo bem então. Entendemos. – disse Guine desapontada.

Amanda e Adonis deram um abraço de despedida nos três, Adonis confirmou o convite com Ralph, em seguida esfumaçaram dizendo que iriam dar uma passada rápida na Livros & Boatos para despedirem-se de Daimon.

- Sempre Thom, sempre ele... – bufou Kal lembrando-se que fora ele, também, o motivo de terem caminhado até a Cidade do Norte, sozinhos, ele, Daimon e Guinevere.

- Acalme-se, Kal, ele está doente... – disse a garota colocando a mão por sobre o ombro do amigo.

- Olhe o lado bom, o vampiro que os seus pais “correm” atrás está doente e prestes e morrer, se é que posso dizer isso. Mas o vampiro que os meus pais procuram está bem vivo e matando pessoas!

- Não precisa ser tão grosso, Ralph. – falou Guinevere.

- Não estou sendo grosso...

- Pessoal. – falou Kal tranqüilamente – Vamos procurar algum lugar para esfriarmos a cabeça...

- Podemos ir para a Suor de Sapo, soube que eles têm refrescos ótimos. - sugeriu Ralph inutilmente.

- Um lugar onde não tenha ninguém. – falou Guine que parecia ler os pensamentos de Kal com seus tão esverdeados olhos.

Os três caminharam silenciosamente passando pelas repúblicas, pela loja que vendia quites de poções e por vários outros alunos que vinham das mais variadas direções, menos uma.

- Vamos para a loja Mausoléu! – falou Kal com o dedo erguido – Ninguém nunca vai lá, e, posso contar uma coisa para vocês.

Atravessar toda a cidade e caminhar mais um pouco não é a idéia de um fim de semana perfeito para um aluno de Avalon, mas lá estavam os três, finalmente alcançando o destino.

- Será que tem alguém? – perguntou Ralph olhando pela janela de vidro quebrada – Até parece que fecharam a loja.

- Vamos entrar para descobrir. – disse então Kal.

A velha loja continuava tão gasta e mofada quanto antes, com seus velhos móveis de madeira rústica, algumas caixas de papelão empilhadas perto das paredes, o velho balcão estava coberto por uma grossa camada de poeira, confirmando suas suspeitas de que o local fora abandonado por sua dona, que no início do ano vendeu para Kal e Daimon dois caldeirões.

- Estamos aqui. O que tem para nos contar, Kal?

- Calma Guine, vamos sentar primeiro. – disse procurando um lugar confortável. – muito bem, é sobre uma conversar que eu tive com o Prof. Tirso esta semana.

- E o que vocês conversaram? – perguntou Ralph enquanto se ajeitava num banco velho de madeira com apenas três pernas.

- Acontece que, mesmo não acreditando muito na existência do Livro de Merlin, existem bruxos o procurando! Eles querem encontrar o livro. Entendem?

Guine e Ralph balançaram a cabeça positivamente indicando que estava tudo certo.

- Eles estão preocupados. Preocupados com o que pode acontecer se Kricolas botar as mãos no livro. – deduziu Ralph.

- E o que pode acontecer? – perguntou Guinevere olhando fixamente nos olhos de Kal.

- Kricolas vence o jogo. E o prêmio é uma viagem da morte para a vida. Do esquecimento à aparição. Donnovan retorna ao nosso mundo, para pesadelo da maioria e delírio de alguns.

- Como? Não deve nem existir o pó dele. – falou Guinevere reafirmando seu ceticismo.

- Guinevere! Acorde! Preste atenção! É o Livro de Merlin nas mãos de Kricolas!

- E quem garante que este livro existe de fato, Kal? E se existir e ele não passar de um livro de receita de bolo?

- Cacius acredita! Tirso acredita, meu pai acredita! – enfatizou Kal sabendo que para Guinevere a opinião de Adonis contava muito.

- Tudo bem. Vamos supor, e apenas supor, que o Livro de Merlin exista e que seja super poderoso e que contenha os mais incríveis feitiços do mundo. Supondo tudo isso, o que nós podemos fazer?

- Eu sei que não há nada que possamos fazer. Não podemos chegar para Kricolas e dizer, “oi senhor, não vamos deixar você levar o livro, ok” – falou Kal com sarcasmo – mas precisamos convencer todo mundo, porque o governo está se omitindo, limitando-se a procurar por Kricolas!

- Eu penso diferente. – disse Ralph pela primeira vez desde que chegaram – Não podemos esperar Kricolas achar o livro! Vamos encontrá-lo primeiro.

Ralph parecia firme em sua colocação. O que era raro em acontecer. Geralmente ele se apoiava nas decisões de Kal ou Guine, mas agora fora diferente. Talvez ele estivesse se enquadrando perfeitamente com os ideais de Tadewi. Que aceitava alunos com vontade e poder de mudar os caminhos.

- Você só pode estar brincando Ralph...

- Certamente que não. Podemos encontrá-lo, Guine.

- E você pode me dizer como?

- Vamos pesquisar. Você e eu procuramos na biblioteca da escola e Kal pode procurar na biblioteca do Conselho Estudantil.

- Não acredito que vocês me convenceram... – falou a garota com a cabeça abaixada – Mas se vamos procurar, é melhor perguntar ao Daimon primeiro!

Guinevere estava coberta de razão. Se havia um aluno em Avalon que sabia de cór cada linha de cada livro da biblioteca, este aluno era Daimon. Suas horas livres e finais de semana eram dedicados a demoradas leituras que podiam se estender do sábado de manhã até à noite do domingo. O primeiro passo a ser dado então, era procurá-lo. Se Daimon não pudesse ajudá-los teriam que fazer uma busca minuciosa no acervo das bibliotecas.

- Daimon! – gritaram os três, finalmente depois de quase duas horas de busca.

- Oi! – cumprimentou.

- Queremos que você nos diga onde podemos encontrar o Livro de Merlin. – disse Kal e os outros dois atrás dele encararam Daimon com apreensão.

- Claro! – respondeu – Em quase todos os livros da biblioteca.

- Han? – espantaram-se.

- A maioria dos livros de história e feitiços fala sobre o Livro de Merlin, em geral o relatam como sendo uma lenda, mas ainda assim comentam.

- Como assim? – questionou Guinevere.

- Estou dizendo que basta você abrir qualquer livro de história que o índice trará algumas afirmações sobre ele. Com exceção do livro de Cacius “Caminhos do tempo”, não traz nada. Talvez ele não queira mostrar seu próprio ponto de vista, ou talvez ele não tenha um ponto de vista, mas eu acho que ele tem, sendo quem é. Cacius o todo poderoso. Dizem que ele é quase um oráculo sabem, vê tudo, sabe de tudo. E nem pergunta nada a ninguém. Como se tivesse olhos de águia, audição canina... não que falcões enxerguem mal, Ralph, mas é que dizer olhos de águia dá ênfase à frase, sabe como é...

- Cale a boca Daimon! – repreendeu Kal ao irmão que não parecia mais controlar o impulso de ficar falando – Agora, com uma resposta curta, onde, qual a localização do Livro de Merlin segundo os livros da biblioteca.

- Isto depende de quem escreveu o livro. Todo bruxo defende a hipótese de que o livro está no seu próprio país.

- Não há localização precisa?

- Na Inglaterra o livro está enterrado em Stonehenge, no Egito está sob a pata dianteira esquerda da Esfinge, no Japão ele está embaixo do monte Fuji. Na China ele está no meio da muralha e na Itália ele está escorando a Torre Piza...

- Já entendemos Daimon, já entendemos... – disse Ralph pedindo calma com as mãos.

- E no Brasil? Onde supostamente está o livro? – indagou Guinevere muito interessada.

- Esta é a melhor parte. Todos os livros brasileiros de história, com exceção o de Cacius, afirma que o Livro de Merlin está debaixo dos nossos narizes. Aqui, na Cidade dos Elfos! – respondeu ele de modo conclusivo.

- Na Cidade dos Elfos? – disseram os outros três ao mesmo tempo calando-se quando perceberam que já estavam chamando atenção.

- Isso é o mais estranho. Porque não tem um ponto em específico como nos demais paises.

- Tirso procurou, quer dizer, acho que estava procurando o livro por aqui... – deduziu Kal, mas foi interrompido por uma voz terrivelmente penetrante.

- Preparando outro motim, Foster? – Amadeus acabara de surgir com o seu ar fedido e pesado.

- Como assim motim? – perguntou Kal.

- Soube o que você fez com um aluno de Katzin e informei ao presidente do conselho.

- Só pode estar falando do babaca do seu filho! – encarou Kal, mas no segundo seguinte percebeu que fora um erro.

- Deveria agradecer por você não ser meu filho! Saberia muito bem o que fazer com esta sua petulância! O ano ainda não acabou, Kalevi Foster... – disse Amadeus fuxicando o nariz empinado e girando nos calcanhares seguiu adiante até entrar na Suor de Sapo.

Kal sentiu sua espinha esfriar como se Amadeus soprasse gelo. Uma forte dor incômoda lhe desceu pelo estômago arrancando-lhe um soluço.

- Você está louco? – berrou Guinevere – Ele é seu professor! Deu sorte por não levar uma suspensão!

- Melhor. Assim teria mais tempo para procurar pelo Livro de Merlin.

Na noite de domingo, Kal foi deitar-se anormalmente cedo. O dormitório que dividia com Ralph e Pedro estava vazio e silencioso. Era uma hora perfeita para fazer a projeção astral, mas Kal não quisera. Pretendia permanecer ali, descansando e preparando-se para a semana final e para as provas. Tudo era muito exaustante, provas, reuniões no conselho, mais provas..., a adorável família Wosky...

Continuando a pensar em coisa ruim, Kal levou seu pensamento até Donnovan. A curiosidade o aguçava saber como era o rosto daquele bruxo. Uma preocupação fútil, mas que não lhe fugia da cabeça. Começou a brincar com a imaginação, criando sua própria idéia de Donnovan. Feio, olhos esbugalhados, nariz anormalmente grande e torto, pele seca e enrugada, queixo fino, dentes muito grandes. Ninguém pode ser tão feio, pensou Kal lembrando-se que apesar de tudo ele era uma pessoa como outra qualquer, e não um resultado de mistura de raças tão diferentes como fora Kricolas.

Colocou então barbas longas e prateadas, cabelos desgrenhados e com tranças, olhos azuis. Vira então Cacius. Lembrando-se do professor, tirou debaixo do travesseiro a ametista e passou a encará-la com cuidado.

Viu-se sendo refletido e começou a girar a pedra nas próprias mãos, mesmo assim sua pequena imagem continuava ali, apenas alterando de forma de acordo com o relevo da pedra. Alguns minutos se passaram e ele continuou ali, estático, olhando-se. Mas a imagem então sumiu e a pedra ficou branca, como ficou em seguida tudo ao seu redor.

Kal levantou-se depressa. Viu que estava de pijama em uma trilha de terra batida e ao longe viu um homem esfumaçar e caminhar rumo a sua direção.

- Onde estamos? Quem é você? – perguntou ao homem que não parecia ouvi-lo.

Ele era razoavelmente alto, olhos tão azuis quanto o céu acima deles, cabelos acaju e bem lisos cobrindo-lhe as orelhas e uma franja muito bem desenhada em sua testa. O pescoço fino e comprido ostentava o rosto de uma pessoa decidida. Tinha as feições leves, nariz fino e delineado e uma boca rosada.

Quando o homem misterioso passou por Kal, com sua capa, tudo ficou branco novamente e ele agora estava de pé à frente de um outro homem. Forte e também decidido. Usava uma roupa negra assim como o cabelo e os olhos, tinha um sorriso maldoso e pouco convincente. Ele ergueu a varinha cor de ébano e gritou para o primeiro homem que estava a uns quinze metros.

- Veio assistir ao meu triunfo, Foster?

Um grande flash varreu toda a cabeça de Kal e ele percebeu o que estava acontecendo. Estava em uma visão do passado. No exato dia em que Foster vencera Donnovan, que supostamente, era o homem ao lado de Kal. Sua curiosidade fora saciada. Agora sabia que Donnovan era pálido e que tinha cabelos e olhos negros, nariz fino e testa curta. Era ele, o Cavaleiro Donnovan. E mais à frente o seu primeiro ancestral, Foster, que parecia ter saído de um briga, pois estava com um dos cantos da boca sangrando e a roupa suja de terra, além do suor escorrendo-lhe pelo rosto.

Um outro segundo se passou e um vasto exército de tantos outros bruxos surgiu atrás dele e de Donnovan... Afastando-se ao máximo, Kal depara-se com a monstruosa presença de Kricolas. Ele era realmente fora do comum.

- Quer que eu acabe com ele, mestre? – perguntou a Donnovan que em seguida consentiu com um breve acenar de cabeça.

- Perpétuo! – berrou Foster com toda a suas forças e a varinha erguida na direção de Donnovan e o exército.

Imediatamente, o Cavaleiro Negro agarrou Kricolas por um dos braços e o transformou em fumaça. Ao que parecia, ele fora transportado por seu mestre. O peito de Foster começou a brilhar intensamente. A luz emanou uma forte energia que passou a varrer todo o lugar. Donnovan gritava assim como todo o seu exército. Muitos deles tentaram esfumaçar, mas logo voltavam ao mesmo lugar. Estavam presos em um tipo de campo de força mágico.

Um forte vento soprou da direção de Foster, o que provocou uma pequena tempestade de areia, algumas pedras também foram carregadas pelo vento e uma delas voou na direção de Kal. Era uma ametista, e ele soube que era exatamente a sua. Ela aproximou-se do garoto com um estranho e forte brilho, antes mesmo que ela pudesse toca-lo, Kal obrigou-se a fechar os olhos e a partir de então perdeu a consciência. Segundos mais tarde, ele recuperou o foco da visão e olhou para as camas de seus dois companheiros de quarto, que já dormiam. Fez o mesmo.

Logo no café da manhã, Kal contou a Ralph e Guine os detalhes da visão que tivera na noite anterior. Os dois responderam com demorados “oh”, “minha nossa”, “pelas barbas de Merlin”... era tudo tão intenso e emocionante que continuaram falando sobre o assunto até chegarem ao castelo.

A primeira aula de Poções foi uma rapidíssima revisão geral para a prova de quarta-feira. Em Relações com a Natureza eles não tiveram a mesma sorte. A professora fez questão de passar o último assunto do semestre, algo sobre fotoperiodismo.

Como as aulas de Maldições já haviam acabado para os alunos que passaram no primeiro teste e Cacius tivera um problema em seu escritório, Tirso aproveitou a oportunidade para repassar seu último conteúdo antes das férias. Ele teve que ouvir alguns lamentos exaustos, até mesmo de Kal, mas finalmente convenceu os alunos com uma boa explicação do que seria a aula.

- Quero e preciso mostrar a vocês, alunos. – ele havia reunido as três turmas, Angus, Katzin e Tadewi, numa mesma aula em uma sala maior que a sua – Um feitiço nada poderoso, mas muito revelador. Ele poderá mostrar o caminho certo a ser seguido se vocês puderem compreendê-lo. Poderá ser de grande ajuda, quem sabe. Mas o mais importante é que todos vocês pensem no que irá acontecer aqui hoje. Vocês terão o mês de julho para refletirem sobre o Enid de cada um.

- Professor, o que é um Enid? – perguntou Kal e Daimon escondeu o rosto com as mãos como se estivesse envergonhado pelo irmão ter feito aquela pergunta.

- Enid, Kal, é a alma mágica de um bruxo. – explicou o professor – É a fonte de nossos poderes. É o que nos diferencia dos outros seres humanos. Quem não tem Enid, não tem dons mágicos.

- E como recebemos este Enid? – perguntou Kal novamente, Daimon apenas desejou ser um avestruz.

- Quando um bruxo nasce, ele recebe um Enid, um que já pertenceu a outro bruxo que morreu. É a presença do Enid que não nos deixa chorar quando nascemos. Alguns outros bruxos desenvolvem um próprio, estes bruxos tornam-se poderosos. Exemplos de bruxos com Enid próprio, quem poderia?

- Merlin, Foster e Donnovan. – respondeu Daimon de imediato tentando resgatar o orgulho ferido da família.

- Correto. Estes três bruxos nasceram com Enids próprios, quer dizer, Merlin tinha como Enid ele mesmo. Por isso era tão poderoso.

- E como um Enid nos escolhe? – perguntou desta vez uma aluna de Katzin.

- Ele escolhe o bruxo que tenha características bem semelhantes às dele. Por exemplo, o professor Cacius detém o Enid de Merlin! – vários alunos suspiraram outros agiram como se não fosse novidade – Agora, vou ensinar-lhes como descobrir seu Enid usando um feitiço chamado Revelarbus.

Tirso conjurou o feitiço no meio do círculo em que os alunos haviam se disposto e de sua varinha partiu um filete dourado que caiu no chão transformando-se em fumaça e revelou então um velhote com pouco mais do que um metro e sessenta, careca, olhos finos e joelhos ossudos.

- Meu tio avó, Zacarias. – apresentou Tirso – Meu Enid. Quem quer ser o próximo?

Ele começou a chamar aluno por aluno, começando pelos de Angus. Todos se saiam bem sucedidos com o feitiço, até o momento todos os alunos haviam reconhecido seu Enid como sendo um membro da família, até mesmo Daimon, que descobriu ter o Enid do bisavô Epaminondas Foster III.

- Revelarbus! – disse uma garota de Angus e um homem moreno e de terno verde apareceu a sua frente.

- O Reconhece, Ligia? – perguntou Tirso ao que a garota disse não, e o professor continuou – Alguns bruxos recebem Enid de pessoas sem nenhum tipo de laço sanguíneo. Lócus Amenus! – disse Tirso apontando para o Enid no centro da sala e este desapareceu.

Aos poucos todos foram sendo chamados, quando chegou a vez de Wosky, ele se apresentou aparentemente orgulhoso de si e pomposamente disse:

- Revelarbus! – uma fumaça prateada vazou de sua varinha e ilustrou o ar a sua frente com uma imagem amedrontadora. Um homem de capuz preto até os calcanhares, mal se via seu corpo escondido atrás de todo aquele pano, e por ele emanava uma fumaça gelada e arrepiante.

- Lócus Amenus! – falou o professor percebendo a cara de pavor nos alunos, desta vez não ousou perguntar quem era aquele bruxo e Wosky retornou ao lugar muito satisfeito.

Guinevere foi a primeira aluna de Tadewi a se apresentar. Seu Enid era, para espanto geral, uma criança. Uma pequena menininha de uns quatro anos. Ralph foi chamado logo em seguida e de sua varinha surgiu uma mulher alta e de corpo bem delineado, cabelos negros e olhos claros. Ela olhava de aluno para aluno como se procurasse algo, então encontrou Ralph, parou e sorriu.

- Sabem quem é ela, alunos? – perguntou Tirso, mas nem mesmo Ralph soube responder – Nefertiti. É um Enid milenar. Sabe-se que pertenceu a Morgana Lê Fay.

Todos olharam para Ralph admirados, Kal e Guine deram sorrisinhos e ele retornou ao lugar num tom de quase roxo.

- Vamos continuar... – prosseguiu Tirso.

- Hei, Kal! Quem você acha que pode ser o seu Enid? – perguntou Daimon silenciosamente para não serem ouvidos.

- Eu nem sei se tenho mesmo um. – respondeu.

- Não seja tolo! É claro que tem. Ainda posso apostar com você que é um Enid próprio.

- Por que, Daimon? – perguntou Ralph.

- Kal não nasceu bruxo! – respondeu – Ele desenvolveu habilidades mágicas quando tinha seis anos. Isso teve repercussão! Seus pais talvez se lembrem do Milagre Foster.

- Quer dizer que Kal pode ter um Enid próprio? Tê-lo desenvolvido quando tinha seis anos... – mentalizou Ralph como se fosse a coisa mais difícil de se entender.

- Kal Foster! – chamou Tirso.

Ele nem se dera conta de que já era o último aluno a ser chamado, todos o encaravam curiosos e ele passou a ficar mais nervoso. Os pouco mais de cinco segundos que o separavam do seu lugar ao centro da sala foram longos demais em sua cabeça, que passou a imaginar-se ali no meio da sala, na frente de todos, dizendo o feitiço, mas sem produzir qualquer efeito. Não sair nem uma fumacinha pra dizer que o Enid dele é o de uma ameba. Imaginou sua varinha ganhar vida e saltar de sua mão correndo para a de Wosky, dizendo que ele sim era um bruxo de verdade.

- Está pronto, Kal? – perguntou Tirso que assim como os outros parecia curioso para saber que tipo de Enid o Milagre Foster desenvolvera.

- Ah... ah... claro professor. Revelarbus!

De repente, toda a sua imaginação esvaiu-se. Sentiu um vento forte passar-lhe pela nuca, girar em torno de sua cabeça e descer pelo braço que segurava a varinha. Uma fumaça negra e densa se formou a sua frente dando lugar em seguida a um homem alto e robusto, rosto pálido contrastando com os olhos negros e frios. Tinha um sorriso maldoso e debochado.

- Lócus Amenus! – apressou-se em dizer Tirso percebendo o que estava acontecendo.

Alguns alunos haviam se afastado muito nervosos, enquanto outros tentavam entender o que estava acontecendo.

- Kal, acompanhe-me até a diretoria.

Tirso puxara-o pelo braço abrindo caminho pela multidão de alunos. Saíram da sala rapidamente e Kal ainda pensava no que acontecera.

Como pode isto? Meu Enid ser Donnovan.