quarta-feira, 14 de outubro de 2009

Capítulo 6 - A Caixa de Pandora

Após o sexto insistente toque, Kal puxou o gancho do telefone e com um ligeiro temor colocou-o na altura do ouvido direito. Nos dois primeiros segundos torceu para que fosse um engano e que seus piores pensamentos não se concretizassem. Naquelas férias, por inúmeras vezes, ele assistiu a filmes na televisão em que telefones explodiam ao serem atendidos, mas achou que ninguém que ele conhecia tinha esse estilo.

- Boa noite, pequeno Foster.

Todo o sangue de Kal congelou ao ouvir aquela voz grave que penetrou em seus ouvidos e o fez oscilar em cima dos joelhos. Somente uma pessoa o chamava de pequeno Foster. E não era o mais carinhoso de todos, muito menos o seu predileto. Era Kricolas.

- Gostou do meu show? – falou mais uma vez, com se nem ao menos se importasse de ter alguém consciente do outro lado da linha – Tenho muito mais criatividade do que esses humanos bobocas que se dizem mestres de espetáculo.

- O que você quer? – perguntou Kal reunindo toda a coragem que ainda tinha.

- Conseguir um pouco de divertimento, mas meu prêmio maior seria você. – disse Kricolas em um tom anormalmente sereno – E veja como isso soa romântico. Parece até mesmo um pai pedindo para o filho retornar ao lar.

- Já não nos causou sofrimento demais?

- Não venha falar de sofrimento comigo! – retorquiu com fúria – Você e seus malditos antepassados Foster arruinaram meus planos por diversas vezes! Aquele primeiro e amaldiçoado que tive o gosto de matar destruiu meu mestre e nossos seguidores, e então seu filho, argh! Garner Foster! MISERÁVEL, nunca tive a oportunidade de beber aquele sangue! Construiu Warren e deixou-me apodrecendo por quase um milênio! Depois, seu querido pai, Adonis Foster, um perfeito intrometido para completar a linhagem. Meteu-se onde não deveria e fui obrigado a matá-lo. Sem falar nas outras tantas gerações de Foster que comandaram aquele maldito cativeiro que me consumiu quase por inteiro. Mas você, pequeno Foster, é o meu favorito, a minha sina... me pequeno milagre. Devo dizer que você ganhou o meu respeito por ter sobrevivido ao feitiço que matou seu pai, é claro que...

- Cale a boca! Cale a boca! Não fale do meu pai! – gritava Kal, enquanto Guine, Daimon e Sara olhavam para ele preocupadíssimos.

- Não ouse me interromper, se não irei pessoalmente me certificar de que você jamais fará isso de novo. – retrucou Kricolas com impaciência. Neste momento, Kal fez menção em largar o telefone, mas como se estivesse sendo observado de perto, o meio-vampiro rugiu.

- Não desligue, ou os pais de sua amiguinha humana sofrerão.

Kal sentiu toda a seriedade na voz de Kricolas e apenas assentiu que sim esperando que tivesse sido entendido.

- Como dizia antes de ser interrompido, – prosseguiu numa voz cordial – aquele dia você somente sobreviveu graças ao presente de Cacius. Aquela ametista sugou o meu feitiço e permitiu que você vivesse para sofrer mais um pouco. Mas foi bom que tenha acontecido. Tenho planos para você este ano, pequeno Foster. Como lhe disse na Cidade dos Elfos, meu mestre mora em você e com um pouco da minha ajuda e os exercícios certos ele poderá renascer em meio ao sangue que um dia o destruiu. Não seria irônico?

- Eu nunca vou cooperar com você! – disparou.

- Com a motivação correta irá sim, irá sim...

- O que você quer de mim ainda, Kricolas? Não se dá por satisfeito? Você matou os pais de Guinevere, e toda a família de Thalis – disse Kal puxando as informações da memória – Mais recentemente Mardo, não é? Para quê isso? Por que causar sofrimento nas pessoas? Monstro! – berrou Kal e teve certeza de que todos ao alcance de uns dez metros ouviram-no com clareza.

- Você ainda não descobriu qual o meu objetivo? Quer que eu desenhe? – debochou – Ora, pequeno Foster, pode ter coragem e determinação, mas não tem um bom cérebro. Eu não faço as pessoas sofrerem, apenas julgo se elas são descartáveis ou não para o meu propósito de ressuscitar meu mestre. Você ainda não é descartável, preciso de você vivo. Mesmo que não pareça. Este ataque foi apenas uma forma de me manter vivo em sua memória. E também tenho uma motivação pessoal de irritar os homens do governo. Uric Scheiffer, ainda o pego...

- Você nunca o pegará! Ele é um... – Kal parou abruptamente percebendo que Kricolas não estava mais do outro lado da linha após ouvir o sinal do telefone.

Kal colocou-o no gancho e olhou para Guine e Daimon, apático. Os dois o encararam com certa curiosidade, mas decidiram não comentar nada na frente de Sara. Kal, no entanto, não a poupou de nenhum detalhe da conversa, imaginando que algum guarda de Warren iria desmemoriá-la ainda naquela noite, como sempre faziam com não mágicos quando estes descobriam algum segredo sobre os bruxos.

- Quer dizer que Kricolas fez toda essa barulheira para chamar a sua atenção? – indagou Guinevere, incrédula – Ele não queria mesmo matá-lo? Ele fez aquelas criaturas o arrastarem para um lugar vazio apenas para assustar?

- Foi o que pareceu. – confirmou Kal, secamente.

- Quem é Kricolas? – perguntou Sara mostrando-se por fora do assunto dos amigos – Quem são vocês? Ou o que são vocês? Quem são aquelas criaturas e por que elas atacaram a todos no circo sendo que esse tal de Kricolas só tinha interesse em vocês três?

- Kricolas é um meio-vampiro sanguinário em busca de vingança pelo seu mestre morto por nosso antepassado, ah, ele também quer ressuscitá-lo usando um artefato mágico que ele roubou ano passado. Somos bruxos, mas ainda assim humanos como você ou qualquer outra pessoa. E respondendo a última, Kricolas ordenou esse ataque em massa porque ele é pirado. – respondeu Daimon, quase perdendo o fôlego porque estavam andando apressados até o carro dos Chiabai.

- Vocês? Bruxos? – repetiu incrédula.

- Levitoriano! – disse Kal acertando uma lixeira e fazendo-a levitar – Acredita agora?

- Bruxos não existem! Magia não existe!

- Existe sim, e aqui estamos nós. Também existem fadas, elfos, saci, curupira e tudo o mais que você leu em livros ou ouviu em histórias. – retorquiu Daimon com seriedade.

- Sara, é muito importante que tudo o que você viu hoje seja mantido em segredo. – disse Guinevere olhando fundo nos olhos da garota.

- Não há com o que se preocupar, Guine, alguém irá desmemoriá-la. – falou Kal.

- Você quer dizer, fazer eu esquecer tudo o que aconteceu? – perguntou com a mão na cintura – E se eu não quiser?

- Eles te amarrarão e farão assim mesmo. – finalizou Daimon, sem demonstrar nenhum tipo de ressentimento.

- Não podem! Não quero! – exclamou furiosa.

- E não iremos. – disse uma voz. Era Ivo – O que ainda fazem no parque?

Por um momento, Kal pensou em falar da ligação que recebera, mas achou que aquela informação não era necessária para Warren. Seu bom-senso dizia que sim, mas um lado de seu cérebro ficara relutante em contar. Esse lado venceu.

- Estamos saindo. – desculpou-se Kal.

- Não quero que apague minha memória! – disse Sara com bravura.

- E como já disse, não vou. Tenho ordens para deixá-la como está. No entanto a memória de seus pais já foi alterada. Como a de todos os outros não mágicos no parque. – informou Ivo.

- E por que ainda estão gritando? – perguntou Daimon olhando para trás e vendo ainda um resquício de pessoas desesperadas.

- Eles, agora, acham que os Griphons são vândalos disfarçados. Pobres ignorantes...

- Hei! – resmungou Sara.

- Desculpe. – disse honestamente – Sem enrolação, quero que vocês vão imediatamente. – frisou – É muito importante que fiquem seguros.

Os quatro acenaram com a cabeça e correram desenfreados. Sara sentiu um alívio imenso em sua cabeça sabendo que não perderia parte de suas lembranças, mas ainda seria difícil para ela aceitar que tinha amigos com poderes mágicos e que na cola deles havia um meio-vampiro assassino.

- Vocês têm mais algum inimigo? – perguntou.

- Kricolas não é nosso inimigo em particular. – respondeu Kal – Ele é inimigo de toda a comunidade mágica.

- Comunidade mágica? Quantos mais de vocês existem?

- Milhões no Brasil. Existem bruxos vivendo por todos os cantos, até mesmo embaixo da nossa lagoa. – disse Kal, como se o que estivesse falando fosse a coisa mais sensata do mundo para um não mágico.

- O quê? – espantou-se – Eu tomava banho lá quando era criança.

- Aquele é um lugar novo para os bruxos. Mas existem outros lugares muito mais antigos do que o próprio Brasil, entende?

Sara assentiu, mas resolveu continuar com o questionário.

- Onde vocês aprendem a fazer magia?

- Em uma escola, naturalmente. – respondeu Daimon.

- Será que um dia eu poderia conhecê-la?

- Duvido muito. Humanos sem poderes mágicos não têm acesso às cidades mágicas. Já é uma grande coisa você poder saber da nossa verdadeira existência. – disse Guine.

- Não entendo ainda por que permitiram que você soubesse de tudo. – disse Daimon, reflexivo.

- Ivo disse que tinha ordens de não trabalhar com a mente de Sara. Mas de quem será a ordem? – questionou-se Kal.

- Olha lá os meus pais.

Sara correu por entre os outros carros do estacionamento até que finalmente alcançou os braços abertos de Alexandre e Mara Chiabai.

- Graças a Deus vocês estão bem. – disse Mara – Dois policiais nos disseram para esperarmos aqui... não pudemos fazer nada... Kalevi! Este braço, está, está... – gaguejou procurando a palavra certa – Horrível!

- Está tudo bem comigo, sério. – disse meio que sem confiança enquanto segurava o braço contra o corpo.

- Depressa. Quanto mais rápido sairmos, mais seguros. – disse Alexandre já segurando a chave do carro.

Kal abriu a porta de trás do sedan e entrou com tanta pressa que nem ao menos reparou que sentara em um envelope amarelo. O carro foi ligado e em alguns minutos de estrada, os quais foram usados para comentar a “rebeldia dos jovens que atacaram o parque”. Os quatro garotos entreolharam-se e por um momento Sara sentiu inveja da inocência a que os pais foram forçadamente submetidos.

Alexandre guiou o veículo até alcançar a extremidade máxima da Rua Guaçuí. Kal, Daimon e Guinevere saltaram do carro atentos para qualquer movimento ao redor deles. Os três agradeceram aos Chiabai pelo “passeio” e despediram-se. Antes que o carro sumisse de vista, Sara gritou para eles que na manhã seguinte, logo após o café, ela iria visitá-los para continuar o assunto da noite. Na verdade foi um “Até amanhã cedo”. Mas podia sim ser interpretado dessa forma.

Kal abriu o portão utilizando a varinha, não queria perder nem um segundo do lado de fora procurando a chave certa. Atravessaram o jardim, fortemente vigiado pelas estátuas vivas que ganharam da Rainha Eva. Alguns gnomos apenas balançaram a cabeça ao vê-los passando, outros correram para escoltá-los até a porta.

- Obrigada. – agradeceu Guinevere, alisando a careca de um deles.

- Meninos! – disse Amanda saltando do sofá em direção à porta – Vocês nunca mais sairão à noite!

- Estamos bem, mãe. Não se preocupe. Soubemos nos defender.

- E os guardas de Warren? Não apareceram? – perguntou indecisa.

- Sim. Um tal de Ivo Gostuânia nos ajudou também. – respondeu Kal.

- Por Merlin! Apenas um?

- Não sei dizer, mas acho que havia outros sim. O movimento dos Griphons foi rapidamente contido, depois que o Ivo se identificou como guarda. Acredito que outros tenham lutado por lá. – prosseguiu Kal.

- E os Chiabai? Como estão?

- Acredite, estão melhores do que a gente. – disse Daimon – Os guardas tiraram a memória deles e de todas as outras pessoas que estavam lá. Fizeram todas acreditarem que foi um ato de vandalismo.

- Quase todas, Daimon. – corrigiu Guine.

- Como assim?

- Sara Chiabai teve a memória preservada.

Amanda levou uma mão à boca e caiu sentada no sofá.

- Mas por quê?

- Ivo disse que ele tinha ordens de não mexer com as lembranças dela. – informou Kal, vagamente.

- Quer dizer que ela sabe dos Griphons?

- E de nós também. – Kal resolveu omitir mais uma vez a parte sobre Kricolas.

- Por mil escamas de dragões... quem deu essa ordem?

- Não sabemos. – disse sinceramente, Guinevere.

- Amanhã falarei imediatamente com o professor Cacius. Agora, tomem um banho e durmam. Não quero saber de mais nenhum detalhe desta noite, ou nunca mais conseguirei dormir. Kal, filho, depois do banho vá até meu quarto para cuidarmos deste ferimento. – disse ela apontando para o braço ensangüentado do garoto.

Kal não se importou em nada em não ter que contar a mãe sobre suas aventuras dentro do circo e no trem fantasma. Sentiu apenas uma imensa vontade de limpar todo o corpo com água fria, tratar o braço ferido e ir dormir. Uma noite de sono seria o suficiente para refrescar a sua mente de tudo aquilo. Na manhã seguinte, Sara chegaria até eles com uma vasta lista de perguntas e sem saber por que, Kal sentia-se na obrigação de respondê-las. Más só amanhã... Pensou.

Muitas horas depois, Kal foi acordado por um irritante raio de sol que penetrou pela janela e repousou bem em cima de seus olhos. Uma noite de sono não fora o suficiente para recuperar os ânimos do garoto que levantou soltando impropérios que acordaram Daimon em seguida.

- Bom dia... – falou Daimon, espreguiçando-se em meio a um longo bocejo.

- Bom dia. – respondeu Kal acompanhando o irmão no bocejo – Isso pega...

Os dois desceram até a cozinha, ainda de pijamas, para tomar o desjejum. Lá estava Guinevere, que sempre levantava cedo, não importando a ocasião, e Amanda que estava segurando uma garrafa de café quente na mão quando os dois entraram fazendo barulho com o arrastar de pés.

- Dormiram bem? – perguntou Amanda – Porque eu não. Um dia meu coração ainda escapole pela boca. Se eu pudesse enviá-los mais cedo para Avalon eu ficaria muito mais tranqüila. Mas as Repúblicas ainda estão fechadas e não quero incomodar a Rainha Eva com minhas preocupações maternas.

- Tudo bem, mãe. Não há perigo aqui em casa. Estamos bem protegidos. – tranqüilizou Kal, imaginando que talvez a mãe mudasse de idéia quando ouvisse Cacius dizer que Cidade dos Elfos não era mais um lugar seguro.

- Olhe para o seu braço! Isso é proteção? – apontou para os ferimentos do garoto.

- Não vai passar disso. – falou Kal mantendo a calma.

- Não vai mesmo! Daqui vocês não saem mais. – disse em definitivo – Nem mesmo de dia. Não posso arriscar perder vocês. São tudo o que eu tenho...

Os três puderam sentir a comoção na voz de Amanda e não quiseram chateá-la com desculpas de que lá fora não era perigoso. Afinal, faltavam apenas duas semanas para as aulas recomeçarem em Avalon e na Cidade dos Elfos eles teriam muito mais liberdade para agir.

- Ok, mãe. Combinado. Não sairemos mais... – disse Daimon tentando disfarçar o desânimo.

Os quatro sentaram-se para tomar o café e comer um pão feito pela própria Amanda. Os programas de culinária que ela assistia na televisão estavam realmente valendo a pena. A cada dia ela aparecia com uma massa diferente de pão e bolo, além de receitas de sobremesa de encher os olhos e a boca com saliva.

Kal ainda estava com seu último pedaço de pão a meio caminho da garganta quando a campanha do portão de entrada tocou. De imediato ele soube que era Sara. Ele apressou-se a tomar mais um gole de café para facilitar a descida do alimento e correu para o segundo andar a fim de se trocar.

Ele subiu a largos passos pensando no que Sara perguntaria ainda. Afinal, ela já sabia que eles eram bruxos, que eram perseguidos por um meio-vampiro e que as criaturas da noite anterior serviam a ele, Kricolas. Kal inclusive usara a varinha na frente dela. E ainda tinha Ivo que revelou à garota sobre o que ele e os outros de Warren estavam fazendo com os não mágicos e que fizeram o mesmo com o senhor e senhora Chiabai.

Kal retirou a primeira peça de roupa do guarda roupa e jogou-se dentro dela o mais rápido que pôde. Ainda estava enfiando uma das mãos na manga da camisa quando retornou ao primeiro andar. Sara estava de pé ao lado de Amanda, Guinevere e Daimon. Amanda estava séria e ordenou que os quatro a acompanhassem até a cozinha. Eles seguiram em fila. Sara parecia mais nervosa que os demais. Não podia ser diferente.

- Sara, - começou Amanda olhando bem nos olhos dela – precisamos que entenda que não somos pessoas ruins. Eu sei como os não mágicos deterioraram a história dos bruxos através dos séculos. Nos associam a tudo o que é ruim, mas não é bem assim. Existem bruxos bons e bruxos ruins. Nós somos os bons e ontem você viu o que bruxos ruins são capazes de fazer. Compreende?

A garota acenou que sim com a cabeça, parecia menos nervosa naquele momento.

- Por que vieram para cá? – perguntou, honestamente, imaginando-se por que uma família de bruxos se mudaria para uma cidade habitada somente por humanos comuns.

- Coisas terríveis aconteceram conosco no ano passado. – respondeu Kal percebendo que sua mãe seria incapaz de responder a essa pergunta simples.

- Que coisas? – insistiu.

- Desculpe, mas essa é uma ferida que está cicatrizando ainda. Não queremos remoê-la. – disse Amanda em tom convincente.

- Nossa vizinhança corre algum perigo com vocês estando por aqui?

- No tempo em que vivemos, todos os humanos correm perigo. Bruxos ou não. - prosseguiu Amanda com temor na voz.

- Como assim? – indagou mais uma vez Sara, mostrando-se obstinada a obter todas as informações.

- Essa história pode ser muito maior do que pensa. – iniciou Guinevere – Mas vamos fazer um breve resumo.

Ela concordou com a cabeça.

- Há alguns anos, o meio-vampiro, Kricolas, fugiu da penitenciária de Warren. – informou Kal – Ele tinha um mestre chamado Donnovan, que foi destruído por um antepassado nosso. Enfim, como Daimon explicou para você ontem, Kricolas roubou um artefato mágico poderoso para ressuscitar o tal mestre. Donnovan é um bruxo cruel e que odeia não mágicos. Ele quer acabar com todos vocês.

- Quer dizer... eliminar todos que não tiverem poderes como vocês?

- Isso. – confirmou Daimon – Mas acreditamos que ele vai querer uma vingança antes. Por isso estamos aqui. Nos escondendo.

- Pai! – exclamou com a mão na boca – Vocês correm sério risco de vida...

- Nem tanto. – interrompeu uma voz.

Quando Sara percebeu que o falante era um gato cinza que estava sentado no parapeito da janela ela deu um salto para trás.

- Esse gato... ele fala? – perguntou incrédula apontando para o felino com o indicador direito enquanto a mão esquerda segurava o queixo para que não caísse.

- Mais respeito! Eu não sou um gato. Sou um guarda de alto-posto em Warren. – declarou.

- Algum problema, Stuart? – perguntou Amanda reconhecendo o gato.

- Vim apenas conferir se está tudo bem por aqui.

- Estamos. – disse Kal.

- E a garota? – perguntou espiando Sara – Soube que Uric deu uma ordem para não desmemoriá-la.

- Uric Sheiffer permitiu isso? – questionou Amanda.

- Sim, senhora. Uric é o único em Warren que tem poder para essa decisão.

- Stuart, o Folha Mágica publicou alguma coisa sobre o incidente de ontem? – indagou Amanda mudando de assunto.

- Sim, em uma notinha de rodapé. Eles ocuparam todo o jornal com uma única e grandíssima matéria.

- Que tipo de matéria poderia ser de maior destaque do que um ataque de Griphons em uma cidade não-mágica?

- A de um roubo muito, muito estranho. Também realizado por Kricolas. – disse o guarda.

- E quem foi roubado? – perguntou Sara já se sentindo parte daquilo tudo.

- O fauno Saguior. – respondeu Stuart com uma má vontade estampada em seus olhos felinos por estar dando informações a uma simples garota humana.

- Saguior? – duvidou Kal – O fauno que faz parte do Conselho de Magia?

- O próprio.

- O que foi roubado dele? – perguntou Amanda curiosa.

- Leiam vocês mesmo. – disse o gato estendendo a cauda, que enrolava o jornal.

O mal pode estar à solta

Foi roubado da Biblioteca Central da Cidade do Norte, ontem, um dos artefatos mágicos mais antigos e controversos da antiguidade. O artefato era guardado em sigilo pelo fauno Saguior que amargamente lamentou a perda. Segundo ele, pela manhã uma garota chamada Tamisa Spineli apareceu na biblioteca procurando um inocente livro de poções, ele a deixou sozinha por um tempo e segundo suas suspeitas ela averiguou onde ele guardava o artefato.

Na mesma noite, Saguior foi surpreendido por ninguém menos do que Kricolas. O meio-vampiro parece estar colecionando artefatos mágicos antigos. No ano passado, ele localizou o lendário Livro de Merlin, carregando-o consigo. No entanto, Saguior tem seus temores, pois o artefato mágico em questão era nada mesmo do a Caixa de Pandora.

Segundo lendas populares e alguns relatos históricos, a Caixa de Pandora abriga os males do mundo. Emoções terríveis, como, ódio, inveja, desprezo... Questionado pela nossa equipe o por que dele estar com a caixa, Saguior simplesmente respondeu “protejo a caixa muito antes de todos que existem no mundo usarem fraudas”. Sabe-se que Saguior é uma das criaturas mágicas mais antigas existente, mas não sabemos o quanto. Essa informação a nós não foi revelada.

Alguns bruxos que trabalham no Departamento Secreto do Governo acreditam que Kricolas pretende abrir a caixa e lançar sobre a Terra um reino de maldições, mas o enigmático Cacius Henrique, diretor da Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon, rebateu a teoria dizendo que nenhuma pessoa com más intenções poderia remover a tampa da caixa.

O novo Ministro da Defesa e Segurança Mágica, Dorian Gulemarc, afirmou que Saguior cometeu um grave erro ao não passar a responsabilidade de proteger a caixa para o governo. Segundo o ministro, Saguior possui um temperamento egoísta e de difícil compreensão, mas ele não acredita que o fauno seja totalmente inocente nessa história. “Admito que Saguior é um dos seres mais poderosos que já conheci. Por tal fato, não acredito que alguém pudesse arrancar qualquer coisa dele, mesmo esse alguém sendo Kricolas. Se Saguior foi confiado à caixa ou não, jamais saberemos ao certo, mas para mim ele facilitou o lado dos vilões. Por isso abri uma investigação minuciosa e esta noite teremos uma reunião no Conselho de Magia para decidir o futuro dele”, disse hoje cedo em nossa redação.

O que nós cidadãs podemos fazer é torcer para que os problemas se resolvam e os culpados sejam punidos com a varinha da lei.

- Inaceitável! – exclamou Amanda – A Caixa de Pandora! Aqui, no Brasil! Na Cidade do Norte... não faz sentido...

- Estou tão surpreso quanto a senhora. – disse Stuart – Esperaremos até à noite para sabermos o que vai acontecer a Saguior, mas duvido que o ministro vá facilitar o lado dele.

- Isso tudo é injusto. – protestou Kal – Saguior nunca faria nada para prejudicar ninguém.

- Você o conhece? – perguntou Sara perplexa com todas aquelas novidades.

- Sim. – respondeu. Guinevere e Daimon o olharam curiosos – Por que não vamos lá pra cima. – sugeriu – Mamãe e Stuart devem estar querendo conversar.

Antes mesmo que Amanda fizesse um sinal em protesto, Kal já havia desaparecido da cozinha com Daimon, Guine e Sara em seus calcanhares.

Os quatro subiram agitados até o quarto de Kal e Daimon. Kal olhou para o lago pela janela e começou a falar.

- Quando Cacius me levou até Celacanto. – disse apontando para o centro do lago – A cidade que eu disse ficar lá no fundo. Pois bem, fomos até lá e eu entrei com ele na sala de reuniões do Conselho de Magia. Saguior estava lá também. Mas quando foi realizada a votação para eleger o novo ministro, nós dois tivemos que nos retirar e Saguior me levou para uma sala de treinamento, ou sei lá o que era aquela sala. Enfim, ele me ensinou um feitiço de proteção diferente do Réplica. O mesmo que usei para nos proteger dos Griphons, Sara – disse olhando fixamente para a vizinha com cumplicidade – Dorian Gulemarc insultou Saguior e Cacius o defendeu com unhas e dentes, entendem o que eu digo?

- Cacius tem plena confiança nesse Saguior. – adivinhou Daimon.

- Exato! Cacius não costuma se enganar quanto as pessoas. E Saguior também me pareceu ser digno de confiança.

- Acha que Dorian está inventando coisas, então? – indagou Guinevere, Sara assistia a tudo impassível.

- Dorian é o pior tipo de bruxo que já conheci. – comentou Kal.

- Pior do que o Kricolas? – questionou Sara ajeitando-se na cama onde estava sentada.

- Muito pior. Ele é mascarado. Disfarça seus planos e artimanhas. Ele armou para cima de Bernardo Mcflex, lembram-se dele?

- Escritor da Terra? – certificou-se Guinevere.

- Ele mesmo. Com investimentos do setor em que Dorian trabalhava, Bernardo produziu um pó capaz de esfumaçar qualquer pessoa para qualquer lugar. Como ninguém além de Bernardo sabia que o produto fora custeado pelo governo, Dorian quis lucrar um pouco, mas foi desmascarado em frente ao conselho, porém deu a volta por cima e culpou Bernardo e se não fosse pela interferência do pai de Ralph estaria preso agora.

- Que horror! – espantou-se Guine – Mas qual o propósito de manter Saguior longe?

- Isso eu já não sei. Mas tenho certeza de que ele fará de tudo para mandar Saguior para Warren. – concluiu Kal.

- E esse Cacius? Não fará nada? – perguntou Sara, por dentro do assunto.

- Cacius é apenas um membro do Conselho, seu voto pode não fazer diferença. – desanimou Kal – Fazendo as alianças corretas, Dorian poderá conseguir o que quiser. Ainda mais agora no posto de Ministro da Defesa e Segurança Mágica.

- E o que vocês podem fazer a respeito? – indagou Sara, erguendo-se da cama.

- Eu vou até a Celacanto hoje à noite. – disse Kal com um tom aventureiro na voz.

- Tia Amanda disse que não deveríamos sair mais de casa. – protestou Guinevere com bravura.

- Não vou sair de casa. Celacanto está no meu quintal. – respondeu Kal ironicamente.

Guinevere levou uma mão na testa em ar de derrota e disse:

- Ok. Kal, não nos deixariam participar da reunião. Não somos membros do conselho!

- Eu sei, Guine. Mas quero estar lá, não importa o quanto custe.

- Tudo bem, nós vamos. – frisou – Não vou deixar você sair por aí sozinho.

- Posso ir também? – perguntou Sara posicionando-se na janela para ver o lago.

- A sorte lhe sorriria mil vezes antes que te deixassem entrar em uma cidade mágica. – respondeu Daimon com um sorriso nos lábios.

- Como assim?

- Existem vários encantamentos que protegem nossas cidades da presença de na mágicos. – respondeu.

Sara baixou o rosto em desânimo, mas não se deixou ficar abatida, logo o ergueu e disse com um perceptível ar de alegria recheando cada uma de suas palavras.

- Estou honrada por vocês estarem compartilhando tantos segredos comigo. Estou mesmo. Nunca imaginei que um dia estaria conversando com bruxos de verdade, muito menos descobrir que o lago em que passei metade da minha infância é uma cidade mágica. Sabe, este está sendo o melhor ano da minha vida e espero que ele só fique melhor até o final. Saibam que o segredo de vocês está seguro comigo, não sei como poderia provar isso, mas espero que minha palavra baste. Já os considero amigos e torço para ser correspondida. – neste momento ela fixou sua atenção em Kal que ficou levemente corado – Qualquer ajuda que precisarem vocês sabem onde me procurar. Agora, tenho que ir.

Sara deu um sorriso de despedida e saiu do quarto tranqüilamente, dali era possível ouvir o som que seu tamanco produzia no assoalho e meio segundo depois ouviram ela se despedindo de Amanda.

- Acha que ela é confiável? – perguntou Guine a Daimon.

- Acho. – respondeu Kal instintivamente.

- Eu perguntei ao Daimon. – repreendeu Guine.

- E porque não a mim?

- Porque opinião de quem está apaixonado não conta.

Os três amargaram com as horas até o pôr-do-sol. Amanda nem ao menos desconfiava o que eles tramavam. Assim que a lua iluminasse a superfície da água do lago, eles chamariam por Viviane para que juntos pudessem chegar até Celacanto.

No momento em que o sol se pôs, eles prepararam-se para a janta, correndo até a cozinha para fugir dos olhares inquisidores de Amanda comendo alguma coisa. Em seguida, eles sentaram-se no sofá com Amanda para assistirem um pouco de televisão, ela agora parecia ter se acostumado com a magia circulante dentro da casa e já estava funcionando bem melhor.

A lua já brilhava alto lá fora e os três estavam inquietos quando finalmente Amanda subiu para tomar banho eles não perderam tempo para agirem. Correram até a margem do lago e Kal tentou se lembrar de como Cacius fizera para chamar a mulher da gôndola.

- Talvez eles mantiveram contato mental. – sugeriu Daimon.

Kal forçou sua memória e aproximou-se ainda mais da margem do lago. O vento já empurrava a água até seus pés, como antes. Ele sacou a varinha e com a sua ponta tocou a superfície do lago. Imaginou que Cacius pudesse ter usado um feitiço, mas ele não se lembrava de tê-lo ouvido usando, ou ter visto algum efeito, geralmente os feitiços produziam clarões bem perceptíveis.

- Viviane, você pode vir nos buscar? – perguntou Kal, por impulso.

Uma névoa cobriu toda a extensão do lago, como se ele estivesse evaporando rapidamente.

- O que é aquilo? – perguntou Guinevere apontando para uma sombra que se aproximava. Era Viviane com sua gôndola, sem remos ou motores.

- Boa noite, meninos Foster. Boa noite para você também senhorita Lingenstain. – saudou Viviane – Podem subir.

Kal subiu primeiro ajudando Guinevere e Daimon em seguida. A gôndola recomeçou a se mover indo em direção ao centro do lago. Viviane estava de braços abertos, a brisa tocando suavemente seus cabelos loiros brilhantes que de tão brancos se misturavam com a névoa.

- Você é uma bruxa? – perguntou Daimon à mulher.

- Quase...

- Um fantasma, então? – prosseguiu.

- Muito próximo a isso... – disse evasivamente.

- Um espírito?

- Está esquentando...

Daimon deu de ombros e resolveu não questionar mais a existência de Viviane.

- Cacius me disse que ela é a guardiã deste lago. – informou Kal, baixinho.

- Chegamos. Segurem-se firme.

Os três seguraram-se nas bordas da gôndola quando ela começou a girar e a descer para o fundo do lago. Guinevere e Daimon sentiram uma aflição por imaginarem-se descendo até o fundo. Cercados por água sem poder respirar.

Alguns segundos depois, seus medos foram perdidos. Estavam agora flutuando e descendo às margens do lago que beirava a cidade de Celacanto.

- Ela é linda... – admirou-se Daimon ao ver as construções em puro marfim.

A cidade estava diferente do que o dia anterior. Outras cinco lojas haviam sido abertas da noite para o dia e a única rua da cidade parecia ter ficado maior, embora o tamanho das demais lojas e do lago não parecia ter diminuído um centímetro.

- O novo ministro quer aumentar o número de moradores aqui em Celacanto e promoveu este aumento repentino. – explicou Viviane percebendo o espanto de Kal – É bem provável que em poucos meses esta cidade esteja tão grande quanto a Cidade dos Elfos.

Kal olhou para ela admirado, mas não questionou mais nenhum assunto. Estava distraído com o número de bruxos que havia lá embaixo. Celacanto fervilhava. Pessoas esfumaçavam a todo o instante, algumas até mesmo já usavam o pó de bobetônia que Bernardo criara.

- É aqui que os deixo. – disse Viviane em uma voz pesarosa – Espero que encontrem o que procuram.

- Obrigado, Viviane. – agradeceu Guinevere gentilmente enquanto desciam do barco.

A mulher inclinou a cabeça em sinal de respeito e desapareceu por entre as brumas que se ergueram.

- Vamos até o Conselho de Magia. – disse Kal, pouco pensativo.

Seguiram caminho por entre a multidão de bruxos, todos muito agitados, falavam alto, por vezes xingavam, faziam gestos estranhos com a mão, mas para eles nada fazia sentido algum. Procurando um rosto conhecido, Kal ergueu seu pescoço o mais alto que pôde. Ele olhava de um lado para o outro atento a cada uma das pessoas. Quando virou-se para a sua direita deparou-se com seu amigo de Avalon, Ralph Scheiffer, filho de Uric, o Guardião-chefe de Warren. Ralph ainda era poucos centímetros menor do que Kal, tinha olhos bem castanhos e um cabelo loiro escuro, pele clara e um pouco queimada de sol.

- Ralph! – gritou Kal ao vê-lo, contente.

Ele virou-se ao ouvir o chamado e abriu um sorriso exibindo seus dentes brancos. Ralph abriu caminho por entre as pessoas e chegou até os amigos.

- Sabia que vocês viriam. – disse olhando de Kal para Guinevere e por último Daimon – Papai disse que vocês estão morando na margem do lago aqui em cima.

- Exato. – confirmou Daimon.

- O que você faz aqui? – perguntou Guinevere.

- Eu reclamei com meus pais por que eles estão me deixando muito tempo sozinho em casa. Na verdade eu não queria mesmo perder a audiência no Conselho de Magia. – admitiu.

- Vai ser aberta ao público? – perguntou Kal, preocupado.

- Não. Apenas algumas poucas dezenas de pessoas com credenciais poderão entrar na sala do Conselho.

- Droga! – praguejou Kal.

- Nós vamos tentar entrar de qualquer modo. – falou Ralph, tranqüilo.

- Como? – perguntou Guinevere.

- Eu tenho meus truques.

Ralph guiou os três por entre toda aquela gente emaranhada que parecia se engalfinhar em uma briga intensa. Eles eram espremidos a cada passo, tinham seus pés pisoteados impiedosamente e nem ao menos ouviam uma palavra de desculpas. Quando finalmente chegaram a um espaço mais aberto, Ralph travou as pernas e disse que não poderiam tentar entrar naquele momento.

- Tem um guarda de Warren vigiando a entrada do Conselho. – apontou para o guarda de capa marrom – Teremos que esperar ele sair dali. Não deve demorar muito. Ele precisará cobrir outra área em pouco tempo. Papai disse que eles não mandaram mais de dez guardas para cá. Todos os outros estão se esforçando para seguir o rastro de Kricolas agora que ele está com a Caixa de Pandora.

- Seu pai falou alguma coisa a respeito? – indagou Kal.

- Não, mas mamãe sim. Ela disse que a caixa é muito mais poderosa do que imaginamos. E não acha plausível que Kricolas consiga abri-la.

- E por que não? – indagou Daimon.

- Parece que antes de ser entregue a Saguior, a caixa passou pelas mãos de Merlin. E bem... sabemos quem é Merlin e o que ele já fez para proteger este mundo. Com sinceridade, aquele velho não dava ponto sem nó.

- Acha que a afirmação de Cacius no Folha Mágica pode ser verdadeira? – questionou Guinevere.

- Meus pais disseram que sim. Eles têm total confiança na palavra de Cacius. Kricolas não poderia remover a tampa da Caixa de Pandora mal intencionado. E não vejo um bom motivo para ele fazer isso.

- Certo. – aliviou Kal.

- O guarda está saindo! – disse Ralph atento – Vamos agora. Não teremos hora melhor.

- Humhum. – concordaram em coro.

- Façam cara de gente importante. – disse Ralph empinando o nariz e estufando o peito.

Quando estavam a poucos metros de distância da entrada surgiu outro guarda, não parecia ser de Warren, mas era um obstáculo.

- Continuem! – ordenou Ralph percebendo que os três já estavam dando meia volta – Bom dia, senhor. – cumprimentou ao guarda já se esgueirando para dentro do prédio.

- Suas credenciais, por favor. – exigiu o guarda.

- Credenciais? – retorquiu Ralph jocosamente em meio a um sorriso cínico – Você sabe quem nós somos?

O guarda analisou a figura dos quatro garotos ali parados em sua frente e levantou as sobrancelhas em sinal negativo.

- Guarda, deixe-nos passar. – disse Ralph outra vez tentando se esgueirar para dentro.

- Ninguém passa por mim sem credenciais. – falou o guarda relutante.

- Deve estar havendo algum engano. – comentou Ralph olhando para os três e depois para o guarda – Escute, recruta, eu sou filho de Uric Scheiffer, Guardião-chefe de Warren e tenho ordens do meu pai para encontrá-lo lá dentro. Se preferir pode você mesmo ir lá dentro e chamá-lo para resolver esta situação vergonhosa. Mas devo adverti-lo que meu pai não é tão paciente quanto eu. – disse em um tom convincente que Kal quase pôde perceber o guarda tremer os joelhos.

- E quanto a eles? – perguntou o guarda apontando a varinha para Kal, Guine e Daimon.

- Nunca-Mais-Faça-Isso! – repreendeu Ralph com a varinha erguida, sua ponta brilhava em um vermelho escarlate – Por acaso você não reconhece as pessoas? Que tipo de guarda é você, homem?

Ralph realmente sabia intimidar uma pessoa quando queria, este era um lado que Kal não conhecia do amigo.

- Estes são os Foster! Entendeu ou quer que eu desenhe? Os Foster! Deve sua vida a eles. Cada um de nós aqui deve. – finalizou dando um longo suspiro de alívio – Agora, se nos permite, temos uma audiência para assistir.

- Sim, senhor.

- Vou fazer vista grossa desta vez, rapaz. – disse Ralph tentando ganhar mais uma vantagem, garantindo que o guarda mantivesse isso em segredo – Meu pai odiaria saber que nós quatro passamos por essa situação, então, se quiser manter o emprego, eu posso ajudar ficando calado.

- Entendi, senhor, desculpe por minha petulância. – falou o guarda covardemente.

Ralph ergueu ainda mais o peito e entrou de rosto empinado quando pisou no tapete vermelho do saguão de entrada. Várias estátuas de bruxos estavam posicionadas ali dentro, alguns outros bruxos de verdade os encararam de modo curioso quando os quatro já estavam a meio caminho do elevador de acesso à sala do Conselho de Magia.

Kal percebeu que Jonas, o bruxo encarregado do elevador não estava ali, o que de certa forma poderia ser um bom sinal. Talvez ele os colocasse em encrencas. Kal aproximou-se mais e puxou a porta com força, mas ela não se mexeu nem um pouco. Impondo um pouco mais de pressão ele obteve o mesmo resultado. Ralph encarou aquela cena com desgosto e num sorriso simples disse.

- É assim, olha. Elevador, abra.

A porta de bronze do elevador cedeu com um clic e facilmente foi empurrada, dando passagem para os quatro.

- Como você sabia o que dizer? – indagou Kal.

- São sempre a mesma coisa, elevadores, portas, tudo isso... – respondeu.

- Este elevador aqui não é igual ao do Hospital Nautilos, é? – questionou Guinevere temerosa quanto ao equipamento assassino que se chamava elevador na pequena cidade de Dunas, próxima a Vila da Cachoeira.

- Não mesmo. – tranqüilizou Kal apertando o botão SS para descerem até a sala do conselho.

A descida foi rápida o bastante para não dar tempo deles iniciarem um diálogo. Assim que a porta se abriu, Ralph saiu agachado ordenando que eles fizessem o mesmo para não serem vistos por seus pais.

- Você não disse que era uma ordem deles você estar aqui? – questionou Kal.

- Acreditou mesmo naquilo que eu disse ao guarda? – riu-se – Não sabia que eu mentia tão bem assim.

- Não acredito que somos penetras... – decepcionou-se Daimon.

Bravamente, os quatro permaneceram agachados lutando contra o esforço de seus joelhos em se manterem naquela posição e contra os olhares indiscretos das pessoas ao redor e em pouco menos de dois minutos haviam entrado na sala do conselho.

Eles vislumbraram o teto abobadado e Ralph apontou para cadeiras lá em cima.

- É lá que devemos ir.

Eles viraram à direita e subiram alguns degraus que os lavariam para um lance de escadas que era o real caminho até os assentos.

Subiram correndo com medo de ainda serem avistados pelos pais de Ralph ou alguma outra pessoa que pudesse tirá-los dali. Lá em cima, eles estariam seguros, pois era onde ficavam as pessoas credenciadas e certamente nenhuma delas iria questioná-las sobre qualquer coisa.

Kal procurou lugares na beirada do para-peito, de forma que pudessem visualizar a reunião de forma privilegiada. Não demorou muito tempo depois que se sentaram e logo todos os membros do conselho estavam ocupando seus assentos, inclusive Cacius que estranhamente piscou para a direção de onde eles estavam.

- Como ele pode saber tudo? – bufou Ralph.

- Boa noite, membros do conselho. – saudou Timas Havany, Ministro da Comunicação Mágica – Esta reunião foi convocada para decidirmos o futuro de um dos nossos membros, o fauno Saguior. A acusação, representada pelo nosso mais novo Ministro da Defesa e Segurança Mágica, Dorian Gulemarc, o acusa de: – disse puxando uma folhinha para cima do palanque e colocando um óculos de leitura – Omitir do Governo Mágico informações importantes sobre um artefato mágico potencialmente perigoso, portar este objeto em segredo pondo em risco a segurança da comunidade mágica e por facilitar o repasse do devido mencionado ao inimigo mais perigoso de todos os bruxos de bem.

Timas fez uma pequena pausa para respirar e prosseguiu.

- Em sua defesa, apresenta-se o Diretor da Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon, senhor Cacius Henrique. – disse apontando para a direção de Cacius com o braço esquerdo – Eu desempenharei papel de juiz mantendo neutralidade no assunto como manda o Código de Leis e Ordens Mágicas, assinado pelos bruxos, elfos, fadas e todas as demais criaturas mágicas no ano mil. Tragam o réu.

Uma porta se abriu bem embaixo das escadas que Kal e os outros subiram e dela saíram dois homens com varinhas empunhadas escoltando Saguior que estava com as mãos protegidas por uma bolha dourada, certamente elas impediam que ele usasse seus poderes de fauno.

- Saguior, - prosseguiu Timas – sabe porquê está aqui e porquê está sendo acusado?

- Sim. – disse com convicção.

- E você se considera...

- Inocente. – disse abertamente.

- Está disposto a se submeter a um julgamento justo neste conselho?

- Eu acho isto uma grande palha...

- Responda apenas, sim ou não. – interrompeu Timas.

- Sim. – bufou, entre dentes.

- Eu e com os poderes de juiz a mim concedidos por este conselho, declaro iniciado o julgamento.