sábado, 20 de outubro de 2007

Capítulo 3 - A Cidade dos Elfos

O vampiro Thomas era encorpado, tinha os olhos verdes e a pele muito branca, o que contrastava com o cabelo negro e a boca incrivelmente vermelha. Usava uma roupa longa capa de viagem verde com detalhes em tom madeira, mas o que realmente chamou a atenção de Kal era o que Thomas calçava. Botas marrom canela com alguns detalhes em picote na boca.

- Belo par de botas Thom. – ironizou Adonis.

- Ah, foi um presente que ganhei na Cidade dos Elfos. – respondeu Thom – sabe como eles ficam furiosos quando você não usa um presente – respondeu ele se jogando sobre um sofá – desculpe pela demora Adonis.

- Eu compreendo sua situação, seu filho está, é... – Adonis fez uma pausa, virou-se para os garotos e disse – Vocês três podem dar licença?

- Meninos, sintam-se à vontade na biblioteca. – sugeriu Thomas.

Adonis acompanhou os três em um pequeno corredor que ligava o salão em que estavam a uma única porta, ordenou que ficassem ali e se retirou encostando a porta de forma que os garotos não pudessem mais ouvir o que se passava no salão.

- Uau! A biblioteca de um vampiro! Dever ter livros com mais de cem anos, talvez mais de mil anos. Vou ler todos! – disse Daimon muito entusiasmado.

- Faça bom proveito, tenho que saber o que estão dizendo. – avisou Kal fazendo aquele conhecido gesto com a varinha – Captus!

- ...os garotos não vão conseguir nos ouvir da biblioteca – Kal imediatamente reconheceu a voz de seu pai Adonis – Como eu ia dizer, entendo sua situação, Kricolas está deixando todos muito abalados com essas novas mortes.

- Acredito em você Adonis, porém Mardo está me pressionando para tentar falar com meu filho, mas, eu não tenho mais controle sobre ele. Nem ao menos sei onde ele pode estar – Kal ouviu as palavras de Thom como um baque, sabia que Mardo, o Ministro da Segurança Mágica, também estava agitado com tudo aquilo – Mas você sabe o que isso significa, Kricolas não ia matar pessoas à toa no mundo dos humanos. Nesses nove anos ele só fez isso uma vez, e você deve ser lembrar porque. Meu filho tem algum plano para Donnovan!

- Donnovan morreu há quase mil anos Thom, não tem como Kricolas armar nada, mortos não voltam à vida! – disse Adonis demasiadamente sério.

- Voltam quando se tem o Livro de Merlin! – falou Thom em ritmo mais grave e alto.

- Fale baixo! – repreendeu Adonis – Sabemos muito bem que isso é só uma lenda.

- Não Adonis, O Livro de Merlin realmente existe e está por aí, em algum lugar. E Kricolas vai encontrá-lo – retrucou Thom.

- Não vai encontrá-lo porque ele não existe! – resmungou Adonis.

- O Livro de Merlin realmente existe! – protestou Thom.

- Como você pode ter tanta certeza?

- Existem provas Adonis! Provas... – disse Thomas.

- Que provas?

- Há muitos séculos, Kricolas me mostrou um livro, ele trouxe da Inglaterra, Camelot, antigo reino de Arthur, há várias menções de um livro que Merlin escreveu em segredo para guardar seu próprio conhecimento. – comentou Thom.

- Então, é realmente verdade? – admirou-se Adonis – E Kricolas? Sabe onde está o livro? – perguntou bem calmamente com medo da resposta.

- Felizmente não, Merlin guardou isso em silêncio. Na verdade ninguém sabe onde o livro possa estar escondido. – aliviou Thom.

- Isso é realmente um alívio, mas se ele está matando pessoas dever ter mesmo um motivo. Não deve ser bom, mas tem um motivo. – disse Adonis.

- Com certeza ele não fugiu de Warren apenas para fazer uma visita à família! – ironizou Thom – Temo, também, por sua família Adonis. Foster destruiu Donnovan e tudo o que ele representava.

- Está certo Thomas, temos que nos prevenir. Verei se consigo falar com Mardo depois que voltar da Cidade dos Elfos. – avisou Adonis.

- Pretende demorar? – perguntou Thom.

- Bem, as aulas dos garotos começam depois de amanhã, então acho que vou demorar um pouco. Tenho que levá-los e comprar os materiais, uniformes, enfim... Não se preocupe, voltando eu prometo que vou direto a Mardo. – disse Adonis.

- Não podemos esperar mais! – gritou Thom – Eu não posso continuar vendo isso, Adonis! – desta vez Thom gritou bem mais alto e impaciente.

- Acalme-se Thomas. – implorou Adonis.

Nesse mesmo instante Kal abriu a porta da biblioteca e saiu devagar para ver mais de perto o que estava acontecendo. Thom parecia um pouco fora do sério.

- Me acalmar? Eu tenho um filho assassino e todo o governo não para de me procurar para ficar dando explicações e você pede para eu me acalmar?! – Thom agora gritava tão alto que Kal achou desnecessário o uso do feitiço.

Chegou à sala, mas não foi notado. Adonis escondia sua própria varinha nas costas. Quando Thom urrou pela última vez, Kal já estava na sala e pode acompanhar com olhos clínicos toda a transformação que o vampiro fizera. O corpo de Thom começou a tremer e o rosto se prolongou formando um pequeno focinho, os caninos dobraram de tamanho e eram ameaçadores, os olhos ficavam mais vermelhos a cada nova veia que pulsava em sua pele agora muito branca e enrugada, os dedos se alongaram e ficaram mais finos enquanto as unhas cresciam e as orelhas esticavam-se. Thomas aproximou-se de Adonis, Kal continuou a observar, esperaria seu pai agir antes de fazer qualquer coisa.

- Thomas! Escute-me! Retome a consciência! – clamou Adonis que obteve como resposta um urro seguido de um golpe.

Adonis foi lançado no sofá e quando Kal ia entrar de vez no salão seu pai levantou-se e ergueu a varinha.

- Formanômago! Thom foi mais rápido e atirou a varinha para longe, o feitiço acertou a parede e a ela não aconteceu nada.

De forma rápida Kal ergueu a varinha e disparou o mesmo feitiço, também sem sucesso, Thom saltou e andou pelo teto acompanhado os passos do garoto, que logo foi encurralado entre duas prateleiras, que pareciam bem firmes, não seria fácil para Kal derrubá-las e escapar. Thom desceu forte no chão e ergueu Kal pelo braço que segurava a varinha, deixando o garoto desarmado.

- Formanômago!

O feitiço acertou Thom pelas costas e o fez gritar muito enquanto voltava ao normal. Kal agradeceu a ajuda, bem aliviado, mas com toda aquela agitação não sabia direito quem tinha disparado o feitiço. Quando Thom caiu desmaiado, Kal pode ver Guinevere com a varinha em punho.

- Você fez isso? Estava ouvindo também? – perguntou Kal abaixando-se para recolher sua varinha.

- Estava. – respondeu gentilmente a garota.

- Onde está o Daimon? – perguntou Kal preocupado.

- Está na biblioteca, lendo, vou chamá-lo. – Guinevere andou em direção à biblioteca com passos rápidos.

- Guinevere! – a garota olhou para trás ao chamado de Kal – Obrigado – ela lhe respondeu com um leve sorriso e seguiu caminho à biblioteca.

Adonis levantou-se depressa e ajudou o desmaiado Thomas a se deitar no sofá.

- Estou grato a vocês, Kal e Guinevere, mas como vocês sabiam que eu estava precisando de ajuda? – indagou Adonis.

- Han... bem... é que ... – enrolou Kal.

- É o Captus não é? Todo mundo usa esse feitiço, mas agora que eu sei posso me prevenir.

Guinevere e Daimon chegaram à sala, Daimon segurava um livro de couro marrom, na capa havia diversas criaturas mágicas, em destaque para um vampiro que estava no centro.

- Aqui está! Guinevere me falou do feitiço e esse livro esclarece tudo. – disse Daimon – “Formanômago: um feitiço para reversão, inibe ou bloqueia a transformação de uma criatura”.

- Até mesmo lobisomens? – perguntou Guinevere.

- Lobisomens não se transformam porque querem, são obrigados a se transformar quando vêem a lua-cheia. – respondeu Daimon – Acontece que Thom não é um lobisomem, vampiros podem se transformar quando quiserem ou involuntariamente são transformados pelas emoções. – respondeu Daimon mais uma vez.

- Muito obrigado pelas explicações Daimon, Amanda ficará orgulhosa em saber. Mas eu não posso esperar mais, devo levar Thomas ao Hospital Nautilos e depois procurar Mardo. – disse Adonis.

- Mas e nós papai? – perguntou Kal.

- Vocês deverão ir sem mim, novamente. Vou levá-los ao meu amigo que conduzirá uma carruagem até Cidade dos Elfos. Kal, o dinheiro para a compra dos materiais e para outras despesas você pode pegar com a Rainha da Cidade dos Elfos. Mandarei um aviso a ela informando a situação. – esclareceu Adonis.

- Mas pai onde vamos encontrar a Rainha? – perguntou Kal.

- Francamente, Kal, é uma rainha, todos de lá a conhecem, mas se querem logo saber, ela se chama Eva. Vamos nos apressar, tenho que informar Elvira. – Adonis aproximou-se da porta que dá acesso a cozinha e gritou por ela.

Depois de muito chamar aproximou-se da escrivaninha e preparou um bilhete com papel dourado. Assim que terminou sacudiu a varinha e disse – Entregue pessoalmente a Elvira. Sendart! – o papel se dobrou e adquiriu a forma de um pequeno avião, ele deu uma volta pela sala e depois sumiu pela lareira subindo pela chaminé.

- Legal! – disse Kal muito admirado.

Adonis carregou Thom pelos ombros, ajudado por Kal e Daimon, e subiu as escadas pela qual haviam chegado. Quando enfim depararam-se com o alçapão, Adonis disse antes de abrir:

- Estação de Vassouras.

Em seguida, Adonis abriu o alçapão e eles não estavam mais no templo, era um lugar rodeado por bares, armazéns e galpões e uma enorme torre de madeira, a construção benevolente e firme, algumas janelinhas de vidro, em sua extremidade parecia ter um pequeno salão onde todos poderiam admirar a bela vista da Cidade do Norte rodeada por uma cadeia de montanhas.

As pessoas corriam com malas e outras gritavam para que os esperassem, e Kal, Daimon e Guinevere se perguntavam, que lugar será este?

- Esta é a Estação de Vassouras. – falou Adonis, como se estivesse lendo a mente dos três – Quando queremos sair da cripta podemos escolher qualquer lugar da Cidade do Norte, menos locais privados, casas, banheiros, essas coisas...

Kal notou que algumas pessoas reclamavam de um lado para o outro, na certa indignados com o fato de Mardo ter proibido os vôos. Tapetes mágicos e balões também estavam parados com seus passageiros dentro, surpreendidos de última hora com essa decisão do Minsitro. Um homem em cima de um tapete mágico se aproximou com um sorriso expressante e perguntou o que desejavam, Kal quase lhe respondeu que desejava que mudasse de roupa, pois ele usava uma camisa xadrez azul e amarela com uma calça malhada verde e rosa, e para completar um chinelo de praia em tom cinza. Mas antes que Kal pudesse dizer alguma coisa Adonis pediu para que ele levasse Thom até a entrada da Torre. O homem saiu contente por estar prestando serviço e seguiu rumo ao lugar indicado.

- Temos que chegar depressa ao local de embarque. – avisou Adonis – Caso não cheguemos lá a tempo sabe-se lá quando vocês poderão ir à Cidade dos Elfos. – agora Adonis corria em direção aos balões – estamos quase lá – Adonis pareceu reconhecer alguém e gritou – Júlio! Júlio! Espere! – um dos homens que estava montado em uma vassoura olhou pra ele e sorriu.

- Adonis, amigo, quanto tempo. – Adonis e Júlio se cumprimentaram com um grande abraço.

- O que te traz aqui homem? – perguntou Júlio – E como está Amanda? São seus filhos? – apontou para Kal, Daimon e Guinevere.

- Sim, estes são Kalevi e Daimon, e esta linda é Guinevere, filha de um falecido amigo meu. Amanda está muito bem e orgulhosa por eles estarem indo para Avalon. – respondeu Adonis pomposamente.

- Ah, sim! É sempre um grande orgulho levá-los. – disse bem alegremente Júlio.

- Mas infelizmente não vou poder acompanha-los, tenho outro amigo na Torre que precisa ir imediatamente ao Hospital Nautilos. E preciso encontrar Mardo, ainda. – explicou.

- Está bem então, posso levá-los, afinal esta é a única carruagem com permissão para decolar, tem apenas um garoto na cabine. – Júlio disse e apontou – este é o meio de transporte aéreo que temos. Uma cabine puxada por cinco das melhores vassouras fabricadas.

- São feitas na minha fábrica, fortes e rápidas. – orgulhou-se Adonis – Agora devo me apressar, Thomas pode estar acordando e vai querer saber onde está. Meninos, comportem-se, verei se consigo estar na Cidade dos Elfos quando forem para Avalon. Comprem tudo que precisarem e agradeçam a Eva, mandem lembranças por mim e por sua mãe. – Adonis acenou e depois esfumaçou para a Torre, já que uma leve chuva começava a cair.

- Vamos garotos subam a bordo. – ordenou Júlio.

Kal, Daimon e Guinevere acataram a ordem e entraram na cabine. Trancaram a porta e depois se sentaram nas poltronas de veludo. A frente deles estava o tal garoto a quem Júlio havia mencionado.

- Oi, prazer, meu nome é Ralph! – disse o garoto aos três.

Ralph era pouca coisa menor que Kal, mas tinha mais presença. Tinha os olhos castanhos e o cabelo liso e loiro escuro. Ele usava uma calça jeans nova e uma blusa vermelha, seus tênis eram folgados e bem limpos.

Depois de Guinevere e Daimon responderem foi a vez de Kal.

- Oi, meu nome é Kalevi, mas pode me chamar de Kal.

- Kalevi de quê? – perguntou Ralph.

- Kalevi Foster e Daimon Foster, meu irmão, esta é nossa amiga, Guinevere Lingenstain. – respondeu Kal.

- Prazer novamente, meu nome é Ralph Scheiffer. – disse Ralph pomposamente estufando o peito – É um sobrenome alemão. Nunca ouviram falar? – perguntou Ralph. Ao ver a cara de negação que os três fizeram, disse – Que mau! De que buraco vocês saíram? – perguntou Ralph novamente.

- Você também não sabe o que significa nosso sobrenome. – reprimiu Kal se segurando para não jogá-lo para fora da cabine.

- Foster, Foster, alguma coisa sim. Parece que nossas famílias têm grandes feitos. – respondeu bem calmamente Ralph.

- E o que exatamente sua família fez? – perguntou Kal que estava quase de pé.

- Ela é ch...- a fala de Ralph foi impedida pelo baque que o balão fez ao decolar.

Os quatro olharam pela janela e viram que as quatro vassouras estavam puxando o balão.

- Espera aí! Pensei ter ouvido cinco vassouras?! – disse meio duvidando Daimon.

- Deveriam ser! – respondeu Ralph.

- Hei olhem! – Guinevere chamou a atenção dos garotos para uma quinta vassoura que estava subindo e preparando-se para tomar a liderança das outras quatro.

- Olhem, é o Júlio! – gritou Daimon.

Júlio estava com uma capa feita em borracha cobrindo o corpo e tinha um anel apito. Júlio deu um alto e longo sopro e gritou para os outros homens na vassoura.

- Cavaleiros! Vamos direto para a Cidade dos Elfos! – depois de dizer isso os cavaleiros orientaram suas vassouras para cima das nuvens – Aqui não seremos vistos por nenhum humano. Avante Cavaleiros!

O balão acelerou numa velocidade impressionante até parecer estável.

- Uau! Isso foi incrível! – disse Daimon.

- Ele disse que vamos direto para a Cidade dos Elfos, você também vai pra lá Ralph? – perguntou Guinevere.

- Vou, tenho que comprar meus materiais para ir á escola. – respondeu o garoto.

- Também vai para Avalon? – perguntou Kal.

- É, ouvi dizer que é uma boa escola para aqueles que desejam ser grandiosos. – respondeu Ralph.

- E você vai ser? – perguntou Kal.

- É claro! Da mesma forma que meu pai é! – respondeu Ralph entusiasmado.

- E quem é seu pai? – perguntou Kal mais uma vez só que agora com ar de deboche.

- Meu pai é Uric Scheiffer. Guardião chefe de Warren. - respondeu Ralph com um perceptível tom de superioridade.

- Grande guarda. Caso você não saiba temos um bruxo perigoso à solta há nove anos e seu pai ainda não foi capaz de prendê-lo. É claro que o senhor-sabe-tudo conhece Kricolas, não é? – disse Kal altamente nervoso.

- Só para esclarecer, meu pai não é o único guarda de Warren que está procurando por ele, então a responsabilidade de encontrá-lo não pode ser apenas do meu pai, mesmo ele sendo o Guarda Chefe. O próprio Mardo reconhece isto. E eu sei quem é Kricolas, e sei perfeitamente que ele não é apenas um bruxo. – Kal pareceu corar levemente ao ouvir Ralph – Ele também é meio vampiro. E só por isso que ele sobreviveu tantos anos em Warren. Saibam que vocês só estão aqui porque meu pai assinou uma autorização para que este balão pudesse decolar.

Ralph foi abruptamente interrompido por um novo sacolejo do balão.

- Mas o que é isso agora? – reclamou Kal.

O balão estava balançando muito mais agora, pois o vento soprava tão forte que os cavaleiros tinham dificuldade de ficar montados nas vassouras. Júlio estava gritando para que recuassem, Kal não entendeu o porquê, mas olhou pela janelinha de vidro do seu lado e viu uma grande nuvem de tempestade se aproximando.

- Depressa! Temos que sair daqui! – Júlio gritou tão forte que de longe poderia ser ouvido. – Não temos muito tempo! Se ela nos alcançar não sairemos tão fácil! – agora os ouvidos de Kal doíam, não só pelos gritos de Júlio, mas também pela rajada de trovões que cortava o céu.

- Não iremos conseguir! – gritou Daimon assim que o balão sacolejou novamente.

- Acalme-se! – ordenou Kal.

Júlio apavorou-se enormemente quando foram sugados pela tempestade. Uma enorme nuvem negra manchava o céu claro, uma nuvem gigantesca de onde saiam raios e trovões. Kal havia pedido para Daimon se acalmar, mas não sabia quanto tempo seria possível manter a calma.

- Isso não é normal! – gritou Júlio – Tempestades não surgem do nada!

Olhem! – um dos cavaleiros apontou para uma criatura que estava indefinida dentre as nuvens – Maldita!

Kal tinha certeza que a criatura havia sido reconhecida pelos cavaleiros.

- É uma fada Grullana!

Kal entreolhou Guinevere, Daimon e Ralph em busca de uma explicação, mas os outros três pareciam tão confusos quanto ele.

- Alguém conhece? – perguntou Ralph.

Sem respostas os quatro sentaram-se em suas confortáveis poltronas de veludo. Kal parecia o mais agitado levantava e olhava pela janela de vidro. Na terceira vez em que sentou, não sentiu a confortável poltrona e sim algo que parecia com uma espécie de livro.

- Você trouxe! – espantou-se Kal ao ver o livro de capa de couro marrom que Daimon havia encontrado na biblioteca de Thomas.

- Achei que Thom não ia precisar dele. – respondeu Daimon.

- Já que está aqui, vamos olhar. – antes que Kal pudesse ler o livro viu que Júlio e os outros cavaleiros estavam lançando feitiços na fada.

- Está escuro aqui... – comentou Guinevere.

- Bolhasradiant! – Ralph conjurou um feitiço para iluminar o lugar. Pequenas bolhas de luz saiam da ponta da varinha e flutuavam pelo local como bolhas de sabão. Vendo a cara de espanto dos outros três Ralph indagou – Que foi? Não conheciam este feitiço? – Kal fez uma expressão de asco e começou a folhear o livro.

- Qual é mesmo o nome dela? – perguntou Kal.

- Acho que é fada Marallana ou algo assim. – respondeu Guinevere.

- Aqui não tem isso, tem fada Kerallana – disse Kal – vai ser essa mesma. “Fadas Kerallanas habitam poucas partes do mundo, mas são facilmente encontradas na Micronésia” Esta deve estar perdida. “Alimentam-se de...”, não é isso ainda, “...como encontrá-las...” Aqui. “Essas fadas temem trovões”.

- Pensei que elas fizessem trovões. – espantou-se Ralph.

- O feitiço mais eficiente é o Amstãnder. – falou Kal com entusiasmo.

Kal levantou-se, segurando firme no puxador da porta e colocou metade do corpo para fora da cabine. Ao fazer isso, sentiu-se desequilibrar com a rajada de vento forte, mas para sua felicidade Ralph o segurou pela camisa.

- Obrigado... – agradeceu, em seguida ergueu a varinha e gritou. – Amstãnder! – uma pequena faísca elétrica saiu da ponta da varinha e acertou a fada.

- Kalevi! – chamou Júlio – Esta fada não é derrubada com trovões! É uma fada Grullana!

Kal percebeu o erro que havia cometido, trancou a porta e recomeçou a procurar alguma informação no livro.

- Está aqui. “Fada Grullana, habitam o Centro-Oeste do Brasil. Alimentam-se de pequenas frutas e insetos. Gostam de criar tempestades para confundir viajantes. Vários feitiços podem ser usados para desmaiá-la, porém, o que gera maiores resultados é o Escaparta. Não é um feitiço específico, ele também é muito utilizado em duelos...”

- Essa parte não nos interessa Kal! – alertou Guinevere.

Kal concordou coma cabeça e se aproximou da porta ergueu a varinha mais uma vez e gritou.

- Escaparta! – um leve filete de luz azul se prolongou novamente da varinha de Kal e depois acertou a fada.

A criatura grunhiu, mas não cedeu e continuou a provocar a tempestade, só que agora muito mais forte.

- Droga é muito fraco! – reclamou Kal – Preciso tentar de novo – Escaparta! – novamente sem sucesso. Kal abaixou a cabeça levantando-a logo em seguida quando viu em si mesmo um reflexo de luz azul. Olhou para o lado e viu que os cinco cavaleiros estavam lançando o mesmo feitiço.

- Meninos! Ajude-nos! – pediu Júlio.

- Escaparta! Escaparta! Escaparta! – a fada parecia dançar e se divertir esquivando-se dos feitiços lançados, o que deixou todos muito irritados – Droga! – Kal berrou e se segurou firme na cabine, mirou bem na fada e mais uma vez usou o feitiço – Escaparta! – a voz do garoto soou tão alto que abafou todos os outros sons.

O feitiço rasgou o céu, era apenas um fio de luz azul, mas outros oito fios o acompanharam e juntos atingiram a fada no peito. Ela soltou um grunhido agudo antes de despencar. Quando ela caiu Kal pôde ver como era a fada, tinha os cabelos revoltos e bem azuis, uma pele da qual brotavam bolhas cascudas também azuis. Tinha o corpo bem miúdo as pernas muito curtinhas e finas, usava fitas brancas nos punhos, a roupinha em pano também branco e rasgado estava balançando enquanto caia.

- Ela vai cair! – gritou Guinevere.

- Não se preocupe querida, ela não vai se machucar. - tranqüilizou Júlio.

Kal entrou na cabine novamente suspirou e olhou para os outros três com ar de dever cumprido.

- Acho que conseguimos. – disse aos amigos.

- Foi divertido. – respondeu Ralph.

- Hei pessoal! Vocês estão bem? – perguntou Júlio que tinha virado sua vassoura e estava agora na porta da cabine.

- Estamos bem obrigado. – falou Kal.

A tempestade se dissipou e Júlio deu sinal de que poderiam seguir caminho. Daimon trancou novamente a cabine e por fim seguiram para a Cidade dos Elfos.

Muitas horas a mais de vôo se seguiram antes de avistarem ao longe uma pequena abertura no meio da floresta Amazônica, sobre ela havia uma nuvem imensa e parecia bem sólida.

- Ela está muito bem escondida. – disse Daimon.

- Tudo o que é mágico está bem escondido, - afirmou Ralph – os humanos não podem saber sobre nós.

- E porque não podem? – perguntou Daimon.

- Muitos não aceitam, outros preferem nem mencionar. Também temos muitos tesouros, além das criaturas mágicas. Os humanos tentariam resolver seus próprios problemas com a nossa mágica e eticétera.Vários bruxos tentaram unir os dois povos, mas nenhum conseguiu. – explicou Ralph em tom melancólico.

- Você parece sofrer com isso... – adivinhou Kal.

- O mundo não-mágico é um lugar muito interessante de se viver. – sussurrou Ralph – Eu moro com meus pais num vale no sul do país. Fica longe da Cidade do Norte, é um lugar bonito, só que, solitário. – Ralph que já estava de cabeça baixa fechou os olhos, o que não impediu que uma lágrima caísse.

- Se você mora tão longe da Cidade do Norte o que estava fazendo lá?

- Júlio passou na minha casa e de lá fomos para a Estação de Vassouras... – respondeu Ralph.

Os cavaleiros desceram e o balão sacolejou novamente. Eles fizeram um vôo sobre a cidade e Júlio foi lhes apresentando os lugares pelo qual sobrevoavam.

- Estão vendo aqueles livros gigantes? Aquilo é uma das maiores e melhores lojas de livros do mundo. É a “Livros & Boatos” – Kal viu a loja e se espantou com o tamanho, o lugar era feito com livros de várias cores e estilos, todos empilhados desordenadamente. O nome da loja estava escrito em dois desses livros, na horizontal, “Livros &”, na vertical, “Boatos”.

Sobrevoaram por uma loja de doces, tinha o formato de formigueiro do qual saiam formigas carregando biscoitos ou chocolates, as mesmas entravam e saiam novamente por outros buracos no formigueiro. Também viu uma pequena torre com um relógio no centro da cidade. Kal achou aquilo tudo muito confuso, formigas e livros gigantes, Cidade dos Elfos parecia muito mais um parque temático do que uma verdadeira cidade. Júlio apontou também para três grandes alojamentos onde os estudantes ficavam. Todos tinham uma bandeira símbolo. O que tinha o nome Angus inscrito na fachada portava uma bandeira branca com uma maçã vermelha com marcas de mordida. A de Katzin trazia uma onça segurando a letra “A”. Curiosamente, a bandeira de Tadewi também trazia um animal segurando a mesma letra “A”, mas era um animal mítico, um dragão laranja.

Aterrissaram em segurança, desceram do balão e Júlio veio falar-lhes.

- Espero que tenham gostado da viagem, apesar dos contra tempos – falou Júlio.

- Sem problemas. – animou Ralph.

- Agora preciso esfumaçar até a Sede do Ministério no nordeste, teremos uma audiência com alguns representantes do governo. Só espero que eles acabem logo com esta decisão maluca de proibir vôos.

- Vá em frente, o dever te chama. – disse Kal apoiando a mão no ombro de Júlio.

- Obrigado. – Júlio agradeceu em seguida esfumaçou da mesma forma repentina que Adonis.

Os quatro saíram da estação da Cidade dos Elfos e ficaram olhando tudo ao redor.

As poucas ruas que tinha eram bem amplas e calçadas com blocos de pedras desalinhadas, não havia qualquer sinalização indicando nomes ou lugares apenas as lojas possuíam fachadas com seus respectivos nomes lá também havia casas na fronteira com a floresta e a construção mais estranha que Kal já havia visto. Era uma espécie de casa em madeira dentro de uma árvore, a base era praticamente a raiz da enorme planta o resto do tronco servia como parede para a casa, alguns galhos brotavam do que deveriam ser janelas e pelo teto estava a copa da árvore, aparentemente as folhas exageradamente grandes da árvore pareciam servir como telhas.

- Que lugar magnífico! – exclamou Daimon.

- “Pousada das Fadas” – informou Kal que havia lido a placa de madeira entalhada na entrada da magnífica construção – Acho que teremos que dormir aqui esta noite.

- Primeiro temos que encontrar a Rainha Eva. – advertiu Guinevere.

- E você Ralph? Vai dormir onde? – indagou Kal.

- Eu fiz uma reserva antes de sair de casa. – respondeu Ralph – Desculpe não convidá-los, mas é um quarto pequeno.

- Não tem problema Ralph, nós só precisamos falar com a Rainha e logo em seguida entraremos aqui de volta. – disse Kal.

- O meu quarto e o número 118. Procurem um perto. – falou o garoto com voz amistosa.

- Não se preocupe Ralph, nos veremos em breve. – animou Guinevere.

Ralph se despediu dos garotos e entrou. Enquanto Kal, Daimon e Guinevere seguiram caminho a frente procurando informação sobre a Rainha. Kal sabia que seria uma tarefa fácil, afinal, como seu pai dissera, ela era uma rainha e, portanto todos a conheciam.

Alguns passos a frente deles, estava um garotinho de uns sete anos que estava exibindo sua varinha.

- Hei, garoto! – Kal conseguira chamar a atenção dele – Por favor, você pode nos dizer onde fica a casa da Rainha Eva? – o garoto levantou a varinha e apontou para o rosto de Kal e disse.

- Só se você me vencer em um duelo! – falou.

- Hã..., um duelo... – espantou-se Kal meio embaraçado.

- Você não sabe como se duela? Mantemos uma certa distância e então usamos a varinha! – ensinou o garoto.

- Escuta, eu tenho quase o dobro da sua idade. Não vai querer duelar comigo. – advertiu Kal.

- Está com medo? – perguntou o menino com um sorrisinho debochado.

- Não! – falou Kal como se estivesse com o orgulho ferido.

- Então?

- Está bem, O.K., mas depois você vai ter que me contar onde mora a rainha. – disse.

- Não vou precisar te contar, você não vai vencer! – afirmou o garotinho.

Kal seguiu as instruções do garoto e afastou-se um pouco. Nunca havia duelado com ninguém antes. Não sabia ao certo o que fazer, mesmo sendo um garotinho tão pequeno ele sentiu medo de perder. E podia ter sim o dobro da idade do menino, mas em experiência deveriam ter a mesma idade. Kal tornara-se bruxo com seis anos, pouco tempo para se desenvolver poderes fantásticos. E se ele souber mesmo duelar? Quando percebeu o movimento de ataque do oponente, agiu mais rápido.

- Escaparta! – o feixe de luz azul saltou da varinha de Kal e acertou o garoto bem no meio do peito.

O menino deu um grito alto e foi parar pelo menos três metros do lugar onde estava. Kal assustou-se e foi verificar se ele estava bem, mas quando se aproximou o garotinho levantou-se rapidamente e saiu chorando.

- Ele pediu! – falou Kal com dando de ônibus.

Quando estavam novamente procurando alguma ajuda, aproximou-se deles um jovem que regulava a mesma idade dos três. Tinha cabelo comprido e extremamente liso, da mesma cor que olhos, acaju. Era alto e estava com uma camisa vermelha com um símbolo verde. O símbolo era um escudo com duas varinhas cruzadas e outra em pé no meio. A calça marrom-terra era cheia de bolsos e algumas correntes penduradas. Kal também reparou que este garoto estava descalço.

- Prazer meu nome é Rick! – disse o garoto estendendo a mão para Kal.

- Meu nome é Kalevi.

- Eu sou Guinevere.

- E eu, Daimon.

- E então Kalevi, gosta de duelar, não é? – perguntou Rick – Eu vi você agora pouco.

- Na verdade foi a primeira vez. – disse Kal coçando a nuca.

- Foi uma boa primeira vez – elogiou Rick – quer tentar duelar comigo?

- Não sei..., - Kal olhou para Guinevere e Daimon e estes acenaram que sim – está bem!

- Vou avisando que não serei tão fácil! Tenho muita prática. – intimidou Rick – Faço parte do Clube de Duelos Mágicos da minha cidade, Rio de Janeiro.

Kal se afastou mais uma vez e tentou esperar um primeiro movimento do rival, mas Rick não moveu um dedo então Kal decidiu que ele iria começar.

- Escaparta! – o feitiço seguiu em frente e quando Kal achou que havia acertado, Rick se defendeu com um contra-feitiço.

- Réplica! – este movimento rápido de Rick ajudou a defendê-lo e jogar o Escaparta contra Kal.

Com a mesma velocidade e esperteza Kal tentou repetir o movimento de Rick, embora sem sucesso, foi atingido no peito e deu algumas piruetas no ar antes de cair no chão. Kal permaneceu caído até que Rick se aproximou para vê-lo.

- E então, Kal, posso chamá-lo assim, não posso? – perguntou Rick com sarcasmo – Como é estar derrotado? Responda! Perder dessa maneira vergonhosa! Com o próprio golpe. Você não devia se meter com quem não deve. – Guinevere e Daimon entreolharam-se sem entender do que Rick estava falando – achou que o mesmo golpe que feriu meu irmão me afetaria? – nesse momento o garoto com quem duelara a pouco surgiu por trás de uma árvore.

- Já acabou com ele irmãozão?! – perguntou o garotinho.

- Estão vendo este aqui?! – disse Rick apontando para o menino – Amadeus Wosky Filho, meu irmão! – Guinevere olhou assustada para Kal esperando alguma reação, mas ele parecia estar inconsciente.

- Irmãozão, posso usar aquela maldição que papai nos mostrou? – perguntou o pequeno Amadeus.

- É claro, mas vamos dá-los uma pequena demonstração! – Rick Wosky olhou para um macaco que estava andando perto da árvore a qual Amadeus havia surgido – estão vendo aquele macaco? Ele vai ser nossa cobaia. – o macaco olhou para os irmãos Wosky de maneira curiosa. Ele era baixinho, devia medir uns 60 centímetros, tinha o corpo preto e laranja, uma calda comprida e acinzentada. Quando Rick apontou a varinha em sua direção, o macaco gritou e tentou correr. – Dunkel! – o feitiço saiu da varinha de Rick com o formato de uma flecha e acertou o macaco pelas costas. O animal caiu no chão se contorcendo e gemendo. Rick ainda segurava a varinha e ficava agitando-a. Wosky parecia controlar o que estava acontecendo ao macaco. A calda havia sido engolida pelo corpo e transferida para a cabeça. Rick também havia mudado a posição das mãos, agora estavam no dorso.

- Está vendo Kal? Isso é só um macaco. Já imaginou o que poderei fazer com você? – debochou Wosky.

- Terá que passar por mim primeiro! – bravejou Guinevere – você não encosta num fio de cabelo do Kal enquanto eu estiver aqui.

- Quem é você? A fiel escudeira? – perguntou Rick.

- Cale a boca, Wosky! – disse Daimon com veemência.

- Ela é a escudeira, e você quem é? – perguntou mais uma vez.

- Eu sou Daimon Foster e se você planeja fazer alguma coisa contra meu irmão, vai ter que passar por mim também. – disse Daimon com força na voz, o que era extremamente raro, Daimon era do tipo pacífico.

- Então vou passar por cima dos dois! – Rick ergueu a varinha na direção deles e depois semicerrou os olhos.

Já com a varinha preparada e pronto para conjurar um feitiço, Rick foi impedido por um golpe que o surpreendeu.

- Amstãnder! – Kal havia se recuperado e estava de joelhos com a varinha levantada.

- Irmãozão! – Amadeus Filho correu em direção à Rick.

- Hum... Kalevi... – Rick se esforçava muito para falar enquanto levantava -... não foi hoje, ainda, mas... eu acabo com você.

- Nos vemos por aí, amigão! – falou Kal com muito deboche enquanto terminava de se levantar.

Rick e seu irmão seguiram o caminho por trás da árvore.

- Esse aí não incomoda mais ninguém. – disse Daimon – E cadê o macaquinho? Aqueles irmãos Wosky são doidos...

- Concordo quanto a loucura dos dois e, acho que o bicho sumiu.

- Bem, já está de noite e ainda não encontramos a Rainha Eva. – falou Guinevere desanimada.

- Hei, olhem! – disse Daimon chamando a atenção dos outros dois para um grande letreiro luminoso que acabara de acender e faiscava em verde e laranja.

- O que é isso? – perguntou Kal admirado.

Era um outdoor gigantesco com um letreiro que faiscava luzes verdes e laranjas, e em determinados momentos, uma mulher vestida de roxo cintilante, aparecia e acenava, outras vezes mandava beijinhos e sorria. No letreiro lia-se: “Casa da Rainha Eva, a dama de roxo”.

- Que horrível! – exclamou Kal.

- Não é só horrível! É sem gosto e classe. – falou Guinevere.

- Não é só essa! Olhem todas aquelas outras placas e outdoors. – avistou Daimon.

Kal e Guinevere também olharam para o lado da cidade em que estavam as lojas. Havia muitos letreiros acendendo e faiscando com o nome da loja a qual pertenciam; leram “Livros & Boatos”, “Floricultura Flor-de-Lis” e até “Colméia das Formigas”.

- Então essa é a Cidade dos Elfos! – admirou-se Kal.

-Amanhã teremos muito tempo para olhar tudo isso. – falou Guinevere – mas agora temos que ir até a Rainha, se vocês não se importam em dormir aqui fora! E então, vamos?

- Eu tenho até medo de dizer o contrário... – brincou Kal.

Caminharam de onde estavam até um pequeno portão de madeira e um muro alto de pedra completamente coberto uma trepadeira.

- Viemos falar com a Rainha Eva! – gritou Kal.

Os portões em madeira se desfiguraram. A parte mais alta do portão tornou-se a mais baixa, e vice-versa, formando uma ondulação. Os portões se abriram, enfim, revelando um belo jardim com algumas estátuas de gnomos, baixinhos, barbudos e com chapéu de ponta. Muitas árvores e flores também embelezavam o resto do jardim.

- Isso aqui é bonito! – comentou Guinevere.

- Bem diferente do outdoor lá fora. – continuou Kal – E pelas barbas de Merlin! O que é aquilo? – Kal apontou para a entrada da casa e todos tomaram um enorme susto com o que era porta. Estava moldada na parede do segundo andar, metade do corpo de uma mulher que piscava e sorria. No primeiro andar estava a outra metade do corpo, mas as pernas estavam cobertas com tecido de verdade, sendo que este servia como porta de acesso a sala de estar da Rainha.

- Esse lugar também é bonito! – elogiou Guinevere.

- O susto é só lá fora... – comentou Kal.

- Obrigada pelo elogio minha querida. – disse uma voz vinda de outro aposento.

- Quem está falando? – perguntou Guinevere assustada.

- E a quem vocês vieram procurar? – falou novamente a voz – Eu sou a Rainha dos Elfos, Eva.

Finalmente estavam cara a cara com a Rainha. Ela tinha feições humanas, mas não negava ser uma elfa. Tinha o rosto fino e as orelhas pontudas, cabelos compridos e secos. O corpo era longo e quase sem forma, com as mãos compridas e dedos finos.

- E então? O que acharam do meu novo vestido? – perguntou Eva.

O vestido era roxo e cintilante como o do outdoor, embora de perto parecesse ainda mais chamativo, não havia detalhe que merecesse atenção especial.

- Olá queridos! Vocês são Kalevi e Daimon Foster e Guinevere Lingenstain. Estou certa, não? – depois de ouvirem isto os três se assustaram com a capacidade de adivinhação de Eva.

- Como você pode saber quem somos exatamente? - perguntou Daimon.

- Ora meu querido! Isto é a arte da Adivinhação. Eu leciono essa matéria em Avalon. – respondeu Eva.

- É sério? Você vai ser nossa professora? – perguntou Daimon muito animado.

- Não, não meu querido. Não neste ano. Essa matéria é muito complexa para alunos do Primeiro ano. – respondeu Eva.

- Que pena! Mas com certeza nos veremos em Avalon. – disse Daimon.

- Não tenha dúvida! – falou animada.

- Bem, então você já deve saber o que viemos fazer aqui, não é? – perguntou Kal timidamente.

- Talvez. Adonis é um grande amigo e este favor não me custa nada. No entanto, eu gostaria de fazer mais, só que infelizmente minha casa está cheia. Muitos outros estudantes estão hospedados aqui, filhos de alguns outros amigos meus.

- Entendemos. – falou Guinevere.

- Vou dar um cartão para vocês. Com ele, poderão se hospedar na Pousada das Fadas. – esclareceu Eva – Tomem, está aqui. Também poderão comprar o material. Não se preocupem com os gastos, comprem do bom e do melhor! – disse Eva animada e entregando o cartão nas mãos de Guinevere.

- Obrigada. – agradeceu a garota.

- De nada querida Guine. – disse Eva, intimamente apelidando Guinevere.

Guinevere deu um último sorriso e os três saíram da sala a caminho do jardim. Para espanto deles, as estátuas haviam sumido. Sem entender pensaram em voltar e avisar Eva, mas esta aproximou-se e lhes disse:

- Não se preocupem, as estátuas ganham vida durante a noite. São meus “cães de guarda”. Podem ir não lhes farão mal algum.

Tranqüilizados, Kal, Daimon e Guinevere atravessaram o jardim e o portão, depois deste se fechar seguiram caminho até a Pousada das Fadas.

- Guine é bem legal. – comentou Kalevi.

- Obrigada! – agradeceu.

Andaram mais alguns metros e chegaram à pousada. O letreiro faiscante tinha duas fadas que repetiam uma cena de vôo em que saiam de duas árvores, uma em cada lado, e se colidiam uma com a outra, explodindo em forma de pó e depois lia-se: “Pousada das Fadas, a pousada que é das fadas”. Péssimo slogan. Pensou Kal.

Entraram no saguão e era totalmente diferente do que parecia ser por fora, ali não tinha galhos e raízes brotando pelo teto e pela parede, o chão era em piso polido com alguns mosaicos estranhos. As paredes traziam pinturas de árvores que se mexiam com o vento, passarinhos e outros animais soltos pela paisagem.

- É lindo! – admirou-se Guinevere.

- Não é só lindo, é fantástico! – disse Daimon.

Aproximaram-se do balcão verde feito em madeira para pedir um quarto.

- Por favor, um quarto para três. – pediu Kal.

A fadinha levantou a cabeça e revelou seu lindo rosto, fino e com a face realçada. Os olhos bem azuis e a boca meio alaranjada, cabelos loiros e lisos. As orelhas pontudinhas, porém eram escondidas pelo chapeuzinho de pano azul com cordinhas penduradas.

- Olá! Meu nome é Brígida. Vocês desejam um quarto para três, não é? – confirmou a fada – O quarto 117 está desocupado. Como vão pagar?

- Guine, o cartão. – disse Kal olhando diretamente para a garota.

Ela sorriu e entregou o cartão a Brígida.

- Rainha Eva, quanta honra. Estão vendo aquela porta onde está escrito corredor? – Brígida apontou para uma parede em que havia uma porta pintada.

- Mas é só uma pintura... – falou Daimon

- Não se engane! Diga “117” e depois abra a porta para dentro. – instruiu Brígida.

- Obrigado! – agradeceram.

– Tenham bons sonhos. – disse a fada.

Kal liderou os dois até a parede em que a porta estava pintada.

- Quarto 117! – falou Kal com firmeza, e depois aproximou a mão perto do desenho de maçaneta e abriu a porta. Atravessaram a parede sem nenhum problema e chegaram em um corredor com dez quartos.

- O nosso é o 117. – disse Daimon – aqui está ele.

- Vamos entrar! Eu preciso de um banho urgente! – falou Kal – depois iremos chatear o Ralph.

Abriram a porta do 117 e se depararam com três camas de casal cortinadas e uma lareira feita com pedras lisas que lembravam mármore. Em volta havia três sofás muito confortáveis ao redor de um tapete peludo e próximo à parede havia um guarda-roupa com seis portas e uma mesa redonda de três lugares feios em mogno.

- Isto sim é um quarto! – disse Daimon.

- Muito bonitinho, mas eu quero conhecer a ducha. – disse Kal desanimado. – Está aqui!

Kal dirigiu-se até uma porta que ficava na parede oposta da lareira. Ao abri-la, para seu espanto, viu que o banheiro era exageradamente grande. O balcão com três pias e um espelho que se estendia de uma extremidade a outra. No fundo uma ducha com o box de vidro.

- Está na hora do banho. – disse Kal sonhando com um bom banho com um água fresca.

Depois de se despir, Kal abriu a ducha e ficou embaixo dela descansando. A parte interna do box espumava, dando um efeito mágico ao local. Era como se estivesse flutuando junto a bolhas de sabão, como as que ele, Daimon e Guinevere sopravam em Vila da Cachoeira.

Kal saiu do banho vestido em um pijama azul e deitou-se na cama.

- Vou esperar vocês e assim iremos para o quarto de Ralph – avisou Kal.

- Daimon, eu vou primeiro – intimidou Guinevere ao avistá-lo quase dentro do banheiro – Onde você conseguiu esse pijama e a toalha para se secar?

- Estão no armário do banheiro – respondeu Kal muito sonolento.

Guinevere entrou no banheiro e trancou a porta.

Alguns longos minutos de espera sucederam até que os outros dois estivessem prontos. Neste meio momento Kal permaneceu deitado e tirou um breve cochilo. Alguns sonhos rápidos o perturbaram. Sonhos que pareciam mais um flash-back daquele dia. Kal se viu acordando e dando bom dia a Daimon, depois se viu conversando com seu pai na fábrica. Viu a Drª. Samantha, em seguida a transformação de Thomas. Pode ver também Julio, Ralph e Eva. Por fim, viu-se deitado na cama e suspirando.

- O que foi, Kal? – perguntou Guinevere curiosa.

- Não foi nada, Guine. Só um sonho, eu acho... – respondeu.

- Vamos? – chamou Daimon.

Dirigiram-se até a porta e procuraram pelo corredor o quarto de nº. 118.

- Quarto 118, aqui – informou Guine que acabara de achá-lo.

Daimon bateu na porta e Ralph surgiu de trás dela no minuto seguinte.

- Que surpresa! Por que demoraram? – perguntou Ralph.

- Tivemos alguns contratempos – respondeu Kal.

- Contratempos? – perguntou curioso – Entrem.

Todos entraram e em seguida Ralph trancou a porta.

- Agora, contem o que aconteceu!

Kal começou a contar tudo. Desde o momento em que Ralph de despediu. Contou sobre os irmãos Wosky e o duelo, sobre os outdoors e como era a Rainha Eva.

- Não é muito diferente dos outros elfos que eu conheço.

- Que elfos você conhece? – questionou Daimon.

- Vários. O chefe de Relações Mágicas é um elfo. – disse – Meu pai trabalha com alguns elfos também.

- Você conhece o chefe de Relações Mágicas? – perguntou Kal.

- Sim, é o Sr. Urian. – disse Ralph – Mas qual é o interesse?

- Nenhum. – afirmou Kal.

- Vocês já jantaram? – perguntou Ralph.

- Ah... não... – respondeu Daimon.

- Nem eu. Vou pedir algo. O que vocês querem? – perguntou Ralph já tirando papel e caneta de dentro de uma gaveta do armário.

- Eu vou querer bolinhos de chocolate com suco. – disse Ralph anotando seu pedido – E você Guinevere?

- Eu quero biscoitos de leite – pediu a garota.

- Pode pedir bombons pra mim – disse Daimon.

- E o que nós vamos comer? – perguntou Kal – Bolinhos de chocolate, biscoito e bombons não são comida de verdade. Eu vou querer esse pão de favo – disse Kal lendo um cardápio que acabara de encontrar.

- Deixe-me ver. – disse Ralph pegando o cardápio da mão de Kal. – Está certo então, vamos escolher pratos de verdade.

- Olha, nhoque de ararambóia, pão de manga e lasanha de planta carnívora. – Ralph interrompeu a leitura, pois sentiu um enjôo que lhe corroeu o apetite.

- Acho melhor ficarmos somente com os doces. – disse Kal.

- Eu vou até lá levar o pedido. – disse Ralph.

- Não precisa. – falou Guinevere sorrindo – Kal pode mandá-lo por feitiço.

Meio embaraçado com o que acabara de ouvir de Guine, Kal pediu o bilhete a Ralph.

- Entregue-me aqui. – ele atendeu o pedido de Kal entregando-lhe o bilhete – Para quem isso deve ser dirigido?

- Brígida, a fada da recepção. – informou Ralph.

Kal escreveu no bilhete o número do quarto e fez o mesmo feitiço que Adonis usara para mandar o bilhete a Elvira.

Embora Kal tenha feito tudo corretamente, por algum motivo o feitiço não surtiu o efeito esperado. O papel se dobrou em forma de avião e depois girou pela sala, mas ao invés de sair pela janela, ele parou e caiu no chão.

- Acho que isso não deveria acontecer. – disse Kal envergonhado.

- Não tem problema. Vamos fazer do meu jeito. – disse Ralph – Osíris!

Nos primeiros segundos Kal não entendeu o que era aquilo, mas compreendeu quando ouviu o baralho feito por uma ave. Era um falcão azul e cinza que havia acabado de entrar pela janela.

- Esse é o meu falcão, Osíris. – disse Ralph apresentando a ave aos amigos.

- É um falcão de verdade? – espantou-se Daimon.

- É sim. Ganhei do meu pai no último aniversário.

- E para que ele serve? – perguntou Daimon.

- Bem, ele pode ter muitas utilidades, uma delas é enviar recados. – respondeu Ralph – Osíris leve este bilhete à recepção, certo? Entregue a Brígida por favor– a ave soltou um pequeno grunhido que deveria ser um sim e voou pela janela carregando o bilhete preso a uma das patas.

- Ele é bem legal, não é? – disse Daimon admirado com o animal – Hei Kal, acha que papai pode me dar um desses?

- Quem sabe?! – disse desanimado, já que no fundo estava com vergonha do seu feitiço mal sucedido e com uma pontada de inveja de Ralph.

- E aí, Kal? Bem melhor que um feitiço, não é? – ele respondeu a pergunta de Ralph com um sorriso torto – Aí vem ele de volta. – Osíris entrou novamente pela janela, mas estava segurando um outro papel em uma das patas.

Osíris entregou o bilhete e pousou no parapeito da janela.

- É uma resposta. – falou Ralph – Aqui diz:

“Os pedidos foram registrados e a qualquer momento estaremos entregando. As fadas agradecem.

PS: Abra a porta”.

Neste instante a campainha soou e Ralph dirigiu-se até a porta. Quando a abriu, pôde-se ver duas fadinhas com pouco mais de trinta centímetros, empurrando um pequeno carrinho que estava carregado de guloseimas.

- Desculpe a demora! – disseram juntas.

- Tudo bem. – falou Ralph espantado com a velocidade do pedido, mas sem entender o motivo de desculpa das fadas.

- Mais uma vez a Pousada das Fadas agradece – as duas fadinhas se inclinaram em um gesto cordial para Ralph, gesto o qual ele repetiu meio atrapalhado. Em seguida, cada uma voou para as duas extremidades do corredor e foram embora de uma maneira não tão comum.

- Contato! – disseram as duas posicionando-se uma de frente para a outra – Avante! – as duas seguiram voando rapidamente pelo corredor até se colidirem e desaparecerem tornando-se um pó verde cintilante.

- Essas aí são doidas. – disse Ralph recolhendo a refeição do corredor.

- Doidas ou não, trouxeram nosso jantar. – falou Daimon – Vamos à comilança.

Todos se deliciaram com tantos doces, até mesmo Guinevere, que disse estar de dieta. Kal, no entanto, não estava tão preocupado em comer. Não havia passado de dois biscoitos e um bombom.

- Qual o problema, Kal? Também está de dieta? – perguntou Ralph rindo e olhando para Guinevere que estava mastigando seu quinto bombom.

- Não, só estou pensando. – respondeu Kal gentilmente.

- Você pode pensar com o cérebro e comer com a boca. - brincou Ralph.

- Não, muito obrigado, Ralph – falou Kal já meio sem paciência.

- Você é quem sabe. – respondeu.

Kal estava preocupado com o sonho que tivera ainda pouco. Tinha certeza de que não se tratava de um sonho comum, era algum tipo de visão. Pensou em mandar uma carta ao seu pai, mas não queria preocupá-lo ainda mais. Adonis já estava bastante envolvido com todos aqueles problemas de Thomas, Mardo e Kricolas. Ninguém sabia exatamente o que os últimos assassinatos de Kricolas significavam. Sabiam que há novecentos e noventa e oito anos ele foi o braço direito de Donnovan, o maior bruxo das trevas que já andou pelo mundo.

Tudo isso passava por sua cabeça e a cada minuto que se estendia era mais um minuto de angustia. Kal entrou em espécie de transe e ficou ali parado, olhando pela janela enquanto Daimon, Guine e Ralph esvaziavam os potes de doces.

Quando o relógio que ficava no meio da praça badalou meia-noite, Guinevere se levantou e disse que já era hora de todos irem dormir.

- Por Merlin! Meia-noite! Devo ter engordado quilos comendo desse jeito – disse a garota – temos que ir.

Kal apenas concordou com a cabeça. Despediram-se de Ralph e foram todos dormir.

Depois que todos haviam se deitado, Kal andou ainda pelo quarto e quando resolveu dormir caiu em um sono perturbado por gritos e imagens confusas. Ele ouvia pessoas pedindo ajuda. Em uma visão, Kal viu uma mão sobre-encapuzada segurando uma varinha com força e disparando algum feitiço que produzia um raio de luz poderoso verde e preto. Kal não pode ver quem o feitiço acertou, mas teve certeza de que a pessoa, ou o que quer que fosse, não havia sobrevivido. Depois de ver o autor do feitiço abaixar a mão, Kal conseguiu ver que o lugar era familiar, a mesma sala com a mesma escada. Sem dúvida alguma, aquela era a cripta de Thom.

Na manhã seguinte Kal acordou tentando refletir no que estava acontecendo e se lembrar do sonho. Que significava tudo aquilo? Ele viu um flash-back do seu dia e agora essa visão. Nada daquilo fazia sentido para ele.

Guinevere já havia levantado e estava chegando com o café da manhã. Daimon também havia levantado e estava se arrumando.

- Ah! Bom dia, dorminhoco. – cumprimentou Guinevere.

- Bom dia – respondeu Kal.

- Temos pão e suco para o café. – informou a garota.

Kal suspirou levemente e se aproximou da mesa. Nesse instante Daimon surgiu e cumprimentou os dois.

- Bom dia.

- Bom dia – responderam Kal e Guinevere juntos.

- E então, aonde vamos primeiro? – perguntou Daimon – espero que seja na Livros & Boatos, a maior livraria do mundo.

- Quem sabe. – respondeu o irmão.

Terminaram o café e Kal sentou-se em uma das poltronas próxima a lareira. Ficou olhando para fora da janela e de repente avistou um pequeno objeto voando em direção a ele. Quando Kal se aproximou percebeu que era um bilhete avião e se apressou para alcançá-lo.

- De quem deve ser? – perguntou-se Kal.

Dois outros aviõezinhos desceram pela chaminé e voaram em direção a Daimon e Guinevere.

- Olhem! Tem um brasão. – disse Guine.

- Aqui diz: Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon. – leu Kal – É nossa lista de materiais. – Kal olhou para o papel e leu em voz alta:

“Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon

Os alunos que irão cursar o Primeiro ano deverão levar os seguintes materiais.

- Livro de feitiços Vol. I; Érica Poubell

- Livro, Poções Potificantes Vol. I; Paulo Pote

- Relações naturais; Herba Flor

- Caminhos do tempo; Cacius Henrique

- Maldições, defesa e utilidades; Amadeus Wosky

- Onde estamos?; Lara Grafite

- Olho mágico; Natura Tequi

- Como ser um clérigo; Rafael Borlini

- Uniforme padrão de Avalon

- Um caldeirão de cobre

- Kit para poções, iniciante

- Cadernos e pergaminhos para rascunho

- Pena e tinteiro

- Uma planta, da preferência do aluno

Os alunos matriculados devem deixar os materiais onde estão hospedados e se dirigirem amanhã para os terrenos baixos da escola.

Diretoria de Avalon”

- Quanto material! – espantou-se Kal.

- Esse ano vai ser muito cansativo. – disse Guinevere desanimada.

- Talvez para vocês! Não vejo a hora de ler todos esses livros. – falou Daimon.

- Antes de ler, temos que comprar. – disse Kal.

- O que estamos esperando então? – perguntou.

- O dia clarear. – respondeu Kal – Ainda é muito cedo, e além do mais, as lojas estão fechadas.

- Que pena! Por que acordamos tão cedo? – perguntou Daimon – Guine foi a primeira a se levantar.

- Eu acordei porque temos apenas um dia para nos prepararmos antes de irmos para Avalon. Não vou esconder que estou empolgada. – disse Guinevere abertamente.

- Para que eles querem uma planta? – perguntou Daimon.

- Provavelmente para enfeitar o jardim. – respondeu Kal.

- Não seja grosso! Avalon é uma instituição séria. - bravejou Guinevere.

- Eu acho que as lojas já estão abrindo. – disse Daimon – Já são quase sete horas.

- Quanta ansiedade. – falou Kal.

- Eu vou me arrumar. – falou Daimon pausadamente.

- Pelas barbas de Merlin! Nem se fosse um casamento. – disse Kal repugnado por todo aquele alvoroço.

Uma hora a mais se estendeu até que os três ficassem prontos. Daimon ficou metade do tempo sentando, esperando por Kal e Guinevere. Daimon estava usando uma calça jeans com uma blusa azul, calçando um sapato de couro com cadarços. Guinevere, com sua habitual saia xadrez azul e sua blusa branca de botão. Quanto a Kal, demorou um pouco mais que os outros para se arrumar. Ele acabou optando por um bermudão bege e uma camisa vermelha.

- Vamos! – chamou.

- Já passa da hora. – disse Daimon.

- E quanto ao Ralph? – perguntou Guine.

- Não combinamos nada ontem. Talvez ele já tenha ido.

Um segundo depois, ouve-se alguém bater à porta e Kal foi ver quem era.

- Vamos nos atrasar se demorarmos mais um minuto. – falou Ralph.

- Bom dia, Ralph!

- Ah, desculpe, Kal.

- Ok, Era só para não perder o costume. Agora vamos, se nos atrasarmos um minuto acho que alguém morre aqui.

quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Capítulo 1 - O Milagre Foster

1

Naquela noite chuvosa de dois de junho as luzes estavam acesas em plena madrugada na suntuosa mansão da família Foster. Havia uma grande onda de inquietação provocada pelo nascimento do primeiro herdeiro de Adonis e Amanda Foster no pequeno lugarejo de Vila da Cachoeira. Tão pequena era a vila que mal acomodava seus quase cinqüenta habitantes e a cachoeira com fluxo invertido que dera nome ao local. A vila acomodava uma pequena escola primária, umas trinta casas feitas com pedras muito bem empilhadas e telhados simples de madeira. A mansão da família Foster e sua tão venerada fábrica de vassouras eram as maiores riquezas do lugar.

Quando os moradores da vila precisavam de qualquer tipo de suprimento se dirigiam à cidade mais próxima, Dunas. Nela os habitantes da vila podiam abastecer seus armários, receberem tratamento médico em um luxuoso hospital e caso quisessem permanecer poderiam repousar na Pensão da Tia Nana.

No entanto, nada em Dunas poderia atrair mais a atenção daqueles habitantes do que o nascimento do primeiro filho da tão respeitada família Foster.

Eram quase três horas da madrugada quando o estrondoso choro do primeiro herdeiro quebrou o silêncio aflito na pequena vila. Nascia Kalevi Foster. O menino de pele rosada, cabelos enegrecidos e olhos castanhos não era muito diferente de um bebê qualquer. Mas havia acontecido algo que nunca se vira antes na terra dos bruxos, um choro no momento em que nasceu. Naturalmente, bruxos não choram ao nascer, mas porque seria diferente com Kalevi?

Por toda a vila circulou a notícia de que o menino Foster havia chorado assim que veio ao mundo. Uma prova completa de que não era bruxo.

- Kalevi Foster não é bruxo? Pobrezinhos dos pais...

Tais comentários abalaram a comunidade mágica, uma comunidade que possuía seu próprio governo, com a finalidade de manter em segredo a existência de bruxos em tempos modernos. Estes membros importantes do governo se apresentaram aos Foster para desejar-lhes os pêsames. Presidente, ministros, senadores e até os guardas de uma das maiores prisões do mundo, Warren. A penitenciária havia sido fundada, também, pela família Foster há vários séculos para aprisionar um homem que causou grande mal à comunidade mágica em outros tempos.

Mesmo em meios a tantos pesares, Adonis e Amanda Foster passaram a amar o filho como se fosse um bebê bruxo qualquer. Para eles não importava se o filho era capaz de fazer cadeiras levitarem. Importante era saber que Kalevi Foster nascera saudável e bonito. Mas, em Vila da Cachoeira, os habitantes continuavam a espalhar notícias maldosas sobre a condição de Kalevi Foster. O menino, filho de uma tradicional família mágica, conhecida e respeitada há séculos pelos seus grandes feitos, manchara tal nome ao nascer sem dons mágicos.

Kalevi raramente ia para fora dos portões da mansão, com o ou sem os pais. Não porque estes tinham qualquer tipo de vergonha em relação ao filho, e sim pelo fato de não suportarem que outros bruxos, ocasionalmente, soltassem comentários maldosos. Vez ou outra ainda culpavam Amanda e Adonis por terem gerado um filho como Kalevi. Nem ao menos mencionavam o nome do menino com medo de que o caso se repetisse em suas famílias.

Um ano mais tarde, a luz na mansão Foster ficara acesa mais uma vez na madrugada. Desta vez toda a imprensa estava em Vila da Cachoeira, não porque era mais um bebê nascendo e sim porque era um Foster. Adonis e Amanda ganhariam um segundo herdeiro.

Nunca, na família Foster, casais haviam conseguido um segundo filho. Toda a descendência da família limitava-se a ter um único herdeiro bruxo. Não por capricho, e sim por um motivo desconhecido.

Talvez porque Kalevi não era propriamente um bruxo, foi possível o nascimento de seu irmão, Daimon Foster.

Amanda, que era uma mulher alta, cabelos negros como o dos dois filhos, olhos azuis cintilantes, pele fina e muito branca casara-se com Adonis Foster ainda nova. Seu marido um homem também alto, magro e com aspecto cansado teve sua vida completamente mudada depois do nascimento dos filhos. Até então, sua vida se limitava a pequenas idas até sua própria casa. Ele passava a maior parte do tempo resolvendo problemas dentro da fábrica.

Kalevi cresceu e realmente não apresentou dons mágicos. Já seu irmão, aos três anos de idade, mesmo sem controle algum sobre o que estava fazendo, surpreendia a todos com objetos voadores e colheres entortadas.

- Que prodígio! – diziam os habitantes da vila – Tão diferente do irmão imundo!

Adonis e Amanda não passaram a amar Daimon mais do que Kalevi. Para os dois não havia diferenças.

- Não se preocupe meu querido, eles não estão falando a verdade. – dizia Adonis ao filho toda vez que um estranho excomungava o menino.

O grande mistério que girava em torno da Família Foster era o seu passado, um passado tão distante e mesmo assim tão presente.

Há exatos 988 anos, em uma época em que bruxos e humanos podiam conviver em perfeita harmonia e sem qualquer discriminação, do resultado de um matrimônio entre um bruxo e uma mulher humana nasceu o menino o qual foi dado o nome de Foster. Ele simbolizaria uma nova era, iniciaria com ele uma nova linhagem de bruxos. Ainda criança, Foster teve como mestre o poderoso mago Merlin, que o ensinou grande parte do seu conhecimento e do seu caráter. Merlin ensinou a Foster que não havia tantas diferenças entre bruxos e humanos que os impedissem de conviverem juntos.

Diferente deste pensamento harmônico, Donnovan, conhecido por todos como o Cavaleiro Negro, reuniu aqueles que também eram contra a convivência pacífica entre as duas raças. Donnovan e seus aliados acreditavam na perfeição da raça mágica e que a mistura de ambas resultaria em um ser imperfeito.

Suas idéias se expandiram pelo mundo e grandes conflitos se iniciaram. Humanos eram mortos a todo instante por bruxos inescrupulosos que seguiam a fio as idéias do Cavaleiro Negro.

Merlin, com ajuda do já rapaz Foster, decidiu por criar uma escola de magia onde qualquer um pudesse aprender. Bruxos ou não, a magia estaria ao alcance de todos. A escola havia sido construída em cima de uma nuvem, de modo que os humanos que não mais aceitavam a magia, nada poderiam fazer para impedir que ela fosse praticada.

Mas, parecia impossível reunir novamente as duas raças. Donnovan havia vencido. Apenas um obstáculo o separava de conseguir o que realmente desejava, a escola de Merlin, Avalon.

Tudo parecia perdido para Merlin, que não contava com o sacrifício de seu discípulo. Por mais caráter e coragem que o jovem bruxo apresentasse, não parecia ser realidade o que ele estava prestes a fazer.

Foster seguiu até o lugar em que Donnovan estava reunido com todo o seu exército e pelo que conta o tempo, Foster disse apenas uma palavra. Uma palavra que foi capaz de mudar toda a história do mundo. A palavra era um feitiço que incrivelmente destruiu o grandioso exército e o próprio Donnovan.

- Perpétuo! – explicava Merlin – Um poderoso feitiço de sacrifício. Com isto, o jovem Foster abdicou da vida para que nós e seus descendentes tivéssemos um mundo para morar.

Mesmo com o sacrifício, humanos e bruxos jamais retornariam a conviver em união. Os humanos haviam fundado vilas distante das florestas e dos campos, lar dos bruxos. Fundaram cidades e a magia foi esquecida com o passar das gerações.

Foster, ao que se sabe teve apenas um filho, Garner Foster, foi o nome que recebeu. Ao completar seus vinte e um anos, Garner fundou a prisão de Warren, com o propósito de prender o único homem do exército de Donnovan que sobrevivera. Kricolas.

Kricolas era filho de um vampiro chamado Thomas com uma bruxa que morreu no dia do nascimento do filho. Thomas era um vampiro adorado e respeitado por todos. Para quem o conhecia, seu único defeito era o fato de ser pai da aberração Kricolas, que nos tempos grandiosos de Donnovan vangloriava-se de ser considerado o braço direito do Cavaleiro Negro.

Ninguém sabia ao certo como Kricolas pode escapar do feitiço de Foster. Sendo o braço direito de Donnovan ele deveria estar lá, pronto para a maior batalha que o exército de seu mestre infrentaria.

Garner Foster não se importava com isso. Apenas pretendia prender Kricolas de forma que o sacrifício de seu pai não fosse em vão. Deixá-lo solto seria um risco. Ele tinha enormes poderes e conhecimento mágico quase tão grande quanto o de seu mestre. Não seria de total espanto se ele pudesse trazer da morte o Cavaleiro Negro. No entanto não seria nada fácil para Garner prender alguém tão poderoso como Kricolas. Para tanto ele juntou os melhores bruxos que conhecia e formou a primeira Guarda Armada de Warren.

Em uma missão de busca, a Guarda aprisionou Kricolas e o trancafiou de modo a não poder usar nenhum de seus poderes, seja de vampiro ou de bruxo.

Kricolas permaneceria aprisionado como um cão enjaulado, esquecido até mesmo pelo seu pai e odiado eternamente pelos seus inimigos.

Através dos séculos, viver no mundo criado pelos bruxos era reconfortante. Sem guerras ou catástrofes, eles dedicavam-se as suas atividades preferidas, voar em vassouras por campos abertos ou observar os humanos, que com o passar do tempo foram tornando-se cada vez mais complicados.

Eram tão arrogantes e indecisos às vezes, ora podiam ser inescrupulosos e exploradores, ora podiam ser gentis e amáveis. Criaram armas de grande destruição e guerras3.

Devastavam a natureza como se fosse algo simples e insignificante. Vez ou outra, os bruxos mais radicais castigavam esses humanos seriamente por cometerem tais atrocidades. Mas em geral eram apenas sustos com cabeças voadoras e esqueletos falantes.

E assim se passou o tempo até a modernidade. Quando bruxos começaram também a serem corrompidos e perderam a pureza de antes. Não precisavam mais de um bom motivo para odiar os humanos, o fato de existirem e forçá-los a se esconderem era o suficiente para que em um descuido fossem magicamente castigados. Mas tais fatos ainda eram insignificantes prestes ao que estava para acontecer.

Em outra noite chuvosa, quando os pequenos Foster ainda tinham quatro e três anos de idade, outro grande evento abalou a comunidade mágica. A fuga do seu primeiro prisioneiro. Neste acontecimento morreram alguns dos principais guardas de Warren, incluindo a família Lingenstain, amigos íntimos de Adonis Foster.

Os Lingenstain tinham uma filha, da mesma idade que Kalevi, seu nome era Guinevere. Depois de perder os pais nesta fuga de Kricolas a garota foi morar com os Foster.

A mansão Foster possuía algo em torno de uns setenta cômodos, incluindo um imenso salão, onde a família recebia seus convidados em noites de festas. Os grandes portões de ferro traziam um grande “F” como brasão da família. Os jardins com rosas de todas as cores e perfumes, chafarizes, e até mesmo um modesto lago de águas rasas habitado por lindas espécies de peixes.

Havia uma pequena trilha de pedras desalinhadas a ser seguida dos portões até a varanda de entrada para a mansão.

A pequena Guinevere atravessou a porta dupla de salgueiro nos braços de Adonis. A menina tinha os cabelos castanhos e olhos esverdeados, bochechas rosadas e nariz fino. Amanda carinhosamente recebeu Guinevere em seus braços com um forte abraço. Mentalmente lamentou pela menina ter perdido os pais ainda tão nova.

- Oi tia Amanda! Porque você está chorando? – perguntou a menina inocentemente – Olhe tia Amanda, era da minha mãe.

- É uma bonita varinha, querida. – falou ela admirando a varinha de madeira entalhada na mão da menina.

- Quer fazer um pedido? – perguntou Guinevere docemente.

- É claro. – Amanda sabia que o objeto nas mãos da pequena Guinevere era uma varinha mágica, mas também tinha a certeza de que seja qual fosse o pedido que fizesse ele não iria se realizar. No entanto, o desejo em sua mente era tão constante que a qualquer oportunidade ele surgia em sua cabeça.

Num suspiro profundo Amanda fechou os olhos e desejou.

- Fiat, fiat, fat. – terminou a garota – seu pedido vai ser atendido tia Amanda.

- Obrigado querida, tenho certeza que será. – mentiu inocentemente Amanda.

Guinevere correu pelo salão a procura de Kalevi e Daimon para brincarem, Adonis então aproximou-se da esposa a lentos passos como se pensasse seriamente no que se passava na mente de Amanda.

- O que você pediu? – perguntou ele já prevendo uma resposta.

- Se eu contar o desejo não se realiza. – brincou.

Adonis abaixou de leve a cabeça e sorriu, retornando o olhar à Amanda, disse:

- Eu não preciso perguntar ou olhar dentro de sua mente para saber que o pedido envolve Kalevi.

Amanda debruçou-se sobre o marido e desatou a chorar.

- Tem sido tão difícil... é impossível, essas pessoas não entendem...

- Não se importe com o que elas dizem. – acalmou Adonis.

- Eu não me importo com o que as pessoas pensam ou falam de mim, mas tenho pena por ele... vai ser tudo complicado quando ele crescer... – completou em um soluço – Eu não queria que passasse por isso...

- Kalevi não é diferente de outro garoto da sua idade, e eu repito isto diariamente. Ele corre, brinca e o principal, ele é feliz, feliz por ter um irmão e uma mãe adorável...

- E um pai amoroso... – completou a frase Amanda.

- Kalevi vai precisar desta família quando os problemas piorarem. – falou Adonis com uma voz sedosa.

- Nós estaremos aqui, com certeza. Mas, e se não adiantar? Quer dizer, ele terá sempre o nosso apoio e a nossa ajuda para resolver essas eventuais questões... porém, não estaremos sempre ao seu lado. Ele vai querer viver Adonis. E quando o Daimon e Guinevere forem estudar magia fora da cidade, ele vai ficar muito triste por não poder ir junto...

- E neste momento estaremos aqui. Para ficar ao seu lado. Eu não me importo se Kalevi é um bruxo ou não. Ele é o meu filho e isso me basta. – disse o homem decisivo.

- Eu penso como você Adonis, não me importa a condição dele, mas e ele? O que pensa sobre ser um garoto sem dons mágicos? Você acha que ele não se sente diferente? – questionou Amanda.

- Sim, certamente ele se sente estranho, mas nós temos que fazê-lo se sentir bem. Ou pelo menos não se martirizar por isso. Não é culpa dele...

- E de quem é? Nossa?

- Não! – falou Adonis como se tivesse ouvido uma ofensa – É claro que a culpa não é nossa, mas eles vão dizer que é, compreende?

- Acho que sim Adonis... é tudo tão complicado. Como isso pôde acontecer a nós? A Família Foster?

- Amanda, só porque nossa família é tradicional não quer dizer que tenha que ser assim para sempre, além do que, somos uma mistura entre a raça humana e bruxa.

- Mas isso nunca aconteceu não é verdade? – balbuciou a mulher que ainda chorava.

- Não, isto nunca aconteceu na Família Foster, assim como nenhum casal da família gerou dois filhos. – falou Adonis sorrindo graciosamente para a esposa como se a agradecesse.

- É verdade. Temos dois filhos lindos...

- E agora temos que cuidar de outra pequenina, que também vai nos dar muito orgulho.

- Pobrezinha, tenho tanta pena por ter perdido os pais, ainda mais daquela forma.

Ao que se sabe, o casal Lingenstain foi amargamente torturado por Kricolas antes de morrerem. A fuga foi abafada pelo governo, a fim de ganhar tempo para recapturá-lo. O que não seria mais uma tarefa tão fácil, já que, boa parte dos guardas de Warren havia morrido ou estava gravemente ferido.

Quando ninguém mais falava da fuga de Kricolas, os habitantes de Vila da Cachoeira puderam retornar a sua vida rotineira. Kalevi, Daimon e Guinevere passaram a estudar em um pequeno colégio local, onde aprenderam os ensinamentos básicos necessários para estudar magia.

Magia era algo que o pequeno Kalevi Foster não possuía com seus seis anos de idade. Na sala de aula, sentado ao lado dos demais alunos ele era apenas um observador. Não se sentia mal por isso. Seus pais o incentivavam a assistir às aulas mesmo que não fossem produzir algum tipo de resultado.

Os demais alunos o ridicularizavam, chamando-o de aberração e a mulher que lecionava, Srª. Ana Lara, nada fazia. Para ela era ultrajante ter um aluno como Kalevi em sua turma. No entanto não poderia fazer nada, pois a escola mantinha-se graças a generosa ajuda que a Família Foster e sua imensa fábrica de vassouras oferecia.

Certa vez, no horário da saída, Kalevi se aproximou da professora, e esta procurou se afastar ao máximo como se ele portasse uma doença incrivelmente contagiosa.

- Professora porque não posso fazer magia como os outros?

A mulher comprimiu os lábios e sentiu o sangue gelar. Para ela já era uma grande ofensa tê-lo como aluno, maior era a insolência em fazer uma pergunta tão estúpida quanto aquela. Sentiu-se tentada em lhe responder que ele não passava de uma aberração. Mas cinicamente virou seu olhar podre em direção ao menino para dizer.

- Pergunte a seus pais.

Chegando em casa, como de costume recebidos por um abraço carinhoso de seus pais, Kalevi interrompeu o beijo do pai e perguntou subitamente.

- Porque não posso fazer mágica como o Daimon e a Guinevere, papai?

Adonis sentia sempre um mal estar quando alguém comentava sobre o porquê de seu filho mais velho nascer sem dons mágicos. Sentiu-se ainda pior ao ouvir isso do próprio Kalevi.

- Por quê? Isto te incomoda? Ser diferente não é legal?

- Não é isso... mas gostaria de me parecer um pouco com os outros garotos...

- Mas você se parece. Não se incomode com o que eles dizem meu querido. Você pode ser um garoto diferente aos olhos deles, mas não aos de sua família. – dizia Adonis. Sua sinceridade era tamanha que podia ser percebida e capaz de tranqüilizar até mesmo um garotinho de seis anos de idade.

Certa vez, quando Kalevi voltava da escola, alguns garotos mais velhos o chamaram para brincar com eles. Embriagado de tanta felicidade por ser chamado pela primeira vez para participar de uma brincadeira, Kalevi seguiu os garotos até um pequeno bosque que fazia fronteira com a cidade, o Bosque de Vinho. O bosque era na verdade uma pequena área de mata fechada onde se dizia que algumas criaturas mágicas, como o Curupira e Saci andavam pela noite se embriagando com vinhos que haviam sido furtados no mundo dos humanos.

Naquele final de tarde, no entanto, não havia Curipira ou Saci, apenas cinco garotos aparentemente indo brincar no bosque.

- Hei Kalevi, já esteve aqui antes? – perguntou um garoto alto e com o rosto cheio de espinhas.

- Não. – respondeu sentido-se deprimido por ser o único ali que não conhecia o bosque.

- Já viu alguma criatura mágica rondando por aqui? – perguntou agora um garoto quase tão pequeno quanto Kalevi.

- Não. – e ele desejou poder responder mais do que isto.

- Conhece ou já ouviu falar em alguma trilha por aqui? – perguntou o primeiro garoto.

- Não. – o interrogatório começava a deixar Kalevi nervoso. Tantas perguntas ao mesmo tempo e ele não podia dizer nada que não fosse o monossílabo.

- Bem garotos, vamos nos embrenhar um pouco pelo mato para apresentá-lo ao nosso amigo Kalevi. – o menino alto e cheio de espinhas parecia ser o líder do grupo, porque lançou-se primeiro na mata e todos o seguiram sem nenhum tipo de contestação.

Kalevi tentou gravar na mente o caminho, mas aparentemente todas as árvores eram iguais...

Eles andaram por uma pequena trilha e a todo instante Kalevi olhava para os lados a procura das tais criaturas mágicas que diziam habitar o bosque, que seria silencioso se não fosse pelo cantar dos passarinhos e alguns pequenos macacos que saltavam de galho para galho.

Em determinados momentos Kalevi achava estar sendo observado, mas eram apenas sandices que sua cabeça fantasiava por estar em um ambiente inexplorado por ele.

Passando por uma clareira eles finalmente chegaram a um tipo de nascente que saia debaixo de algumas pedras.

- Como vamos brincar? – perguntou Kalevi quando finalmente pararam.

- Como ou com o quê? – disse maldosamente o que parecia ser o líder do grupo.

Logo após isso, os quatro garotos fecharam um círculo em volta de Kalevi e tiraram as varinhas do bolso apontando para o menino com um gesto ameaçador.

- Você sabe que ninguém gosta de você na vila não é? – falou um garoto com uma voz esganiçada.

- Nem os seus pais devem suportar sua imundice... – disse o menino alto cuspindo com nojo.

- É mentira! – berrou Kalevi – Eles gostam de mim sim!

- Eles vão até nos agradecer por sumirmos com você, moleque nojento! Aberração!

- Vá com calma Petro, deixa um pouco para nós também... – disse um rapaz loiro e magricela.

- Pode deixar Tiego, hoje nós vamos acabar com o pirralho... – disse Petro.

Em um gesto rápido de varinha Petro murmurou algo que deveria ser um feitiço. No instante seguinte Kalevi estava flutuando a pouco mais de um metro do chão.

- Vamos brincar... – Petro começou a girar a varinha fazendo com que Kalevi rodopiasse no ar. Os outros meninos a sua volta davam altas gargalhadas e faziam menção em atacá-lo.

- Deixa pra mim Petro, deixa pra mim. – implorava Tiego.

Atendendo ao pedido, Petro cancelou o feitiço e o menino foi ao chão com um enorme baque.

Dez segundos depois, ele era novamente erguido no ar e estava mais uma vez rodopiando, Tiego arrastava-o de um lado para o outro deslizando no ar. Em determinados momentos Kalevi tinha a impressão de que sua cabeça iria bater na árvore mais próxima.

- Porque não usa mágica Kalevi? – debochavam os outros – Tem vergonha?

- Esqueceram que é uma aberração? – ria Petro.

Kalevi ficou erguido no ar até que o sol finalmente se pôs e os garotos saíram em disparada com medo de que as criaturas mágicas do bosque viessem ver o que estava acontecendo.

- Socorro! Socorro! – berrava Kalevi pedindo ajuda.

O vento sibilava entre as árvores provocando um estranho ruído que fez o corpo de Kalevi arrepiar em cima da pedra em que fora colocado de forma que não pudesse sair dali sozinho.

- Alguém! Papai! – berrava cada vez mais alto.

A noite chegou e ninguém aparecera para tirá-lo dali. Em determinados momentos Kalevi pensou que Petro e seus amigos estavam certos dizendo que a Família Foster estaria melhor sem ele. Kalevi começou a imaginar uma grande festa na mansão em que todos comemoravam seu desaparecimento. Seu pai Adonis e sua mãe Amanda rindo alegremente enquanto dançavam uma valsa ao som da Orquestra Harmônica dos Bruxos Paulistas.

- Não! Eles não são assim! – recuperou-se Kalevi – Eles vão me procurar...

Kalevi permaneceu ali por toda a noite, não que seus pais não tivessem notado sua ausência, mas sim porque Petro e os outros lhes haviam dito que viram Kalevi nadando no pequeno rio que beirava Vila da Cachoeira.

- Vocês têm certeza de que o viram lá? – perguntou Adonis aflito que já havia conferido o lugar e não encontrara qualquer sinal do garoto.

Depois de amargar a noite inteira a procura do pequeno Foster, Adonis e Amanda começaram a pensar no pior. Kalevi ainda era muito pequeno e jamais passara tanto tempo fora de casa. Ninguém mais na vila importava-se com a segurança do garoto, pelo contrário, pareciam aliviados que o menino tivesse sumido.

- Talvez agora, possamos viver com um pouco mais de tranqüilidade sabendo que aquele imundo sumiu! – falavam abertamente os habitantes.

Adonis comunicara a pequena guarda de Vila da Cachoeira o desaparecimento do seu filho, mas eles não pareciam muito interessados em procurar pelo menino. Talvez até não o tivessem feito caso não se tratasse de Adonis, pois sua grandiosa fábrica de vassouras pagava metade do salário dos guardas.

A Família Foster tinha grande influência no mundo todo pela sua tradição e pelo grande ato que seu antepassado, Foster, havia feito pela comunidade mágica. Sacrificar-se para acabar com Donnovan e seu exército garantiu a sua família grande poder de influência, permanente até os dias de hoje.

- Kalevi! – chamava afoito Adonis – Kalevi!

Guinevere e Daimon resolveram também sair a procura do irmão com Amanda. Daimon carinhosamente apelidara o irmão de Kal, quando era um bebê por ter dificuldade em pronunciar o nome por inteiro.

- Kal! – gritava ele.

- Kalevi! – Amanda berrava do outro lado.

Dentro do bosque o pequeno e adormecido Kal escutava seu pai chamando-o na fronteira com a floresta.

- Papai! – tentou gritar o menino já sem forças.

Por fim, Adonis resolveu embrenhar-se na mata a procura do filho.

- Ele não está aí! – gritou Tiego, apavorado, que acabara de sair de casa – Nós o vimos no rio...

- Eu vou encontrá-lo! – disse Adonis confiante adentrando no bosque.

Kal continuava debruçado sobre a pedra com a cabeça muito dolorida pelos rodopios do dia anterior. Mesmo assim continuou chamando por seu pai.

A voz do garoto atravessou o bosque em eco e foi capitada pelos tímpanos atentos de Adonis.

- Kal! – clamou já exausto de tanto procurar.

Minutos depois, com a varinha iluminando o caminho e atento a direção de onde viera o som, ele encontrou o filho estirado em cima de uma pedra grande e rústica.

- Kal, meu filho.

Adonis, assim como Petro e Tiego, ergueu a varinha e o fez levitar tirando-o da pedra e aterrissando em seus braços.

- Está tudo acabado... – falou o pai em um abraço emocionado.

Kal contara como fora parar lá e Adonis foi tirar explicações com a família dos garotos, que agiram como se a “brincadeira” dos filhos fosse algo inocente e sem importância. Na verdade, não se importaram que fosse Kal o alvo da brincadeira.

Alguns meses depois, o mundo dos bruxos foi atingido por outro grande acontecimento. Sete humanos haviam sido assassinados em um massacre que não deixou marcas ou suspeitos.

- É ele Adonis. – disse um homem gordo e de testa franzida.

- Acalme-se, Mardo, acalme-se. Os guardas de Warren já foram acionados? – perguntou o Sr. Foster ao Ministro da Defesa Mágica, um homem baixinho, gorducho de nariz fino e comprido e rosto muito enrugado.

- Certamente, no instante em que soube da notícia mobilizei meus homens ao mundo humano.

Mesmo com a derrota de Donnovan, os bruxos tiveram que se esconder dos humanos por vários motivos. Estes eram, agora, em maior número e a maioria dos bruxos eram pacíficos em sua essência. Preferiram se esconder em lugares onde humanos não poderiam chegar a enfrentá-los. Outro fator também era o fato de os humanos serem cheios de complicações e certamente se aproveitariam da mágica para desfazê-los.

- O problema é que as coisas estão acontecendo do outro lado. Kricolas está no mundo dos humanos, e não penso que seria natural para eles verem homens desfilando em suas ruas com capas e varinhas na mão perguntando por um vampiro sanguinário. – argumentou Mardo sarcasticamente – teremos que ser pacientes.

- Concordo plenamente, senhor Ministro, mas penso que a situação é crítica e necessitamos da maior ajuda que precisarmos. Por acaso você já informou Cacius sobre os novos acontecimentos?

- Tenho certeza de que aquele velho já sabe de tudo... – resmungou Mardo – mas ainda não se pronunciou para mim. Talvez não queira se intrometer...

- Tenha certeza de que este velho quer se intrometer, Sr. Ministro.

Um homem velho e calvo acabara de surgir no tapete da sala de visitas na mansão Foster. Ele era alto e magro, com uma longa barba que quase alcançava a altura dos joelhos. Era levemente calvo, mas ainda assim preservava algumas finas tranças desalinhadas e grisalhas. O rosto fino e enrugado trazia uma expressão alegre que era amplificada em seus olhos azuis.

- A... prof. Ca-Ca-Cacius... – gaguejou Mardo – Como está?

- Muito bem, graças aos belos elogios que recebo todos os dias. – disse sorrindo para Adonis.

- É um prazer recebê-lo aqui professor.

- É uma pena que não possa dizer o mesmo para você em meu castelo, Adonis. No entanto compreendo sua situação. Com uma esposa e filhos tão bonitos em casa fica difícil se ausentar. – falou Cacius – E como estão os meninos?

- Ah, estão muito bem professor. Falando neles olha quem está aí.

Kal acabara de abrir a porta da sala de visitas, parecia procurar por Daimon e Guinevere. Vendo que não estavam ali fez menção em sair, mas Cacius o chamou de volta.

- Venha aqui Kalevi.

Ele atravessou a sala e no instante que passou por Mardo este se virou para não contemplá-lo. O menino se aproximou de Cacius que se abaixou para poder olhá-lo nos olhos.

- Está tudo bem com você? – perguntou Cacius.

- Tudo. – respondeu timidamente.

- Tome isto, para você, Daimon e a pequena Guinevere. – Cacius enfiou a mão no bolso da capa que estava usando e tirou três doces entregando em seguida a Kalevi.

- Obrigado, senhor. – agradeceu o garoto e saiu correndo até a porta.

- É um bom garoto, Adonis, um bom garoto. – elogiou.

- Desculpe interromper a conversa dos dois, mas temos um fugitivo assassino à solta... – disse Mardo em um pigarro.

- O certo, mas Kricolas não é apenas um assassino. Ele não matou aquelas pessoas para nos lembrar que continua livre. – disse Cacius mudando sua voz para um tom mais sério.

- Não? – duvidou Mardo – Porque outro motivo este louco assassinaria sete pessoas inocentes?

- Para um ritual. – respondeu Cacius de modo conclusivo.

- Como assim? Não entendo. – falou o Ministro.

- Mardo, foram sete assassinatos no mesmo lugar, sete é o número mágico. Acredito, por enquanto prefiro não afirmar, que Kricolas tenha feito algum tipo de ritual. – falou Cacius.

- Ritual? Que tipo de ritual? – indagou Mardo.

- Como havia dito, não posso afirmar nada, mas passei apenas para dizer que devemos nos reunir imediatamente. Por isso vim aqui perguntar ao Adonis se poderíamos fazer esta reunião aqui mesmo.

- Certamente, professor, mas porque não no seu castelo? – perguntou Adonis.

- Não creio que seja conveniente. O castelo, apesar de bem escondido despertaria muita curiosidade das pessoas da Cidade dos Elfos... talvez não seja muito interessante despertar a curiosidade deles e não seria seguro abandonarmos esta região em um momento em que Kricolas está tão audacioso.

- Ah, sim, compreendo... – falou Mardo se perguntando como seria possível fazer um encontro internacional de bruxos sem despertar atenção.

- Então ficamos combinados, em dois dias estaremos nos reunindo no seu salão. – disse Cacius - Agora preciso me despedir, terei que fazer uma longa viagem. Até mais, lembranças a sua mulher Adonis.

O Prof. Cacius que estava olhando pela janela voltou à Mardo e Adonis então girou a capa e desapareceu.

- Bem, Cacius já se pronunciou a você Mardo. E então? O que pretende fazer? – interrogou Adonis.

- Acho que... acho que vou seguir os conselhos dele. Vamos reunir todos os bruxos.

“Reunir todos os bruxos” na verdade significava, para Mardo, reunir todos os bruxos do alto-escalão mundial, os chamados Alta Patentes. Seria impossível reunir todos os bruxos do mundo em um mesmo lugar. Seriam chamados os mais importantes e poderosos para esta reunião que teve como lugar de destino o esplendoroso Salão da Família Foster.

Dois dias separaram a conversa de Adonis, Mardo e Cacius do tão aguardado encontro de bruxos.

Naquela manhã, vários deles apareciam sem qualquer aviso no meio da sala de visitas, o que começava e irritar Amanda que levava enormes sustos com homens de capas negras e botas sujas surgindo do nada em seu tão limpo assoalho.

- Eles ao menos poderiam limpar! – cochichava ela depois que saiam.

Kal, Daimon e Guinevere estavam atentos a todos que chegavam. Era como assistir a um grande show de mágica. Os bruxos e bruxas podiam se transportar de um lugar para outro esfumaçando. Eles literalmente sumiam como fumaça e surgiam no lugar desejado do mesmo modo. O barulho de algo se rompendo divertia os três.

Aos poucos o salão da casa se enchia de grandes nomes, estavam ali os mais poderosos bruxos da atualidade, um deles que chamou a atenção dos garotos não entrou esfumaçando, e sim pela porta da frente falando em uma língua que os três não conheciam. Era alto e magro com uma barba cumprida e grisalhas e os olhos azuis escondidos atrás de um óculos em meia-lua. De longe, Kal pensou que era o homem que lhe havia dado doces dois dias antes, mas percebeu o erro ao vê-lo de óculos e sem as tranças.

Após receber o bruxo pessoalmente, Adonis saíra da mansão e retornara minutos depois acompanhado do Prof. Cacius que foi cumprimentado com um forte abraço.

- Parece que estão todos aqui hoje. – informou Adonis.

- Vamos precisar da maior ajuda possível para fazer o que pretendemos. – Prof. Cacius parecia levemente cansado, mas ao invés de procurar um lugar para se acomodar em uma cadeira preferiu ir ver as três crianças que estavam sentadas ao chão observando os bruxos que chegavam e Amanda resmungando quando um deles sujava a casa.

- Bom dia, meninos. – cumprimentou Cacius – Não tenho doces para vocês hoje, mas prometo trazer alguns da próxima vez que vier aqui.

Dizendo isso, Prof. Cacius avançou pelo corredor e alcançou a sala onde todos os outros estavam. Ele parecia um bruxo muito querido, pois no momento em que entrou foi alegremente saudado por todos. Estendiam-lhe a mão para um cumprimento e ofereciam-no uma taça de vinho.

- Não acho que seja prudente nos embriagarmos ainda tão cedo. Talvez, poderemos comemorar uma honrosa e justa vitória. – falou ele alegremente apanhando a taça e depositando-a em uma das mesas.

O clima na mansão dos Foster era de extremo otimismo, no entanto ninguém comentava o porquê de tanta alegria. O que deveria ser diferente já que um assassino estava à solta e matando humanos como se fossem seu alimento diário.

Às nove horas as portas do Salão se fecharam. Ao que parecia ficariam assim por muito tempo. Ninguém poderia entrar ou sair. Amanda levou os garotos a um passeio pela cidade, que agora estava deserta, já que todos os habitantes passaram a se esconder em suas casas após o ataque feito por Kricolas.

Apenas outras três crianças estavam pelas ruas da pequena vila brincando, lançando feitiços e encantando objetos. Kalevi se ofereceu para brincar também, mas foi rejeitado pelos garotos.

- Você não tem uma varinha! – diziam eles – Mas se quiser podemos brincar pelo bosque. – diziam maldosamente referindo-se ao episódio que ocorrera há alguns meses.

Soluçando o menino aproximou-se da mãe e sentou em seu colo. Onde ficou até quando deu a hora do almoço, observando o movimento ondulante e continuo das árvores com o vento e o alegre cantarolar de algumas aves.

Levantaram e retornaram para o silêncio da casa. Ela nunca esteve tão cheia nem tão silenciosa. É como se os bruxos ao atravessarem a porta de acesso ao salão fossem sendo engolidos por um buraco negro.

Na mesa do almoço os quatro se sentaram para saborear um bife com salada que Amanda acabara de preparar. Depois de terminarem de comer e arrumarem a mesa, eles sentaram-se na sala onde Guinevere e Daimon competiam para ver quem conseguia produzir mais faíscas com a varinha. Kalevi assistiu à brincadeira da janela onde passou o resto da tarde olhando para os jardins da mansão.

- Observando a grama crescer meu querido? – perguntou Amanda ao garoto que respondeu negativamente com a cabeça – Então o que está fazendo?

- Nada. – respondeu – Estou desejando ser igual aos outros...

- Meu filho... não precisa ficar triste por causa disto... pensei que tivesse esquecido tal coisa. – falou a mãe.

- Como posso esquecer? Eles me lembram todo tempo... – disse Kalevi olhando para Daimon e Guinevere que continuavam a brincar.

Amanda não tinha mais o que argumentar. Sentia o mesmo que seu filho, não poderia forçá-lo a acreditar que era igual a todo mundo quando na verdade não era. Mas poderia consolá-lo sempre que precisasse. E este momento era um deles.

- Kal, você não precisa ser igual aos outros para ficar perto deles. – disse Amanda acariciando os crespos cabelos do menino – Elas só são assim porque você é único. Único Kal, e isso as incomoda, mas vai chegar o dia em que vão se acostumar.

- Não vão, mamãe, eu sei que não vão... – choramingou Kal.

- Não se incomode com o que disserem. Não se incomode mesmo. – falou Amanda calmamente.

- Tudo bem, tudo bem...

Quando o sol finalmente desapareceu no horizonte, Amanda e Kalevi se levantaram da janela para ver os bruxos que estavam saindo do Salão.

Eles pareciam exaustos. Assim que atravessavam as portas acenavam com a cabeça para Amanda e esfumaçavam em seguida, deixando apenas uma quase imperceptível nuvem de fumaça colorida.

- Acabamos, Amanda! Nós conseguimos! – Kal olhou para o seu pai que acabara de emergir da pequena multidão de bruxos e apressara-se em vir falar com a esposa – Tudo bem com você, meu filho?

Kalevi sorriu para o pai e lhe abraçou carinhosamente, mas então desmaiou...

Kalevi estava em um vasto gramado, caminhando, não havia nada. Pareciam quilômetros e quilômetros de uma grande área gramada. O menino cruzou o primeiro morro e o segundo, terceiro... não encontrou nada a não ser mais grama. Já cansado ele sentou ao sol, pois não havia árvores ou qualquer outra coisa que gerasse sombra. Um vento forte soprou na direção de Kalevi e ele se sentiu invadido por uma forte onda de energia, o vento foi aumentando gradativamente até um ponto em que Kalevi não pode suportá-lo e foi arrastado por ele.

Durante metros o menino voou com o vento por uma nova área, agora seca e plana. A areia o atingia provocando alguns cortes leves, o vento soprava cada vez mais forte e Kalevi começava a rodopiar. A frente havia um abismo que era para onde o vento estava sendo sugado, como água pelo buraco da pia ao se tirar o tampão. O menino começava a ficar zonzo e lembrou-se do dia em que fora enfeitiçado por Petro e sua turma no bosque e rodopiou por muito tempo. Quando adentrou por este grande e escuro abismo já caia em alta velocidade, ainda empurrado pelo vento, ouviu uma voz o chamar.

- Kalevi... você... resta-me você...

Então outra voz o chamou.

- Filho... você está bem?

Kal parara de cair no abismo e abrira os olhos.

Estava deitado em sua cama com várias pessoas em volta encarando-o. Havia uma bruma azul embaçando sua visão. Esfregou os olhos e reconheceu como sendo seus pais as pessoas que estavam ao seu lado direito, do outro, estavam Guinevere, seu irmão Daimon e o Prof. Cacius. Pareciam preocupados. Adonis virou para o garoto e o abraçou, o gesto se repetiu com Amanda.

Daimon e Guinevere o cumprimentaram com um vasto sorriso e o Prof. Cacius com um aceno de mão.

Depois de despertar por completo, seus pais e Cacius chamaram-no para uma conversa em um cômodo fechado da sala. Por mais que Daimon e Guinevere revelassem-se curiosos nenhum dos três permitiu que eles entrassem na sala enquanto conversavam com Kal.

- Há uma semana você teve uma forte febre. Ficou inconsciente por dias – começou Adonis. Kal surpreendeu-se com o tempo em que ficou inconsciente. – sabemos que você é novo demais para entender isto, mas não podemos fingir que nada diferente aconteceu.

Kal sentia-se cada vez mais curioso e começava apalpar o próprio corpo em busca de algo diferente como um caroço ou algum osso fraturado, mas não havia nada anormal.

- Como você bem sabe filho, não nasceu com dons mágicos... – continuou Amanda com lágrimas nos olhos – Mas você foi abençoado...

Kal permanecia confuso naquela rede de informação e seu rosto pedia por uma explicação mais objetiva.

- Kalevi Foster, acredito que isto agora te pertença! – o Prof. Cacius aproximou-se do pequeno menino com a mão esquerda em um dos bolsos, mas desta vez ele não tirou um doce, e sim uma varinha. Uma varinha mágica, como a de seu pai e de qualquer outro bruxo. Cacius abaixou-se e deu um leve beijo na testa do menino e recuou quase que instantaneamente ao sentir uma ardência nos lábios. Colocou os dedos sobre a boca, mas estava normal, olhou de volta para o menino de modo inquisitivo e então voltou a sorrir.

Kalevi segurou a varinha e admirou-a por um tempo. Era sua, mas para quê? Ele não tinha como usá-la. Olhou de Adonis para Amanda e então para Cacius a procura de uma resposta significativa.

- Agora de manhã, quando entrei em seu quarto, você estava flutuando em cima da cama, filho. – falou Adonis não se agüentando de felicidade.

- Você é um bruxo, Kalevi. – enfatizou Prof. Cacius.

- Quer dizer que... eu sou normal? – perguntou o garoto.

- Você sempre foi normal, meu filho. A diferença é que agora você tem poderes. – disse Adonis contemplando o filho que segurava a varinha.

- Quer dizer que posso brincar com os outros? – perguntou ele novamente.

- Sim, sim você pode.

Kalevi saiu pela porta saltando de alegria e correu até Daimon e Guinevere mostrando sua varinha como se fosse um novo brinquedo.

- Prof. Cacius, como ele pode ter adquirido poderes? - indagou Adonis depois que o filho saiu.

- Eu não sei... – respondeu o professor meio que sem vontade.

Enquanto o jovem menino brincava pela vila com seus novos poderes, a notícia se espalhava pelo mundo como a luz no vácuo. Na manhã do dia seguinte, estava nas primeiras páginas de revistas e jornais mágicos, nas conversas de bares e de salas de aula. Todos comentavam sobre o que havia acontecido ao pequeno Kalevi, no pequeno lugarejo chamado Vila da Cachoeira. Todos discutiam o milagre Foster.