quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Capítulo 8 - O fio de prata

Paulo Pote jurou que junto aos caldeirões de prata havia vários frascos da poção Mekeivan. Ele disse ter cedido apenas alguns frascos para uma aluna, que ele não revelou o nome, porque se tratava de um problema pessoal dela, mas ainda assim restaram alguns frascos no armário, mas ao julgar pelas aparências, impossível ter tantos frascos de poções naquele armário. Os caldeirões estavam todos perfeitamente alinhados e ocupando todo o espaço. Não havia sinal de qualquer arrombamento, pelo contrário, o armário estava mais trancado do que uma fechadura de banheiro ocupado.

- Quem teria pegado a poção do professor? – indagou Guine enquanto os três se aproximavam da sala de Clerigologia, que ficava no quinto andar.

- Alguém que quer enfrentar um lobisomem. – sugeriu Kal divertindo-se com a situação.

- Pode ter sido qualquer pessoa do castelo. – continuou Ralph, que assim como Guine, havia tomado o partido do professor acreditando, de fato, que alguém entrara em sua sala para roubar alguns frascos de uma poção idiota, na opinião de Kal.

- Francamente! Até mesmo a imbecil da Emanuela Goldemberg conseguiu fazer a poção! – bravejou Guinevere.

Kal não sabia exatamente porquê, mas um instinto selvagem invadiu-lhe a mente e por um momento pensou em atacar Guinevere por insultar Emanuela na sua frente. No entanto, Ralph foi mais rápido e cortou o clima.

- Talvez alguém que esteja com muita pressa da poção.

- E muito bem informado também. – falou Guine.

- Como assim? – questionou Kal ainda tentando disfarçar sua irritação com a garota.

- Esta foi nossa primeira aula de poções, e a de Katzin também.

- Então, resta Angus. – concluiu Kal.

- Sim. E se Angus teve aula de poções antes de nós eles fizeram a poção Mekeivan. – falou Guinevere parando subitamente – Olhem o Daimon!

O garoto aproximou-se ligeiramente assustado, Guinevere havia gritado tão alto que alguns alunos lançaram-na um olhar de reprovação e de curiosidade.

- Qual o problema? – perguntou Daimon.

- Vocês já tiveram aula de poções? – perguntou afoita.

- É... professor Paulo Pote, certo? Sim nós tivemos aula com ele ontem.

- Ok. – disse ela

- Mas porque a pergunta Guine?

- É que estávamos na aula de poções preparando a Mekeivan, quando o professor Pote foi pegar caldeirões de prata para usarmos e deu por falta dos frascos da poção.

- Então vocês estão achando que a sala dele foi roubada?

- Tenho certeza. – afirmou Guine.

- Mas por que alguém iria roubar uma poção Mekeivan? Ela é tão simples de ser feita. – disse Kal.

- É como eu já disse. A pessoa deve estar com muita pressa de usar a poção. – reafirmou Ralph.

- Mas o preparo da poção é uma questão de minutos. – retrucou Kal novamente.

- Você leu toda a página quinze? – perguntou Daimon, e vendo a expressão negativa no rosto do irmão, continuou – No fim da página, havia uma observação dizendo que a poção precisa de pelo menos uma noite de lua crescente para que seus poderes sejam suficientemente bons para ser usado contra qualquer criatura mágica.

- Sério? – indagou Guine – Isto estava na página quinze?

- Sim.

- De qualquer forma isto não responde quem roubou a poção. – disse Guinevere.

- Responde sim. – questionou Ralph – Se de fato alguém roubou a poção, esta pessoa deveria saber o horário de aula de Angus. Para saber que eles fizeram a poção ontem.

- E Tâmisa? – retruca Guine – Nós a vimos com alguns frascos. Poderia ser a poção, tinha cheiro forte pelo menos.

- Sim. – concordou Kal – Mas o professor Pote disse que cedeu alguns frascos para uma aluna. E como ela estava a poucos minutos da sala de poções, nos leva a crer que ela é a tal aluna.

- Concordo plenamente. – disse Daimon – Esta Tâmisa é a Representante de Tadewi não é?

- Sim. – responderam os outros três de imediato.

- Os Representantes são escolhidos pelo seu desempenho e pelo seu bom caráter. – concluiu – Certamente foi alguém de Angus. Vou tentar descobrir quem.

- Ok, caso encerrado. – diz Kal com certo alívio – Não precisa se meter nestes assuntos, Daimon. Estes dois é que gostam de bancar os detetives...

Ralph e Guine ainda não concordavam com Kal, mas não pretendiam questioná-lo mais, afinal, acabaram de reconciliar e a última coisa que queriam provocar era uma briga, que talvez se tornasse definitiva. Os dois também achavam que ele tinha uma certa razão ao dizer que não precisavam se envolver mais no assunto. Não era da conta deles.

Daimon seguiu, então, para a horta enquanto Kal, Ralph e Guine seguiram até a sala de Clerigologia, que ficava no primeiro andar, acompanhados dos demais alunos de Tadewi.

As portas duplas da sala de Clerigologia estavam completamente fechadas e com um pedaço de pergaminho pregado. Nele havia escrito em letras verdes e bem cintilantes o recado:

Prezados alunos,

Devido um pequeno imprevisto, a professora Cristina foi obrigada a se ausentar do castelo. Lamentamos o inoportuno, mas não encontramos nenhum substituto. Vocês serão compensados com uma aula extra de feitiços. Adiantem-se até o terceiro andar.

A Direção

- Francamente! E papai ainda diz que esta é a melhor escola para bruxos do país. – bufou Ralph – Nenhum professor aqui parece ter responsabilidade ou noção de compromisso com o trabalho.

- Fale isto por Amadeus Wosky. – disse Guine – É ele quem sai da escola sem dar qualquer explicação. E por pior que seja, “um pequeno imprevisto”, se comparada às atitudes de Wosky, é uma ótima explicação.

- Vamos. – chamou o garoto ainda roxo de raiva.

Ao passarem pelas escadas, novamente, até o terceiro andar, avistaram o professor Tirso que estava confortavelmente encostado em uma das grandes e grossas colunas de mármore em frente a sua sala. Algumas delas possuíam buracos onde pássaros podiam construir ninhos espaçosos. Estas deformações artisticamente delineadas mostravam-se completamente ocas ao dia, no entanto, se observadas à noite via-se uma bela e forte luz branca capaz de iluminar o ambiente a sua volta a uma distância de metros.

- Tarde! – cumprimentou Tirso aos alunos que chegavam esbaforidos por subirem três andares em menos de dois minutos – Parece que teremos uma aula extra. – falou o professor sorrindo para os alunos – Entrem, vamos, entrem...

Depois de se acomodarem nas cadeiras da frente, Kal, Ralph e Guine largaram suas mochilas no chão e começaram um árduo trabalho para se abanar, sendo acompanhados pelos demais alunos.

- Está quente não está? – Tirso ergueu a varinha e uma brisa gelada atravessou a sala e tornou o lugar um cômodo muito confortável – Estou tão surpreso quanto vocês a respeito desta nossa aula. Eu estava com este tempo livre. Não ia deixá-los à toa. Bom eu não tenho nada planejado para nós fazermos... alguém poderia dar uma sugestão?

- Professor! – chamou Freman com a mão frenética no ar – Poderíamos aprender este feitiço que o senhor usou agora?

- Hum... Calma, calma, Sr. Freman. Isto que eu fiz não é bem um feitiço. E ainda é um pouco avançado para vocês. – respondeu.

Houve um pequeno silêncio por um tempo, a não ser por murmúrios e cochichos dos alunos que pareciam unir as idéias como teias trançadas por aranhas ou como os fungos que unem suas hifas para formar uma estrutura única, os micélios.

- Ninguém pensou em nada? – indagou o professor olhando para os alunos – Pode falar Kal – disse ele assim que enxergou a mão do garoto levantada.

- É prof... – Kal interrompeu sua fala e lembrou-se das ultimas conversas que tivera com Tirso e este o dissera para que ele o chamasse pelo nome – Tirso, poderíamos discutir, conversar... sobre projeção astral? – finalizou ele. Kal não gostava muito de ser o centro das atenções, não gostava de falar em público. Não era nada bom nisto.

- Não conseguiu nada com seu livro não é? – perguntou o professor apontando para o Além da matéria que agora, estava sobre a mesa em que Kal estava sentado – Se ninguém mais tiver alguma objeção. – vendo o rosto apático dos alunos Tirso resolver começar, sabia que nenhum outro aluno iria responder qualquer coisa – Normalmente, projeção astral é assunto para o terceiro ano, mas não custa dar uma palavrinha. A projeção astral, ou viagem astral, como preferirem, nada mais é do que uma forma de libertação e descanso. Deixe-me melhorar minha colocação. Cada criatura tem um cordão que liga o corpo físico ao corpo astral. A ele damos o nome de Fio de prata, é ele que mantém a ligação entre os dois corpos durante a projeção. Agora, porque o nome projeção? – disse estalando os dedos e erguendo o rosto para o teto com o olhar curioso – Chama-se assim, porque o corpo astral é uma projeção do nosso corpo físico. Exatamente como uma cópia...

- Professor! – chamou Samara Bringer – E como se projeta este corpo no astral?

- Bem, este é o segredo da viagem astral. Saber como iniciá-la. O básico, muita concentração! – respondeu Tirso quase que somente para Kal – Desprenda-se de qualquer coisa que possa te atrapalhar, esteja sempre de cabeça vazia quando for tentar.

- Mas o que veremos quando conseguirmos sair do corpo físico? – perguntou Kal que agora estava fazendo movimentos leves no rosto do próprio livro.

- Veremos exatamente o que vemos sempre. – respondeu.

Houve alguns “ah” quando Tirso falou que o mundo astral era também, igual ao mundo físico, mas Kal, que ainda brincava com o livro, pareceu não se importar com este detalhe.

- Mas no mundo astral há certas coisas que não podemos ver no mundo físico. - tarde demais, fora Guine, Ralph e Kal, nenhum aluno pareceu se importar com a palestra de Tirso. Todos conversavam baixinho ou simplesmente abaixavam a cabeça em suas mesas. Ele pareceu não se incomodar.

Dez minutos antes de o sino tocar no alto da torre, Tirso liberou os alunos. Eles, a maioria com os materiais já guardados, levantaram-se apressados e seguiram até os portões do castelo para descerem até Cidade dos Elfos.

- Aonde você vai? – perguntou Ralph a Kal que estava mudando seu caminho para as escadas de subida.

- Vou para a sala do conselho. – falou Kal em um enorme sorriso – Consegui!

- Han? – fizeram Ralph e Guine juntos.

Kal parou e se virou para os dois, enfiou a mão na mochila e retirou o misterioso livro prateado de Van Feo, em seguida o abriu aleatoriamente.

- Ele abriu! – exclamou Guine levando umas das mãos à boca.

- E vou direto para a sala do conselho, deve estar vazia a esta hora. Ralph, Guine, eu vou fazer a projeção astral! – disse com todo o entusiasmo que seus lábios podiam expressar ao mesmo tempo.

Kal subiu três ou quatro degraus por vez até chegar ao sexto andar, atravessou o corredor às pressas pedindo desculpa a cada vez que esbarrava em alguém. Freou os sapatos bem em frente às cortinas vermelhas, enfiou a varinha por entre elas certificando-se de que ninguém estava por ali.

- Sadauá!

Algumas luzes vazaram pelos rasgados da cortina e um vento leve saiu debaixo do tecido, revelando uma pequena porta de carvalho.

A sala do Conselho Estudantil era o lugar perfeito para ele tentar a projeção astral. Ele precisava de um lugar silencioso, e Tadewi nunca era um lugar silencioso quando quase cem alunos o ocupavam.

Kal atirou-se para dentro e trancou a porta imediatamente, tinha apenas meia hora até que o último balão descesse. Ele não sabia ao certo quanto tempo demoraria ali, mas se fosse preciso, dormiria naquela mesma sala.

Ajeitando-se confortavelmente em uma grande almofada, ele recostou o livro sobre os joelhos e começou a folheá-lo freneticamente. Somente no capítulo dezoito Kal mostrou interesse. A ilustração do capítulo trazia um homem deitado, e de sua testa saia um fio prateado que estava ligado à nuca da projeção do homem, atravessando um arco como os que se vê em castelo árabes e indianos, com a base estreita e a parte mais alta em formato circular com uma ponta na última extremidade.

O nome do capítulo estava logo acima da gravura. Muito bem escrito por letras moldadas nas cores ouro e preto onde se lia Além do véu.

Com uma leitura frenética e altamente excitante, Kal não demorou mais do que dez minutos para terminar o capítulo. Ele então passou a ler um Box que tinha um “passo a passo para a projeção”. Deitar e relaxar em lugar confortável e tranqüilo, segurar bem a varinha com a mão dominante, fechar os olhos e controlar a respiração, manter a mente vazia - para Kal esta seria a parte mais difícil de se conseguir, pois estaria tentando fazer pela primeira vez uma das coisas mais fantásticas que já ouvira falar.

Deitou-se confortavelmente no tapete com o Brasão de Avalon que ficava em frente à lareira. Segurou bem firme a varinha com a mão direita, de olhos fechados passou a controlar o ar que entrava e saia de seus pulmões, e então a parte mais difícil. Concentração.

Levou pouco mais do que quinze minutos até que finalmente apenas o crepitar do fogo ecoasse em sua cabeça. Mais alguns minutos se passaram e ele começou a sentir sono, ao mesmo tempo seu corpo passou a formigar intensamente, começando pelos membros como se houvesse pequenos seres do tamanho de besouros caminhando por baixo de sua pele e dentro de seus vasos sanguíneos, todos seguindo para um único ponto, o coração.

A respiração passou a ser incontrolável e ofegante, os batimentos cardíacos intensos, mesmo estando com os olhos bem fechados eles podiam captar flashes de luz branca. Um grande medo assolou Kal que agora tremia, todas as sensações pareciam levar a um único destino. A morte.

Enquanto sua concentração se dispersava por completo devido a forte presença de medo que em sua mente assumia a forma de caixões, e pessoas chorando próximo a uma lápide de mármore vermelho sangue, cravada nela estava escrita, “Kalevi Foster - Tão pequeno, tão breve”.

Kal levantou-se assustado e ergueu a varinha. Apurou os ouvidos, mas não pode ouvir nada, o rosto suado e a expressão pálida davam a ele um ar febril, sentiu algo parecido como um soco na boca do estômago seguido por uma forte náusea. Cambaleou até a porta segurando a mochila com a mão esquerda e a varinha na outra.

Ao sair da sala e dar seus primeiros passos cansados pelo corredor, Kal avistara uma mulher, visivelmente jovem e bonita, cabelos curtos e enegrecidos até o ombro, pele fina e bem feminina e trajava uma longa capa de viagem roxa. Assim que viu Kal cambalear até as escadas, acelerou os passos e segurou o garoto pelo braço que carregava a bolsa.

- Parece que andou se excedendo um pouco, não? – indagou a mulher – O que estava fazendo?

Kal olhou para ela atônito, tentou murmurar algo, mas foi em vão.

- O gato comeu a língua? Ok. Não quer falar, mas pelo que me parece foi um gasto excessivo de energia. Fácil, fácil! Griamen! – a varinha da mulher tocou a têmpora de Kal e ele sentiu um calor eletrizante invadir sua cabeça e dissipar pelo corpo inteiro, aliviando por completo sua fraqueza.

- Obrigado. – agradeceu Kal.

- Mas o que aconteceu com você?

- Não foi nada. Muito obrigado mesmo! – Kal apressou-se em descer as escadas e logo estava pegando o último balão para Cidade dos Elfos.

Encontrou Ralph e Guine assim que se arrumou por completo para o jantar. Kal estava com um jeans desbotado e uma camisa vermelha, o tempo frio que se formou depois de uma breve chuva o obrigou a vestir também um sobretudo.

Os outros três amigos desceram juntos ao salão de jantar, depois de limparem os pratos, cheios de carne e arroz, iniciaram uma longa conversa sobre projeção astral que se seguiu até a hora de dormir.

Na manhã do dia seguinte, Kal, Ralph e Guine juntaram-se com os outros alunos do primeiro ano para tomar café. Havia um grande cartaz verde afixado na parede dizendo que os alunos deveriam seguir até o refeitório de Avalon assim que chegassem na escola para ouvirem um comunicado do diretor.

Curiosos, saíram da República em direção aos terrenos baixos, passando por alguns alunos mais velhos, que pareciam estranhamente empolgados com algum acontecimento. Diogo Mendes, Representante de Tadewi ao lado de Tâmisa, estava entre eles e andava com ar imponente e muito orgulhoso.

- O que eles estão fazendo? – Kal ouviu Pedro Andrade, o garoto que dividia o dormitório com ele e Ralph, perguntar.

- Estão ensaiando... – falou um outro aluno que estava ao seu lado.

Kal olhou para o pequeno grupo de alunos onde estava Diogo que agora agitava sua varinha no ar e apontava para inimigos invisíveis.

- Eles enlouqueceram ou o que? – indagou Ralph apontando para outro garoto que estava saltitando e disparando feixes de luz da varinha.

- Quem vai saber... – respondeu Kal.

Durante todo o caminho até o refeitório, os três viram outros alunos de Katzin e Angus gargalhando e azarando os que passavam despercebidos.

- Eu juro que acabo com eles se tentarem alguma coisa. – falou Kal ameaçadoramente.

- Hum... o poder já subiu a cabeça... – falou Guine em um lindo sorriso que exibia belamente seus dentes brancos.

Kal poliu bem seu instintivo de Guardião-mirim antes de irem para o salão, ele agora reluzia de tamanha forma que sobre o reflexo do fresco sol da manhã parecia um pequeno espelho preso à roupa. Assim que os três passaram por um pequeno grupo de alunos de Katzin, estes lhes lançaram olhares curiosos e alguns cochichos.

- Captus! – fez Kal assim que viraram à direita.

- ...Rômulo é um idiota mesmo, escolher um aluno do primeiro ano para o cargo de Guardião-mirim...

- Kal! – interrompeu Guinevere puxando o braço do garoto – É falta de educação, sabia.

- Você não tinha esta opinião há alguns dias. – falou Kal continuando o caminho.

- Mas agora é diferente...

- Eu não vejo diferença. Além do que, eles estavam falando de mim. – bravejou ainda muito irritado.

O refeitório estava exageradamente enfeitado com as cores da escola; branco, azul, laranja e preto. A grande letra “A” empilhada em livros servindo de poleiro para uma coruja esbranquiçada. Este era o brasão da Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon, que naquela manhã estava estampado em uma bela ceda pendurada atrás da mesa dos professores.

Os três sentaram-se na mesa do lado esquerdo, pertencente a Tadewi. Após se acomodar, Kal olhou para a mesa dos professores, uma grande mesa de carvalho em forma de semicírculo, alguns deles cochichavam e olhavam para alguns alunos. Caminhando os olhos pela mesa, Kal achou uma pessoa de cabelos curtos e negros, olhos castanhos e um sorriso maroto. Tirso correspondeu ao olhar e estranhamente era como se o professor estivesse incentivando-o a fazer alguma coisa.

- Bom dia, Avalon! – saudou o diretor da escola, Cacius. As costumeiras aves vermelhas irromperam pelo teto de forma espalhafatosa, somente depois que todas se acomodaram em galhos e ramificações no teto, o professor Cacius continuou – estamos quase finalizando a nossa primeira semana de aula e vou dar-lhes uma notícia que alegrará a todos vocês.

Um ruído intenso de conversa atravessou o salão, agora todos os alunos discutiam que tal notícia seria aquela, particularmente, Kal achava que a notícia tinha relação com o comportamento esquisito dos alunos mais velhos, como Diogo era um Representante, Kal deduziu que ele já sabia qual era a tal novidade.

- Quem sabe o Amadeus está saindo da escola... – sugeriu Ralph fazendo os alunos mais próximos rirem baixinho.

De repente toda a nuvem de excitação se dissipou e o salão calou-se para ouvir Cacius.

- Este ano, vamos iniciar os jogos escolares mais cedo do que no ano passado. Segundo me informaram os professores, as três equipes, Angus, Katzin e Tadewi, estão com falta de componentes. A partir deste final de semana os professores; Tirso, Amadeus e Cristina estarão ajudando na seleção dos alunos para a competição. Os interessados devem procurar os professores até o final de semana. Vocês terão dois dias para decidir se querem concorrer a uma vaga ou não. Bom apetite e tenham um bom dia. – Cacius levantou os braços até a altura dos ombros e como se fosse um gesto maestral as aves iniciaram uma verdadeira orquestra, um som de fundo para abafar o incomodo ruído que os alunos sempre provocavam ao sair do salão todos juntos.

Kal, Ralph e Guine acompanharam Daimon e Jonathan até a aula de história no quinto andar, durante o caminho conversaram sobre como seriam estes tais jogos e o que teriam de fazer se quisessem competir. Cacius parecia muito inspirado naquela manhã, talvez ele mesmo estivesse ansioso pelo início dos jogos. Kal continuou pensando na competição, e se viu dentro de um campo, rodeado por uma torcida vibrante que gritava seu nome com euforia, como se ele fosse um herói. Kal erguia uma taça dourada e todos aplaudiam e o chamavam, mas não por Foster, gritavam Kalevi! Kalevi...

Ele acordou do sonho quando foi subitamente interrompido por Cacius lhe perguntando quem fora Morgana Lê Fay.

- Ah... ela foi... uma bruxa muito importante.

- Certamente, senhor Foster. Morgan Lê Fay foi a bruxa mais importante da história. – explicou Cacius sorrindo – Morgana fez algo que parecia impossível.

O sino no alto da torre badalou tão alto que fez alguns alunos saltarem uns dez centímetros de suas cadeiras com o susto.

- Bem, a aula termina agora, mas se bem não me engano, a última aula do dia também é minha. Então, até mais tarde.

Os alunos saíram da sala de Cacius e se apressaram à sala de Tirso, o professor estava sentado atrás de sua mesa e recebeu os alunos com um sorriso.

Tirso ensinou quatro feitiços bem simples naquela aula, dois que já eram conhecidos por Kal, Ralph e Guine. O Bolhasradiant se popularizou entre os alunos do primeiro ano e também seu contra-feitiço o Guive, ele interrompia o fluxo de luz da varinha e espocava as que já flutuavam no ar. Os outros dois feitiços ensinados foram, Levitoriano, que fazia os objetos flutuarem. Apenas Kal conseguiu fazer sua bolinha de tênis levitar a dois metros da cabeça, os demais alunos encerraram a aula sem sucesso. Por último, Tirso ensinou o Concertûnia, o mesmo usado pela professora Margarida para reparar o vaso da Herviana de Kal, e utilizado por Rômulo na sala do Conselho Estudantil.

Duas aulas de Maldições separavam Kal da hora do almoço. Amadeus Wosky parecia muito mais calmo do que de costume. Enquanto explicava sobre as maldições das pirâmides egípcias como a de Tut-Tanka-Mon, que na década de 1920 matou todos os responsáveis pela descoberta de uma tumba funerária. Explicou também a maldição Lonvy, uma maldição que determinadas fadas lançavam em marinheiros que passavam próximos a suas ilhas. A maldição deixava-os sem senso de direção e assim poderiam a qualquer instante bater em um recife de corais. Amadeus disse que o governo enviou mulheres para estas ilhas a fim de capturar estas fadas, mas elas eram mestres na arte de mentir e acabavam escapando da prisão. Só assim eles descobriram que essas fadas sofrem uma da maldição Fículous, uma maldição que impede que fadas mintam quando estão sozinhas.

Ao fim da última aula, Amadeus disse que seria obrigatório que os alunos trouxessem uma cobaia para as duas últimas aulas da sexta-feira, que seria uma aula prática.

No almoço, Kal praticou o feitiço Levitoriano fazendo travessas de comida flutuarem perigosamente sobre a cabeça dos alunos até chegarem em suas mãos.

- Pare de se exibir! – censurou Guinevere.

- Você está assim só porque não conseguiu levitar sua bola de tênis. – a garota corou de leve ao comentário de Kal.

- Relaxe, Guine. Ele tem o direito de se exibir, já que ninguém mais conseguiu. - disse Ralph sorrindo amistosamente para Kal.

- Levitoriano! – gritou Freman Silva apontando sua varinha para uma jarra de suco de laranja. A jarra de cristal flutuou alguns centímetros sobre a mesa e deslizou no ar até o garoto, com sucesso. Animado, Freman atreveu-se a levitar uma travessa de pudim de leite, ele ousou elevá-la acima das cabeças curiosas, para que todos vissem seu desempenho. A trinta centímetros de distância do garoto, a travessa de porcelana despencou cerca de meio metro de altura e se esmigalhou na frente de alguns alunos que ficaram ridiculamente melados de pudim.

- Concertûnia! – falou Kal enquanto passava próximo ao local do acidente e se dirigia para o terceiro andar para a aula de Biomagia acompanhado por Guine e Ralph.

No caminho até a sala da professora Flora, os garotos se distraíram um pouco em uma curta conversa com Rômulo, para alívio de Kal, Ralph e Guine não pareciam incomodados com presença do presidente do Conselho, pareciam ter esquecido completamente as diferenças e vez por outra Kal surpreendia-se ao ver um deles trocando algumas frases.

- E então, Rômulo? Vai tentar competir? – indagou Guine.

- Não. – respondeu rapidamente – Já sou presidente do Conselho, é responsabilidade demais. Mas é claro que nosso amigo Foster aqui vai participar.

- Ah... eu? – duvidou Kal.

- Sim. Por que não? Certamente você se sairá bem nos testes. – disse Rômulo.

- E que tipo de teste é feito com os alunos? – Ralph perguntou e agora mostrava-se visivelmente interessado pelo assunto.

- Em geral são testes de força e resistência. Mas o melhor é que os professores dão aulas extracurriculares para os competidores. E não é essa baboseira de plantinhas, localizar cidades em mapas, igual vocês estudam. É magia de verdade! Poderosa!

- Feitiços? – apostou Kal.

- Não só isto, Foster. Também todo o tipo de defesa e maldições.

- Estamos estudando as egípcias. – informou Guine.

- Humpft... outra baboseira, eles não ensinam na sala de aula como transformar um bruxo em codorna ou qualquer outra coisa assim... – disse Rômulo rispidamente – e foi por isso que eu quis entrar para o Conselho. Quatro anos lá me deram acesso a muitos livros que não estão na biblioteca. Eu já te disse não é, Foster?

- Oh, sim! Claro. – confirmou Kal, mesmo que ele soubesse de todos os livros que estão na Sala do Conselho, Kal ainda não havia visitado a biblioteca da Escola para conferir se o que Rômulo dissera era realmente verdade.

- Bem, eu preciso ir. Recebi um recado de Cacius, vou ver o que ele quer.

- Ok. Até mais. – despediram-se.

Já no terceiro andar, os garotos avistaram de longe a professora de Biomagia, Flora, que estava com um vestido vermelho sangue e um echarpe combinando. Os cabelos cuidadosamente presos em um coque, lembrando a concha de um caramujo. Flora gesticulou aos alunos com um leve gesto com as mãos, exibindo suas longas unhas pintadas em esmalte púrpura e um esplendoroso anel dourado com uma pedra que lembrava uma bola de gude feita de rubi.

- Boa tarde, meus queridos. – cumprimentou a professora assim que entraram e leram uma frase no quadro “Nem tudo são flores”. Na mesa mais próxima da porta e oposta à janela estavam sentados alguns alunos de Katzin que pareciam intrigados com suas plantas, Kal olhou por todas elas em busca de uma resposta, mas nada parecia fora do comum. Eram apenas plantas que estavam se desenvolvendo e apresentavam algumas inflorescências.

- Sentem-se! Sentem-se! – ordenou a professora – procurem suas plantas porque hoje elas serão de fundamental importância! Elas chegaram a uma excelente fase de estudo – Flora parecia muito excitada com a aula, um sorriso em seu rosto e as mãos abanando denunciavam toda aquela euforia.

Ajeitando-se perto de Guine e Ralph, Kal notou que o vaso em que sua Herviana estava soterrada era ainda maior que o da aula anterior, sua planta era realmente um planta estranha, não gostava de luz, como foi provado em sua primeira aula de Relações com a Natureza, com a professora Margarida, e ainda assim parecia crescer de forma escandalosa de um dia para o outro.

Com uma planta que não recebe luz pode crescer tão rápido? Pensou Kal.

- Meus queridos, quero que todos finquem suas varinhas nos vasos e digam, Planta Exander! – falou a professora docilmente.

- Planta Exander! – repetiram os alunos já com as varinhas devidamente posicionadas.

- Muito bem, muito bem. – elogiou Flora – Agora abram o livro na página trinta.

Os alunos abaixaram-se para pegar na mochila seus exemplares de Olho mágico e prontamente abriram na página indicada.

Flora Link iniciou uma árdua leitura da página trinta, capítulo dois, que explicava de forma bem simples os princípios básicos do crescimento de uma planta mágica, primeiro a adaptação, segundo o domínio de território, como explicou a professora, as plantas precisam de espaço para crescer e passam a eliminar plantas inferiores. Em terceiro lugar, vem o crescimento, Kal achou que sua planta já deveria estar neste terceiro processo há muito tempo. Só depois à leitura do quarto processo o garoto soube que todas as plantas da sala estavam igualmente evoluídas. Pequenos botões, que pareciam indícios de flores, brotavam do fino caule de cada planta, em exceção para a de Kal, ele ainda nem sabia ao certo se sua planta tinha um caule, muito menos um broto de algo que parecia uma flor.

- E agora, alunos, vamos motivá-las ao quarto processo. Se vocês lerem a página trinta e dois, verão que há um feitiço muito simples para isto. Por favor, sem a varinha, repitam comigo, Lumier.

- Lumier! – repetiram em uníssono.

- Um pouco mais forte agora, Lûmieeeerrrr – enfatizou a professora.

- Lumier! – fizeram.

- Excelente, excelente... Agora ponham seus óculos protetores, estão nas gavetas da mesa.

Depois de abrirem as gavetas e pegarem os óculos negros que tinha o tamanho de fundo de garrafas de cerveja, eles o colocaram e posicionaram suas varinhas em frente às plantas e conjuraram o feitiço. “Lumier” produziu uma luz radiante que encobriu toda a sala e foi suficientemente forte para atravessar as janelas da sala de aula e iluminar toscamente a horta lá embaixo. Quando a luz finalmente pareceu se apagar os alunos se sentiram seguros para retirar os óculos protetores e admiraram o resultado obtido em suas plantas, menos um aluno.

- Professora. – chamou Kal.

- Sim, senhor Foster.

- Minha planta...

- Ah claro. Esta Herviana mald... bem senhor Foster – retomou a professora – Sua planta é um caso a parte, por isso, tomei a liberdade de pedir ao senhor Rovil, nosso bibliotecário, que por sinal reclamou não ter recebido muitas visitas dos alunos do primeiro ano. Mas enfim, aqui está senhor Foster, um exemplar de “Plantas obscuras que gostam da escuridão” – Margarida aproximou-se do garoto e entregou o exemplar de capa dura e levemente flexível, um verde escuro enfeitava a capa juntamente com folhas grossas em alto relevo e duas travas em cipó.

- Senhor Foster, a partir desta aula, este será o seu livro de Biomagia e Relações com a Natureza. Este é um livro da biblioteca, então peço para providenciar seu próprio exemplar.

- Tudo bem. – afirmou Kal.

- Muito bem então, senhor Foster, aprece-se a abrir a página doze do seu livro e conjure o feitiço da página.

- Humhum. – assentiu – Dracóvia! – disse cravando a varinha no vaso e um efeito contrário ao Lumier ocorreu dentro do vaso da Herviana. Uma luz negra e densa escapou pelas frestas do vaso que parecia fazer um esforço tremendo para suportar a grande planta de Kal.

- Muito bem senhor Foster, isso foi o suficiente para desenvolver a coi... planta. - disse a professora.

Flora Link encerrou a aula com uma pequena explicação sobre a nova fase que as plantas acabaram de entrar. “É nesta fase que a maioria delas desenvolve habilidades especiais, acompanhem este processo, pois assim elas passam a se afeiçoar a vocês”. A professora ainda pediu que levassem suas plantas até a horta da professora Margarida. Quase todos os alunos não tiveram dificuldades para fazer isto, quase todos.

- Será que ela não percebe que é impossível? – brevejou Kal depois que teve certeza de que a professora não estava mais ouvindo – Olha o tamanho do vaso!

- Não deve ser tão pesa... – Ralph abraçou o vaso da Herviana e tentou erguê-lo, inutilmente – Talvez você tenha razão...

- Levita. – sugeriu Guine.

- Hahahaha, muito engraçado, Guinevere. – gargalhou Kal ironicamente.

- É sério, Kal! Não sei porque, mas você foi o único que conseguiu levitar a bola de tênis...

- Disse bem, a bola de tênis. E não um vaso de setenta quilos.

- Não custa tentar. Mas se você prefere usar os braços fique à vontade...

Kal encarou a menina que já estava de saída da sala. Olhou mais uma vez para o vaso avaliando suas opções, poderia deixá-lo ali e pedir que alguém buscasse, mas talvez seu moral ficasse baixo depois disto. Usar a força física nunca foi uma opção. Restou-lhe, então, acatar a sugestão de Guine.

- Levitoriano! – o grande vaso levantou alguns centímetros em relação à mesa e quando Kal orientou a varinha para seu lado direito, o vaso o acompanhou e em seguida sacolejou levemente como os balões da escola fazem quando um forte vento passa por eles. Finalmente pareceu se equilibrar a pouco mais um metro do chão.

- Viu, não custava tentar. – falou Guinevere não conseguindo disfarçar seu espanto por Kal ter conseguido levitar o pesado vaso e vê-lo carregá-lo como um cão preso à coleira.

Durante o caminho até à horta, que incluía descer três andares e atravessar metade do terreno da escola, Kal e a Herviana chamaram a atenção dos alunos. Olhares curiosos vazavam pelas portas das salas de aulas e miravam o estranho objeto voador que se movia gatunamente pela escola seguindo os passos de um garoto.

Nem mesmo os alunos de Katzin contiveram os “Ah” de espanto ao ver Kal com a varinha empunhada depositar levemente sobre a mesa de madeira, debaixo da cabana, já na horta. Rick Wosky lançou a Kal um olhar desdenhoso ao qual ele respondeu com um simples levantar de sobrancelhas. Como se dissesse: Qual o problema paspalho?

- Boa tarde! – cumprimentou a professora que acabara de surgir de um monte de plantas emaranhadas com grandes folhas verdes e flores vermelhas – estou vendo que temos plantas evoluídas, então poderemos iniciar o capítulo dez. Por favor, tenham a bondade. Senhor Foster, acredito que a professora Flora se encarregou de entregar o livro adequado para o estudo de sua planta, certo?

- Sim. – confirmou.

As duas aulas de Relações com a Natureza voaram tão rapidamente quanto os Pasmags no salão principal. Kal passou a maior parte da aula cutucando sua planta com a varinha e usando os feitiços indicados em seu livro. O objetivo daquelas aulas, segundo a professora Margarida havia dito, era para que os alunos pudessem se adaptar aos novos poderes de suas plantas, em seus livros dizia assim: “Quando plantas entram em seu quarto nível evolutivo adquirem habilidades especiais”.

- O que será que a sua planta pode fazer? – perguntou Ralph quando já se aproximavam do castelo.

- Ah sei lá... – respondeu Kal.

Guine ficou muda durante todo o caminho, Kal não sabia o porquê daquele silêncio, mas mesmo assim não quis incomodá-la.

Foi exaustivo subir cinco andares do castelo até chagar na sala de Cacius, o professor esperava calmamente os alunos enquanto admirava alguns alunos andando pelo campus. Sua barba longa e grisalha, os cabelos também compridos e levemente trançados caiam sobre as costas cobertas com um manto verde opaco e muito pouco enfeitado, ao contrário do chapéu cônico em sua mesa que era altamente chamativo, feito em tecido cor de abóbora, com babados e bordados em várias cores e botons presos faiscando.

- Ah! Boa tarde! – cumprimentou o professor – Imagino que estejam ansiosos para os testes de sábado...

- Professor! Os alunos do primeiro ano também poderão participar? – perguntou Pedro Andrade, o garoto que dividia o dormitório com Kal e Ralph.

- Certamente sim. Todo aluno terá o direito de se inscrever. É claro que serão escolhidos os alunos mais bem preparados. Os jogos podem ser perigosos para quem não o estiver.

- Quantos alunos participam de cada equipe? – perguntou Ralph muito interessado.

- São escolhidos sete alunos. Dois clérigos, dois armadores, dois escudeiros e um desafiante.

- O que eles fazem... – prossegui um aluno.

- Os clérigos são encarregados de curar e reanimar o grupo, os escudeiros fazem a proteção contra os armadores da outra equipe, que tem como função eliminar os competidores, em especial o desafiante.

- Qual o objetivo do jogo? – indagou Kal observando que todos os alunos estavam debruçados sobre as mesas para ouvir melhor o professor.

- Ah... que cabeça a minha. Esqueci de dizer que os competidores entram em um labirinto com uma sala central chamada de Sala das Diferenças. E este é o objetivo dos competidores. Levar seu desafiante a esta sala, onde os dois devem se desafiar usando apenas a varinha.

- Então, o objetivo do jogo é levar o desafiante para a Sala das Diferenças. E tentar eliminar o desafiante da equipe adversária antes que ele entre na sala. – recapitulou Freman.

- Exatamente, isto é o que chamamos de Quizard. – confirmou Cacius com um sorriso tímido – Na última aula, se não me falha a memória... estávamos falando sobre Morgana Lê Fay.

- Sim. – responderam os alunos.

- Certo, certo... estou me recordando. Lembro-me que o senhor Foster nos informou que Morgana foi uma bruxa muito importante. – Cacius mirou Kal e deu um leve sorriso, o garoto corou imediatamente e fez cara de quem não via mal algum em não saber, exatamente, quem fora Morgana Lê Fay – Bem, temos que concordar que Morgana faz parte da história do mundo em que vivemos, personagem muito importante por sinal... mas é outra coisa que nos interessa.

Cacius iniciou uma explicação sobre um reino chamado Camelot, e um rei chamado Arthur, falou também sobre Merlin, e disse que havia muitas especulações sobre Morgana, a maioria delas diz que ela era uma bruxa das trevas que pretendia matar o rei Arthur e se apossar de Camelot. Pelo tom de voz de Cacius percebia-se certa repugnância nesta versão histórica, a de que Morgana era do mal.

Assim que o sino badalou os alunos iniciaram um conhecido arrastar de cadeiras e caminharam até a porta. Kal, no entanto, jogou rapidamente os materiais na mochila e esta nas costas, se virou para os amigos e então disse.

- Vejo vocês no jantar.

Correu para fora da sala antes mesmo que eles pudessem responder-lhe alguma coisa. Subiu as escadas em lances de três degraus até chegar ao andar de cima. Num corredor distante do sexto andar, Kal aproximou-se da cortina velha, enfiou a varinha entre ela e disse:

- Sadauá!

Já no precioso silêncio daquele fim de tarde, Kal deitou-se no tapete aveludado próximo à lareira e deixou seu pensamento em branco.

Depois de algum tempo naquela posição, ele se sentiu suar e um leve vestígio de impaciência começou a assombrar-lhe. Pensamentos negativos e desconexos bombardeavam sua mente. Nos pensamentos ele via Rick Wosky e ele próprio em uma sala, a Sala das Diferenças. Wosky era acertado por um feitiço e voava cinco metros até finalmente cair em uma piscina de águas negras, e então ele levantava a cabeça e seus olhos eram botões de roupas e ele gritava o nome de Kal com um ar doentio.

Concentração. Concentração.

De súbito sua mente foi invadida por um cântico tranqüilizante que o embriagou, o levando a um estado de apatia e dormência...

Kal sentiu os olhos pesados e um formigamento iniciando pelos membros. Como no dia anterior. Sem saber ou sentir, tudo ao redor do garoto pareceu deixar de existir. Como se de repente um buraco negro se abrisse e carregasse toda a sala.

Algo como uma pedra de gelo desceu ao seu estômago, Kal sentiu o corpo gelar e finalmente sentiu algo novo. Algo nunca experimentado. Era uma incrível sensação de ausência de matéria, ele agora estava de pé e olhando para a mesa de reuniões.

Sem acreditar, Kal girou nos calcanhares e flutuou para fora da sala. Retornando, virou-se para onde estava a lareira e viu seu corpo estirado no chão com a varinha fortemente presa à mão direita. Agora ele tinha certeza.

- Estou no astral.

domingo, 4 de novembro de 2007

Capítulo 7 - O livro de duas faces

No quinto andar, no salão secreto de Tadewi, Ralph e Guine largaram Kal em uma poltrona vazia e cruzaram os braços furiosamente diante dele.

- Que história é essa de Guardião-mirim? – perguntou Guinevere.

- Você não nos contou! – disse Ralph em tom incriminativo.

- E eu deveria? – respondeu Kal dando de ombros – era uma decisão minha.

- Não custava falar com os amigos. – insistiu Guinevere.

- Guine, por favor! Eu precisava decidir isto sozinho. – retraiu Kal.

- Mas não precisava ser tão egoísta a ponto de não compartilhar esta novidade conosco. – disse Ralph continuando o sermão.

- Para mim não era uma coisa boa! Ser membro do conselho não significa nada. – retrucou Kal.

- E por que você aceitou participar então? – insistiu Ralph.

- Para ficar olhando a sebosa da Emanuela Goldemberg. – acusou Guine.

- Guine, não! – disse Kal sem graça – Rômulo falou que na sala do Conselho existem livros que não estão na biblioteca.

- Eu conheço você, Kalevi Foster, e sei muito bem que não se interessa pelos livros. – prosseguiu a garota.

- Vocês não acham que estão exagerando? – falou Kal tentando reverter a situação – É a minha vida e a proposta incluía apenas a mim. – Kal havia se levantado, em seu rosto predominava uma expressão de fúria e amargura – Eu tinha que decidir isto sozinho. Fazer algo por mim mesmo. Cansei de viver sobre a sombra de um nome importante. Cansei de ser O milagre Foster. Quer saber, estou satisfeito e não me arrependo da escolha que fiz!

Kal estava possesso, lembrou-se dos quase treze anos de sua vida. Um filme de muita amargura passou pelos seus olhos, os garotos em Vila da Cachoeira zombando-o, a reunião internacional dos bruxos, e seu desmaio. A partir daquele momento sua vida mudara. Ninguém mais implicava com ele, pelo contrário, tinham medo. O milagre Foster revelara-se um mal para alguns. Sempre Milagre Foster, nunca o Menino Kalevi. Isto o incomodava agora. Qualquer coisa que fizesse seria sempre pelo fato de ser um Foster, não pelo fato de ser ele, Kalevi.

Talvez fosse por isso que ele fora escolhido por Tadewi. É isto que queria mudar. Ele queria mudar sua vida. Para ser lembrado como Kalevi e não apenas como um Foster. Afirmar sua identidade. O pensamento e as lembranças foram brutamente interrompidos pela voz cortante de Guine.

- Fique então com sua decisão e seus novos amigos. Eu também cansei. Não quero ser amiga de quem não está interessado em ouvir minha opinião. – Guine olhou uma última vez para os olhos de Kal e então saiu do salão de Tadewi passando pelas duas estátuas até chegar ao corredor do quinto andar.

Ralph também parou por um instante para contemplar Kal. Olhou por muito tempo como se estivesse procurando uma outra pessoa. Finalmente disse:

- Eu não conheço você.

E saiu.

Kal voltou à poltrona e viu todo o salão vazio, tão vazio quanto estava agora seu coração.

Vários minutos se passaram até que ele finalmente voltou do seu transe de pensamentos. Levantou-se rapidamente e olhou para um relógio de madeira pendurado na parede. Já haviam se passadas duas aulas. Ele agitou a cabeça, abismado com a velocidade com que o tempo passara. Ficou ali sentado durante por quase três horas e nem ao menos se dera conta.

Kal lembrou-se que as duas últimas aulas eram de Geomagia e Maldições. Olhou para seus materiais espalhados na mesa, deu um leve suspiro e os recolheu.

Andou pelo corredor do quinto andar, mais uma vez, completamente imerso em seus pensamentos perdidos. Kal pensava em como seria seu primeiro dia no cargo de Guardião-mirim de Avalon. Pensava em Emanuela Goldemberg e em seguida sentia vergonha ao se lembrar de Guinevere dizendo que era aquela garota o principal motivo para ele aceitar fazer parte do Conselho Estudantil. Kal não admitia, mas sabia que era verdade. Talvez, se Emanuela não fizesse parte do Conselho, ele não teria aceitado a proposta de Rômulo.

Ao chegar na sala de Geomagia, Zélia não o encarou com bons olhos, não foi a única. Ralph e Guine também o estavam encarando com olhares furtivos. Mesmo com tantos olhares a professora Zélia permitiu que Kal assistisse à aula.

Kal retirou o livro “Onde estamos” de dentro da mochila e abriu na página inscrita no quadro. Acompanhou a tediosa leitura sobre as civilizações antigas que habitavam o Brasil e boa parte da América Latina.

Na altura em que falava sobre os povos primitivos argentinos, muitos alunos já dormiam debruçados sobre seus livros. Relutantemente, Kal manteve-se acordado até que Zélia Bússola encerrou sua leitura com os povos mexicanos e fechou seu próprio livro com força, provocando um barulho que foi capaz de acordar a todos.

- Fim da aula! – anunciou.

Os alunos saíram completamente desanimados e demasiados sonolentos da sala, ainda teriam uma aula, antes de finalmente se considerarem livres, foi o que pensou Kal.

Para a sorte deles a sala de Maldições ficava no mesmo andar que a de Geomagia.

A sala tinha forma triangular e era demasiadamente escura. Na extremidade da sala estava sentado o professor de Maldições e também pai de Rick, Amadeu Wosky. Os alunos se acomodaram na sala, Kal sentou-se na segunda cadeira, atrás de Guinevere e Ralph, que logo uniram as cadeiras para formar dupla. Alguns outros alunos também se agruparam, em resposta o professor ordenou:

- Separem os grupos!

Os alunos obedeceram prontamente.

- Maldições não é uma matéria simples, porém, se engolirem cada mínima palavra que eu proferir e decorarem cada vírgula de seus livros, a arte abrirá as portas para vocês, e então desvendaram o oculto. – disse franzindo o rosto com repugnância pelos alunos – Maldições não é arte das trevas, pelo menos não o que vou ensinar-lhes. Este ano vocês aprenderão como fazer truques simples. Não espero grande coisa de vocês, mas quero que pelo menos aprendam que duas maldições não ocupam o mesmo corpo ao mesmo tempo, este é um princípio básico. Se conseguirem acertar alguém com uma maldição e depois amaldiçoar este alguém com uma segunda, a primeira que lançaram será anulada. Compreenderam mentes, insignificantes?

As frases de Amadeus sobre a aula eram sempre seguidas de um leve insulto ou prova definitiva de desprezo pelos primeiranistas.

Ele passou algumas anotações no quadro, a quais Kal copiou rapidamente e passou a lê-las. O professor então, começou a explicar o que havia escrito. Amadeus falou das antigas civilizações e como elas usavam a magia. Passou mais um quadro de anotações, desta vez sobre os povos maias.

- Tragam os exercícios respondidos da página quinze para eu corrigir na próxima aula.

Por simples curiosidade, Kal abriu seu livro na página quinze para ver que tipo de exercício o esperava. Na margem da página havia alguns símbolos egípcios e o enunciado dizia: “Antigas Maldições”.

Amadeus dispensou os alunos minutos antes do fim da aula, se apressou em recolher seus livros e pergaminhos, trancou-os em sua gaveta e atravessou a porta dupla de carvalho, mesmo antes dos alunos esvaziarem a sala.

- Apressadinho... – disse Kal a Ralph e Guine.

Os dois não prestaram atenção, terminaram de reunir seus materiais e saíram sem dizer qualquer palavra. Ainda olhando para os dois amigos, que já andavam a passos largos pelo corredor, Kal enfiou o braço em umas das alças da mochila e caminhou no sentido oposto aos dois amigos, passando por um corredor quase sem janelas.

A noite havia chegado mais cedo. Nuvens densas de chuva cobriam todo o céu e os archotes ainda não estavam acesos. Andou vagarosamente pelo escuro, passo sobre passo, com toda cautela para não tropeçar em uma das pedras soltas do piso de mármore. Um pequeno vaga-lume que passou em sua frente despertou-lhe uma idéia.

- Bolhasradiant! – o feitiço que ele havia visto Ralph fazer quando se conheceram iluminou parte do corredor com pequenas bolhas de luzes que saiam da varinha a todo instante.

Com passos curtos e calmos, Kal continuou pelo corredor com uma das mãos junta a parede e a outra erguendo a varinha para iluminar o caminho. Caminhando mais à frente, ele alcançou o corrimão prolongado da escadaria. Seguindo por ele, desceu os degraus de acesso ao segundo andar, ainda deveria passar pelo primeiro até alcançar o saguão de entrada para jantar antes de retornar com os demais alunos para à Cidade dos Elfos. Ainda na escada do segundo andar, as bolhas produzidas pelo feitiço começaram a desaparecer, sem elas seria impossível enxergar qualquer coisa dali para frente.

Kal desceu os degraus com o dobro cautela, parou por um instante para conjurar novamente o feitiço, mas um vento forte e gelado passou pelo seu corpo como se fosse uma mão gigantesca acertando uma mosca desnorteada.

Com a forte corrente de ar, Kal largou a varinha em um breve descuido. Terminou de descer as escadas sem o feitiço e saiu à procura de sua varinha, encontrando-a sobre a luz fraca da lua que vinha de uma janela. Olhou para o vitral e percebeu um pequeno vulto sentado no para-peito. Aproximou-se pensando ser um aluno perdido, porém o vulto revelou-se pavoroso sobre a luz bruxuleante da lua. Instintivamente, Kal se afastou, dando espaço para a pequena criatura, que se pôs sobre os quatro membros e caminhou meio que de lado em sua direção.

Estavam cara a cara, a luz que atravessava os vitrais mostrava apenas uma figura humanóide que fazia enorme esforço para manter-se de pé. Aparentemente não traria susto a ninguém, a não ser sua pele suja de lodo e muito enrugada, olhos pequenos com pupilas verticais, orelhas tão pontudas quanto a de morcegos e dentes e unhas afiados como a de um poderoso predador. Mas a idéia que menos agradava a Kal era o fato de estarem sozinhos.

Percebendo isso, Kal recuou ainda mais, não seria capaz de lutar contra aquela criatura sozinho, por incapacidade e também por medo, não é todo dia que se vê uma criatura tão monstruosa quanto aquela em uma escola, mesmo em uma de bruxos. Tentou chamar por socorro, mas sua voz estava travada.

Num salto onde mostrou toda a sua desenvoltura e habilidade corporal, a criatura investiu para cima de Kal, mas a menos de dois metros de alcançá-lo, subitamente ela se transformou no professor Cacius, que disse:

- Hora de acordar.

O mesmo vento forte que o atingiu na escada, agora, vinha em direção oposta e como se estivesse sendo erguido por ele, subiu até alcançar o teto. Na tentativa atravessá-lo, como fazem os fantasmas, acordou.

- Você está bem?

O professor Cacius estava olhando com ar de curiosidade para Kal.

- Estou bem. Que lugar é este?

- É minha sala. – respondeu o professor com um sorriso cativante – Eu te encontrei caído perto da escada. Acredito que tenha se perdido e não sei por que, desmaiado. Trouxe você até aqui para que despertasse sozinho. Não vi necessidade de levá-lo até a Srª. Simon.

Kal ergueu-se e logo sentiu uma forte dor de cabeça, como se uma furadeira estivesse perfurando seu cérebro pela parte interna. Imediatamente, pôs a mão no cocuruto procurando pelo motivo de sua dor, abriu melhor os olhos e se deparou com um lugar realmente incrível.

Estava deitado em um sofá de madeira envernizada e um estofado vermelho, bem macio. As paredes da sala de Cacius eram forradas com papel de parede amarela com fracas linhas brancas e um grande quadro de um bruxo a quem Kal reconheceu como sendo Merlin. Era um velho bruxo com uma vestimenta azul-marinho que lhe cobria do pescoço aos pés, encostado em uma velha árvore que deveria ser uma macieira. A expressão no rosto do Merlin pintado era de uma ligeira preocupação.

O chão da sala era de assoalho um pouco envelhecido, mas ainda assim lustroso. Algumas mesas ostentavam estranhos objetos circulares e porta-penas esquisitos, como um em forma de coruja, em que as penas eram guardadas na própria asa da coruja, naquele momento, a coruja estava sem uma de suas penas.

Diversos armários exibiam com aparente orgulho seus livros. Kal notou que em um deles, talvez o menor de todos, tinha um vão entre seus livros que permitiria encaixar perfeitamente outros dois volumes. Outros armários reluziam seus cristais cintilantes, entre outras pedras preciosas.

- Parece que você já está recuperado. – comentou Cacius afastando-se.

- Ah sim... mas o que aconteceu realmente? Lembro-me apenas de um monstro ou sei lá como posso chamá-lo...

Cacius o encarou levemente como se os olhos de Kal fossem portas abertas para sua mente, então disse:

- Eles são forças que habitam o mundo astral. Forças negativas. – disse Cacius admirando alguma coisa no teto de pedra.

- Como o senhor foi parar lá? – perguntou Kal tentando ver o que de tão curioso estava pendurado que chegava a quase hipnotizar o diretor.

- Creio que estamos atrasados para o jantar. – disse Cacius desviando sua atenção até a porta e mudando repentinamente de assunto.

Kal percebeu a esquiva e resolveu não insistir. Apenas agradeceu mentalmente a ajuda do professor, pois sem a intervenção de Cacius, a criatura, certamente, teria atacado-o. Mesmo sem entender o que o diretor havia dito sobre mundo astral, Kal tinha uma única certeza. Aquilo havia de fato acontecido, e não apenas um sonho de desmaio.

No jantar, Kal aproximou-se de Guine e Ralph, então começou a falar da tal criatura. Guine ignorava por completo o que ele dizia, continuando a saborear sua torta de bacalhau com palmito. Já Ralph, mesmo parecendo indiferente aos comentários, Kal o surpreendeu em um suspiro quando mencionou a parte em que o monstro atacou-o.

Na mesa ao lado, Daimon estudava um livro que estava em seu colo enquanto comia uma salada de tomates. Kal decidiu não importuná-lo.

O banquete ainda não havia terminado quando ele resolveu descer até Cidade dos Elfos. Nos portões, encontrou-se com outros dois alunos, que também estavam prestes a descer. Fora eles havia apenas mais outros três balões já a meio caminho. Luís ficara nos portões orientando os alunos.

A República de Tadewi ainda estava vazia quando Kal se acomodou sobre uma das poltronas próxima a lareira, lá fora começara a fazer muito frio com o início de uma leve chuva.

Como Kal havia cabulado a aula de feitiços, resolveu ler o livro para não ficar atrasado em relação ao restante da turma. Vasculhando a mochila, encontrou o livro de Amadeus Wosky, “Maldiçoes, defesas e utilidades”, lembrou-se instantaneamente do dever que o professor deixara para ser feito e correu para o mural onde estava afixado o horário de aulas. Para sua total surpresa o horário não era animador. No próximo dia de aula iniciaria com dois tempos de Maldições, em seguida, também duas de Biomagia, Poções e Clerigologia. Das oito aulas do dia apenas Maldições era uma matéria conhecida, Kal nunca havia ouvido falar em Clerigologia e nunca estudara Poções ou Biomagia, o que quer que fosse isto.

Pensando em anotar o horário, Kal lembrou-se de um fato que ocorrera há alguns dias dentro do Templo na Cidade do Norte. Lembrou-se de um feitiço que viu sendo utilizado pelos repórteres e pensou fazer o mesmo com o horário.

- Fotograph! – três pequenos flashes dispararam da varinha de Kal, em seguida ele pegou um pedaço de pergaminho e disse – Impressor! – um pequeno líquido branco escorreu da ponta da varinha e caiu no papel, espalhou-se e lá estava o horário.

Quando os primeiros alunos de Tadewi começaram a entrar no salão, Kal já estava terminando o exercício de Maldições. Ralph e Guine entraram às pressas e sentaram-se em uma das mesas com os outros alunos do primeiro ano. Todos estavam afoitos para resolver os exercícios, pareciam exaustos e extremamente indispostos. Mal sabiam que teriam pela frente trinta e cinco questões discursivas a serem respondidas. Kal ainda observou que alguns alunos começavam a se descabelar enquanto liam as questões. Alguns deles começaram a praguejar o professor e a largar o material na mesa.

Enquanto os alunos se descabelavam, bufavam e gritavam a má sorte, Kal espreguiçou-se e depois recolheu seu material da mesa, levantou-se e no meio da sala bocejou de forma quase que escandalosa para chamar a atenção dos demais alunos. Que o encararam com profundo desânimo, sabendo que Kal estaria tranqüilamente repousando enquanto passavam a noite em claro.

Lentamente, ele caminhou até as escadas do dormitório com um largo sorriso no rosto. Sem saber por quê, Kal sentiu-se imensamente feliz ao ver a expressão abatida e também muito desesperada de Ralph e Guine.

No dormitório, o garoto atirou-se na cama logo depois do banho. Assim que fechou os olhos, ouviu na janela um pequeno barulho, aproximou-se e viu um pacote através do vidro esfumaçado. Sem saber o que era, Kal puxou o embrulho para dentro.

Era um tipo de correspondência amarrada com cordas de palha seca. Preso nele estava um pequeno cartão que dizia:

Ao senhor Kalevi Foster,

Livros & Boatos

- Chegou!

A alegria que Kal sentiu ao receber aquele pacote não poderia ser maior, estava ele com o livro de Van Feo, “Além da matéria”. Imediatamente pô-se a rasgar todo o embrulho e finalmente pode tocar o objeto. O livro tinha a capa prateada com detalhes em alto relevo e em seu centro havia o rosto de uma estranha pessoa careca, em que o lado esquerdo do rosto parecia adormecido e o outro lado era um misto de euforia e espanto. O pequeno olho direito pestanejava incessantemente.

Kal estava tão eufórico quanto ao livro que agora passava a observar o dormitório com certo desespero.

Sua felicidade era tamanha que até havia esquecido que o conteúdo do livro era muito mais interessante do que a capa viva. Dando-se conta disto, ele depositou o livro em cima de seu travesseiro e deitou-se de bruços para lê-lo.

- Bolhasradiant!

As pequenas bolhas de luz iluminaram adequadamente o local. Kalevi posicionou sua mão na capa e fez força para abri-lo, sem conseguir, imaginou que fosse devido ao peso, pois a capa estava repleta de detalhes. Aplicando uma força ainda maior, ele tentou abrir o livro novamente, apenas conseguiu virar o rosto do livro para a fronha do travesseiro, sufocando a pequena pessoa da capa. Irritado com aquilo, ajustou o livro e se ajoelhou na cama batendo com a ponta da varinha na testa da capa. Esta não deu importância à agressão e fechou o olho direito.

- Já sei. Opandor! – uma pequena quantidade de luz saiu da varinha e se dissipou pelo livro. Kal tentou mais uma vez abri-lo com o feitiço, mas ainda assim não conseguiu.

Na manhã do dia seguinte, Kal Foster levantou antes de qualquer aluno de Tadewi, desceu até o salão às pressas e tomou café da manhã sozinho. Apenas quando saiu da república viu alguns alunos ainda sonolentos. Subiu também sozinho em um dos balões, deixando Luís muito irritado por ter feito isto. Todas as manhãs, um dos Representantes levantava mais cedo para abrir os portões. Àquela hora, certamente, alguém já deveria estar lá em cima.

Kal correu em direção ao castelo e passou direto pelo saguão de entrada e subiu até o segundo andar, em tempo recorde, alcançando rapidamente a sala de Maldições. O professor já estava em sua mesa, aparentemente escrevendo um tipo de relatório. No momento em que Kal irrompeu pela porta, Wosky pareceu ligeiramente alterado. Recompondo-se disse:

- Um pouco cedo não, Foster.

- Ah... é... sim senhor... quero dizer... eu quis chegar mais cedo sim... mas...

- Não tenho muito tempo Foster. – disse Amadeus levantando-se e recolhendo o pedaço de pergaminho em que estava trabalhando – Talvez outra hora.

- Ah... sim... tudo bem então, professor.

Amadeus Wosky apressadamente guardou o restante de suas coisas em uma pequena gaveta de sua mesa e saiu.

Kal sentou-se em uma das mesas e pôs seu novo livro, “Além da matéria”, sobre ela. Parou para olhá-lo cutucou-o novamente com a ponta da varinha e tentou abri-lo novamente.

Sem sucesso, Kal abaixou a cabeça e emudeceu. Pretendia que o professor o ajudasse a abrir o livro. Amadeus Wosky certamente tivera contato com artefatos mágicos antigos e talvez, livros como aquele se encaixassem em uma das especialidades do professor. O garoto permaneceu em um silêncio contínuo que só foi interrompido cinco minutos mais tarde por uma voz vinda da porta.

- Refletindo, Kal?

Ele olhou por cima do ombro e observou Tirso que em seguida aproximou-se do garoto.

- E então? Está mesmo refletindo?

- Um pouco, talvez. Gostaria mesmo de estar lendo.

- Não entendi. – disse o professor puxando uma cadeira para sentar-se.

- Eu comprei um livro, mas não consigo lê-lo.

- Agora entendo. – disse ele finalmente acomodando-se direito – Posso vê-lo? – Kal gentilmente entregou o livro nas mãos do professor que passou a admirá-lo por um breve instante – Van Feo, Além da matéria. Ótima autora.

- Você... é... o senhor conhece?

- Tudo bem. Não precisa me chamar de senhor. Você é meu amigo, Kal ou devo chamá-lo de senhor Foster também? – Tirso soltou um pequeno e não raro sorriso.

- Obrigado professor, mas o livro... – disse Kal voltando-se para o objeto nas mãos do professor.

- Ah claro! Sim, eu conheço os livros dela. Muito boa mesmo.

- Pode ser, talvez. Eu ainda não li.

- Não consegue abri-lo, certo? – disse Tirso forçando o livro a abrir da mesma forma que Kal fizera na noite anterior – Ela é uma escritora bem especial, eu gosto muito dela, mas seus livros são um tanto quanto, hã, geniosos, vamos dizer assim. Alguns livros não gostam de expor seu conhecimento a qualquer um, entende? Eles têm decisões próprias. É um feitiço inquebrável. Realmente inquebrável! – frisou.

- Então como vou lê-lo?

- Bem, ele terá que se habituar a você.

- Aff... – bufou.

- Lamento, Kal, mas é assim que funciona. O livro terá que sentir que pode confiar em você. Traga ele para sua vida, passe com ele momentos agradáveis.

- Vou amarrá-lo numa coleira e vou passear com ele na Cidade dos Elfos. – disse Kal brincando.

- Mais ou menos isto, mas sem a parte da coleira. Passeios e conversas são ótimos para torná-lo seu amigo.

- Então, assim vou conseguir lê-lo?

- É, bem... é o que dizem. Eu comprei um livro, já faz algum tempo, e até hoje não consegui abri-lo. Bom, espero que tenha mais sorte.

O último comentário de Tirso não animou muito Kal que não pode dizer mais nada, pois Wosky havia retornado.

- Matando serviço professor? – perguntou Amadeus sarcasticamente.

- Eu cumpro muito bem o meu horário, diferente de certos amaldiçoados. – a resposta de Tirso foi claramente ofensiva, era verdade que Amadeus havia faltado a algumas aulas nestes primeiros dias letivos – Muito bem, Kal, eu já vou, qualquer coisa pode me procurar.

Tirso saiu pela porta dupla sem mais despedidas. Amadeus parecia encarar Kal de forma curiosa, como se realmente quisesse saber que tipo de ajuda ele estava recebendo de Tirso. Assim que fez menção de perguntá-lo, porém, os alunos de Tadewi entraram com estardalhaço na sala de aula. Afoitos e levemente apavorados, os alunos sentaram-se em cadeiras individuais. Amadeus passou pelas mesas recolhendo os exercícios e deveres, lançava um olhar de desprezo para os alunos que diziam não ter completado toda a tarefa.

- Realmente não esperava encontrar, grandes bruxos nesta sala. – a voz do professor foi subitamente interrompida por protestos dos estudantes – han, han... – pigarreou e assim conseguiu a atenção dos alunos – Espero que da próxima vez esforcem-se mais.

Amadeus suavemente oscilou sua varinha na direção dos pergaminhos que havia acabado de recolher, estes levantaram cerca de trinta centímetros da mesa e aterrissavam delicadamente já com as correções e notas. Em outro movimento de varinha o professor fez com que os pergaminhos voassem até seus respectivos donos. Alguns alunos olhavam desapontados para seus resultados e se afundavam nas mesas. Porém Kal sentiu-se extremamente feliz ao ver um nove em seu pergaminho.

- Espero que vocês reflitam sobre suas notas e pratiquem os exercícios da página vinte e cinco. Quero eles prontos para a aula de amanhã. Estão dispensados.

Por um instante todos os alunos permaneceram estáticos. Completamente espantados pela última frase do professor, estão dispensados. A primeira, das duas aulas de maldições acabara de começar e ele dissera Estão dispensados?

Amadeus Wosky encarou os alunos de maneira curiosa e abanou as mãos de forma a entender que era para eles saírem. Perplexos os alunos permaneceram sentados até que o professor repetiu com mais ênfase.

- Estão dispensados!

Sem mais explicações, os alunos jogaram suas mochilas nas costas e seguiram para fora da sala em fila. Ralph foi o último a recolher seus materiais, ao seu lado estava Guinevere, impaciente com a demora. Kal aguardava os dois na porta para escolherem um lugar aonde ir antes da próxima aula. Assim que os dois deixaram a sala triangular, Wosky selou as portas com um perceptível ar de intolerância.

- O que foi aquilo? Apenas cinco minutos de aula! – disse Kal tentando quebrar o grande iceberg entre os amigos, suas tentativas de reatar a amizade entre eles pareciam inúteis – Aff... – fez ele quando nenhum dos dois respondeu – Já vi que hoje não. Quer saber, cansei deste ciúme bobo.

Nesta hora, Guine e Ralph pararam para ouvir tudo o que Kal dizia, sem mesmo questionar.

- Acho que isto eu já disse, eu não tenho porque tornar minha vida um livro aberto para a curiosidade alheia.

Os dois coraram enquanto se entreolhavam, havia um fundo de verdade no que estavam escutando. Kal permaneceu ali tempo o suficiente para vê-los abaixar a cabeça, e então partiu rumo ao salão de Tadewi.

Chegando ao quinto andar, Kal ouviu a voz de Rômulo. O garoto o chamou tão alto que algumas pessoas que estavam estudando na biblioteca colocaram suas cabeças para fora procurando pelo motivo de tanto barulho.

- Bom dia, Foster! Foster, Foster, Foster... – repetiu debilmente – Meu Guardião-mirim.

- Eu sou guardião da escola Rômulo. – respondeu Kal de forma ríspida.

- Da no mesmo. – disse dando de ombros – Bem, Foster, para onde você iria mesmo? Não interessa. – falou antes que Kal respondesse qualquer coisa – O que nos interessa é para aonde vamos.

- E aonde vamos?

- Para a sala do Conselho Estudantil.

- E onde fica?

- Como onde fica? Você tem muito a aprender meu pequeno Foster. – Rômulo realmente parecia orgulhar-se em dizer o nome Foster. Durante o caminho ele gargalhava alto e pronunciava o tal nome. Kal achou que iria ser pregado a uma base de madeira para Rômulo carregá-lo como um troféu por toda a escola. Ele o guiou até o sexto andar e pararam diante uma cortina vermelha e com alguns buracos pessimamente remendados com linha branca. Com as mãos, Rômulo separou as cortinas revelando uma parede de pedra polida.

- Está vendo? É um cômodo secreto.

- Secreto?

- Aff... eu tenho que explicar tudo... OK! Funciona assim, você põe a ponta da varinha dentro da cortina e diz. Sadauá!

Uma luz fraca escapou pelos buracos da cortina e um leve vento surgiu por trás do tecido que revelou uma pequena porta de madeira.

- Prestou atenção? É só dizer Sadauá. Para fazer a passagem sumir é só bater a porta. OK?

- Dizendo Sadauá a porta aparece e para fazê-la desaparecer é só fechar. – repetiu Kal

Ao entrar na sala, Kal se deparou com uma pequena mesa com espaço para seis cadeiras, embora só houvesse cinco. Estantes de livros, armários dos mais variados tipos e tamanhos, com os mais variados objetos, pontiagudos, esféricos, retangulares... Almofadas e tapetes felpudos, tudo extremamente aconchegante, como se fosse o quarto de um rei, nem mesmo a sala de Cacius parecia tão requintada. Uma lareira gigantesca no fundo da sala estava rodeada pelo conjunto de poltronas vermelhas recém adquiridas pelo conselho que Kal vira no terceiro andar quando conheceu Rômulo. Aos pés das poltronas estava disposto um enorme tapete azul cor do céu, pintado com o brasão da escola, um grande “A” em cima de alguns livros e uma pequena coruja branca repousando sobre a letra. Luminárias pendiam do teto e sua luz bruxuleava pelo quarto como se fossem dançarinas alegres.

- E então, gostou do lugar? – perguntou finalmente Rômulo.

- É maravilhoso.

- Bem, acho que podemos nos acomodar um pouco antes dos outros membros chegarem a darmos início à reunião.

Rômulo atirou-se em cima de uma das gigantescas almofadas enquanto Kal passeava pela sala tentando ver os títulos dos livros dentro das estantes.

- Pode ficar a vontade, pequeno Foster. Esta sala também é sua. Ah! Estava me esquecendo. – falou tirando um pequeno e brilhante broche do bolso. – Isto agora é seu! – Rômulo jogou o objeto nas mãos de Kal.

- Mas o que é E.T.? – perguntou ao ler o broche.

- Apenas um detalhe. – Rômulo aproximou-se de Kal e puxou a varinha, tocou no broche e o E.T. transformou-se em K.F..

- Mas quem era E.T.? – insistiu Kal.

- Não me lembro agora. Veja, chegaram.

A porta se abriu e os outros três membros se juntaram a eles. Marcos Herdam parecia ainda mais raquítico aquela manhã, usava vestes longas e aparentemente pesadas. De tão largas, as roupas pareciam couro de hipopótamo cobrindo uma vassoura, mal se via seu rosto escondido entre as madeixas enegrecidas, era tão magro que no momento em que entrou na sala, Kal pensou estar revendo a mesma criatura que o atacara no dia anterior. Antonio Furtado era completamente o oposto. As pernas compridas e roliças lhe davam certa altura, mas a barriga estufada lhe garantia uma leve semelhança com um barril.

Por outro lado, Emanuela Goldemberg, como sempre, estava estonteante. Os cabelos longos e loiros estavam presos a uma fivela em forma de borboleta com pequenas pedras reluzentes em suas supostas asas. As pedras eram facilmente ofuscadas quando o sol penetrava pela janela e iluminava seus lindíssimos olhos azuis e sua pele quase albina.

Rômulo trancou a porta do conselho e ordenou que todos se sentassem. Propositalmente, Kal se apressou para se sentar ao lado de Emanuela. Estando na extremidade da mesa, sentado em uma cadeira que mais lembrava um trono real, Rômulo iniciou a reunião.

- Estamos aqui, em nossa primeira reunião oficial, para decidirmos o modo que iremos trabalhar este ano e explicar algumas regras aos nossos novos membros. – Rômulo lançou um leve olhar a Kal e Emanuela – Muito bem, vou começar explicando qual a responsabilidade de cada um no conselho. Marcos Herdam, Tesoureiro, encarregado de administrar os recursos oferecidos ao Conselho. Antonio Furtado, Inspetor, supervisiona o castelo regularmente, ninguém sabe o que esses alunos trazem de casa, não é? – comentou – Emanuela Goldemberg, que graciosa, – este último comentário não deixou Kal satisfeito – trabalha com a comunicação entre alunos e Conselho. Kalevi Foster, para nós, Foster, nosso Guardião-mirim dos terrenos de Avalon, ele deverá supervisionar as ações dos alunos e protegê-los, com a vida se preciso! Não se preocupe Foster, os últimos anos têm sido tranqüilos por aqui. Por fim, eu, presidente do Conselho Estudantil e representante dos alunos perante a direção.

- Bem, declaro encerrada a reunião. Voltemos as nossas atividades.

Aquele dia parecia o dia das maluquices e da pressa. Primeiro, Amadeus Wosky e sua aula de cinco minutos. Agora Rômulo e sua reunião de nem trinta segundos. Falta de compromisso e responsabilidade? Mas Kal não se importara. Na verdade agradeceu em silêncio, pois agora ficaria sozinho na sala do conselho.

Ele viu os quatro alunos desaparecerem pela porta e em seguida levantou-se para analisar a sala. Aproximou-se de um armário feito de madeira entalhada com detalhes florais e uma pequena maçaneta de vidro ou cristal. Ao tentar abri-la, para sua surpresa, viu que estava trancada.

- Opandor!

A pequena maçaneta estalou e assim o armário estava aberto, revelando seu conteúdo: alguns frascos vazios e instrumentos de mistura, colheres e conchas, alguns conta-gotas, etc. Nada daquilo pareceu despertar a atenção de Kal, que fechou o armário e partiu para o próximo.

- Opandor!

O armário de carvalho rangeu e revelou uma grande quantidade de livros, de diversas cores e tamanhos, um em especial lhe chamou a atenção, era grosso e tinha as páginas douradas, as letras do título eram de um azul vivo, que contrastava gravemente com a capa de couro verde. “O ataque da força mágica”. Sem outros pensamentos Kal passou a folhear o livro sentado em uma das poltronas macias da sala.

O livro contava histórias de vários bruxos e bruxas famosos que haviam conseguido grandes êxitos usando feitiços simples, como os que seriam ensinados naquele exemplar. Ele folheou o livro desesperadamente a procura de algo mais interessante do que relatos de experiências com vampiros, lobisomens e fantasmas encrenqueiros.

Depois de muito procurar, encontrou, quase pelo final do livro, um feitiço bem simples de ser reproduzido e de grande efeito, segundo a descrição.

O feitiço Farfalha libera da varinha de um bruxo, pequenos estilhaços que são capazes até mesmo, dependendo do bruxo, de rasgar a pele de um dragão...”

Após ler o trecho do livro em voz alta, Kal posicionou a varinha para uma das almofadas e disse em uma voz firme e decidida.

- Farfalha! – cinco ou seis pequenos pontos luminosos rasgaram o ar com um pequeno ruído e acertaram a almofada, que ao receber o golpe, ficou totalmente desmantelada. Plumas brancas voaram pelo quarto formando um grande tapete de penas.

Para sua surpresa, Rômulo estava parado na porta assistindo toda a cena. Kal esperava claramente uma repreensão, mas ao invés disto Rômulo lhe sorriu e disse.

- Se quer treinar feitiços como este, precisa antes aprender a arrumar a bagunça que eles causam. Balance a varinha e diga firme. Concertûnia! – a varinha de Rômulo agitou no ar e as plumas levitaram e aceleraram de volta aos buracos da almofada, que ao encher costurou seus rasgados instantaneamente.

- Desculpe... é... eu não tinha intenção...

- Não se preocupe, Foster, você só estava cumprindo seu papel de Guarda-mirim. Aprendeu um bom feitiço. Parabéns!

Kal não sabia se era a emoção do momento, a oportunidade de conhecer um mundo completamente novo, ou se era apenas um leve entusiasmo, mas ele sabia que estava gostando de tudo aquilo. Aprender novos feitiços sozinhos, usar um broche legal, ser respeitado pelos alunos e principalmente passar um tempo junto com Emanuela. O Conselho Estudantil estava se mostrando muito mais interessante do que ele imaginara.

Empolgado com a pesquisa, o garoto se afundou em outros livros, imitando uma ação que facilmente seria percebida em Daimon. Kal ficou ali lendo e relendo feitiços e conjurando alguns. Efeitos desastrosos estouraram pela sala e ele agradeceu a Rômulo pelo Concertûnia, pois cada cadeira quebrada ou livro rasgado lhe garantiriam uma boa detenção.

Exausto de tanta prática, ele permitiu-se um descanso em uma das almofadas de pena de ganso. Não se dando conta de quanto tempo ficou ali deitado Kal despertou ao ouvir a badalada do grande sino da torre a qual, um dia antes, Jonathan havia se jogado, particularmente, ele achava, ou melhor, tinha certeza, que Jonathan havia sido enfeitiçado por alguém, mas não sabia exatamente quem, pois jurava ter ouvido uma voz feminina persuadir o garoto segundos antes dele, supostamente, se jogar.

Antes de sair da sala, Kal conferiu se o corredor estava vazio, naturalmente sim, a sala do Conselho Estudantil ficava em uma parte isolada no sexto e último andar do castelo, era natural que não houvesse alunos passeando por ali todo instante.

Faltava apenas dez minutos para a aula de Biomagia, e Kal nem ao menos sabia onde ficava a sala de aula, sua maior esperança era encontrar algum aluno conhecido que pudesse lhe indicar o caminho. Perambulou pelo corredor do quinto andar, mas não encontrou nada, nem sala de aula ou aluno. Assim que iniciou a descida até o quarto andar ouviu a voz de seu irmão.

- Hei, Kal!

- Daimon! – saudou – O que você está fazendo aqui?

- Estou indo para a aula de Biomagia.

- Oh! Sério? Quero dizer, eu também estou indo para essa aula. Vamos!

- Ok! Devemos nos apressar, restam menos de cinco minutos para a aula e nós ainda temos que chegar ao terceiro andar.

- Claro, é... eu estava indo agora mesmo... – disfarçou.

- Por que você, Guine e Ralph ainda estão brigados? – perguntou Daimon enquanto caminhavam.

- Bem... eu não sei exatamente porque estamos brigados, mas...

- Eu sei, Kal!

- Sabe?

- Guine me contou tudo no café da manhã.

- Ah, ela contou.

- Por quê? Não deveria?

- Não, não, tudo bem. Eu só... – Kal parou por um momento e resolveu mudar de assunto – Recebi o livro!

- Que liv... ah, meu Deus! Você já recebeu o livro da Van Feo? Incrível!

- Incrível é o livro.

- Posso ler?

- Não.

- Kal? – Daimon pareceu assustado com a resposta do irmão – Não deveria ser tão egoísta, já que eu achei o livro.

- Eu sei, eu sei. Acontece que o livro não pode ser lido.

- E por quê?

- Porque ele não quer!

- Han?

- Aff... o livro não se deixa ser aberto.

- Posso vê-lo?

Os dois pararam. Já estavam no corredor do terceiro andar, Kal puxou da mochila o livro, o lado do rosto que se mantinha acordado estava ligeiramente mais calmo em relação à noite anterior. Daimon apossou-se do objeto e tentou abri-lo, não conseguindo, encostou a varinha no livro e quando ia dizer um feitiço, foi interrompido por Kal.

- Já tentei usar o Opandor.

Daimon apenas fitou o rosto de Kal com olhar um desgostoso e prosseguiu.

- Scringer Secret Schoupan!

O livro pareceu receber uma grande descarga de energia, voou da mão de Daimon e caiu em frente à porta da sala de Biomagia. Kal aproximou-se do livro, ainda fechado, e o recolheu dizendo.

- O que foi isso?

- Uma derivação super poderosa do Opandor. – respondeu Daimon.

- Onde você aprendeu?

- Na biblioteca. Bem, não teve efeito não é?

- Não. Tirso disse que este é um tipo de feitiço inquebrável. – ressaltou.

- Ah...

- Para dentro, os dois! – rugiu a professora Flora de dentro da sala de aula.

- Desculpe, professora. – disseram.

- Sentem-se e não atrapalhem mais minha aula!

Ela era uma mulher alta e magra, tinha os cabelos ondulados e levemente ruivos, uma boca extremamente desproporcional em relação aos seus enormes dentes. Usava um vestido longo rosa, de tecido fino. Também usava um belo echarpe vermelho sangue amarrado ao pescoço, uma sandália de couro também rosa e os dedos dourados pela grande quantidade de anéis.

- Meu nome é Flora, sou a professora de Biomagia, que como nome já diz, é o estudo da vida mágica. Acredito que todos vocês tenham comprado uma planta, certo? – perguntou ela inclinando-se para frente – Então, é hora de usá-las.

Flora agitou a varinha e o ar explodiu em uma nuvem de fumaça azul na frente de cada um dos alunos. Pequenos jarros surgiram na frente em suas mesas. A Fantara d’ouro de Ralph já exibia um pequeno broto que protuberava no caule, mas esta não foi a planta que mais chamou a atenção da professora Flora e dos demais alunos. A Herviana de Kal continuava soterrada, só que agora em um jarro bem maior, chegava a ocupar dois lugares na mesa. A professora se aproximou do garoto com um par de luvas de couro e disse:

- Acho que a professora Margarida já lhe advertiu, mas vou lhe dizer mesmo assim, plantas como a Herviana não gostam de muita luz, são plantas que exigem o máximo de cuidado quanto a isso. Elas também possuem um veneno poderosíssimo, portanto... – ela lhe entregou o par de luvas e apressadamente Kal a pôs – Você deve ter um bom motivo para ter escolhido esta planta, Foster, então deverá arcar com as conseqüências. Você fará todos os exercícios da aula, assim como os demais alunos. Alguns desses exercícios vão lhe exigir uma certa concentração e perspicácia, porque você não saberá o que está vendo ou fazendo, será como uma cirurgia no escuro. Contundo, quero que persista. Estamos combinados?

- Sim, professora. – respondeu ele agitando a cabeça de forma que ela entendesse que ele compreendera bem o recado.

A professora Flora lançou-lhe um pequeno sorriso e seguiu para o quadro negro.

As duas aulas de Biomagia voaram como mágica. Pequenos desastres aconteceram quando Jonathan tentou pegar um pouco de saliva da sua planta carnívora. Depois de engolir o pequeno frasco onde deveria ser despejada a saliva, a planta começou a sugar o braço do garoto. Ela foi acalmada quando Flora fincou sua própria varinha no vaso da planta e disse:

- Planta Exander!

Uma luz branca voou pelas imperfeições do vaso e a planta automaticamente murchou e soltou a mão de Jonathan.

- Se tivessem lido o livro Olho mágico, na página cinco, saberiam que o Exander é um feitiço paralisante e de grande utilidade em se tratando de criaturas mágicas. – ela disse com a cara amarrada.

Já no almoço, Kal estava isolado dos demais alunos de Tadewi, até que duas figuras inesperadamente sentaram ao lado dele.

- Inacreditável como Jonathan é azarado! – falou Guinevere posicionando-se ao lado direito do garoto e Ralph sentando-se do lado oposto – Quero dizer, primeiro uma queda de mais de seis andares e agora ele quase foi engolido pela própria planta!

- Não exagera, Guine! – falou Ralph.

- E você, Kal, o que acha? – finalmente depois de um dia inteiro de gelo Kal havia sido notado por Guinevere e Ralph. Poderia claramente ter ignorado a pergunta e continuado seu almoço, mas ele não estava disposto a continuar com esse clima de tensão. Engolindo um último pedaço de carne, disse:

- Não acho que tenha a ver com azar.

- Como assim? – perguntou Ralph de forma tão normal que parecia nunca terem discutido.

- Eu contei a vocês o que eu ouvi.

- Ah sim... – falou Guinevere desanimada. Mudando de assunto ela disse – Daimon nos contou sobre o livro.

- Ok. – Kal empurrou seu prato para frente e pôs o grosso livro prateado sobre a mesa.

- Daimon também deve ter lhes dito que ele não pode ser lido.

- Falou sim. – disse Guinevere – Você já conversou com Tirso, não é?

- Sim. – respondeu – Ele disse que isso é um feitiço inquebrável.

- Daimon disse que ele tentou abri-lo com a varinha...

- Isso para mim é impossível, Ralph. – respondeu Kal

- O quê? Abri-lo por magia? – perguntou.

- Sim. Tirso falou que eu preciso ser amigo do livro.

- Oh, certo. E como se faz isso? – perguntou Guinevere erguendo as sobrancelhas.

- Eu não sei, mas vou tentar agradá-lo. – disse Kal dando de ombros.

- Talvez um banho! – sugeriu Ralph.

- Banho Ralph? É um livro! – falou Guinevere em desânimo.

- Eu sei. Eu quis dizer um banho de perfume, sei lá...

- Han? – exclamaram Kal e Guinevere quase que ao mesmo tempo.

- Mamãe usa sempre para espantar pragas domésticas.

- Meu livro não é uma praga, e muito menos eu quero me livrar dele.- falou Kal.

- Eu sei, eu sei. Eu vou explicar. É um feitiço que emana uma fumaça cheirosa. Vejam!

- Ah, meu Deus... – falou Kal quase prevendo o que estava para acontecer.

- Fétida! – Ralph apontou a varinha para o livro e uma fumaça marrom saiu da ponta e um forte cheiro de enxofre invadiu metade do salão fazendo com que alguns alunos fossem obrigados a se levantar de suas mesas para se afastar do centro daquele mau cheiro.

Kal puxou Guine e Ralph para fora da nuvem de fumaça marrom fedorenta que havia se formado em volta de toda mesa de Tadewi.

- Faz isso parar! – berrou Guinevere.

- Ok, espera só um pouco... han, como era... – falou Ralph apressadamente olhando para cima agitando uma das mãos em desespero – Oh, certo, é isso mesmo. Lócus Amenus!

Subitamente a varinha de Ralph parou de emanar a fumaça, mas os efeitos ainda podiam ser visto por todo o salão.

- Cinco alunos desmaiados, senhor Scheiffer. – disse Tirso com furor depois que a confusão se encerrara e guiou os três até o salão de Tadewi, no quinto andar – E eu pensei ter lhe dito, Kal, que o livro não poderia ser aberto com magia! Os três ganharam uma detenção sábado de manhã em minha sala às nove horas!

- Professor... – balbuciou Ralph.

- Sim, senhor Scheiffer, deseja fazer algo mais estúpido antes? – falou Tirso mantendo o tom de seriedade em sua voz.

- Eu fiz sozinho... a idéia do feitiço foi minha, só minha

- Entendo. Você está assumindo a culpa sozinho. Então acho que Kal e a senhorita Lingenstain não terão detenção. Bem, isso significa trabalho extra para você, senhor Scheiffer. Espero vê-lo no sábado às nove horas, teremos muitas caixas para arrumar.

Dito isto, Tirso saiu pela passagem que ligava o salão de Tadewi ao corredor do penúltimo andar. Assim que a passagem se fechou, Kal disse:

- E o livro permaneceu intacto.

- Han? – espantou-se Guinevere.

- Vocês ouviram Tirso, cinco alunos desmaiados. E o livro nem ao menos pegou o cheiro do feitiço. – finalizou encostando o nariz no livro.

- Humpft... Duas aulas de poções e mais duas de Cleri-qualquer coisa. – desanimou Ralph jogando-se em uma poltrona.

- Clerigologia! – corrigiu Guinevere.

- Serve também...

- Vamos descer. – chamou Kal.

Os três passaram pelas duas estátuas e se apressaram, pois a sala de poções ficava no primeiro andar, segundo informações dadas por outros alunos.

Mesmo já estando no primeiro andar os três ainda pareciam perdidos, rondaram o saguão de entrada olhando sala por sala até que finalmente encontraram a aluna Representante de Tadewi, Tâmisa. Ela estava caminhando no estreito corredor esquerdo do primeiro andar quando os garotos a pararam.

- Tâmisa, onde fica a sala de poções?

A garota pareceu levemente assustada ao vê-los, percebia-se nela um ar gelado, e algumas gotas de suor corriam-lhe pela testa.

- Ali. Final deste corredor. – respondeu a garota apressadamente. Na tentativa de avançar até o salão principal, Tâmisa deixou cair alguns frascos cheios de um líquido amarelo e viscoso. Ela soltou um pequeno “ah” quando os potes quebraram. O mesmo forte cheiro do feitiço de Ralph infestou o estreito corredor emanado pelo líquido caído ao chão. Prontamente Kal disse:

- Concertûnia! – apontando a varinha para o líquido e os cacos de vidro espalhados pelo chão, Kal criou um efeito interessante de se observar. Vidro e líquido se ergueram e reconstituíram os três potes que haviam caído.

- Obrigada! – disse Tâmisa recolhendo os frascos do chão e se apressando para fora do corredor.

- Vamos também! – exclamou Guinevere.

Quando chegaram na grande sala de poções o professor preparava-se para discursar.

- Entrem. – chamou ele.

Kal, Ralph e Guinevere correram para três cadeiras vazias no meio da sala e juntaram-nas.

- Pronto? – perguntou o professor de poções – É sempre uma grande honra ensinar a jovens mentes. Eu já vi entrar por aquela mesma porta – disse ele apontando para a porta da entrada da sala, e todos acompanharam seu gordo e torto dedo indicador – grandes mentes, eu vi a determinação, a força de vontade e sim eu vi, com certeza vi, o desespero. Agora vocês perguntam, “uma mente desesperada pode ser brilhante?”. Eu respondo que sim. Querem um exemplo. Senhor Freman, diga-nos quando foi que apresentou algum tipo de talento mágico. – falou o professor novamente apontando, só que agora para um garoto gordo e loiro, aluno de Tadewi. Este o respondeu:

- Quando tinha quatro anos e fui atacado por um Ogro, acho que era do tipo Neandertal, não me lembro. Sei que o transformei em um coelho.

- Genial e brilhante! – exclamou o professor balançando sua grande barriga, os cabelos lisos e castanhos muito bem divididos também balançaram com o pequeno giro – Alguém mais quer compartilhar uma experiência? Você! – apontou seu dedo gordo para Kal.

- É... eu não... eu não sei como explicar professor. – respondeu timidamente.

- Ah claro. Alguns sempre se esquecem...

A resposta de Kal não agradou muito ao professor, porque este mudou repentinamente sua expressão, de euforia à incredibilidade. Mas Kal havia sido sincero em sua resposta. Ele de fato não sabia como se tornara bruxo. Ele nasceu completamente sem dons mágicos e da noite para o dia estava fazendo pratos voarem como discos voadores e copos rangerem.

Os demais alunos abaixavam a cabeça disfarçando e fugindo do dedo gordo do professor. Ao que parecia, mais ninguém tivera uma experiência como Freman.

- Falando de esquecimento. – retomou ele – Que cabeça a minha, sempre fico empolgado com novos alunos. – comentou – Mas bem, acho que ainda não me apresentei. Eu sou o professor Paulo Pote! – disse enfático – e antes que eu me empolgue novamente, vamos abrir o livro Poções potificantes, de minha autoria. Bem, de qualquer modo abram-no na página dez, oh não. Não, não, não, definitivamente não... A página dez é onde eu coloquei o meu artigo sobre poções do amor, podem lê-lo depois, muito interessante. A página certa é a quinze. – corrigiu-se depois de uma boa folheada no livro – Aqui! A poção Mekeivan. Alguém sabe me dizer para que serve?

Alguns alunos ergueram o braço no ar, e só agora Kal havia reparado nos alunos de Katzin, sentados no sentido oposto ao dele, Guinevere e Ralph.

- Oh! Srta. Goldemberg, por gentileza. – Pote parecia conhecer muito bem seus novos alunos, por que assim que Emanuela errou em sua resposta, dizendo que a poção Mekeivan fazia crescer cabelos na sola dos pés, ele imediatamente apontou para uma aluna de Tadewi chamada Samara Bringer, uma garota morena e de cabelos volumosos e cacheados. Ela respondeu corretamente que a poção Mekeivan era um calmante para criaturas transmórficas, ou seja, criaturas com poderes de se transformar, e que ainda poderia ser usada para impedir ou desfazer tal transformação, como vampiros e lobisomens. Alguns alunos de Katzin fizeram “uhs” em protesto quando o professor parabenizou a aluna.

- Alguém quer fazer uma observação?

A mão de Kal ergueu-se solitariamente, todos olharam curiosos para ele. Pote pareceu ligeiramente espantado, mas Kal não entendeu aquela atitude, afinal o professor havia feito a pergunta. Segundos antes de responder, ao gesto do dedo indicador do professor, Kal percebeu que não havia sido feita uma pergunta, e sim uma confirmação para saber se todos haviam entendido.

- Ah, desculpe professor, mas não acho que em um encontro com um vampiro sanguinário ele vá esperar você preparar uma poção. – disse Kal lembrando-se de Thom e como ele ficara violento e intolerante depois que se transformou - Quero dizer, você simplesmente diz “aguarde um momento, senhor vampiro”? e se fosse o caso de já ter a poção devemos dizer “beba isto por favor”?

- Muito astuto de sua parte senhor Foster. Interessante ponto de vista. No entanto se o senhor desconsidera o uso da poção, o que sugere?

- Formanômago. – apressou-se em responder.

- Excelente! Muito bem lembrado. – disse ele caminhando diante dos alunos com as palmas juntas e brincando com os próprios dedos. – Para os que não conhecem, Formanômago é um feitiço muito simples e eficiente, capaz de reverter a transformação de certas criaturas mágicas, como um vampiro, mas não é eficaz contra lobisomens. Em contra partida, ele não é capaz de bloquear, previamente, a transformação. A poção Mekeivan, se ingerida por um vampiro ou outra criatura que sofra alguma transformação, como lobisomens, tem seus poderes anulados. E se for ingerida em grande quantidade pode custar-lhes a vida. Ou seria a morte? – refletiu o professor quanto aos vampiros – Entende agora senhor Foster?

Kal balançou a cabeça positivamente e desceu os olhos até o livro Poções Potificantes e admirou as figuras dispersas da página quinze. Cinco cabeças de alho e algumas folhas de mandrágora, um tipo de pólen roxo e algo que lembrava vagamente a raiz de alguma outra planta. Abaixo do desenho um caldeirão com a inscrição prata, acompanhado de uma colher de madeira.

- Procurem os ingredientes da poção nos armários e misturem em seus caldeirões. – falou o professor apontando para um armário no canto da sala.

- Professor, não temos os caldeirões de prata. – informou Ralph que em seguida foi apoiado pelos demais alunos.

- Sem problemas. – respondeu o professor agitando a mão no ar e repousando em sua enorme barriga. – Podem pegá-los naquele outro armário. – falou mais uma vez apontando para um segundo armário do lado oposto ao primeiro.

- Está trancado. – falou uma voz a qual Kal não soubera reconhecer.

- Não é possível! – resmungou Pote aproximando-se do armário – Opandor! – a pequena fechadura de metal rangeu, porém não pareceu abrir.

- Pode estar com alguma senha. – falou Samara lembrando-se da aula de feitiços.

- Duvido muito, duvido muito... – retorquiu o professor – Algum de vocês quer tentar? – perguntou indicando a maçaneta.

- Professor! – chamou Kal.

O garoto puxou a varinha de dentro das vestes, apontou para o armário e lembrando das palavras exatas de Daimon disse:

- Scringer Secret Schoupan!

Assim como havia acontecido com o livro, o armário pareceu receber uma descarga elétrica e balançou. Por fim a fechadura estalou e as duas portas de madeira despencaram no chão soltas de suas dobradiças.

- Drástico, mas eficaz... – falou o professor.