segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Capítulo 5 - Circo dos horrores

Entrando no elevador e apertando o botão que os levaria até a Sala de Reuniões do Conselho de Magia, Saguior ainda parecia levemente irritado. Já usara um feitiço de cura para conter o sangramento do nariz, mas, aparentemente, nada poderia curar seu orgulho ferido.

- Senhor Saguior.

- Sim. – falou o fauno.

- Acha mesmo que os bruxos do conselho me entregariam a Kricolas?

- Não duvido. Aqueles homens e mulheres estão mais preocupados em proteger seus traseiros do que as pessoas que representam. Mas tenha uma certeza, Cacius lutará por você, se preciso.

- Não tenho dúvidas quanto a isso. O professor Cacius sempre me apoiou, em tudo, sabe.

- Típico do velho. Este comportamento patrono.

- Você parece que também tem muito a agradecer a ele.

- Certamente. Cacius sempre esteve ao meu lado quando precisei, e até mesmo quando não era necessário, um pouco intrometido ele é.

Neste mesmo momento a porta do elevador se abriu e os dois depararam-se com uma explosão de aplausos no Salão do Conselho de Magia.

- Parece que realmente terminaram. – comentou Saguior – Vamos lá.

Os bruxos no salão estavam de pé para aplaudir o novo Ministro da Defesa Mágica, Dorian Gulemarc. O empossado subiu ao palanque para fazer seu primeiro pronunciamento como ministro e, obviamente, aprovar a compra do pó de bobetônia pelo governo.

- Senhoras e senhores, é com muita satisfação que assumo este cargo. Ainda mais sabendo que estou substituindo um homem tão competente como foi Mardo, que sua alma descanse em paz. Mas o período é crítico! E não quero ser alvo de chacota dos jornais do nosso país. Vou ser enérgico e altamente eficaz na busca pela ameaça Kricolas. Vamos caçá-lo tão fortemente como fez o jovem Garner Foster, quando fundou Warren há nove séculos. Quero enfatizar, também neste discurso, que estou satisfeito com o trabalho da GAW, liderada por Uric Scheiffer, para manter a ordem no país e a segurança dos protegidos pelo Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas. Bem, para finalizar, gostaria de formalizar meu total apoio ao jovem Mecflex e a sua invenção, o pó de bobetônia. Uma fórmula já será enviada a um de nossos laboratórios para a produção em série. Não se preocupe Mecflex, você receberá os cem milhões de flandres que pediu, mas na minha opinião é um preço abusivo a se pagar. Está na cara que o nosso jovem bruxo é um explorador capitalista.

Mesmo estando longe, Kal pode ver o rosto de Bernardo pintar-se de roxo tamanha a sua fúria com o comentário maldoso de Dorian. Sem mais se conter, Mecflex levantou-se de sua cadeira e gritou para todo o conselho:

- Ladrão, porco miserável! Você bem sabe que foi com o dinheiro do próprio governo que eu produzi o pó de bobetônia! Você quer rou...

Antes de Bernardo conseguir terminar a frase, Dorian empunhou a varinha que usava como microfone e usando um feitiço emudeceu o rapaz.

- Quer dizer que o tempo todo esteve querendo nos enganar, Mecflex? – perguntou fingidamente o novo ministro – Você queria nos vender um projeto que nós mesmos investimos? Onde está sua moral? Respeite este Conselho! Guardas, prendam este rapaz!

Cacius estava impassível em sua poltrona, pela primeira vez não sabia como agir. Uric, que estava ao seu lado, levantou-se e com destreza disse:

- Você pode ser o Ministro da Defesa Mágica, mas quem manda nos guardas de Warren ainda sou eu. Ninguém sairá preso daqui.

- Como ousa desafiar minha autoridade?

- Vai mandar me prender também, Dorian? Consegue mesmo se virar sem a minha ajuda?

Dorian mordeu os lábios com furor, olhou para o restante do conselho e viu que aquela seria sua primeira grande decisão como ministro. E como toda grande decisão, havia dois pontos de vista a serem considerados. Caso ele não enfrentasse Uric seria taxado como um ministro covarde logo em seus primeiros minutos, mas se ele ordenasse a prisão do Guardião Chefe de Warren, ele sabia que seus dias de glória estariam contados. Não havia homem ou mulher mais eficiente para o cargo do que Uric Scheiffer, sem ele no comando das milícias, qualquer rebelde tomaria o controle da situação. Encurralado decidiu.

- Deixe estar, então. Este conselho não apresentará queixa contra Bernardo Mecflex. – Dorian teve muita dificuldade em pronunciar a próxima frase – Mas não pagará a ele nem um mísero centavo pela fórmula. O Conselho está dispensado.

Gulemarc aproximou-se de Bernardo, ainda emudecido pelo feitiço, e apontou a varinha para o rosto do rapaz com um ódio que lhe consumia os miolos.

- Você sabe que eu seria capaz de matá-lo aqui mesmo, não é? A seu filho da mãe! Por esta você me paga, e pagará um preço altíssimo! Perdi muito dinheiro hoje e pôs em risco o meu cargo. Já tive que derrubar muitos obstáculos para chegar até aqui e deles você é o menor. Não se meta no meu caminho outra vez, entendeu? Talvez não haja tantas pessoas para testemunhar contra mim na próxima ocasião.

Dorian vazou pela porta e adiantou-se até o elevador. Kal ainda pôde ver seu rosto extremamente nervoso antes que as portas do elevador se fechassem.

- Findar Spellis! – disse Cacius se aproximando de Bernardo.

- Obrigado professor. – falou enquanto massageava a garganta.

- Foi muita coragem sua peitar Dorian daquela maneira.

- Eu não podia me calar enquanto aquele miserável enriquecia.

- Meus parabéns, meu jovem. – disse Uric dando um tapinha nas costas de Bernardo.

- Obrigado por me livrar da prisão.

- Eu nunca permitiria isso.

- Dorian é um cara-de-pau! – falou Saguior unindo-se ao grupo – E agora, como ministro sabe-se lá o que ele vai fazer. Sinto vontade de esmagar aquele cabeça miúda. Quebrar o corpo dele ao meio como uma vareta!

- Acalme-se, Saguior, acalme-se.

- Tudo bem, Cacius. Não vou dizer que também sinto vontade de afogá-lo numa privada.

Kal soltou uma pequena gargalhada facilmente abafada por sua mão.

- Gostaria de nos perguntar algo, Kal? – indagou Cacius olhando-o fixamente.

- Sim. E como ficou minha situação? Eles querem me entregar para Kricolas?

- O Conselho votou que não. Após descobrirem que você possui o Enid de Donnovan, o Conselho percebeu que só estaríamos armando o inimigo e não o contrário.

- Entendo. Meu pescoço já se sente mais à vontade sabendo disso.

- Bem, acredito que devemos ir agora. Amanda deve estar nos esperando para o almoço.

- Até mais, professor. Boa sorte em seu segundo ano em Avalon, Kal – despediu-se Bernardo.

- Nos vemos por aí, então, Cacius. – prosseguiu Uric – Ah, Kal, quando você, a Guine e o Daimon quiserem ir lá para casa enviem uma carta para o Ralph que iremos buscá-los. Ele ficará muito contente com a visita de vocês.

- Ok. – disse o garoto.

- Nos vemos em outra ocasião. – disse Cacius acenando gentilmente com a mão direita e com a outra guiando Kal até a saída – Aprendeu algo interessante com Saguior hoje?

- Sim. – respondeu – Ele me ensinou uma maneira de se defender.

- Defender? De quem?

- Kricolas. – disse Kal secamente.

- Como se você estivesse planejando ir atrás dele. – falou Cacius num sorrisinho insinuativo.

- Não, é claro que não. Jamais cometeria essa loucura. – mentiu Kal, mas achou que não convencera o professor.

- Sei. – prosseguiu enquanto já andavam pelas ruas esbranquiçadas de Celacanto – Viviane já está a nos esperar, veja.

A mulher de pele clara e cabelos loiros aproximou-se com a sua gôndola vazia, a luz bruxuleante da lamparina em sua ponta iluminava a superfície da água. Viviane esticou uma das mãos para Cacius, auxiliando-o na subida, logo depois fez, o mesmo com Kal. Após acomodarem-se, a mulher abriu os braços e a gôndola partiu, fez uma curva de cento e oitenta graus e partiu rumo ao topo da cidade. O barco levitou e deixou um rastro de água enquanto subia até o teto da caverna. Antes que ele colidisse, no entanto, a visão de Kal foi ofuscada por uma forte luz e quando deu por si estava sendo iluminado por um brilhante sol acima deles.

- Pode nos levar até à margem, Viviane? – perguntou Cacius docemente.

- Sim, professor. – respondeu.

A gôndola prosseguiu viagem envolta em uma luz branca que os escondia. Estavam sozinhos no lago naquele momento, mas as ruas ao redor estavam lotadas por carros e pedestres. Crianças corriam nas margens do outro lado da casa de Kal e seria traria suspeitas uma gôndola medieval trafegar em um lago de cidade moderna.

- Obrigado pela carona. – agradeceu Kal saltando com entusiasmo para terra firme.

- Espero vê-lo em breve, Cacius. – disse Viviane.

- Espero.

Ao ouvir as vozes em seu quintal, Amanda Foster enfiou a cabeça pela janela da cozinha e se apreçou a sair pela porta dos fundos. Correu em direção aos dois, quando chegou Viviane já havia partido. Aflita, ela abraçou o filho fortemente e disse:

- Estava tão preocupada.

- Não havia com o que. – garantiu Cacius – Tudo correu bem por lá.

- Exceto Dorian ter sido escolhido para ministro.

- Isso foi um detalhe, Kal.

- Mas professor, o senhor não foi escolhido? – indagou Amanda de olhos arregalados.

- Tive que recusar, mais uma vez.

- O senhor foi indicado? – questionou Kal duvidoso.

- Sim, mas Avalon me consome bastante tempo e não pretendo parar de lecionar para assumir um cargo no governo.

- Professor Cacius, o senhor não acha que teria sido mais prudente aceitar? O senhor sabe que Dorian Gulemarc é um inconseqüente e irresponsável. – disse Amanda.

- Sim, mas o Conselho terá que perceber isso sozinho. Como eu disse, não pretendo abandonar Avalon. Sou responsável pela escola.

- Entendo. É uma pena que o senhor não possa. Sentiria-me muito mais segura com você no cargo.

- Agradeço pela sua confiança, Amanda.

- Meu filho, vá almoçar logo. Lembre-se que devem estar prontos para sair à tarde.

- Mãe, vamos sair quando estiver quase anoitecendo.

- Sim, sim. Mas é bom se apreçar. – falou ela não dando bola para o que ouvira do filho – Vamos entrar também, professor. Fiz um prato que o senhor adora.

- Feijão tropeiro? – quis saber.

- Bingo!

Fartos de tanto comer, os cinco ajeitaram seus corpos pesados no sofá da sala enquanto assistiam ao jornal local, que iniciou exibindo imagens do litoral rio grandense. Seguindo-se por uma programação do verão.

- Como é festeira essa gente. – comentou Fred, o guarda de Warren, que só agora fora notado no parapeito da janela.

- Bom dia, Fred. – saudou Cacius – Como andam as coisas?

- Seguindo, sabe?

- Não. – disse o professor.

- Oras, trabalhando, lambendo-se e cuspindo bolas de pêlo.

- Oh sim, que higiênico. – falou Daimon.

- É difícil manter o sigilo. Essa vizinhança me persegue. Ainda ontem, aquela Alexia me enxotou da casa dela com uma vassoura.

- E por quê? – perguntou Kal.

- Porque eu estava bebendo numa vasilha de leite.

- Só por isso? – ironizou o garoto.

- Pois é. – prosseguiu – Mas essa gente é fanfarrona mesmo. Ainda hoje três casas esvaziaram-se. Seus donos viajaram para Salvador, na Bahia.

- Anda cumprindo bem o seu papel de vigilante, Fred. – elogiou Cacius – Onde está Stuart?

- Ontem ele foi até Warren. Parece que prenderam um primo dele por engano, sabe? – respondeu – Aí ele foi livrar a cara do parente. Logo deve estar de volta.

- Compreendo. – disse agora Amanda – Os garotos vão sair hoje à noite com uns vizinhos, então gostaria que um de vocês os acompanhasse.

- Oh, mas aonde eles vão? – perguntou por curiosidade.

- Ao parque. – respondeu Kal.

- Ah sim, você vai com a família da sua namorada, não é?

- Ela não é minha namorada. – retrucou Kal corando.

- Que gracinha. – debochou Fred – Bem, agora tenho que ir. Está na hora da minha ronda.

- Até mais. – disse Amanda.

- Ok, até. Não se preocupe, senhora Foster. Eles estarão bem seguros comigo. Vou chamar a Katrini também.

- Ah, sua namorada. – disse Kal vingando-se.

- Bem garoto, cães e gatos não combinam. – disse o guarda retirando-se com um abanar de cauda.

- Os Chiabai passarão aqui para nos buscar ou iremos até a casa deles? – indagou Daimon.

- Podemos esperá-los na praça. – respondeu Kal.

- Certo. – concordou o irmão – Às dezoito horas, não é?

- Isso.

- Parece que terão uma boa noite de divertimento hoje. – falou Cacius sorrindo – Há anos eu não vou a um parque.

- Por que não os acompanha, professor. – sugeriu Amanda.

- Não, hoje não posso. – respondeu – Tenho sérios compromissos em Avalon. Preciso aprontar a escola para receber os novos alunos em fevereiro.

- Tudo bem, então.

- Não se preocupe tanto, Amanda. Os guardas de Warren são competentes no que fazem. – falou Cacius retirando um relógio prateado do bolso e conferindo as horas disse – Bem, já passou da minha hora para falar a verdade. A Rainha Eva disse que gostaria de me ver depois do almoço, não sei do que se trata, mas conhecendo bem aquela elfa não deve ser nada de muito importante. Contudo, ela é a rainha da cidade onde fica o meu castelo, preciso atender a este pedido.

- Até mais então, professor. – despediu-se Amanda – Quando o veremos novamente?

- Não sei responder isso. Depende de como as coisas andarão na Cidade dos Elfos, mas é provável que só os veja no próximo mês. – disse com os olhos concentrados em Amanda – Até mais garotos.

Após a despedida, Cacius transformou-se em uma fumaça roxa e desapareceu.

- Garotos! Acho que seria prudente vocês dormirem esta tarde para não ficarem como zumbis à noite.

- Mãe! – questionou Kal – Dormir?

- Sim, sim, sim. Durmam, quando estiver chegando a hora eu os acordo e vocês se aprontam.

- Mãe... – suplicou Daimon.

- Já! – disse em tom petulante.

Amanda perambulou pela casa por toda a tarde enquanto Kal, Guine e Daimon descansavam para aproveitarem a noite. Ela andou pelos jardins, assistiu novela e quando os ponteiros do seu relógio de pulso sinalizaram dezessete horas, ela deixou de banhar os pés na água da lagoa e correu até o segundo andar da casa para acordar os três.

- Meninos! Levantem! – disse Amanda cutucando Daimon e Kal no ombro – Depressa! Guinevere já está se aprontando.

Daimon e Kal levantaram-se num salto e pouco mais de meia hora depois os três já esperavam pelos Chiabai na praça, sentados nos balanços. Não demorou até que Alexandre Chiabai saísse da garagem com o seu sedan prateado e buzinasse para os três.

- Boa noite, senhor e senhora Chiabai. – cumprimentaram os três.

- Boa noite.

- Oi, Sara. – disse Kal ao entrar no carro e sentar-se ao lado da garota.

- Oi! Oi, Guinevere, Daimon. – disse acenando alegremente.

Os dois sorriram e entraram sem cerimônias.

Durante o caminho até o parque, Alexandre Chiabai sugeriu que antes de irem ao parque de diversões andarem nos brinquedos eles deveriam primeiro assistir à apresentação do Circo Tombada, anexo do parque.

- Existem ótimos mágicos lá. Gosta de truques, Kalevi? – perguntou o homem.

Kal apertou sua varinha contra o próprio corpo e assentiu com a cabeça, um sorriso estranho moldado no rosto.

- Devem haver palhaços lá também. – disse Mara.

- Palhaços? – perguntou Daimon duvidoso.

- Sim. Aqueles que usam uma muita maquiagem, um nariz vermelho, sapatos grandes e contam piadas. – descreveu Mara Chiabai.

- Não me lembro, é como mamãe disse. Faz tempo que não vamos a um... um... é...

- Circo! – completou Guinevere vendo que o amigo estava embaralhado nas palavras.

- Isso mesmo, circo. – aprovou Daimon sem graça.

Aquele dia o trânsito não estava muito movimentado, Alexandre pisou um pouco fundo no acelerador e em poucos minutos eles chegaram ao parque-circo. Sob a iluminação de um enorme letreiro digital estava a entrada do Parque Vitoriano. Uma montanha russa de aço dava a volta pelo parque com subidas e descidas que embrulharam o estômago de Kal apenas de olhar as pessoas gritando lá do alto.

- Olhem isso! – falou Daimon apontando para uma construção de madeira de dois andares, em estilo casa abandonada, janelas de vidro estilhaçadas e na varanda um trilho com três carrinhos em forma de um crânio humano.

- É um Trem Fantasma? – informou Sara.

- Com fantasmas de verdade? – perguntou Daimon muito intrigado.

- Bobo. – sorriu Sara – Como se existissem.

- O que ela quis dizer? – cochichou com Guine enquanto continuavam andando.

- Vamos ao circo, pessoal? – chamou Alexandre guiando-os por entre a multidão de pessoas que se estendiam da entrada do parque até a extremidade final onde estava a entrada da montanha russa.

Na entrada do Circo Tombada, alguns animais estavam expostos ao lado de seus treinadores. Um que chamou a atenção de Kal foi um elefante com suas presas de marfim bem desenvolvidas, mas ainda assim era facilmente preso por uma fina corda presa a um pedaço de madeira enterrado no chão.

- Isso não é perigoso? – perguntou Guine ao reparar como o elefante era mantido preso.

- Quando os elefantes são pequenos, os treinadores amarram suas patas com correntes e as prendem em grossas estacas de madeira. Mesmo depois de adultos, os elefantes acham que estão fortemente presos, e não tentam escapar com medo de machucarem a pata. – esclareceu Alexandre.

- As pessoas estão entrando! – informou Mara – Vamos antes que não sobrem mais lugares.

Os seis entraram em uma pequena fila que começava a se formar diante da entrada do circo e menos de cinco minutos depois estavam procurando lugares nas arquibancadas. O circo tinha o formato de um pedaço de pizza, com o picadeiro na extremidade e o restante do espaço ocupado por uma arquibancada dividida ao meio pelo corredor de entrada, tudo coberto por uma gigantesca lona vermelha e amarela.

As luzes já se apagavam para dar início ao espetáculo quando Kal, Guine, Daimon e os Chiabai finalmente sentaram-se em lugares tão próximos ao picadeiro que podia ver-se o apresentador com mínimos detalhes.

Um homem alto, encorpado, de olhos gananciosos e que usava um terno preto com sapatos tão lustrados quanto os cabelos grisalhos cuidadosamente penteados para trás, segurava um microfone na altura da boca e após uma rápida olhada pela platéia disse em voz entusiasmática:

- Senhoras e senhores! É com grande orgulho que o Circo Tombada inicia o show de hoje, com as arquibancadas cheias de abelas donzelas e o nosso picadeiro de talentos. – falou em um sorriso cínico – Para iniciar a noite, direto dos pampas, apresentamos os maiores trapezistas do Brasil!

Só agora Kal reparara que enquanto o apresentador falava, uma cama elástica era montado sobre o picadeiro e agora dois trapézios desciam do alto da lona com um casal vestidos em uma roupa colada ao corpo.

O casal realizou feitos realmente incríveis e impensáveis para Kal, como o salto mortal. Prosseguindo, o apresentador chamou um ilusionista que retirou da cartola um coelho, fez uma mulher de vestido levitar, transformou papel em pomba e cortou sua assistente de palco em três pedaços.

- Eles são incríveis, não? – comentou Mara para os garotos – Parece tudo tão real!

- É claro. – concordou Kal rindo-se por dentro imaginando o que a senhora Chiabai não diria caso o visse usando a varinha – Realmente muito real.

- É como se ele também fosse um bruxo. – disse Daimon.

- Também? – questionou Sara.

- Ah, nada. – desvencilhou.

Após reagrupar a cabeça, o tronco e as pernas da assistente em uma grande caixa colorida, o mágico fez soltar de sua varinha uma grande quantidade de fumaça e com isso desapareceu do picadeiro.

- Ótimo truque hoje, amigo! – comentou o apresentador – Agora, eles que são a graça de todo o circo! A paixão das crianças e o amigo dos adultos! Senhoras e senhores, os palhaços!

De trás do picadeiro, um barulho como ronco de motor de carro velho rompeu por todo o circo e segundos mais tarde uma miniatura de fusca surgiu trazendo dentro dele cinco palhaços, todos com roupas e perucas coloridas, sapatos números maiores que os pés, maquiagem exagerada e narizes vermelhos. Os palhaços tinham um andar desengonçado e davam tapas em suas nucas. Kal, Guinevere ou Daimon jamais viram um palhaço e encarar aquelas figuras estranhamente fantasiadas era demasiado desconfortante. Um dos palhaços retornou de onde vieram e dessa vez trouxe consigo o elefante que eles haviam visto na entrada do circo.

- Para que isso, Risadinha? – perguntou o apresentador ao palhaço que conduzia o elefante – Vai chamar alguém da platéia?

O palhaço agitou a cabeça freneticamente enquanto entregava a ponta da corda a qual o elefante estava preso ao apresentador. Dirigiu-se então à platéia e buscou por um voluntário. Alguns levantaram a mão em oferecimento, mas ao que parecia, Risadinha já havia feito a sua escolha. Ele caminhou entre as primeiras fileiras e parou bem em frente a Kal.

- Vai. – disse Alexandre já levantando o garoto sem mesmo que ele aceitasse ou não.

Ele conduziu-o por entre as pessoas e caminhou em direção ao elefante que estava muito bem comportado.

- Sobe. – disse o palhaço apontando para uma cela presa ao dorso do animal.

- Quer que eu suba nele? – perguntou Kal incrédulo.

- Sem cerimônias, anda logo. – disse o palhaço irritando-se e abandonando a máscara de gentileza e bom humor.

Uma pequena escada foi providenciada para auxiliar Kal em sua subida e depois de ajeitar-se na pequena cela ele sentiu o animal se balançar e percebeu que o elefante estava sendo conduzido pelo picadeiro. Como em um desfile, os dois, elefante e garoto, rodearam o lugar e Kal começava a sentir um sacolejo incomodo em seu estômago. Sem mais explicações o elefante parou em frente ao corredor que dava acesso à saída e balançou a tromba inquieto. O palhaço tentou acalmá-lo, mas parecia inútil. O animal estava fora de controle.

Da platéia, Guine e Daimon já estavam de pé temendo algum acidente com Kal que parecia ficar roxo em cima do bicho. O próprio garoto não entendia o que estava acontecendo. Mantivera-se comportando durante a apresentação e tinha toda certeza de que não machucara o elefante. Kal olhou ao redor para tentar entender o motivo daquela agitação e inusitadamente viu uma figura desagradável no alto da lona do circo. Um Griphon.

Ele os vira por várias vezes em seu primeiro ano em Avalon, eram criaturas realmente assustadoras. Tinham uma pele amarela e enrugada encobrindo um corpo esquelético, vários dentes pontiagudos, orelhas pontudas como as de morcegos, garras tão afiadas quanto navalhas e um olhar gelado e penetrante.

O que eles fazem aqui? Indagou-se.

Antes que sua pergunta pudesse ser respondida pelo seu próprio inconsciente ele foi derrubado pelo elefante e quando abriu os olhos reparou que o Griphon não estava mais dentro do circo, mas ainda assim o elefante mantinha-se alterado. Os palhaços que não estavam tentando acalmar o animal orientavam as pessoas a saírem de forma a ficarem em um lugar seguro. Kal levantou-se rapidamente com medo de ser esmagado por uma das poderosas patas do animal, no entanto permaneceu no picadeiro vasculhando o lugar a procura do Griphon. Ele realmente havia desaparecido, assim como toda a platéia. Somente ele estava sob a lona com o elefante descontrolado e os palhaços.

Kal olhou de um lado para o outro temeroso e passou por sua cabeça que algo deveria ser feito para controlar o elefante. Ele sacou a varinha de dentro das vestes mirou no gigantesco alvo percebendo que dali nenhum dos palhaços poderia vê-lo. Dizendo em um tom de voz que não poderia ser facilmente ouvido Kal disse:

- Mórfinus! – o filete roxo iluminou fracamente o picadeiro e acertou o elefante em cheio que tremeu em suas pernas e amoleceu a tromba.

- Kal! – chamou uma voz e o coração do garoto quis sair pela boca. Devagar, ele virou o pescoço para o lado e viu uma assustada Sara encará-lo curiosa.

- Sara... – disse apressando-se em esconder a varinha nas costas – Há quanto tempo voc...

- Está tudo bem com você? – perguntou ela interrompendo o garoto abruptamente – Todos já estão lá fora.

- Sim.

- Que modo estranho para um elefante de circo agir. – disse ela quando já saiam do circo.

- É...

- Mais estranho ainda foi a maneira como ele parou. – ao dizer isso Kal deu um forte soluço.

- Tem certeza de que está bem? – insistiu.

- Tenho sim. Mas, o que você estava fazendo lá dentro ainda?

- Fui te ajudar. – respondeu.

- Mas viu alguma coisa? – perguntou com medo da resposta.

- Vi um elefante parando de repente depois que uma luz roxa se acendeu.

- Ah sim! Luz roxa. Deve ter sido alguém do próprio circo.

- Kal! – disse Guinevere se aproximando do garoto e dando-lhe um forte abraço – Está tudo bem com você?

- Estou. Estou.

Antes que Daimon ou os senhores Chiabai perguntassem também ao garoto se estava, realmente, tudo bem com ele, o palhaço que o colocara no meio de tudo aquilo apareceu correndo para averiguar melhor a situação.

- Não se machucou não é? – perguntou encarando Kal da cabeça aos pés – Temos um ótimo pronto-socorro aqui mesmo. Se precisar procure-me.

- Estou bem, sério. Não tem com que se preocupar.

- Desculpe-nos pelo acidente. Isso nunca aconteceu antes, mas foi nossa culpa.

- Não, não foi. – disse Kal arrependendo-se de ter pronunciado-se – Quero dizer, essas coisas podem acontecer a qualquer um, não?

- Tudo certo então, mas se desejar ajuda pode me chamar. – falou o palhaço convencido de que ainda seria útil e saiu tristonho com seus sapatos vermelhos e de bico largo.

Senhor e senhora Chiabai, Daimon e Guine se juntaram à Sara e Kal segundos depois. Como fizera o palhaço, checaram se eles estavam bem e resolveram que aquele incidente não iria estragar o resto da noite. O parque de diversões estava vazio aquele dia, o que era ideal para aproveitar todos os brinquedos, sem perder tempo em filas desnecessárias.

- Por que não vamos ao Trem Fantasma. – sugeriu Sara apontando para a casa de dois andares que lembrava uma construção abandonada.

- Então vamos. – disse Alexandre.

Os seis seguiram até a bilheteria para comprar os ingressos. Comprados, Daimon e Guinevere foram os primeiros a entrar nos carrinhos em forma de crânio com assento para dois. Alexandre e Mara subiram no próximo. Kal e Sara ainda ficaram do lado de fora alguns minutos até que um terceiro carrinho saísse de dentro da casa.

- Você não tem medo? – perguntou Kal.

- Da casa? – disse incrédula – É tudo de mentirinha. Se tiver medo pode segurar na minha mão. – Kal sentiu seu rosto corar e resolveu não dizer mais nada – Olhe! Chegou o nosso.

Um casal de namorados desceu do carrinho, a garota estava pálida e por alto, Kal escutou ela dizer:

- Você viu aquela criatura amarela? Parecia tão real...

Kal sentiu um forte arrepio na espinha e seus pés fincaram no chão. Agora ele tinha certeza. Havia Griphons ali.

- Sara não podemos entrar. – advertiu.

- Já disse que não precisa ter medo. Vamos logo. – inocentemente ela puxou Kal pelo braço como se nada estivesse acontecendo e forçou-o a sentar-se ao seu lado – Não se preocupe. Não vai nos acontecer nada.

- Não tenho tanta certeza...

O carrinho começou a se movimentar seguindo um trilho de metal, após o primeiro metro ele acelerou tanto que as portas da casa ficaram perigosamente próximas, pois elas não se abriram de imediato. Somente quando estavam há poucos centímetros de distância Kal percebeu que não eram portas, e sim cortinas pintadas. O pano cedeu ao carrinho que entrou com ainda mais velocidade, passando por teias de aranha e por bonecos fantasiados de vampiro. Kal não estava preocupado com a figuração e sim com o perigo real. Griphons no parque não era boa coisa.

- E então? Está com medo? – perguntou Sara.

- Nem um pouco.

O carrinho deu algumas voltas no primeiro andar descendo por um rápido túnel cheio de aranhas mecânicas e gosma verde. Quando embalaram para a subida depararam-se com uma escada de madeira completamente destruída e nem um trilho.

- Vamos bater! – disse Kal.

Sara não pode esconder o rosto pálido, mas logo depois dos trilhos surgirem por baixo da escada ela soltou um pequeno sorrisinho, como se achasse Kal um autêntico medroso.

O segundo andar era ainda pior que o primeiro. Caixões pendiam do teto com seus cadáveres amostra, espantalhos com cabeças de abóbora passaram na frente deles seguros por cabos de aço. Um deles passou tão perto que Sara teve que agarrar a mão de Kal para conter o medo.

- Desculpe. – disse retirando a mão.

O carrinho guiou-os até um quarto em que as luzes dos abajures piscavam incessantemente. Cabeças em miniaturas subiam e desciam como iô-iôs e um grito fantasmagórico reverberava entre as paredes. A janela recebia a fraca luz bruxuleante vinda do parque, mas não era possível ver o que se passava lá fora. Sem mais explicações, o carrinho parou com um rangido metálico.

- O que houve? – indagou Kal.

- Deve ter acabado a energia.

- Todo o parque ainda tem energia. – prosseguiu Kal observando pela janela toda a iluminação do lado de fora – Eu vou descer.

- Kal, espera. Deve fazer parte do brinquedo.

Por um segundo Kal pensou que Sara poderia estar certa, mas se deu conta de que os gritos fantasmagóricos não estavam mais ecoando e que as lâmpadas haviam apagado.

- Alguma coisa está errada. – insistiu Kal.

Um som rouco e extremamente familiar reverberou por entre a sala e a garota reativou seus ânimos de menina aventureira.

- Sara corre! – exclamou Kal vendo que um Griphons havia entrado no quarto.

- Kal! Pára! Fica no carro!

- Eu disse corre!

Neste momento um Griphon saltou para cima de Sara que cobriu o rosto com o braço para se proteger das garras de navalha e dos esbranquiçados dentes de cerrinha. Mais do que depressa, Kal posicionou-se entre os dois encostando com as mãos no peito da criatura e arremessou-o contra a parede.

- Vem comigo. – disse Kal estendendo uma das mãos para Sara.

Assustada, ela aceitou a ajuda sem problemas. Os dois correram até a porta, mas não conseguiram abri-la.

- O que faremos? – perguntou ela atemorizada – O que está acontecendo?

Kal olhou para o alto e agarrou uma das cabeças que estavam penduradas e atirou em direção a janela e quebrou uma parte do vidro.

- Olhe o que está acontecendo lá fora! – disse Kal percebendo que um segundo Griphon estava entrando dentro do cômodo atravessando o teto.

Sara concordou após averiguar se a criatura ainda estava inconsciente no chão. Kal esperou que ela estivesse bem distraída para que ele pudesse usar a varinha. O momento certo chegou quando Sara pegou um pedaço de madeira do chão e usou para quebra o restante do vidro da janela.

- Pelínculo! – falou Kal bem baixinho. O feitiço acertou o Griphon no teto provocando um grande clarão roxo.

- O que foi isso? – perguntou a garota olhando para trás de supetão.

- A... a lâmpada... ela acendeu e apagou. – disse disfarçando.

- Roxa? – disse de forma duvidosa – Venha ver! O todo mundo está correndo.

Kal franziu o cenho e se aproximou rapidamente da garota para observar o que se passava do lado de fora. Pessoas gritavam de um lado para o outro desesperadas, Griphons corriam e saltavam entre os brinquedos causando medo e com certeza muito pânico.

- Olhem meus pais! – disse Sara apontando para Alexandre e Mara Chiabai que estavam encurralados por dois Griphons entre a lona do circo.

Droga! Não posso fazer nada daqui sem que Sara me veja. Praguejou Kal.

Antes mesmo que outro pensamento corresse por seus nervos, um lampejo rosa atravessou o chão empoeirado do parque e acertou os Griphons dos Chiabai, engolindo as criaturas em uma luz fluorescente intensa.

- De novo! – disse – Você viu aquilo?

- Vi. – confirmou, já que não poderia fazer diferente. Só uma pessoa que eu conheço produz uma luz rosa. Guinevere. Pensou – Vamos descer pela janela.

Kal ajudou Sara sentar-se no parapeito da janela e ficar de pé no telhado da varanda da frente, onde embarcaram no carrinho.

Antes que ele se juntasse a Sara, certificou-se de que o Griphon que ele jogara contra a parede não os importunaria mais.

- Pelínculo!

Kal subiu no telhado e viu que o olhar incerto de Sara fitá-lo.

- Acendeu de novo... – falou sem graça.

- Tudo bem, vamos.

Agarrados à parede, os dois se aproximaram da beirada onde desceram por uma escada de madeira convenientemente posicionada.

- Sara! – gritaram Alexandre e Mara em coro agitando os braços para que ela pudesse vê-los.

- Olha lá! – disse a garota.

Os dois correram agilmente, passando por algumas outras pessoas que corriam na direção oposta.

- Vocês estão bem? – indagou Alexandre abraçando a filha.

- Kal, seu braço... – falou Sara apontando para o garoto, que só agora percebia estar com o braço sangrando, provavelmente quando impediu que o Griphon atacasse Sara.

- Não é nada.

- Deixe-me ver isto. – disse Mara já segurando o braço dele – O corte não é tão profundo, mas precisa de um curativo rápido.

Sem aviso, um Griphon rasgou a lona atrás deles e puxou Kal com toda a força para dentro do circo.

- Kal! – berrou Sara quase que aos prantos.

Antes de ser arrastado até o picadeiro, Kal ainda viu que outro Griphon atacou Mara e Alexandre, distraindo-os, mas não foi o suficiente para que Sara segui-se os rastros do primeiro.

Kal fora largado no meio do picadeiro. Todo o lugar estava engolido pela escuridão e pelo som rouco das criaturas. O ar gelado penetrava nas narinas de Kal e estremecia todo o seu corpo, como se fosse navalhar de puro gelo cortando-lhe as veias dos braços e das pernas.

Ele olhou para os lados, mas não viu nada. Apenas ouvia o som rouco dos Griphons e ao longe um grito desesperado de Sara que estava perdida naquela escuridão. Ao longe, onde a lona foi mexida, certamente não pelo vento, mas por alguém. Uma luz fraca foi acesa somente para revelar a Kal um conhecido e gigantesco par de asas de morcego rasgada.

- O que você quer, Kricolas? – perguntou Kal perdendo a noção do perigo que corria estando sozinho ali.

Com um estalo que reverberou pela lona vermelho sangue, um holofote foi aceso em cima do picadeiro, iluminando Kal por completo. Ele olhou para os lados e espantou-se ao ver mais de vinte Griphons em posição de ataque, todos a sua frente com olhares famintos. O inconfundível som rouco estava preso em sua mente, deixando-o tonto e inconsciente. Era isso o que eles faziam. Desnorteavam a presa para poderem derrubá-la com facilidade.

Num misto de alegria e desapontamento, Kal ouviu a voz de Sara se aproximar a largos passos, saltando a proteção que separava o picadeiro da arquibancada e abraçando o garoto rapidamente.

- Quem são eles? – perguntou com a voz trêmula.

- Eu não sei... temos que sair daqui...

- Faz alguma coisa, Kal. Por favor...

- Mas... mas o que eu posso fazer?

-Você pode. Eu sei que pode... eu já vi você fazendo...

- O quê?

- Kal, a luz roxa, usa a luz roxa, como você fez quando caiu do elefante e lá na casa.

O coração de Kal saltou até a garganta ao descobrir que Sara sabia que ele tinha poderes, mas achou que ela não sabia muito mais do que isso. Mesmo assim ponderou se deveria, realmente usar o Pelínculo na frente dela. Mas a situação ficava cada vez mais crítica. Os Griphons já estavam se aproximando e quando três deles saltaram, Sara olhou nos olhos de Kal e implorou pela última vez:

- Por favor...

- Égide Silver! – uma poderosa bola prateada envolveu-os rapidamente e os três Griphons tiveram a sensação de baterem em uma parede de concreto.

Sara abriu os olhos e abraçou Kal mais fortemente, que a envolvia com o braço esquerdo enquanto mantinha o feitiço com a mão direita. Os vinte Griphons insistiram em atacá-los mesmo eles estando protegidos pelo escudo. A insistência das criaturas foi premiada com a primeira rachadura no escudo.

- Kal... – suplicou Sara.

- Não vou agüentar por muito mais tempo. – disse já sentindo os joelhos cederem com o peso do corpo.

- Fechem os olhos! – gritou uma voz vinda da entrada do circo – Pelínculo!

Uma luz azul intensa clareou todo o ambiente provocando também um forte vento que soprou os Griphons para o outro plano, o astral.

Quando a luminosidade voltou ao normal, Kal observou quem usara o feitiço, imaginando que pudesse ter sido Daimon, mas enganou-se completamente. Havia outro bruxo ali com eles. Um que Kal jamais vira como bruxo e sim como palhaço.

Risadinha aproximou-se dos dois ainda com sua maquiagem e roupa de palhaços, porém sem a peruca e os sapatos exageradamente grandes.

- Em nome da Guarda Armada de Warren, vocês estão bem? – perguntou apreensivo.

- Sim, estamos... – disse Kal conferindo Sara, que tremia em seu ombro.

- Vamos sair! Depressa.

- O que está acontecendo afinal? Quem é você? – indagou Kal para o bruxo a sua frente.

- Ataque de Griphons. Ivo Gostuânia, enviado especial de Warren para defender os Foster.

- Você apareceu bem na hora. – falou Sara – Kal, obrigada por me proteger.

- Não vamos fazer agradecimentos ainda. Depressa, para fora. Eu vou verificar se há mais algum Griphon aqui dentro. Vão!

Sara e Kal acataram a ordem do bruxo e correram o mais depressa possível até encontrarem Daimon e Guinevere próximos a um telefone público.

- Por Merlin! Que sufoco! – disse Guinevere ao verem Sara e Kal aproximarem-se apavorados – Vamos sair do parque agora!

- E meus pais? – perguntou Sara.

- Já estão nos esperando no carro. – informou Daimon – A senhora Chiabai teve um desmaio e seu pai a levou imediatamente.

- Ok, então. Vamos!

Antes que eles pudessem correr, o telefone ao lado começou a tocar. Eles encararam uns aos outros sem entender nada. Aquele era um telefone público dentro de um parque de diversões. Ninguém ligaria para ele, muito menos àquela hora e naquela ocasião. Quase nada fazia sentido. Kal tinha apenas uma certeza. Seja lá quem estivesse ligando, pretendia falar com ele.