terça-feira, 23 de outubro de 2007

Capítulo 4 - A Flor-de-Lis

Os quatro seguiram pelo corredor e formaram uma fila na porta que dava acesso ao saguão de entrada do hotel.

- Hã... Como era mesmo? – perguntou Daimon tentando se lembrar.

- Com licença. – falou Ralph cheio de pose – Saguão de Entrada – Ralph encostou a mão na parede e abriu a porta. – Viram, é tão fácil.

- Está bem. Aonde vamos primeiro? – perguntou Kal enquanto passava pela porta.

- Acho que devemos primeiro comprar os livros e cadernos. – disse Guinevere.

- Vamos agora para a Livros & Boatos. – disse Ralph referindo-se à livraria.

Os quatro entregaram as chaves na recepção e seguiram até o centro da cidade. A Cidade dos Elfos parecia ainda mais grandiosa sobre a forte luz matinal. Muitas lojas e casas, no entanto ainda era muito cedo havia poucas pessoas andando pelas ruas. Os bruxos que andavam pela cidade carregavam plantas ou animais, na maioria aves, gatos ou cachorros.

- Só isso de gente na maior cidade mágica do país? – espantou-se Daimon.

- A Cidade dos Elfos costuma ficar muito agitada nesse período antes da aula. Mas como nós madrugamos, somos uns dos únicos por aqui. – explicou Ralph – O que vocês acham de irmos logo, se demorarmos a cidade pode lotar e ficaremos sem materiais.

- Ralph tem razão. Devemos nos apressar, não temos muito tempo para comprar tudo, é só um dia, certo? – confirmou Kal.

- Não vamos mais perder tempo. Iremos direto para a Livros & Boatos. – disse Guinevere decidida.

Mais uma vez os quatro seguiram pela Cidade dos Elfos, mas desta vez tinham destino certo. De longe puderam avistar a livraria, não era difícil reconhecê-la, já que não havia muitas lojas com a forma de livros empilhados. Havia uma pilha de livros desalinhados na horizontal ao lado de um único livro que estava perpendicularmente posicionado ao lado da pilha. No livro da parte mais alta da horizontal estava escrito “Livros &” e no da vertical “Boatos”, formando assim a fachada original da loja.

- Essa loja é incrível. Imaginem como ela é por dentro. – disse Daimon tentando visualizar mentalmente o interior da loja.

- Só vamos saber quando entrarmos. – falou Kal cortando o irmão.

A Livro & Boatos era realmente incrível, não era só pelo lado de fora, as colunas internas também eram feitas com livros empilhados.

Havia vários bruxos escolhendo e comprando materiais, no canto da loja havia uma escada que dava acesso ao segundo andar, e era lá que estavam os livros que eles precisavam, no primeiro andar, Kal, Daimon, Ralph e Guine puderam comprar seus cadernos, pergaminhos, penas e tinteiros para escrita.

Quando todos estavam com suas cestas de compras abastecidas com estes materiais, os quatro subiram até o segundo andar para pegarem os livros. Daimon seguiu na frente ansioso para vê-los.

- Acalme-se, Daimon. – disse Guine.

- Não consigo, eu quero meus livros. – respondeu afoito.

Daimon enfiou a mão no bolso da calça e retirou sua lista de materiais.

- Primeiro, onde está o Livro de Feitiços Vol. I? – perguntou olhando de um lado para o outro.

- Na seção de feitiços – respondeu Kal secamente – pelas barbas de Merlin, não sei a quem este garoto puxou. Quanta impaciência!

- Quem fala! – disse Guinevere olhando torto.

Daimon seguiu para um canto do segundo andar, onde uma placa em madeira entalhada que estava pendurada no teto indicava que ali estavam os livros de feitiços. O garoto saiu correndo e quase escorregou no chão de madeira polida.

- Daimon, eu disse para você não se apressar. – ralhou Kal.

- Eu estou bem, estou bem. – disse Daimon se equilibrando – Está aqui, Livro de Feitiços Vol. I, por Érica Poubell.

- Então está certo, cada qual pega o seu. – falou Ralph.

Depois de pegar o livro, Kal parou por um instante e leu um outro título que estava na instante ao lado, “Aqueles segredos”, Kal pensou em colocá-lo no meio dos seus materiais, porém, ele viu uma etiqueta presa ao livro, uma nota que informava que bruxos não formados não poderiam comprá-lo.

- Quem sabe um dia. – falou em um leve suspiro.

- Seguindo a lista... Poções. – falou Ralph.

- Está do outro lado. – disse Guinevere apontando para a placa na outra extremidade do segundo andar.

Com mais alguns passos eles chegaram até a seção de poções. Outros três bruxos estavam procurando por livros.

- Bom dia garotos! Por favor, vocês podem nos ajudar? - perguntou um homem que estava com uma capa de chuva amarela.

- É claro. – respondeu Daimon.

- Vocês poderiam nos dizer onde está a seção de feitiços? – pediu.

- Sim! É naquele canto. – apontou Daimon para o lugar de onde tinham vindo, neste momento uma pessoa alta e magra, toda encapuzada, estava saindo com um livro e Kal teve certeza de que era o livro que vira a pouco, “Aqueles segredos”. – estão vendo? A seção é a mesma que aquela pessoa acaba de sair. – informou Daimon prontamente.

- Obrigado garoto. Tenham um bom dia. – disse o homem acenando para que os outros dois homens, também de capa de chuva, o seguissem.

Kal viu a pessoa alta, descer com o livro e passando pelo caixa para comprá-lo. Depois que a viu sair da loja ouviu-se um grito vindo da seção de feitiços.

- Maldição! – gritou o homem de amarelo.

- Maldição é do outro lado. – informou novamente Daimon.

- Fique quieto. – ordenou Kal.

Os três homens desceram as escadas freneticamente até o caixa. Alguns minutos de conversa resultaram em outro grito e a retirada imediata dos três.

- Que confusão, mas está aqui, Poções Potificantes, por Paulo Pote. – disse Daimon.

- Ótimo, menos um. – disse Guinevere – Seguindo a lista temos Relações naturais, Herba Flor.

Ralph liderou o grupo até a prateleira. Sem demora eles pegaram quatro livros e seguiram para a próxima prateleira onde pegariam o livro de História, e assim, de livro em livro eles terminaram a lista e seguiram para o caixa. Chegando lá um homem gordo os atendeu, registrou os livros com a varinha e depois passou a nota, Kal pagou com o cartão dado pela Rainha Eva e Ralph tirou dinheiro do bolso para pagar os seus. A moeda corrente entre os bruxos era o Flandres, suas notas tinham os mesmos valores que o Real dos humanos.

Indiscretamente Kal perguntou ao homenzinho de cabelos brancos do caixa:

- Quem eram aqueles três homens que acabaram de sair?

- Não sei, primeiro uma mulher esquisita comprou um livro velho, achei que nunca conseguiria vendê-lo. Já estava há muito tempo aqui sabe, acho que uns cinqüenta anos, o autor é anônimo. Eu o comprei em um leilão na Turquia, bons tempos aqueles...

- Está bem, mas e os outros três? Queriam o mesmo livro? – perguntou Kal novamente.

- É isso mesmo, não sei porque tanto interesse em um livro velho. Eles ficaram mais furiosos ainda quando disse que não havia cópias do livro que queriam. – respondeu o homem.

- Você sabe quem o comprou? – perguntou Kal.

- Não, ela apenas pagou e levou embora.

- Mas ela era uma bruxa formada? – quis saber o garoto.

- Mas o que isso interessa? – perguntou o caixa com cara de espanto. A mesma cara fizeram Daimon, Ralph e Guinevere.

- Acontece que aquele livro tinha uma etiqueta dizendo que só podia ser vendido para um bruxo formado. – respondeu Kal indignado com a negligência do caixa – Só por isso eu não o comprei.

- Escute garoto, é só um livro velho... aquela etiqueta caducou, me entende? Se cada livro tiver restrições de venda eu vou morrer de fome. – falou o homem em voz baixa.

Kal respirou fundo e saiu da loja.

- Que livro é esse, Kal? – perguntou Ralph.

- Um livro que estava na seção de feitiços – respondeu– mas pelo título, não parecia ser um livro de feitiços.

- E qual era o título? – perguntou Daimon.

- “Aqueles segredos”, não tinha o nome do autor. Só o que tinha escrito era que o livro só poderia ser vendido para um bruxo formado. – explicou pacientemente.

- E porque esse livro te atraiu tanto? – perguntou Guinevere.

- Não sei... queria saber que segredos ele continha. - respondeu Kal – talvez algo sobre Merlin, Foster ou Donnovan. – disse em clima de suspense.

- Talvez em um desses livros que compramos tenham algo sobre eles. – falou Daimon esperançoso.

Daimon e Ralph começaram a procurar em seus livros novos, começando pelo de História, em seguida o de Feitiço.

- Isso não é justo. Em todos os livros tem o nome de Merlin. – reclamou Daimon.

- E qual o problema? Merlin é o maior bruxo que já existiu. –respondeu Ralph.

- Ele não derrotou Donnovan, foi Foster. – retrucou Daimon.

- Derrotou sim, Daimon. – falou Kal.

- Como assim? – perguntou.

- Merlin foi o tutor de Foster. E isso já é o bastante para entendermos. – respondeu rispidamente.

- Não sei não, mas essa conversa está estranha, nós temos muito o que comprar, vamos! – disse Guinevere cortando de vez o assunto.

Os três garotos acompanharam a garota, ela geralmente era muito autoritária, até demais, pensava Kal às vezes. O movimento na cidade parecia estar aumentando à medida que o sol subia e ficava mais quente no céu. Para sorte deles, a grande nuvem que sustentava Avalon fazia uma sombra muito conveniente em boa parte da cidade.

Guinevere seguiu até uma pequena lojinha de madeira com uma vitrine na fachada exibindo vestidos, todos muito parecidos com os da rainha Eva, extravagante e que uma pessoa normal jamais usaria.

- O nome da loja é Vestuário. – informou Guinevere depois de ler a placa pendurada na parede da loja – vende roupas e é aqui que vamos comprar nossos uniformes.

Guinevere abriu uma porta da loja e se surpreendeu com o tamanho dela por dentro, sem acreditar olhou pelo lado de fora e para dentro novamente. Era completamente desproporcional.

No fundo da loja havia um guarda-roupa, sem portas, com a altura de três andares. A loja tinha todos os móveis em madeira e um vidro bem cristalino e reluzente. Pequenas fadinhas brilhantes voavam pela loja carregando fitas métricas e tesouras, algumas outras se agrupavam para carregar fardos de tecidos. O chão de mármore escuro embelezava ainda mais a loja. Também, ao fundo havia um balcão, onde estava uma mulher alta e corpulenta, de cabelos escuros e olhinhos levemente puxados. Nas laterais haviam alguns poucos bancos onde outras três mulheres estavam experimentado vários sapatos, mais ao longe uma quarta mulher estava entrando em uma cabine para experimentar outra saia.

- Quanta roupa bonita! – disse Guinevere cheia de emoção.

- Bom dia meus lindos. – falou uma fadinha que os surpreendeu ao aparecer repentinamente. Ela estava batendo suas asinhas tranqüilamente.

- Ah, bom dia. – respondeu Guinevere.

- Por acaso vocês são estudantes? – perguntou a fadinha.

- Sim, estamos procurando por uniformes. – disse a garota.

- Avalon, certo? – os quatro balançaram a cabeça positivamente – muito bem, por aqui.

A fadinha seguiu voando pela loja até uma prateleira no canto.

- Aqui, estes são os uniformes, deste lado está o uniforme feminino e aqui o masculino. Procurem seus números e experimentem. Depois da seleção na escola, podem vir bordar o nome da república de vocês – disse a fadinha.

- Certo. – confirmaram os quatro.

Kal, Daimon, Ralph e Guinevere pegaram as peças e se dirigiram a quatro provadores que estavam no fundo da loja. Alguns minutos depois eles saíram usando seus uniformes.

Kal, Daimon e Ralph estavam com uma calça preta e um sobretudo impermeável também preto, com capuz, a camisa de botão preta, trazia ao lado esquerdo do peito o símbolo de Avalon a letra “A” em cima de uma pequena pilha de livros e uma coruja empoleirada em seu ponto mais alto como se fosse um galho de árvore. O uniforme de Guinevere variava apenas na calça, já que o uniforme feminino era composto por uma saia e o mesmo sobretudo e camisa do uniforme masculino.

- Ficou maravilhoso. O uniforme de Avalon é bem condizente. – comentou a fadinha.

- Como assim? – perguntou Guinevere.

- O preto, a cor da magia e elegância! Em cima de uma nuvem costuma fazer frio, por isso o sobretudo, para aquecer os alunos. E o capuz é para proteger vocês das costumeiras chuvas que temos nesta região. – explicou – e então? Vão levar os uniformes agora?

- Sim. – respondeu Guine.

- Está certo então. Troquem de roupa novamente e acompanhem-me até o caixa. – disse a fadinha já se apressando para terminar a venda.

Já no caixa com suas roupas habituais, a mulher corpulenta os atendeu com extrema doçura.

- Bom dia garotos. Já tão cedo fazendo compras para as aulas. É muita disposição, não é? – falou a mulher alegremente.

- Não tão cedo assim, achei que a Cidade dos Elfos fosse mais movimentada. – disse Daimon.

- Acontece que ainda é cedo, para muitos, em alguns minutos essa cidade estará lotada de pais e alunos. – disse a mulher.

- Eu disse que era cedo, não disse? – falou Kal.

- Vocês foram espertos, pegaram pouco movimento. – disse novamente a mulher, que estava registrando a venda.

- Mas ainda falta muito. – disse Ralph entregando seu próprio dinheiro e o cartão da Rainha Eva que estava com Kal.

- Prontinho meus lindos, aqui estão o uniforme e o cartão de vocês. Se quiserem uma dica, se apressem. – falou a mulher.

- Obrigada por tudo. – agradeceu Guinevere.

- Quando saíram da loja se depararam com um mundo de gente, crianças e adultos andavam de um lado para outro eufóricos, alguns nem ao menos conseguiam esconder a ansiedade. Era incrível que em um curto espaço do tempo Cidade dos Elfos passara de cidade fantasma para grande metrópole.

- Então essa é a verdadeira Cidade dos Elfos. – disse Kal quase que alucinado.

- Vamos pessoal, temos muita coisa para comprar. – falou Daimon.

Com um volume considerável de materiais, os quatro pararam na praça para descansar. Os livros e uniformes estavam pesando e carregar tudo aquilo na multidão era ainda mais desconfortante.

- Não podemos desanimar, já estamos com quase a metade do nosso material. – disse Ralph – falta apenas o caldeirão, kit para poções e...

- Uma planta. – completou Kal – para que eles querem uma planta? Não entra na minha cabeça.

- Avalon é uma instituição séria, deve ter por um bom motivo. – falou Daimon – talvez algo didático.

- Se tivessem pedido um animal entenderia que é para nós o dessecarmos. – brincou Kal.

- Está bem, para onde vamos agora? – perguntou Guinevere.

- Vamos comprar nossos caldeirões. – sugeriu Kal.

- Está certo então. Vamos procurar a loja e depois vamos fazer uma pausa. – disse Ralph.

Depois de todos concordarem seguiram caminho. Se com a cidade vazia já era difícil achar qualquer loja, do jeito em que ela se encontrava, lotada, seria praticamente impossível localizar qualquer coisa. Mesmo com todos os empecilhos, bastaram poucos passos até chegarem em uma loja grande, em forma de caldeirão, não parecia tão difícil encontrar lojas tão temáticas. Aos poucos se acostumava com isso e tudo parecia fácil de se encontrar.

A loja parecia estar em cima de uma fogueira, mas as chamas não queimavam nada ou produziam calor, pelo contrário, davam uma sensação de frescor quando eram atravessadas.

- Bem vindos a Labaredas de Ferro, aqui temos tudo para poções. – saudou um homem gordo e careca que estava com uma roupa dourada com detalhes vermelhos e uma toquinha de pano combinando.

- Por favor, precisamos de quatro caldeirões de cobre e quatro kits de poções para iniciantes.

- Venham por aqui. – chamou o homem que saiu na frente pedindo licença aos outros clientes da loja.

Chegaram a uma prateleira quase vazia onde se via apenas dois caldeirões e alguns poucos kits.

- Bem, vocês disseram que precisam de quatro caldeirões, certo? Mas é uma pena que eu só tenha dois. Algum problema? – perguntou o homem sem jeito.

- Acho que devemos pegar esses dois logo, se não ficaremos sem nenhum. – disse Daimon.

- Está certo então, nós vamos levar os dois caldeirões e quatro kits. – afirmou Kal.

- E quem vai ficar sem caldeirão? – perguntou Daimon aos três.

- Por mim vocês se entendam. – falou Ralph.

- Então pode ficar para o Ralph e Guinevere. – disse Kal.

- Muito bem. Já está decidido. Vamos comigo ao caixa. - disse o vendedor.

- Espere, onde podemos encontrar outros dois caldeirões? – perguntou Ralph.

- Saindo da loja e indo pela esquerda até próximo a fronteira com a floresta, vocês encontrarão uma pequena lojinha, lá sempre tem algo novo. Nenhum negócio prospera lá, com sorte talvez tenha o que precisam. – falou o homem, mas percebeu que estava tagarelando demais – Lá vocês podem encontrar o caldeirão. Quer dizer talvez... não sei quantos ele tinha e já dei esta informação a alguns outros clientes. – disse o homem.

- Muito obrigada. – disse Guinevere serenamente.

- Ah, vocês ainda não pagaram... – disse o homem ao perceber que os quatro estavam saindo.

- Desculpe. – disse Kal meio sem graça.

- Tudo bem, isso sempre acontece. – disse o homem recolhendo o cartão de Kal e o dinheiro de Ralph.

Com as contas pagas, os quatro saíram da Labaredas de Ferro e se apressaram para ir a tal loja, já que eles não seriam os primeiros e únicos a ficar sem caldeirões.

Andando um pedaço exaustivo de caminho os três alcançaram o lugar indicado. A antiga lojinha não estava movimentada, pelo menos do lado de fora, mas quando Kal abriu a porta, percebeu o motivo pelo qual os clientes não apareciam. A loja tinha uma aparência extremamente velha, o piso de madeira rangia e em algumas partes estava quebrado. Os armários estavam cheios de objetos estranhos, alguns pareciam bem afiados e ameaçadores. Diferente de todas as outras lojas, o balcão estava vazio, sem nenhum atendente.

- Oi! – chamou Kal. – Tem alguém nessa espelunca?

- Kal! – repreendeu Guinevere.

No mesmo minuto uma pessoa encapuzada apareceu na porta e de cabeça baixa ela passou pelos quatro sem dizer uma palavra, sentou-se atrás do balcão e permaneceu imóvel.

- Por favor, você tem dois caldeirões de cobre? – perguntou Ralph.

A pessoa continuou imóvel, até que finalmente levantou a cabeça sombreada pelo capuz e soltou um pequeno grunhido e voltou a abaixar a cabeça.

- E então? – perguntou Kal.

A estranha figura levantou-se e foi para os fundos da loja. Quando voltou, veio trazendo dois caldeirões novos, iguais aos de Ralph e Guinevere. Quando Kal foi pegar o cartão, a pessoa hesitou antes de aceitá-lo, mas quando o fez, revelou suas mãos femininas. A mulher voltou aos fundos da loja e entregou o cartão a Kal e sentou-se novamente de cabeça baixa.

- Vamos pessoal. – chamou Kal desconfiado.

Todos saíram da loja e a alguns passos depois Kal olhou para trás e viu entrando por uma das janelas, um pequeno aviãozinho de papel dourado.

- Que foi Kal? – perguntou Ralph.

- Nada, só algo meio familiar. – respondeu devagar.

Continuaram andando até o centro da cidade, para surpresa de todos a cidade estava vazia novamente. Caminharam por todos os cantos, loja por loja, e em todas dizia o mesmo, “Fechado para almoço”.

- Mas já? – espantou-se Daimon.

Os quatro sentaram-se em dois banquinhos em volta do relógio no centro da cidade. Quando Kal ouviu uma melodia. Levantou-se e viu os ponteiros do relógio ficarem laranja e um anúncio no marcador inscrever, “Boa tarde Cidade dos Elfos”.

- Meio dia. – falou Kal surpreso. A manhã tinha passado muito rápida.

- Talvez devêssemos voltar para a pousada. - sugeriu Ralph – Poderemos ficar sem almoçar se não chegarmos na hora certa. Aproveitamos e guardamos os materiais.

Kal, Daimon e Guinevere concordaram com Ralph. Recolheram tudo o que haviam comprado e se dirigiram até a pousada.

- E então? O que ainda está faltando? – perguntou Daimon.

- Já temos livros e cadernos. – respondeu Ralph.

- Uniformes! - completou Guinevere.

- Caldeirões e kits. – terminou Kal.

- Falta a tal planta então. – concluiu Daimon.

A pousada ficava ao lado de uma casa bem simples, paredes de pedra e teto coberto por palha. A construção dentro da árvore gigantesca era incomparável.

- Chegamos. Vocês querem guardar os materiais ou preferem ir logo almoçar? – perguntou Kal.

- Vamos guardar. Eu não vou comer muita coisa. Ainda estou me recuperando de ontem à noite. – disse Guinevere.

Eles entraram na pousada e rapidamente se dirigiram até a porta pintada na parede. Ralph tomou a liderança do grupo e abriu a porta, os quatro apressaram-se a guardar os materiais e voltaram correndo até o saguão de entrada.

- Brígida, onde fica o restaurante? – perguntou Kal.

- Está vendo aquelas duas portas ali? – disse a recepcionista apontando para duas portas ao canto – São do banheiro. O restaurante é aqui do lado, estas duas portas. – Brígida apontou para duas portas de madeira no saguão.

- Obrigado. – agradeceu Guine.

Abriram-na porta logo em seguida e assustaram-se com a quantidade de pessoas que estavam almoçando. Parecia que toda a cidade tinha escolhido a pensão para almoçar.

- Será que ainda tem uma mesa vazia? – perguntou Ralph – É meio difícil.

- Lá! Estão vendo? Bem no final. Embaixo da janela! - mostrou Kal uma mesa que acabava de ser desocupada – Vamos!

Daimon, Guinevere e Ralph seguiram os passos de Kal pela multidão. Ralph esbarrou em uma mesa e derramou suco no vestido de uma mulher. Quando foi usar a varinha para ajudá-la, surpreendentemente ateou-lhe fogo. As outras pessoas sentadas em volta da mesa levantaram-se e começaram a gritar. Ralph aproveitou a confusão e saiu bem devagar.

- O que foi aquilo? – perguntou Daimon - O feitiço de limpeza é o Edjipto. – informou.

- E como você sabe? – indagou Ralph.

- Mamãe usa sempre. – respondeu Daimon – Vamos nos apressar. Veja, Kal e Guine já estão sentados.

Daimon e Ralph se apressaram em chegar aos outros dois.

- O que tem para comer? Estou faminto... – disse Ralph.

- Então vamos pedir frango e purê. – combinou Kal, os outros concordaram com a cabeça.

Todos estavam procurando alguém para atendê-los. Na mesa ao lado havia três pessoas sentadas. O homem e a mulher pareciam formar um casal e estavam ensinando algum feitiço ao garoto que estava junto a eles.

- Erga a varinha e repita o feitiço, entendeu? – perguntou o homem segurando a mão do garoto na altura dos ombros.

- Sendart! – disse o garoto fazendo o papel que estava em cima da mesa adquirir forma de avião e planar, aparentemente esperando algum comando. – Para a cozinha. – o aviãozinho voou mais alto e seguiu seu caminho.

- E então, ninguém vem nos atender? – bravejou Ralph batendo na mesa.

Ao ver outro aviãozinho voando, Kal tomou uma iniciativa. Vasculhou a mesa a procura de algum papel em que pudesse escrever. Passou um bom tempo até que o encontrasse. Havia um bloquinho pregado em uma das pernas da mesa. Kal destacou uma das folhas. Era um pedaço de papel pequeno suficiente apenas para escrever quatro linhas. Na parte superior estava o número 33, indicando o número da mesa. Kal escreveu com uma caneta que Guinevere comprou na Livros & Boatos. A caneta era altamente feminina, rosa e aveludada, vez ou outra a caneta reluzia cores variadas.

- E então é só frango e purê, certo? – perguntou Kal apenas para efeito de confirmação. – Já que concordam vou fazer o pedido.

Kal lembrou-se de como o garoto da mesa ao lado havia feito. Ergueu a varinha e se concentrou.

- Sendart! – como se o papel estivesse vivo, ele se contorceu e se transformou e em avião – Para a cozinha! – finalizou Kal – o avião atravessou o salão sobrevoando a cabeça das pessoas.

- O pedido já foi feito, resta-nos esperar. – disse Guine.

Kal olhou novamente para a mesa ao lado e viu que o casal e seu filho já estavam almoçando. Kal não reparara se alguém viera trazer os pratos. Quando voltou a prestar atenção em sua mesa sentiu falta de um jarro com flores que foi substituído por uma salada. Subitamente Kal viu surgir debaixo dos seus olhos, pratos e talheres. Alguns poucos segundos depois apareceu a tigela de purê e um frango enorme.

- Acho que é hora do almoço. – disse Daimon se preparando para atacar o frango.

Os minutos passaram-se rapidamente no restaurante. A maioria das pessoas abandonavam o lugar e já começavam a ocupar as lojas da cidade.

Quando Kal terminou com o último pedaço de frango, os quatros dirigiram-se até o saguão, onde Brígida perguntou a que conta deveria atribuir o almoço. Antes que Ralph pudesse falar alguma coisa, Kal disse em alto e bom tom que a conta era do quarto 117. Os garotos seguiram pelo saguão e entraram pela porta pintada na parede. Quando alcançou o corredor, Ralph se adiantou em dizer que não iria sair tão cedo, pretendia descansar antes de terminar a lista de materiais. Kal, Daimon e Guinevere resolveram fazer o mesmo. Seguiram até o 117, onde cada um deitou em sua cama para descansar Daimon começou a folhear alguns livros e Guinevere estava olhando pela janela todo o movimento da cidade. Por sua vez, Kalevi estava deitado em sua cama relembrando os últimos momentos que havia vivenciado. Relembrou das fadas sobrevoando a loja vestuário e depois a travessia sobre o fogo refrescante da Labaredas de Ferro e posteriormente a velha lojinha isolada da cidade. Como um estampido, veio a lembrança do aviãozinho dourado que entrou pela janela da lojinha. A principio Kal achou familiar, mas não deu tanta importância ao fato, mas agora era evidente. Aquela mulher encapuzada era Elvira. O aviãozinho era o mesmo que seu pai havia feito, era natural ter demorado tanto tempo, afinal teve que atravessar o país inteiro para encontrar seu destinatário. Por que Elvira não quis ser reconhecida? O que estava fazendo na Cidade dos Elfos vendendo bugigangas?

Kal estava destemido, iria voltar e desmascarar Elvira. Mas de que adiantaria? A que interessava Kal saber se era Elvira ou não? Kal começou a se afogar em pensamentos inconstantes e sem perceber caiu em sono profundo.

Em sonho, Kal viu a lembrança de seu pai ser atacado por Thom e em seguida viu Elvira chegar na sala e então viu o capuz cair sobre ela. O cenário agora era Cidade dos Elfos e posteriormente a Cidade do Norte, no instante em que Kal pediu informação sobre a cripta de Thom.

Acordou assustado e um estalo veio-lhe e cabeça, a mulher encapuzada na Cidade do Norte, Elvira e a dona da lojinha eram a mesma pessoa. Mas qual seria a verdadeira identidade?

- Vamos Kal, está pronto? – perguntou Ralph que estava parado na porta.

- Ah sim, claro, vamos. – prosseguiu sonolentamente.

Demorou apenas dois minutos até que todos estivessem em frente às lojas.

- O que ainda nos resta mesmo? – perguntou Guinevere.

- Uma planta. – respondeu Ralph.

- Onde encontramos a planta? – perguntou Kal enojado.

- Em uma floricultura. – respondeu Ralph com desdém.

- E onde fica essa floricultura? – perguntou Kal mais uma vez com tanto nojo que podia até vomitar.

- Ali, floricultura Flor-de-Lis. – apontou Ralph, com sabedoria, para uma grande estufa onde se lia em letras grandes “Flor-de-Lis” ao lado do símbolo de mesmo nome. Era como uma espada alargada ao centro e ao lado de outras duas, cada uma pendia para um lado.

Kal seguiu na frente, resmungando em silencio o ar de superioridade que Ralph possuía. Kal sabia que o garoto era um bom amigo, mas às vezes sentia vontade de mantê-lo longe de si. Ralph queria sempre mostrar que era melhor que qualquer um e adorava se exibir, o que deixava Kal profundamente irritado. Guinevere e Daimon pareciam não ver esse lado do amigo, como podiam ser tão cegos, imaginava Kal.

Quando entraram na estufa sentiram a variação de temperatura, mas logo se acostumaram. Ao ver Ralph explicando o porquê desta variação, Kal sentiu uma enorme vontade de acertar Ralph com a maldição que Rick usara contra o pobre macaco. Alguns outros bruxos aplaudiram o exibicionista pela explicação. Depois de ter detido toda a atenção da floricultura, Ralph se dirigiu ao balcão e perguntou ao homem barbudo que estava lá onde encontrar uma Fantara d’ouro, a princípio Kal ficou sem entender do que se tratava, mas logo soube que era uma espécie de planta. Para Kal havia sido o fim. Decidiu então que sairia dali o mais rápido possível. Pegou o primeiro vaso que encontrou, aproximou-se do balcão e pagou pela planta, a qual a bruxa do caixa disse ser uma Herviana gornoíde. Kal pouco se importou e foi ao encontro dos três. Entregou o cartão da rainha para Guinevere e disse que ia embora, pois estava indisposto.

Saiu da floricultura e se apressou em sumir pela multidão para não ser seguido por Daimon, Guinevere ou qualquer um que fosse. Ele se apressou em chegar à pequena lojinha nos fundos da cidade, mesmo que não fosse tomar alguma atitude quanto às várias identidades de Elvira, Kal queria ao menos descobrir o que ela estava fazendo ali.

Surpreendentemente a lojinha estava completamente vazia, apenas poucas cadeiras largadas no chão ocupavam o lugar. O que teria acontecido com Elvira e toda a quinquilharia? A única coisa que sobrara era uma placa velha de madeira entalhada que permitia ler-se, “Loja Mausoléu”. O mistério de Elvira ainda não havia se resolvido. Sem entender nada, Kal seguiu perplexo de volta a floricultura. Chegando lá notou que Ralph continuava a se exibir sobre seus conhecimentos em plantas. Nauseado, Kal encolheu-se em um canto esperando pelos amigos. Diria a eles que não queria ficar sozinho na pousada. Parecia meio infantil mas foi a melhor desculpa que pode arrumar para acobertar a mentira de que estava indisposto.

- O que foi garoto? – perguntou um homem magro que se aproximou.

- Nada. – respondeu desanimado.

- Que planta é essa? – perguntou novamente.

Kal olhou para o vaso que estava segurando e só agora havia notado que dentro dele só havia terra. Quando ia se levantar para trocar o produto, o homem o impediu com um gesto.

- Deve ser uma Herviana. Esse tipo de planta vive em subsolo. Não gostam muito da luz. – comentou o homem – Prazer, meu nome é Tirso. – disse o homem estendendo a mão para Kal.

- Prazer, meu nome é Kalevi. – disse.

- E então Kalevi, você sabe o que significa Flor-de-Lis?

- Não. – respondeu.

- A Flor-de-Lis era usada como forma de marcar as bruxas. – informou Tirso. – Quando a bruxaria foi considerada crime pelos humanos, pessoas como nós foram marcadas com ferro em brasa com a marca da Flor-de-Lis. Quem trazia a marca, mesmo que conseguisse escapar, seria reconhecido e condenado à fogueira. Em outros lugares como na França, as bruxas eram marcadas com a letra “S”. Entedeu?

- Mas então por que a loja se chama Flor-de-Lis? – indagou Kal.

- Bem, Flor-de-Lis, é o nome de uma planta. Tudo a ver com uma floricultura, certo. Dizem, que quando ela foi fundada, queriam ensinar a comunidade mágica que as pessoas presas em Warren carregariam a mesma marca que as bruxas condenadas à fogueira. - comentou Tirso.

- Então, quem condenava as bruxas e as marcava? - perguntou Kal.

- As bruxas eram castigadas pelos humanos não-mágicos. Os prisioneiros de Warren são bruxos que cometeram grandes crimes contra a comunidade mágica, ou até mesmo à não-mágica. E por isso são mandados para Warren, onde lá recebem a marca da Flor-de-Lis. - explicou Tirso.

- Mas por que são marcados? – perguntou Kal, mostrando sua completa ignorância sobre o assunto.

- Caso, um dia, algum desses prisioneiros conseguisse escapar, eles seriam reconhecidos em qualquer lugar. – disse Tirso, compreendendo as dúvidas de Kal.

- Então Kricolas poderá ser reconhecido? – perguntou.

- Provavelmente não. Apesar de ter sido marcado com magia, hã. – disse Tirso em uma gargalhada – Ele é Kricolas, duvido muito que ele não tenha dado um jeito de escondê-la.

- Você o conhece? Já o viu? – quis saber Kal.

- Bem, não chegamos a ser amigos, ele não é muito de conversa. – falou Tirso sorridente – Mas uma vez eu o vi em Warren.

- O que você foi fazer lá? – perguntou.

- Só para explicar, eu não fui preso. Trabalhei lá por um tempo. – esclareceu Tirso.

- Como ele é? – perguntou novamente.

- Ele não é o homem mais bonito do mundo, sabe? – disse Tirso enquanto olhava para a porta – É uma pena Kalevi, mas tenho que ir. – Tirso apontou para a porta, onde estava sendo aguardado por um homem encorpado e mais elegante, com um cabelo negro cobrindo-lhe a testa branca e ligeiramente suada, olhos penetrantes e estranhamente sem vida sob eles destacavam-se duas olheiras. Sua beca negra intitulava-o como sendo alguém importante.

- Foi um prazer conversar com você Tirso. – despediu-se Kal.

Tirso apenas parou um instante na porta, acenou pela última vez e seguiu caminho.

Não demorou mais do que um minuto para Daimon, Guinevere e Ralph virem ao seu encontro. Já que Ralph vinha em silêncio, Kal deduziu que havia acabado sua pilha de conhecimento.

- Kal! Ainda está aqui. – espantou-se falsamente Ralph.

- Perdi alguma coisa? – perguntou Kal, já sentindo outra ânsia de vômito.

- Hã..., então Kal, que tipo de planta você comprou? - perguntou Guinevere para cortar o clima de tensão.

- Acho que é uma Hervana, Hernana, quero dizer, uma Herviana. – disse Kal mostrando o vaso aparentemente vazio.

- Cadê? – perguntou Ralph.

- Ela está debaixo da terra. Não gosta muito de luz. - respondeu Kal provocando certa desconfiança em Ralph.

- Bem, eu comprei a Fantara d’ouro, uma planta tipicamente tropical. Alguns dizem que em dias muito quentes ela pode até inflamar, entrar em combustão espontânea. – disse Ralph com desdém.

- Eu escolhi um Ponka angelicalis. Tia Amanda tem uma no jardim, quando chega a primavera, uma flor se abre e libera um pó calmante.

Todos olharam para Daimon esperando que este se manifestasse em dizer sobre sua planta.

- Desculpem. Minha planta é um Trópico ateniense, o dono da loja explicou que ela acompanha a movimentação dos astros e prevê acontecimentos estranhos e ou perigosos. – disse Daimon quase inaudível.

- Então, acho que terminamos. – concluiu Kal.

Um minuto inteiro se seguiu em silêncio. Neste meio tempo, os quatro se entreolharam ou abaixaram as cabeças, apenas Kal e Ralph não cruzavam os olhares.

- Acho que é hora de irmos. – disse Guinevere.

- Não sei, não vou entrar agora. – desanimou Ralph – Kal quer vir andar um pouco?

Embora não quisesse, foi obrigado a aceitar o convite, já que estava sendo fuzilado pelos olhos de Guinevere.

- Daimon e eu vamos subir. – disse a garota.

- Vamos? – espantou-se Daimon.

- É claro! Você prometeu que leria alguns livros comigo. – improvisou Guinevere, fazendo de Daimon outra vítima de seus olhos. Seguiram para a pousada carregando seus próprios materiais e os de Kal e Ralph.

Enfim, Kal e Ralph estavam sós. A atitude de Guinevere havia forçado os dois a uma reconciliação, talvez incerta.

Kal e Ralph saíram da floricultura e fizeram boa parte do caminho até a Livros e Boatos em silêncio.

- O que viemos fazer aqui, Kal? – perguntou Ralph.

- Quero dar uma olhada em alguns livros. – respondeu firmemente – Quero ver quem é Kricolas.

- E por que o interesse? – indagou Ralph.

- Não sei, acho que é só curiosidade. – respondeu percebendo que sua busca realmente não fazia sentido.

- O governo não quer dar destaque a esta fuga, mas Kricolas não faz questão de se esconder. – disse Ralph respeitosamente.

- Você disse que seus pais trabalham em Warren, certo? – Ralph acenou positivamente com a cabeça – Seria possível eles enviarem uma fotografia, ou algo assim?

- Eu posso pedir. Vamos voltar à pousada. Lá escrevo uma carta e peço para o Osíris entregar. – chamou o garoto.

Rapidamente entraram pelo saguão e em pouco tempo estavam no quarto 118. Ralph pegou papel e caneta e escreveu o bilhete.

Queridos, papai e mamãe

Olá! Estou com muita saudade. Espero vê-los em breve.

Fiz três ótimos amigos, Daimon e Kal Foster e Guinevere Lingenstain.

Meu amigo Kal, embora não saiba direito o porquê, está preocupado por Kricolas ainda estar livre. Seria possível vocês nos enviarem uma foto do fujão assassino número um do país?

Um beijo para os dois,

Ralph

- Agora é só enviar. – disse Ralph.

Kal empolgado com seu último sucesso no restaurante, preparou a varinha para fazer o feitiço, mesmo Ralph já tendo avisado que Osíris enviaria a correspondência.

- Vai ser uma viagem longa, Kal. Warren fica muito isolada. Seria difícil e arriscado enviar esta carta por feitiço. Acho melhor deixar por conta de Osíris. Confio muito nele. – explicou Ralph.

- Tem razão. Falcões podem voar mais alto e muito mais rápido. – aprovou Kal.

Com um assobio, Ralph chamou Osíris que parecia repousar em cima do guarda-roupa.

- Quero que você leve esta carta até Warren, onde estão papai e mamãe. Se não os encontrar, retorne com a carta. – a ave estendeu a pata direita e agarrou com força o pedaço de papel que Ralph havia ensacolado prevendo chuva.

Osíris ergueu a cabeça e bateu as asas como forma de continência, então seguiu vôo.

Kal e Ralph sentaram-se nos sofás e conversaram, discutiram sobre Kricolas e depois passaram para assuntos mais banais, como, o dia deles na Cidade dos Elfos.

Sem ao menos perceberem, ficaram sentados ali conversando por horas até que o barulho do relógio no meio da cidade chamou-lhes a atenção de volta.

- Por Merlin! Já escureceu! – exclamou Kal.

- Olhe! – chamou Ralph à atenção do amigo para algo que se movia entre as nuvens.

- São muitos aviõezinhos de papel. – disse.

Dois destes aviões penetraram pela janela aberta e foram até os garotos. Dali via-se que os aviões não tinham padrão de cor. O de Kal era laranja e o de Ralph roxo.

- O que diz o seu? – perguntou Ralph.

- Aqui diz:

Prezado alunos,

Compareçam aos terrenos baixos de Avalon, sem os materiais, amanhã às oito horas da manhã para seguirem até o Castelo.

A instituição oferecerá café da manhã aos alunos.

Todos devem procurar o Sr. Luís Calvo.

Atenciosamente,

A diretoria

- Onde ficam os terrenos baixos de Avalon? – perguntou Ralph ao terminar o bilhete.

Com a resposta negativa de Kal, os dois foram até a janela onde tinha uma boa visão da cidade. Passaram os olhos pela floricultura, livraria, relógio e finalmente, encostado a floresta, eles avistaram um enorme muro de pedra onda havia inscrito o nome da escola.

- Este muro não esteve lá o dia todo. – disse Ralph incerto.

- Não me lembro de tê-lo visto. – completou Kal.

Os dois saíram da janela quando ouviram um barulho na porta, que ao ser aberta revelou a figura de Guinevere que trajava um belo vestido azul.

- Para que tanto luxo? – perguntou Kal.

- Para comemorarmos. Esta é a nossa última noite antes de irmos para Avalon. – disse a garota – apresem-se em se arrumar. Logo, logo o jantar estará servido. Não demore Ralph.

- Igualzinha a minha mãe. – disse Kal – Estamos te esperando Ralph.

Era bom que Kal e Ralph haviam se entendido. Os dois passariam boa parte do ano juntos e manter uma inimizade não seria nada saudável para nenhum dos dois. Ralph tinha um grande conhecimento sobre o mundo mágico. Seus pais deviam viajar muito com ele. Mesmo que fossem viagens de trabalho, Ralph teve contato com vários bruxos mais velhos. E certamente a vida e a experiência são a melhor fonte de conhecimentos que o mundo pode mostrar.

Todos já haviam tomado banho. Sentaram-se a mesa onde saborearam um delicioso pernil. Como sobremesa Guinevere serviu um pudim de ameixa que ninguém esqueceria o sabor tão cedo.

- Estou cheio demais para dormir. – confessou Kal.

Daimon levantou-se como se estivesse acabado de sair de transe.

- O que houve? – perguntou Guine.

- Nada de importante. Só algo que me lembrei de mostrar ao Kal. – respondeu Daimon.

- A mim? – espantou-se Kal.

- Você se lembra de quando papai ficou na cama dormindo por um dia inteiro? – perguntou Daimon.

- Me lembro. Mamãe não demonstrou preocupação. - recordou-se Kal.

O episódio havia se passado um dia antes da reunião internacional de bruxos na mansão Foster. Adonis não levantou para nada, realmente estava dormindo. Ele deitou-se na noite em que Cacius aparecera e dera doces a Kal e não se levantou na manhã seguinte, passando mais uma noite para acordar no outro dia. Kal imaginou que o pai estivesse doente, mas Amanda não estava se importando tanto com isso e passou o dia preparando comida.

- Ele não estava doente. Aquilo é o que chamam de projeção astral. – disse Daimon com ar de detetive.

- Como assim? – interessou-se Ralph.

- Aqui no livro de feitiços tem um breve comentário. Nós não vamos aprender este ano. Mas parece ser fácil. Escutem o que diz:

“Projeção Astral

A projeção astral liberta o espírito do bruxo de seu corpo, permanecendo em estado de sono profundo. O corpo astral flutua de forma silenciosa, não sendo perceptível aos olhos ou ouvidos de um ser comum.

Pode ser praticada por iniciantes, basta buscarem a calma e o relaxamento.

Em outros capítulos veremos que é possível controlar dois corpos simultaneamente, e como fazer uma projeção perfeita.

Trechos retirados da obra: Além da matéria – Van Feo”

- Será que podemos comprar este livro? – perguntou Kal interessado.

- Acho que não há nada que nos impeça. – disse Guinevere.

- Só o fato das lojas estarem fechadas. – finalizou Ralph.

- Podemos encomendar. – opinou Kal.

- Sendart? – perguntou Ralph.

Kal balançou a cabeça positivamente e correu para alcançar papel e tinta.

- O que você vai escrever? – perguntou Daimon.

Ao senhor gerente da Livros & Boatos,

Gostaria de adquirir um livro pelo qual me interessei em sua loja, trata-se da obra de Van Feo, Além da matéria. O livro pode ser entregue na Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon.

Atenciosamente,

Kalevi Foster

- E você sabe se ele tem esse livro? – perguntou Ralph.

- Com a fome de dinheiro que ele tem, na certa encomenda um. – respondeu Kal serenamente – Entregue pessoalmente ao dono da Livros & Boatos. Sendart! – em um vôo rasante, o avião decolou e atravessou a janela – Estou ficando bom nisso!

Logo em seguida, Ralph retornou para o seu quarto e Kal, Daimon e Guinevere desabaram em suas camas. Pois, na manhã seguinte deveriam estar com o máximo de energia possível para encarar a nova escola.