domingo, 11 de novembro de 2007

Capítulo 9 - A outra herdeira

Passado o momento de euforia que se sucedeu nos primeiros minutos da projeção, Kal abandonou a sala do Conselho Estudantil e atravessando todas as paredes, feito um fantasma, ele alcançou os jardins da escola, onde os últimos alunos desciam nos balões de volta para Cidade dos Elfos. Ele tentava assustar os que passavam, mas ninguém podia vê-lo ou senti-lo. Perfeito.

Luís Calvo, o zelador de Avalon, foi o condutor dele, Guine, Ralph e Daimon no balão que os havia trazido a escola, naquele momento, ele berrava com dois alunos de Katzin e outro de Tadewi, que estavam lançando-se feitiços.

- Parem imediatamente! Se quiserem brigar inscrevam-se nos jogos! – berrou o bruxo com toda severidade – Se eu pegar vocês novamente, farei o possível para que não participem deles! E com muita sorte não serão expulsos.

Kal saiu de perto do grupo com receio de ser percebido por alguém, ele ainda não tinha plena certeza de sua invisibilidade.

Atravessando as portas do grande salão ele pode ver Guine e Ralph, ambos impacientes, estavam conversando com Daimon na mesa de Angus.

- Eu não sei quando ele vai descer. – disse Guine dando de ombros.

- Ah, sei lá... ele ainda tem uns dez minutos até Calvo explodir e começar a dar suspensão para os alunos que ficarem para trás. – respondeu Daimon.

- De qualquer forma, Kal disse desceria no último balão. – falou Ralph.

- Tudo bem. Vamos descer sem ele então.

Kal os seguiu até os portões da escola e ficou ouvindo Guine e Ralph reclamarem que ele os havia feito de palhaços. Sem poder conter as risadas Kal voou direto para dentro do castelo a fim de explorá-lo mais um pouco. A escola estava com os corredores vazios e a luz do sol que se extinguia lá fora dava aos objetos uma sombra tenebrosa. Imediatamente, Kal lembrou-se da tarde em que saíra sozinho da sala de Maldições e que mais tarde estava deitado no sofá da sala de Cacius. Ele contou ao diretor que havia visto uma criatura estranha, e esta criatura havia tentado atacá-lo, mas graças ao professor, não conseguira.

Andar sozinho pelo castelo estava se tornando entediante. Lembrava-o como havia sido estar brigado com Guinevere e Ralph. Pior ainda era passar pelos corredores sombrios sem a companhia de alguém para quebrar o silêncio ou para espantar aquele medo universal que temos quando andamos por lugares desertos e silenciosos. O único barulho que escutava era o do vento entrando pelas janelas e raspando nas paredes frias do castelo e que fazia ranger as armaduras...

Enjoado da viagem astral, Kal rumou para o sexto andar, onde estava o seu corpo ainda inerte. Flutuando pelas escadas do andar de destino, o garoto viu no fim do corredor uma figura humana e transparente. Fantasma? Pensou. Kal investiu pelo corredor e viu o homem entrar em uma das salas e desaparecer de vista. Intrigado com o que poderia ser aquele misterioso homem andando sozinho pelos corredores desertos do castelo àquela hora da noite, Kalevi seguiu sua trilha para perguntar o que fazia ali. A alguns passos de distância do lugar onde o homem desaparecera, Kal sentiu-se nervoso e um arrepio lhe correu pela barriga, mas em seguida lembrou-se de que estava no astral e que era inatingível. Era o que pensava até que a figura familiarmente aterradora atravessou a parede ao seu lado e foi de encontro com seu ombro.

Kal estava caído no chão, ainda flutuando, com uma criatura horrenda em cima de seu tórax. A criatura sem pêlos, pele enrugada e amarelada exibia seus dentes com orgulho, os olhos negros muito maiores do que besouros o encaravam de forma assassina.

Empurrando o monstro com toda sua força para longe, Kal pôde levantar-se e erguer a varinha.

- Farfalha! – os estilhaços vermelhos irromperam da varinha com estrépito e foram em direção ao monstro, mas este rosnou e desapareceu de vista logo em seguida. Perdido com o que estava acontecendo, Kal girou nos calcanhares à procura. Deu-se conta de que o homem que havia entrado na sala e não se manifestara aos gritos da luta. Onde estaria ele agora? Indagou-se.

Atravessando a parede de onde o monstro viera, Kal encontrou uma sala tão deserta quanto os corredores do sexto andar. Não era possível que aquele homem tivesse evaporado assim tão fácil, Kal tinha certeza de que o vira entrar naquela mesma sala há poucos segundos. Flutuou pela sala e não encontrando mais nada, resolveu voltar imediatamente ao seu corpo físico e sair do castelo para encontrar-se com Guine e Ralph em Tadewi.

Virando-se para a porta Kal teve mais uma vez a visão pavorosa da criatura, desta vez o garoto caiu graças ao susto provocado pelo bicho a apenas alguns centímetros de distância. Apoiando-se com os cotovelos em um chão invisível, pois flutuava, Kal segurou a varinha mais uma vez firme e ergueu em direção ao monstro que permanecia parado. Como um solavanco Kal sentiu-se sendo puxado e a imagem do monstro ia desfocando-se à medida que se afastava, um túnel de luz veio em seguida, algo tão estranho e nada muito confortável fez despertar nele o extinto de erguer a varinha e gritar.

- Farfalha!

Kal sentiu um forte impacto como se caísse no chão, instintivamente seu braço foi erguido e os estilhaços acertaram o teto acima.

- Oh... calma, garoto! Sou eu!

Abrindo os olhos, o corpo transpirando tanto que ele parecia ter saído de uma maratona, Kal virou o rosto para a direção de onde ouvira a voz e encontrou um Rômulo demasiadamente assustado.

- Você está bem, Foster?

- Ah... sim... acho que estou. Obrigado.

- Ainda bem que você tem péssima pontaria. – falou indicando com a cabeça o estrago feito no teto – E ele é feito de pedra, heim. Por pouco você não acerta o meu rosto.

- Desculpe.

- Devo tê-lo realmente assustado, não?

- Ah... acho que... – Kal ponderou se realmente deveria confidenciar a Rômulo sua primeira experiência no plano astral. Mas resolveu perguntar sobre outra coisa, o que de fato o havia assustado – Existem monstros em Avalon?

- Monstros, Foster? Tipo ogros e bicho-papão? – perguntou rindo do que acabara de ouvir.

- Hum. Quem sabe. Mas eu falo dentro do castelo. Monstros vivendo aqui dentro!

- E porque a pergunta agora? Anda vendo coisas?

- Acho que não. – mentiu Kal – Só queria estar preparado para o caso de, hum... ter que defender algum aluno.

- Ah! Entendo.

Kal parecia ter conseguido. Mentir para Rômulo dizendo que era só uma precaução havia sido genial. Como Guardião-mirim de Avalon, ele era obrigado a defender os alunos, e para isso precisava saber com o que iria lidar, pois se a escola tinha guardião, certamente algum perigo ela deveria oferecer, e Rômulo convenceu-se.

- E então quer saber contra o que você precisa defender os alunos?

- É. – respondeu Kal.

- Bem, duvido muito que haja monstros no castelo. Mas a orla da floresta, na Cidade dos Elfos é um pouco insegura e é seu dever patrulhá-la quando os alunos estiverem por ali. – disse Rômulo.

- Hum... tudo bem. Mas o que você faz aqui?

- Quase sempre eu ajudo Calvo a ver se não ficou nenhum aluno no castelo, e quando passava aqui em frente vi uma luz, entrei e era você disparando feitiços contra o teto.

- Oh. Desculpe.

- Já disse que não há problemas. Mas acho melhor você descer antes que Luís te aplique uma suspensão. Não ficaria bem para um membro do conselho se envolver em algo do tipo.

Ao sair da sala do castelo e seguindo até a República de Tadewi, Kal deparou-se com Guinevere sentada em uma pedra acompanhada de uma caixinha cheia de bolinhos açucarados.

- Aceita? – perguntou ela oferecendo os bolinhos.

- Obrigado, Guinevere... – disse ele pegando um de chocolate - Desculpe-me por não ter ido aparecido mais cedo...

- Oh! Tudo bem... sem problemas. – animou a garota – você teve algum progresso? Com a projeção...

- Hum... deixe-me ver... poder voar e ser invisível me parece bom.

- Quer dizer que você conseguiu? – perguntou ela sem muito interesse.

- É acho que sim... – respondeu timidamente – Onde está o Ralph?

- Deve estar com Daimon e Jonathan. – respondeu depois de engolir seu pedaço de aveia – Agora, por que não me conta como foi a experiência.

Os dois permaneceram ali devidamente acomodados e Kal iniciou um vasto relatório sobre tudo o que aconteceu desde que saíram da aula de feitiços. Contou-lhe as estranhas sensações e sobre o homem misterioso caminhando nos corredores do sexto andar e sobre a criatura de pele enrugada e olhos esbugalhados, garras afiadas e orelhas pontiagudas.

Ao ver a cara de espanto de Guinevere, Kal resolveu interromper a conversa e morder outro pedaço do bolinho.

- Nossa, Kal! Monstros em Avalon!

- Eu também não sei o que dizer. – falou enquanto terminava de engolir – Estou exausto! Isso cansa muito, projeção.

- Nós temos aula de poções amanhã, as duas primeiras. – disse Guinevere desviando do assunto.

- Teremos mais outra aula inútil sobre a poção Mekeivan? Paulo Pote... que piada...

- Parece-me um bom professor...

- Autor de um livro chamado Poções Potificantes – falou pomposamente – Sou muito mais o Formanômago.

- Lá vem o Ralph! – disse ela olhando para o fim da trilha que levava ao centro da cidade – Vou entrar. – falou Guinevere olhando para o céu que já estava escuro.

Os três seguiram até o salão onde se sentaram próximos a uma janela e com vista para a floresta. Lá permaneceram conversando até que a maioria dos alunos já estivesse dormindo. Guinevere foi a primeira dos três a dar sinal de sono, e em seu quinto bocejo ela se retirou para o dormitório feminino.

Não demorou para Ralph dormir na poltrona enquanto Kal falava. Ele acordou o amigo jogando-lhe um copo de água no rosto. Talvez tivesse sido um pouco de exagero, mas dormir no meio de uma conversa não era muito amigável, também.

Dormir não parecia ser tão difícil para Kal naquele momento. A projeção astral não era apenas algo divertido, exigia também muita concentração e um desgaste de energia exacerbado. No entanto, mesmo estando com o corpo exausto, Kal anda não conseguia descansar, a cabeça que rolava de um lado para o outro no travesseiro macio de penas de ganso estava também mergulhada em pensamentos infindáveis.

Do outro lado das paredes de pedra da república, a noite engolia todo a cidade, vista da janela a floresta parecia ainda mais sombria...

O vento assobiando no telhado fez Kal despertar na madrugada, o silvo não pareceu ter o mesmo efeito nos outros dois garotos com quem dividia o dormitório. Ralph estava enrolado em seu edredom aconchegante, e Pedro Andrade roncava como se nada estivesse acontecendo.

A cada novo sopro, Kal debatia-se na cama. Irritado levantou-se para olhar mais de perto, meio sonolento, cambaleou até a janela e a abriu. O vento rasgante entrou no quarto como um furacão, no entanto, instantes, o vento cessou completamente. Kal também não podia mais ouvi-lo no telhado.

Ele apertou os olhos em direção a orla da floresta assim que viu alguns pequenos vultos se mexendo, imaginou o que seriam ou o que estariam fazendo ali. Correu e voltou até o criado mudo ao lado de sua cama onde retirou a varinha de dentro da gaveta. De volta à janela, Kal posicionou-se lateralmente e disse em tom baixo.

- Captus!

Passos atrevidos cortavam a noite, sons agudos e sombrios, da janela não se podia ver o que a escuridão da noite escondia na orla da floresta. O garoto já estava pendurado na janela quando ouviu um som rouco, como um agouro.

Afastando-se, ainda com a varinha no ouvido, Kal perguntou-se o que seriam aqueles sons. Com certeza não é nada perigoso. Pensou para dar-se esperança.

Os sons roucos intensificaram-se e ele aproximou-se novamente da janela. Olhou na direção em que os sons vinham e não encontrou mais nada... Em apenas dois segundos o barulho mudou incrivelmente de lugar, estava bem abaixo da janela.

- Escaparta!

Kal não estava mais com a varinha no ouvido. Apontou para baixo e acertou, seja lá o que fosse. A luz azul criada pelo feitiço produziu um pequeno clarão que o permitiu reconhecer as criaturas de pele enrugada e amarela.

- Escaparta! Escaparta!

Mesmo sem saber o porquê de estar lutando contra aquelas criaturas, Kal continuou... mas parecia inútil. As criaturas escalavam as paredes frias da república com velocidade inimaginável, nem ao menos se incomodavam com os incessantes feitiços que Kal disparava na direção deles.

Cansado, trancou a janela e se afastou, empunhou a varinha de forma que pudesse usá-la caso um daqueles monstros conseguisse abrir a janela.

Ele passou alguns minutos de tensão aguardando pacientemente qualquer coisa acontecer. Olhou às camas ao redor e viu seus companheiros de dormitório repousarem tranqüilamente num sono intenso, como se nada estivesse acontecendo.

- Acordem... acordem... – teve vontade de gritar.

Passados mais alguns minutos sem nada acontecer, Kal aproximou-se mais uma vez da janela, já enjoado daquela situação. Abriu-a novamente e surpreendeu-se ao não ver ou ouvir qualquer coisa fora de comum. Completamente desnorteado e sentindo-se um perfeito idiota, guardou a varinha no criado mudo, arrumou os lençóis e se deitou.

Reservando-se no colchão, Kal imaginou mais uma vez o que eram aquelas criaturas e como entraram no castelo e agora estavam ali, próximas às repúblicas. E porque resolveram escalar paredes no meio da madrugada e como ninguém mais ouviu aquela barulheira.

Kal ficou sonolento. Assim que suas pálpebras relaxaram e seus pensamentos dispersaram-se, os ouvidos captaram aquele som inconfundível, um som rouco e sombrio.

Novamente acordado virou-se na cama e assustou-se ao ver a criatura respirando ao seu lado, com os dentes amarelos a mostra, hálito seco e ao mesmo tempo congelante.

Como uma máquina, o corpo de Kal desligou-se automaticamente...

- Kal... Kal... Está quase na hora da aula.

- Ham? O que aconteceu?

- Hum... Você é dorminhoco, só isso.

Na mesa do café, os três falaram e discutiram o que poderia ter ocorrido, Guinevere foi a primeira a lançar sua cara de incredibilidade, mas Ralph mostrou-se atento e bem compreensivo ao amigo.

- Você é uma cascavel, Guinevere! – bravejou Ralph.

- Eu só acho que o Kal fantasiou um pouco essa história de monstros, criaturas amarelas, e blá blá blá.

- Hum... tomara que nas minhas imaginações eu veja você sendo devorada por, hum... deixa-me ver, um bicho-sem-cabeça!

- Um bicho-sem-cabeça, Kal? – riu a garota levantando-se da mesa – Vou me encontrar com o Daimon, vejo vocês em Poções.

- Ok... – disse terminando de comer seu pão.

Mesmo tendo o apoio de Ralph, para Kal não era a mesma coisa. Saber que sua melhor amiga, e quase irmã não acreditava nele, era decepcionante. Guinevere sempre tivera um pensamento centrado na realidade, era o tipo de pessoa que só acreditava vendo e Kal gostava disto, pois ela não iludia tão facilmente. Mas nos últimos dias coisas bem fora da realidade começavam acontecer na vida de Kal, e ele temia não poder mais contar com a amiga para dividir essas experiências.

No caminho para a sala de poções, Kal e Ralph encontraram com alguns alunos de Tadewi que desciam as escadas para o primeiro andar, estavam eufóricos, cada aluno com um pedaço de pergaminho laranja, dando gargalhadas tão altas que mesmo quando os dois alcançaram o corredor do lado direito do saguão ainda conseguiam ouvi-las.

- O que há com eles?

- Devem ter feitos a inscrição para os testes de Quizard. – respondeu Kal – Você vai fazer, Ralph?

- Não. Tenho detenção no sábado com o professor Tirso...

- Pena.

- Mas você vai tentar, não vai? – indagou Ralph.

- Não sei. Acho que não tenho a menor chance contra os alunos mais velhos.

- Acho que você deveria!

- Eu também acho. – falou uma voz.

Guinevere os encontrou assim que já chegavam na sala de poções e ao seu lado estava Daimon, perceptivelmente acanhado, o rosto rosado e a cabeça baixa com as mãos nas costas.

- O que está acontecendo, Daimon? – indagou Kal puxando o braço do garoto, revelando um pedaço de pergaminho azul.

- Ela me obrigou a fazer a inscrição... – respondeu sem graça, indicando Guinevere com a cabeça.

- E você sabe como se joga uma partida de Quizard? – perguntou Kal.

- Ah... não, mas... eles vão ensinar, acho.

- Vão sim! – informou Guinevere.

- Quem te disse?

- Ora Kal, metade da escola nunca competiu de verdade. É claro que eles vão ensinar. Agora tome! Esse é o seu formulário! Já preenchi para você! É só assinar.

- Eficiente ela, não? – zombou Ralph.

- Assine! Está esperando o que?

Kal retirou uma pena com tinteiro da mochila e rapidamente assinou o pedaço de pergaminho.

- Obrigada! – disse a garota, que em seguida rumou apressadamente para o saguão de entrada.

- Alguém me diz o que deu nela... – falou Ralph espantado.

- Ontem, enquanto descíamos no balão ela ficou falando que o papai foi um grande jogador de Quizard. – comentou Daimon – Não me perguntem como ela soube disto, mas enfim, ela insistiu que eu e Kal deveríamos nos inscrever e tal...

- Para mim ela viajou legal. – respondeu Kal continuando o caminho até a sala de Poções.

- O fato é que já estamos inscritos, Kal. Só nos resta esperar até amanhã.

A sala de Poções estava com um cheiro esquisito naquela sexta-feira, diferente do odor de alho na última aula, agora possuía um cheiro férrico. Os caldeirões borbulhavam um líquido prateado e pastoso.

- Bom dia! Bom dia! Bom dia! – saudou Paulo Pote.

- Bom dia professor! – cumprimentaram alguns poucos alunos.

- Bem meus queridos pupilos, amanhã é dia de escolha para as equipes de Quizard. E pelo que me consta, as equipes estão bem desfalcadas este ano. Seis alunos serão escolhidos para jogar nas suas equipes. Que coisa não...

- Está dizendo que há apenas um jogador em cada equipe atualmente? – indagou Kal.

- Ah, sim! Por certo. – respondeu – Acontece meu querido discípulo, que Quizard é um esporte que exige muito de seus competidores, sendo que os testes só classificam alunos avançados. A maioria dos alunos que não está pelo menos no terceiro ano é eliminado na primeira prova. Então, aqui vai um conselho para vocês primeiranistas: não se inscrevam, é perda de tempo!

Cada aluno na sala arregalou os olhos ao terminar de ouvir as dolorosas palavras do professor, que parecia ficar estranhamente feliz em assustar seus alunos.

Como se não só as palavras de Paulo Pote bastasse, Guinevere entrou na sala com estrondo. Diferente dos outros alunos, a garota estava radiante de felicidade.

- Acordou iluminada hoje, Srtª Lingenstain? Ora, ora, o que vemos aí? – o professor andou até o meio da sala e educadamente apanhou o formulário de inscrição das mãos da garota. – Vocês têm uma colega muito corajosa. Hum, desculpem-me, um colega. Pelo que vejo nesta ficha de inscrição pertence ao Sr

. Foster. Kalevi Foster.

Kal olhou em volta e viu os colegas amassarem seus próprios formulários e enfiarem no bolso a fim de não serem ridicularizados pelo professor.

- Ah me lembro! Kalevi Foster, o garoto do Formanômago. Bem, devo informar-lhe que haverá muito mais do que vampiros naquele labirinto, ok? Vamos à aula.

Depois de satisfazer-se humilhando alunos, Paulo Pote resolveu finalmente explicar que o líquido prateado que estava borbulhando no caldeirão era uma poção revigorante chamada Vitelius e que comumente era portada pelos clérigos por se tratar de uma poção eficiente e de fácil uso. Durante as duas aulas, o professor ficou monitorando o preparo da poção pelos alunos. Kal teve a impressão de que a sua tornara-se um veneno, pois o cheiro lembrava muito com esgoto e a cor estava longe de ser prateada, era mais um verde acinzentado. Ralph, no entanto, parecia saber muito bem misturar os ingredientes, Paulo o elogiou com todas as palavras que encontrou em seu vocabulário, que também serviu para repreender um aluno que pôs ingredientes demais e acabou por derreter o fundo do próprio caldeirão.

Quando o sinal tocou marcando o fim das aulas de poções, ouviu-se o costumeiro barulho de mochilas batendo nas costas dos alunos, que apressados correram até o primeiro andar para a aula de Clerigologia. Seria sua primeira aula desta matéria, pois as duas aulas da quarta-feira foram canceladas por um motivo que não foi bem explicado.

- É aqui. – indicou Ralph quando se aproximaram da porta dupla de carvalho.

- Será que tem professor desta vez? – indagou Kal.

Do lado esquerdo do corredor ouviu-se um barulho de salto tamborilando nas pedras de mármore que revestiam o primeiro andar. Seguindo o som, os primeiranistas observaram uma mulher alta, branca de cabelos negros e curtos.

- Bom dia, meus alunos! Eu sou a professora de clerigologia, Cristina F... – a professora parou por um breve instante e dirigiu sua atenção para Kal, sorriu e disse ao garoto – Vejo que você está bem melhor hoje.

- É estou... – respondeu sem graça. Kal pode olhar novamente a mulher que o ajudou dois dias antes quando estava fraco por ter feito a projeção astral, naquele momento ele nem se preocupara em perguntar quem era ela, apenas ficou grato por tê-lo curado e resolveu sair o mais rápido possível para evitar perguntas que talvez ele não pudesse responder.

- Certo alunos, vamos iniciar a aula e vamos tentar acelerar o conteúdo porque amanhã, alguns de vocês, terão testes para as equipes de Quizard. Os alunos do primeiro ano sempre levam um pouco de desvantagem contra os alunos mais velhos, mas não deixem isto ser um obstáculo. Vocês podem se dar bem! Então, vamos para dentro.

Ao entrarem na sala de aula as narinas dos alunos foram invadidas por um perfume adocicado e refrescante, parecia essência de eucalipto ou menta. Nas paredes havia alguns quadros de bruxos e bruxas embrenhados em pequenas moitas ou embaixo de grandes árvores. Muitos dos bruxos nas pinturas carregavam frascos de diversos formatos, um quadro chamou a atenção de Kal, nele estava pintada uma mulher de vestido preto em frente a um caldeirão borbulhante, a mulher tinha seus rosto coberto pelos cabelos negros. Suas mãos estendiam-se até a boca do caldeirão e derramava um tipo de líquido azulado.

- Acredito que o professor Paulo Pote tenha ensinado sobre a poção Vitelius. – disse Cristina e Kal dispersou sua atenção no quadro - Então vou ensiná-los agora a maneira correta de usá-la, a propósito, eu sou Cristina Lê Fay.

Ao alcançar a estante de madeira polida no canto da sala, a professora indicou aos alunos que se aproximassem para pegar amostras de poções que estavam guardadas no móvel.

As poções, para a sorte deles, não eram poções de alunos. Aparentemente, a professora as havia preparado para a aula. Já com os pequenos frascos em mão, Cristina Lê Fay mostrou-lhes de maneira prática como curar alguém com a poção.

- A primeira coisa a ser feita é perguntar a pessoa o que ela sente. A poção Vitelius pode ser usada para combater o cansaço e a moleza. Basta uma colher da poção para uma preguiça vencer uma maratona!

De outro armário ela retirou uma criatura gosmenta e avermelhada a qual disse que era uma Trêmulam, uma criatura de pele vermelha parecida com um lagarto.

Os pequenos olhinhos verdes do bicho cintilavam à medida que era erguida no ar pelo rabo, bem fino. Ela liberava um certo odor característico, o cheiro de enxofre espalhou-se pela sala obrigando os alunos da frente taparem as narinas.

- Vamos a uma amostra simples. – assim que largou o bicho em cima da mesa, esse iniciou uma fuga desesperada, como se previsse o seu destino. – Ferebelo!

O feixe de luz rosa que a varinha de Cristina disparou acertou em cheio a trêmula que agora se contorcia em agonia. A pele vermelha do bicho ficava cada vez mais esticada e ele ficou parecido com uma fita crepe. Os olhos esbugalharam-se’ e os pequenos dentes de cerrinha à mostra. Ironicamente os dentes brancos à mostra e a expressão sorridente devido ao esticamento da pele faziam da trêmula um perfeito garoto-propaganda de creme dental.

- Estão vendo alunos? Espero que aprendam, porque este pobre bicho está fazendo um sacrifício muito grande para que vocês entendam o processo. Eu apliquei sobre ela uma maldição de superfície, ou seja, o problema é externo e tomar a poção Vitelius não trará resultados. O que vocês devem fazer é mergulhar a ponta da varinha na poção e repetir o feitiço. Ferebelo!

O filete de luz rosa mesclou com o líquido prateado para finalmente alcançar a trêmula que pareceu levar um choque térmico. Ela rolou pela mesa, deu cambalhotas e num estalo havia voltado ao normal.

- Acompanharam? Agora vamos a outras demonstrações de uso.

A aula estendeu-se com as demonstrações de uso da poção. A cobaia, durante toda a aula foi a pobre e azarada trêmula, que se contorceu, grunhiu, perdeu as patinhas, voou, quicou no chão...

- Eu tive pena daquele bicho. Coitado... – comentou Guinevere enquanto saiam da sala.

- E eu tenho pena dos nossos ouvidos se não levarmos uma cobaia para a aula de maldições. – balbuciou Ralph.

- Pelas barbas de Merlin! Eu havia esquecido completamente. Aquele escaravelho do Amadeus pediu que levássemos para a próxima aula um bicho qualquer.

- Guinevere! Ele é um professor! Não pode chamá-lo assim – retrucou Kal imediatamente.

- Ora Kal!

- Parece que não fomos os únicos a esquecer... – ao ouvir as palavras de Ralph, Kal e Guine apressaram os olhares até os estudantes do primeiro ano que corriam de um lado para o outro do saguão sem saber ao certo o que estavam fazendo. Poucos alunos seguravam os bichos pedidos. Um desses poucos era ninguém menos do que Rick Wosky.

- Esse porco parece que conseguiu uma cobaia. – comentou Kal.

- Provavelmente é aquele irmão idiotinha dele. – sugeriu Ralph – Mas vamos, temos que pegar alguma criatura para usarmos na aula. Se não seremos os únicos a passar vergonha.

- Vamos voltar na sala de Clerigologia e pedir a trêmula da professora emprestada. – sugeriu Guinevere.

- Isso! – concordaram os garotos.

A sala ainda preservava o odor de enxofre quando os três entraram, mas parecia que não iria durar muito tempo. Cristina Lê Fay estava “purificando” o ar com a varinha, lançando jatinhos de fumaça coloridos, ora verdes, ora roxo, amarelo...

- Professora! – chamou Guine ao entrarem na sala.

- Nossa, o que estão fazendo aqui ainda? – indagou a professora.

- Precisamos da trêmula! – falou Kal sem rodeios.

- E posso saber para quê?

- É a aula de Maldições! – continuou Kal.

- Ah sim! Entendo. Mas, não vou poder emprestá-la. Lamento.

- Ah... – decepcionaram-se os três.

- Acontece que a trêmula está bem surrada, coitada. Ela já sofreu as piores provações hoje e temo que ela não agüente o que Amadeus preparou.

- Tem idéia de onde podemos encontrar uma cobaia? – perguntou Guinevere.

- Talvez na orla da floresta vocês possam encontrar alguns bichos pequenos que sirvam ao propósito.

- Ok! – falou Kal.

Saindo da sala de aula, Kal olhou de relance um dos livros da professora com o título “Clerigologia através dos séculos”, no entanto o que chamou a atenção do garoto foi a pequena etiqueta dourada com letras prateadas inscrita “Cristina Foster Lê Fay”.

Não é possível. Pensou Kal. Olhou mais uma vez para a professora que continuava com sua purificação do ambiente.

Eu não sabia que havia outras pessoas com o sobrenome Foster. Mentalizou.

- Vamos! – chamou Guinevere puxando-o pelo braço.

- Ah... vamos...

Os três atravessaram os jardins do castelo a largos passos e desceram no primeiro balão que encontraram. Na Cidade dos Elfos eles mais uma vez correram até a orla da floresta e em cinco minutos já estavam caçando bichos. Vez ou outra um aluno saltava de dentro da floresta segurando alguma criatura. Dois alunos de Katzin e cinco de Tadewi, foi a contagem feita por Kal nos quase quarenta e cinco minutos que permaneceram ali.

- Escaparta!

- Amstãnder!

- Ferebelo!

Kal, Ralph e Guinevere disparavam feitiços para todos os cantos onde havia barulhos. Finalmente, ao custo de alguns arranhões e muito suor, os três dirigiram-se ao castelo, Kal e Guine pegaram um tipo de rato grande e amarelo e Ralph, usando o Amstãnder, capturou uma criatura parecida com um furão. O feitiço que Kal usou para capturar o seu foi tão forte que o bicho voou quinze metros antes de bater em um tronco de seringueira.

- Temos duas aulas de feitiços antes da aula de maldições. – falou Kal – Onde vamos colocar estes bichos?

- Talvez possamos enfeitiçá-los de forma que fiquem imobilizados. Só imobilizados. – sugeriu Ralph.

- Mais um feitiço e este rato morre...

- Kal tem razão. Não dá para enfeitiçá-los mais, não com os feitiços que conhecemos...

No saguão de entrada, alguns alunos tentavam manter as cobaias presas dentro das mochilas já que essas estavam se recuperando dos nocautes.

Tirso espantou-se ao ver todos os alunos com algum tipo de bicho dentro das mochilas. Camila Cerda teve que perseguir o seu rato amarelo pela sala, mas felizmente Tirso a ajudou.

- Minha sala transformou-se num zoológico e ninguém me avisou? – disse o professor quando entregou o bicho à menina e virando-se viu cinco pequenos animais de antenas em sua mesa. Com um gesto simples de varinha ele retirou as criaturas e as guardou nas mochilas dos respectivos donos.

- Bem, hoje nós veremos um feitiço bem interessante e que acaba com a insônia. – disse Tirso sacudindo o pé para retirar um gato do mato de seus sapatos – Para quem pensou em um feitiço do sono, meus parabéns. Acho que podemos aproveitar esses animaizinhos um pouco. Kal. – Tirso indicou para que o garoto fosse até a frente com sua mochila – Saberia nos dizer qual é o feitiço do sono?

- Não senhor.

- Sem formalidades, Kal – repreendeu – Tudo bem não saber, no entanto, continue aqui, ok?

- Sim.

- Bem, na Grécia antiga, e acredito que Cacius possa nos dar maiores detalhes sobre isto, falava-se sobre um deus que tinha a capacidade de controlar o sono. Era Morfeu, o deus do sono. E foi deste nome que se originou a morfina, um tranqüilizante natural presente no chocolate. E daí o Mórfinus, nosso feitiço. Vamos praticar? Kal.

O garoto puxou o rato amarelo de dentro de sua mochila e o largou na mesa. Com a mesma velocidade ele sacou a varinha e disse:

- Mórfinus!

Uma fumaça densa e roxa saiu da varinha e encobriu o rato, que logo saltou da mesa.

- Fraco, muito fraco. Novamente.

Kal alisou os cabelos com uma das mãos e disparou o feitiço no rato caído no chão.

- Mórfinus!

Desta vez não foi uma nuvem e sim um lampejo roxo que acertou o rato, mas ainda assim não surtiu efeito.

- Mais uma vez, com as duas mãos.

Impaciente, Kal segurou a varinha com as duas mãos e afastou os joelhos, apontou no meio do corpo do rato que já estava parado e meio zonzo.

- Mórfinus! – o grito ecoou pela sala seguido pelo estalo da varinha. O feitiço foi demasiadamente mais forte do que as vezes anteriores, por um momento ele achou que o rato havia desaparecido, mas logo percebeu que ele havia sido deslocado cinco metros a frente.

- Uhuhu... – fizeram alguns alunos em espanto.

- Muito bem, apesar de não ser tão discreto assim, acredito que esse ratinho não vai incomodar ninguém nas próximas semanas. Quem será o próximo?

Os alunos fizeram uma fila e aos poucos a sala de feitiços tornou-se uma espécie de boate com o intenso piscar de luzes.

- Kal, pode vir até aqui? – chamou Tirso – Soube que você se inscreveu para a seleção de Quizard.

- Sim, mas na verdade foi a Guinevere quem me inscreveu.

- Já tem em mente a posição que planeja competir? – perguntou Tirso sendo indiferente à observação do garoto.

- Não, mas acho que vou escolher uma posição sem muito destaque.

- Sei... posso sugerir uma se quiser. O que eu realmente queria é que você jogasse em uma posição como a do armador, você tem muito potencial, Kal. Viu o que fez com o Mórfinus? Você transformou um simples feitiço em uma arma poderosa.

- Sim, mas...

- Quero que amanhã você compareça aos testes.

- Ok.

- Então posso contar com você?

- Sim, professor.

- Seis horas do lado de fora da escola, próximo ao lago.

Tirso levantou-se e prosseguiu com as explicações do Mórfinus, cada aluno já havia feito suas cobaias dormirem um sono leve e jogaram-nas nas mochilas. A aula de feitiços mostrou-se muito útil afinal de contas. Dada aula por encerrada, os alunos recolheram seus materiais e o arrastar intenso das cadeiras tornou qualquer outro som indistinguível. Kal fez sinal a Tirso indicando-lhe o rato que ainda dormia em sua mão sem dar qualquer sinal de consciência. Do outro lado da sala o professor disse algo que não pode ser compreendido e o rato acordou ao ser atingido por um raio branco.

Amadeus Wosky parecia ainda mais assustador naquele fim de tarde. Os cabelos negros muito bem penteados serrando-lhe os olhos, um casaco negro capaz de cobri-lo dos ombros até os calcanhares dava-lhe um aspecto frio.

A sala estava iluminada com algumas poucas algumas velas que davam formas fantasmagóricas às sombras.

- Boa tarde, professor. – cumprimentou Kal quando arrumou uma cadeira para se sentar na primeira cadeira. Amadeus encarou-o por um instante e no outro abaixou a cabeça e voltou a concentrar-se no que estava fazendo.

- Eu trouxe o animal como o senhor pediu. – insistiu ele.

Amadeus Wosky permanecia indiferente a qualquer fala do garoto. Após todos se sentarem, inclusive os alunos do primeiro ano de Katzin, e Rick estava com eles, o professor de Maldições se levantou e rapidamente o silêncio se fez.

- Quem não trouxe o que eu pedi, por favor, retire-se.

Dois ou três alunos de Katzin levantaram-se de suas cadeiras e saíram da sala de aula.

- O que pretendo ensinar hoje é algo que muitos de vocês talvez não consigam realizar, pois se trata de magia poderosa. Alguns alunos mais avançados do que vocês não conseguem com perfeição. Por isso, não se sintam inferiores caso não tenham êxito. Mas se conseguirem, sintam-se como reis, porque são poderosos. – Amadeus olhou firme para seu filho que estava sentado numa das cadeiras do meio.

Com a varinha o professor fez levitar um pequeno animal de dentro de um vaso em cima de sua própria mesa. Parecia a miniatura de um porco, ele fez o pobre animal rodopiar no ar e atravessar a sala quase que como uma volta olímpica.

- Dunkel! – grunhiu Amadeus.

A luz negra da varinha encobriu o porquinho e no segundo seguinte o bicho estava completamente desfigurado.

- Familiar, não? – cochichou Guinevere.

- Está é a maldição Dunkel, muito comum no Egito, até que a proibiram quando a associaram Dunkel a outra maldição egípcia, a Maldição de Tut-Tanka-Mon. Nós falamos dela na aula passada. Alguém sabe me dizer o que foi esta maldição?

- Tut-Tanka-Mon foi um faraó egípcio e no início do século XX, quando descobriram o seu túmulo, a maldição foi ativada, e seus descobridores então, desapareceram – respondeu Rick Wosky.

- Essa é a história que fazia o Rick dormir quando era neném. – disse Ralph e junto com Kal deram risadinhas, Amadeus apontou a varinha para os dois.

- Desculpe, senhor. – disseram.

Amadeus virou sua varinha para o próprio filho e com desgosto disse:

- Rick, se você não puder controlar sua língua, peço que se retire da minha aula.

- Mas você perguntou...

- O senhor perguntou. – corrigiu ele – E perguntei para os alunos que não sabem.

- Desculpe, senhor. – falou Rick de cabeça baixa, mas ainda assim mostrando ódio no tom de voz.

- E agora quero que cada um coloque a cobaia em cima da mesa e tentem usar a maldição.

Imediatamente os alunos seguiram a ordem do professor, sem muita delicadeza e iniciaram as tentativas.

- Dunkel! – o rato de Kal tremeu, e apenas tremeu.

- Ah! Eu desisto. – falou Guinevere – Isso é coisa de neandertal.

- Isso é coisa de egípcio, Guine. Vamos lá! Se o seboso do Wosky conseguiu machucar aquele macaco na Cidade dos Elfos, nós também podemos conseguir.

- Isso mesmo, Kal. – confiou Ralph – E nós ainda vamos usar essa maldição no Wosky um dia.

- Não antes de usar nas cobaias. – completou Guinevere.

- Dunkel, Dunkel, Dunkel... – insistiu Ralph sacudindo a varinha freneticamente.

- Se sua varinha fosse uma faca, já teria feito em pedaços sua cobaia. – retorquiu Amadeus - A propósito, o que seria ela? – indagou.

- Eu não sei que bicho é esse, professor.

- Então eu respondo, senhor Scheiffer. Este é um Dilqui, ou seja, um animal em risco de extinção. O diretor Cacius preserva esses animais e acho que não ficará feliz em saber que um desses está servindo de cobaia. Se bem que, com você não há risco.

Três alunos de Katzin, incluindo Rick, soltaram risadas escandalosas e Amadeus se fez indiferente.

- Professor, existe uma maneira correta de ser fazer o feitiço? – indagou Kal.

- Maldição, senhor Foster, maldição. Não há uma maneira simples de se fazer. Apenas lance.

- Tudo bem, vamos lá, Kal, vamos lá... – disse ele mesmo – Dunkel!

Ele permaneceu com a varinha apontada para o rato amarelo que ficou completamente imóvel.

- Firmeza Foster, firmeza. Diga novamente! – repreendeu Amadeus ao seu lado.

- Dunkel! Dunkel!

Os feixes negros acertaram o animal que já tremia e se contorcia, mas ainda assim Kal não obteve o resultado que desejava.

- Deixe de patetice, Foster. É assim que se faz. Dunkel! – Rick havia se levantado para dar uma demonstração de magia.

- Basta, Rick! Basta! – berrou o professor.

- Qual é o seu problema? Eu posso fazer isso!

- Eu sei que você pode, Rick, mas não precisa!

Pai e filho iniciaram uma discussão que prometia durar. Rick ficara descontrolado e passava a berrar mais alto. Alguns alunos já haviam se retirado da sala de aula e Amadeu, mostrava-se impaciente, embora calado.

Kal permaneceu ali, imóvel, sentado em sua cadeira, ao lado de Guinevere e Ralph, observando aquele desentendimento que já havia deixado de ser entre professor e aluno.

Num movimento rápido de varinha, Amadeus acertou Rick com um feitiço paralisante.

- Foi uma decepção. – disse o professor ao ver o filho caído no chão.

- Professor? O que houve?

- Não se meta onde não deve, senhor Foster. Não é da sua conta.

- Eu acho que é sim, Wosky.

- Senhor. – falou – E porque seria da sua conta? Moleque...

- Senhor para você. E é da minha conta porque era eu quem estava aprendendo e sou eu o Guardião Mirim e preciso defender alunos, mesmo que Rick não vá com a minha cara.

- Hum... ele não é o único. Escute, só porque o nome Foster tem um glorioso passado histórico, não significa que os herdeiros deste nome tenham que estar na lista dos cem bruxos mais queridos do ano. Agora, se puderem me dar licença, tenho assuntos de família a resolver. Assuntos que só interessam a mim e ao meu filho.

Sem ter mais o que dizer, Kal, Ralph e Guinevere recolheram seus materiais e saíram pelo corredor. Imaginaram o que poderia ter motivado aquela discussão na sala de aula.

- Amadeus é sempre tão sério. – disse Guinevere ainda não acreditando no que acabaram de ouvir.

- Mas Rick é um implicantizinho des...

- Foster!

- Rômulo...

- Ainda bem que te encontrei. Soube que você se inscreveu para o Quizard.

- É me inscrevi... – falou ele furtando um olhar de Guinevere.

- Bem, os testes são amanhã e o Conselho Estudantil estará presente para te apoiar.

- Obrigado Rômulo. – agradeceu imaginando o quão discreto seria apoio de Rômulo.

- É o que podemos fazer, meu amigo Foster. – disse o garoto dando tapinhas no ombro de Kal. Logo em seguida, saiu por um corredor a direita.

- Bem, esquecendo essa história toda de Quizard, alguém sabe me dizer porque tanta irritação do Amadeus pelo fato do Kal ser um Foster? – indagou Ralph.

- Acontece que é algo muito exclusivo, quero dizer, Kal, Daimon e o tio Adonis são os únicos vivos.

- Não acho que seja algo tão exclusivo assim, Guinevere.

- Como assim, Kal? – perguntou a garota.

- Acontece que a professora Cristina também tem o sobrenome Foster! – anunciou.

- O que? Não entendi... Foster não é uma linhagem única? – perguntou Guinevere.

- Também achei que fosse, mas agora não sei...

- E como você descobriu?

- Um dos livros da professora, estava com etiqueta no nome de Cristina Foster Le Fay.

- Lê Fay... Lê Fay... é claro! – exclamou Guinevere.

- O que é claro, Guinevere?

- Kal! Na aula de História, o professor Cacius falou de uma Lê Fay, uma bruxa muito importante. Lembra?

- Morgana Lê Fay! – respondeu Kal – Parece que nossa professora de Clerigologia tem uma herança genética honrosa.

- Foster e Le Fay são realmente nomes fantásticos, Kal... – falou uma quarta voz.

- Ah... professor Tirso... desde quando... é...

- Não se preocupe, só ouvi essa parte dos nomes... mas, concordo que eu bem gostaria de fazer parte de uma dessas famílias.

- Os bruxos realmente pensam isso, professor? Que ser de uma família com antepassados gloriosos o torna especial? – perguntou Ralph.

- Bem, alguns bruxos são muito tradicionais, e... acreditam sim. Mas sabemos que força e caráter não têm nada a ver com herança genética. Você é o que você quer ser. No entanto... há outro detalhe que alguns bruxos usam como critério para se classificarem, vamos dizer assim.

- Qual detalhe? – indagou Kal.

- Assunto para as próximas aulas, Kal, próximas aulas... mas querem um conselho, procurem a professora Cristina.

- Procurar a mim? Para quê?

- Uh... neste castelo as coisas se desenrolam com facilidade... – sussurrou Ralph a Guinevere.

- É professora, nós... quer dizer, eu, gostaria de saber qual, hum...

- Meu sobrenome? Foster Lê Fay. Seu pai não te contou?

- Contar o quê? – perguntou Kal franzindo o cenho.

- Que oficialmente eu sou uma descendente direta de Foster.

- Como pode? – indagou Guinevere.

- Acontece que Foster e Morgana tiveram um filho, mas esse filho de Morgana nunca foi reconhecido como herdeiro, até pouco tempo. Seu pai, que atualmente é o Foster mais velho, reconheceu, vamos dizer assim, a autenticidade do meu sangue, a partir de então, quem era Lê Fay, tornou-se Foster Le Fay!

- Isso é patetice... – resmungou Kal.

- Não posso fazer nada, Kalevi Foster. E qual é o problema? Ter um sobrenome importante não muda nada na vida de alguém. Você não pode ser julgado pelo nome de sua família, e sim pelo o que de importante você vive para fazer.

- Profundo... – debochou Kal – Se me der licença, eu tenho um teste amanhã.

- Ah, claro! Lembre-se de uma coisa Kal, Griamen!

Ficou claro para Kal o que Cristina estava dizendo. Griamen foi o feitiço o qual ela utilizara para revitalizá-lo dois dias antes quando estava enfraquecido por tentar fazer a projeção astral.

Seguindo caminho até os portões do castelo, o garoto pensou qual seria o problema de Cristina ser uma Foster. Kal crescera tendo em mente que sua família era única e tradicional, e também muito conhecida no mundo mágico. No entanto, o surgimento de outra herdeira de sangue, outra descendente, e pelo que ele pôde entender, que surgiu de um relacionamento não oficializado entre Foster e Morgana, poderia manchar este nome, fazê-lo perder o prestígio que tinha.

Bobagens que permaneciam em sua cabeça.