quinta-feira, 14 de agosto de 2008

O dia em que ele se foi

Ela estava impaciente àquele dia. Já fizera seis semanas desde que se mudara para aquela terra distante. Distante das batalhas sangrentas que eram travadas na lendária ilha de Hi Brazil. Queria poder estar lá, como queria...

Sentia que a pequena cabana improvisada que construíra no dia de sua chegada era um cômodo cárcere, porém, a verdade que doía em seu peito é a de que seu coração, pulsante e raivoso, era a pior de todas as celas.

Após os quatro primeiros dias, ela percebeu que seus prantos já não mais seriam atendidos, que não haveria quem enxugasse suas lágrimas e que a colocasse no colo para ampará-la. Decidiu estocar cada lágrima que ainda lhe restava para quando fosse feliz. Mesmo que isso lhe parecesse uma idéia muito vaga.

Na terceira semana, decidiu que seria seguro sair para olhar o sol e à noite, a lua. Sentir o vento tocar a cútis seca, sem brilho e envelhecida pela preocupação. Rugas se formavam naquele rosto jovem que não havia muito, irradiava extrema beleza. Os cabelos longos e enegrecidos caídos nas costas, agora pareciam chumaços de palha amontoados na cabeça. As roupas sempre tão limpas e cheirosas tinham um aspecto rústico após dias de solidão.

Não parecia haver magia que consertasse todos aqueles problemas, aquelas deformações. Não enquanto estivesse enclausurada. Não enquanto fosse prisioneira do seus sentimentos. Da sua culpa.

Quinze para meia-noite, avisava o pequeno relógio de madeira pendurado à parede. Ela começava a se misturar aos lençóis da própria cama, apalpando um travesseiro extra que substituía alguém ausente.

CLAC!

O coração dela pulsou forte ao ouvir aquele som familiar. De um só salto pôs-se de pé, a varinha em riste. Só uma pessoa sabia exatamente onde ela estava, e por mais que seu coração pedisse por esperanças, ela já as perdera ao longo das últimas seis semanas. Não teria motivos para ele ir até ela. Teria?

- Está aí? – perguntou uma voz masculina, do lado de fora, que a fez tremer encima dos joelhos.

- O q-q-que f-faz a-a-aqui? – perguntou ela, a voz falhando pela falta de uso.

- Aconteceu alguma? Parece assustada. Deixe-me entrar.

Reagiu por impulso, como se aquele “Deixe-me entrar” fosse, de fato, uma ordem.

Vaidosa, ela ainda tentou ajeitar os cabelos ressecados com algum feitiço conhecido, mas a emoção a impedira de fazer um bom trabalho.

- Não é porque está foragida que precisa se aparentar tão mal. – disse o homem sardonicamente.

Sem outra reação, ela jogou-se para cima do amado e tocou suas costas com um longo abraço, querendo dar mais valor aqueles segundos de amor do que as seis semanas de esquecimento.

- Senti sua falta. – disse ela, finalmente.

- É claro que eu senti também. – comentou ele, sua voz sincera, porém comedida – Como vocês passaram esses últimos dias?

Ela não queria falar dela mesma. Tivera tempo o suficiente para saber que a dor que sentira não era digna de lembrança ou comentários. Queria notícias.

- Por onde vocês estiveram? Não recebi uma notícia se quer.

- Estivemos lutando, claro. – respondeu ele, ainda curioso, analisando a mulher a sua frente – Desde a sua partida, as pessoas têm resistido mais.

- É verdade? – inquiriu, enquanto puxava cadeiras para os dois se sentarem próximos à mesa.

- Por certo. Eles entenderam de que lado você está e agora estão resistindo.

- Mas isso me custou a liberdade. – lamentou.

- Fiz bem em te mandar para cá. Não seria seguro você permanecer por lá. Não depois de ter abatido Aleixo e Mordento. Dizem que os dois eram os mais fiéis e antigos seguidores dele.

- Eu juro que não queria matá-los... juro. Mas não poderia permitir que ele se aproximasse de mim, não agora. – falou ela encarando, resignada, o pequeno quarto aonde dormia.

- Gostaria de poder estar presente. – lamentou o homem, encarando os próprios pés.

- Você tem o seu outro, não tem? Faça dele alguém feliz.

- Não diga essas coisas, por favor... – pediu o homem, levantando-se.

Ela sentiu que uma lágrima lhe escaparia, lembrou-se de sua promessa e a segurou com todas as forças.

- Você acha que ele ainda virá atrás de mim? – desviou o assunto.

- Já o teria feito se realmente quisesse. – tranqüilizou-a – Ele anda muito ocupado chefiando seu exército de criaturas mágicas.

- Ainda usam aquelas criaturas?

Por algum motivo ele soube exatamente do que ela falava.

- Sim. Pegaram Alicia Schimidel na semana passada. Todos lamentamos a morte dela.

- Não gosto daqueles olhos azuis perfurando a minha alma... eles realmente paralisam.

Ele deu mais algumas voltas pela pequena sala improvisada analisando o ambiente. Sacou a varinha e saiu realizando feitiços para consertar objetos quebrados e conjurar novos.

- Sua proteção tem servido bem. Ninguém pareceu tentar perfurá-la.

Ele sorriu vaidosamente.

- Enquanto eu viver, você estará segura aqui. E quando eu morrer... – fez uma pequena pausa – não haverá motivos para se esconder.

Quer fosse por gratidão, pena ou desespero comedido, ela sorriu.

- Posso dar uma olhada nela antes de ir?

- Claro... – respondeu a mulher, guiando-o para o pequeno quarto.

Logo ao lado da cama onde a pouco a mulher estivera deitada, estava um pequeno berço torto de madeira, coberto por um véu negro.

- Não tem me dado o menor trabalho. – disse ela erguendo o véu e revelando uma pequena criança com pouco mais de um ano de idade, dormindo em sono profundo, distante dos acontecimentos.

- Sinto tanto por não estar presente... – lamentou ele, com uma sinceridade marcante.

- Cuide do seu outro filho. Garner. Não foi esse o nome que o deram?

- Sim. – respondeu – Garner Foster, é o nome dele.

- Antes de ir... – disse ela se aproximando de uma cômoda e retirando de lá um objeto – Quero que leve isso.

- O que é?

Ela se aproximou do amado e colou nele um pequeno colar.

- Para lhe trazer sorte nas batalhas. – após isso deu-lhe um curto beijo.

- Eu te amo, Morgana.

- Também te amo, Foster.