quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Capítulo 11 - O desafio do amaldiçoado

Depois da longa e prazerosa primeira semana em Avalon, as aulas passaram a se tornar monótonas, principalmente as de Geomagia. A cada nova semana a professora Zélia Bússola enchia mais o quadro com tarefas chatas que envolviam localizações de antigos povos e suas respectivas cidades. Certa aula, sobre Atlântida, um aluno respondeu que a cidade submersa estava escondida em seu aquário de peixinhos dourados. A resposta, não tanto didática, despertou fúria na professora que passou a lotar mais ainda o quadro. Quando um aluno não trazia toda a tarefa completa, o próximo lugar que ele deveria localizar era a coordenação.

- E sem mapas! – rugia ela com as bochechas vermelhas.

Com Maldições não seria diferente. O mau humor de Amadeus começava a refletir no desempenho dos alunos que continuavam a tirar notas baixas, a exceção de Kal que se empenhava ao máximo para ver Rick Wosky irritado por ele ter êxito em suas tarefas.

História e Feitiços eram as matérias favoritas de Kal, além da afinidade pelo conteúdo, a amizade com os professores servia como estímulo. Cacius sempre se mostrava sereno em suas aulas e explicava como se a história fosse um conto de fadas. Depois daquela conversa no escritório, o diretor não mais procurou por Kal, nem ao menos perguntava se ele tivera mais alguma visão do passado. Limitava-se aos cumprimentos na sala de aula e nos corredores, quando se cruzavam. A ametista que recebera do professor vivia em seu bolso e à noite o garoto a colocava sobre o travesseiro, de forma que ninguém pudesse pegá-la enquanto dormia.

Já Tirso, que vivia sempre tão alegre em sala de aula, a ponto de os alunos esquecerem por completo de Amadeus, preparava aulas mais criativas a cada nova semana. Os feitiços estavam ficando mais difíceis, no entanto, à medida que isso ocorria, o professor fazia uma breve pausa para melhores explicações.

Kal também passou a ter progresso nas aulas em que deveria utilizar sua planta. A Herviana estava, depois de dois meses de aula, em um vaso muito maior que as dos outros alunos. Com mais alguns meses ela teria que ser enterrada em solo, pois suas raízes precisam de espaço para continuar crescendo saudáveis.

Adonis e Amanda mandavam cartas aos garotos toda semana, numa dessas cartas, Kal perguntou sobre Cristina e seu pai lhe disse que ela realmente é uma Foster e já é considerada parte da família. O romance entre Foster e Morgana nunca fora oficializado, e o filho entre eles também não recebeu o sobrenome Foster, nem suas gerações seguintes, no entanto, séculos depois, a família Lê Fay provou seus laços com os Foster.

Os pais de Ralph também lhe escreviam contando algumas poucas novidades. Aparentemente, a família Scheiffer não tinha um lado terno tão desenvolvido.

Kal estava adorando ser Guardião-mirim, poder acabar com brigas e mandar Rick Wosky para detenção por insultar alunos era prazeroso. As reuniões noturnas do Conselho Estudantil eram a parte ruim, pois ele perdia boa parte do seu tempo livre discutindo banalidades como mudanças de móveis no terceiro andar e a criação de um novo caminho para as hortas. Kal sabia que aquilo tudo é para mostrar à escola que o Conselho Estudantil fazia alguma coisa de útil por ela. No entanto, depois das reuniões, Kal tinha uma sala vazia e tranqüila para fazer a projeção astral. Voar por cima da Floresta Amazônica e pelo castelo era algo divertido, principalmente quando ele encontrava alunos de Katzin perdidos. Ele havia lido mais o seu livro “Além da matéria” e descobriu com fazer barulhos que podiam ser ouvidos por pessoas no mundo físico. Esta era a rotina das noites de quinta-feira: Ir até a reunião, fazer a projeção astral para assustar alguns alunos medrosos e descer até Tadewi antes do último balão partir de Avalon.

No final do mês de maio, as equipes de Quizard já haviam sido devidamente treinadas pelos professores responsáveis, Tirso, Amadeus e Cristina em Tadewi, Katzin e Angus, respectivamente.

Ao que parecia cada equipe havia desenvolvido uma habilidade, uma tática de jogo diferenciada. Cada uma com sua estratégia, as equipes de Angus e Katzin abriram os jogos de Quizard com uma vitória esmagadora dos katzenianos. A vitória tornou o castelo um pesadelo para todos os alunos que não pertenciam à casa vencedora. Tiveram que aturar por longas semanas as bandeiras amarela e azul balançando nos corredores o grito de guerra dos alunos de Katzin.

“A supremacia é notória,

Perder não é nosso passado

Grite, Katzin, sua vitória,

Angus o lixo fracassado”

Já na primeira partida de Tadewi e Katzin, os habitantes de Cidade dos Elfos assistiram a um show de horrores. A rivalidade entre as equipes as fez esquecerem o objetivo do jogo, e ao invés de levaram seus desafiantes à Sala das Diferenças em segurança, os competidores travaram uma verdadeira batalha dentro do campo, e a partida foi anulada em com nova data prevista para depois das férias de julho.

As semanas iam-se e Kal continuava impressionado com a conversa que tivera com Cacius a respeito de seu suposto dom de enxergar o passado. Depois daquele sábado nada de anormal aconteceu, nada de visões ou flashes. Simplesmente nada. Era como se nunca tivesse acontecido.

A ametista, sempre guardada em seu bolso, lembrava que não estava sozinho. Cacius o ajudaria, caso precisasse. Sabia disso.

Na manhã do dia dois de junho, Ralph acordou Kal aos berros desejando feliz aniversário ao amigo. Depois jogou um travesseiro em cima do garoto ainda sonolento e o arrastou pelo braço até a sala de Tadewi.

- Obrigado, Ralph. – agradeceu Kal aos tropeços pela escada.

- Depressa! Depressa! Você ganhou presentes!

- Calem a boca vocês dois, ou vou amaldiçoá-los... – disse Pedro bocejando após a entrada nada discreta de Ralph no dormitório.

Todos os anos, Kal ganhava presentes de seus pais e de alguns parentes, no seu décimo terceiro aniversário não seria de outra forma.

- Feliz aniversário, Kal! – Guinevere já havia mudado o pijama, talvez tenha sido a primeira a acordar.

- Bom dia, e obrigado, Guine. – disse ele escaneando os presentes ao lado da lareira do salão principal da República de Tadewi. Olhando as etiquetas viu o nome de seus pais, de sua tia Lilith e de sua prima Bernadina, dos seus padrinhos Vitória e Roberto, que moram na Inglaterra e uma pequena caixa marrom com a assinatura de Daimon, Guine e Ralph.

- Abra o do seus pais. – Guinevere estendeu a Kal um embrulho de papel dourado com fita vermelha, ele o segurou por um breve momento tentando adivinhar o que era, como sempre fazem as crianças quando sacodem seus presentes para deduzir qual o seu conteúdo pelo barulho que fazem dentro da caixa.

No instante em que fechou os olhos para imaginar o que poderia ser, teve a visão de seus pais na Livros & Boatos, eles seguravam um livro de capa verde em título azul “Os bruxos que mudaram a história”, e na saída da livraria os dois seguiram até a casa da Rainha dos Elfos, Eva.

- Acho que eles erraram de filho, Guine. – falou Kal sorrindo.

- Como assim?

- Deram-me um livro, “Os bruxos que mudaram a história”, isso é mais a cara do Daimon.

- Como você sabe o que é sem abrir o presente? – perguntou Ralph.

- Eu os vi comprando. E tem mais, acho que eles ainda estão na Cidade dos Elfos.

- Jura? Eu nem acredito! Preciso avisar ao Daimon! – falou Guinevere batendo palminhas na altura do queixo.

- Quer dizer que você viu os seus pais mesmo? Só em segurar o presente? – perguntou Ralph levemente assustado pela espontaneidade de Kal, que a esta altura já havia desembrulhado o presente e confirmado sua visão.

- Foi isso, mas é tudo involuntário. Eu não tenho qualquer controle sobre essas visões. É assustador. – respondeu – Vamos olhar este livro...

Assim que fez menção em abri-lo, Kal sentiu uma estranha sensação de perda, como se lhe faltasse algo. Resolveu subir para pegar a ametista. Talvez seja ela. Pensou.

Ele subiu rapidamente de volta aos dormitórios e enfiou uma das mãos sobre o travesseiro. Aliviado, ele pegou a pedra e enfiou-a no bolso da frente da camisa. Ainda assim permaneceu por ali espiando o quarto para ver o que poderia estar faltando, mas não identificou nada. Sem fazer mais barulhos, porque Pedro Andrade ainda estava dormindo e ameaçou Kal e Ralph com a varinha se fizessem mais barulhos.

- Não vai abrir o nosso presente? – perguntou Guine estendendo o braço com o embrulho marrom.

- O que é? – perguntou.

- Abra!

Kal rasgou o embrulho sem nenhuma cerimônia e se deparou com um porta-retrato com a foto dos amigos e do irmão, os três sorriam e acenavam para ele, ao que parecia, a foto havia sido tirada no pomar de maçãs, em frente à mesma árvore que estava pintada na sala de Cacius.

- Esta macieira é a mais antiga da Cidade dos Elfos. – informou Ralph.

- Os elfos nos disseram que a árvore une as pessoas. – disse Guine.

- Acrescentaram outras histórias também... – continuou.

- Obrigado. – disse Kal alçando-os pelo pescoço num abraço amistoso.

Ele ainda recebera, de seus padrinhos, uma pedra do humor, aquelas que mudam de cor de acordo com o estado moral, das pessoas. No entanto, esta era mais como um termômetro, que mede o grau de segurança para se conversar com alguém, você aponta a pedra para a pessoa e ela revela o estado de espírito desta. A pedra veio acompanhada com uma escala de cores. Branca – disponível para qualquer tipo de conversa – azul celeste – pode falar, estou ouvindo – vermelho – não teste a paciência desta pessoa – preta –puxar assunto com esta pessoa pode ser a última coisa que você vai fazer na vida. Kal teve a impressão de que sempre que apontasse para Amadeus a pedra ficaria preta.

O presente de suas adoradas tia e prima Kal jogou dentro do baú de sua cama para abrir outra hora. As duas nunca lhe mandavam nada de interessante mesmo, desde pequeno ele recebia frascos de poções velhos e cadernos para rabiscar. Não que elas não pudessem comprar algo melhor, afinal recebiam uma ótima pensão do governo após da morte de seu tio Cosmo, mas as duas nunca se simpatizaram muito pela figura de Kal, mantinham certas cordialidades apenas para manter a amizade com a família.

Guine, que já estava pronta desde cedo, ordenou que Kal e Ralph fossem mudar de roupa e tomar café para seguirem logo para as aulas.

- Não pense que só porque é o seu aniversário o governo vai criar um feriado nacional para você curtir o dia. – falou ela.

Os três alcançaram a sala de história antes do professor e da maioria dos alunos. Providenciaram cadeiras bem à frente para ouvirem com perfeição a mais um excelente relato histórico de Cacius.

- Bom dia, alunos de Tadewi! – saudou o professor ao entrar na sala dez minutos mais tarde – Gostaria de comunicá-los que a partir desta aula estarei revisando a matéria para a nossa prova de final de semestre. E como o primeiro assunto, falarei sobre a queda de Donnovan e sobre a história de Kricolas.

Ao ouvirem este último nome os alunos estremeceram e alguns chegaram a esbugalhar os olhos. Apesar de estar, inativo, por assim dizer, Kricolas ainda era o homem mais procurado do país, e representava um problema de segurança internacional.

- Nós sabemos muito bem que um poderoso bruxo chamado Foster, há exatamente novecentos e noventa e oito anos, destruiu todo um exército de criaturas mágicas e seu líder, Donnovan, que naquele tempo também era conhecido como Cavaleiro Negro, mas isto é bobagem. Independente de ser cavaleiro ou não, Donnovan possuía ódio e total desprezo pelas fraquezas humanas. Para ele, um bruxo era um humano sem deficiências. Seu ódio chegou a tanto que ele considerava inadmissível a mistura dos dois povos, e muito pior ainda foi quando Merlin e Foster tentaram ensinar magia à espécie que Donnovan classificava como impura. – Cacius parou e olhou para os alunos lendo na expressão de cada um o interesse que sentiam ao ouvir esta história, em especial. Todo bruxo conhecia-na muito bem, desde o berço ela lhe é contada, mas nenhum deles se cansa de ouvi-la. Ainda mais contada por uma figura tão simples e ao mesmo tempo enigmática como Cacius – Este bruxo – continuou – de coração sangrento formou um exército com todos aqueles que pensavam como ele. Que humanos são criaturas inferiores. Infeliz daquele que se opusesse ao seu grandioso exército. Houve mortes não apenas no Brasil, a Europa também foi dominada pelo seu idealismo distorcido e até hoje se vê os resultados. Pequenos demais se comparados ao furor com que este Cavaleiro Negro batalhava. Até ser finalmente impedido por um jovem bruxo de meio sangue, resultado do casamento de uma humana com um bruxo. No entanto, este jovem, a quem foi dado por Merlin o nome de Foster, foi capaz de acabar com este reinado de trevas utilizando apenas um feitiço.

- Perpétuo. – disse Kal.

- Exatamente. Com este feitiço, Foster desgastou todo o seu poder e conseguiu destruir por completo o exército de Donnovan.

- Professor – chamou uma aluna – por que o exército de Donnovan estava reunido aquele dia?

- Excelente pergunta Srta. Cerda. Excelente pergunta. Merlin ergueu este castelo para ensinar magia a quem quisesse aprender. E muitos queriam. Eram tantos os alunos que o castelo tornou-se pequeno para abrigar a todos. Logo surgiram as primeiras casas onde é hoje a Cidade dos Elfos, vieram então os comerciantes, as Repúblicas onde vocês passam boa parte do tempo, e assim a cidade se expandiu. Prevendo que a situação fugia do seu controle, Donnovan convocou todo o seu exército para um ataque maciço, que arrasaria a cidade e o castelo. E foi nesta oportunidade que Foster agiu.

Cacius continuou relatando pequenos detalhes sobre aquele período, dizendo que naquela época o Brasil era conhecido por todos como Hy Brazil, e que assim ficou conhecido por cartógrafos humanos da época. Os bruxos europeus acreditavam que o país na verdade fosse uma ilha cheia de elfos, fadas e duendes, que boiava no Atlântico e que por vezes mudava de posição.

Ao tocar o sinal, os alunos adiantaram-se ao garoto.

- Lembrar é preciso.

- Porque ele não consegue falar sem ser por enigmas? – queixou-se ao ver a sombra do diretor desaparecer pelo corredor.

- Eu confesso que não entendi nada agora... – falou Ralph – para mim ele tem um parafuso a menos.

- Vocês já repararam que a cada vez que Cacius conta como foi há mil anos ele acrescenta algo novo a história? – indagou Guine.

- Mas desta vez ele fugiu totalmente ao que ia dizer. Falou que iria explicar sobre a queda de Donnovan e a história e Kricolas, mas nosso bebedor de sangue foi deixado de escanteio. Para mim o velho está senil.

- Talvez ele continue na última aula, Ralph. Agora temos que correr para não nos atrasarmos para a aula de feitiços. – disse Guine jogando os materiais em cima dos garotos e os empurrando em direção ao corredor.

A sala de Tirso estava, incomumente, escura. As janelas trancadas e nenhuma vela acesa. Apenas a luz que entrava pela porta dupla de carvalho iluminava fracamente a sala. O professor não parecia sentir-se muito confortável com a ausência de luz, mantinha-se na beirada da porta e iluminava o caminho entre as cadeiras para os alunos com sua própria varinha.

- Bom dia professor. – cumprimentou Guine ao atravessar o arco da porta.

- Bom dia, srta. Lingenstain.

- Aderiu ao estilo do professor de maldições? – brincou Kal.

- Longe de mim parecer igual àquele amaldiçoado. Mas tive que ambientalizar minha sala para a aula de hoje. Acho que não vai vir mais nenhum aluno, certo? – perguntou o professor depois de conferir os alunos nas mesas – Então podemos começar. A propósito, Kal, feliz aniversário.

- Obrigado professor, mas como...?

- Encontrei seus pais agora pouco.

- Eles estão no castelo?

- Sim, acredito que devam estar tomando um café na sala do professor Cacius. – disse sorrindo.

Tirso indicou o caminho aos três até a mesa mais próxima e então trancou a porta.

- Alunos, vamos iluminar a sala com as varinhas, vamos lá, Bolhasradiant!

- Bolhasradiant! – repetiram, e as varinhas clarearam completamente a sala, embora fosse impossível enxergar o teto.

- Hoje veremos um feitiço simples e de grande utilidade. Pelínculo! Ele é muito utilizado por náufragos e pessoas perdidas como um sinalizador. Quando usado dispara um raio de luz fino que explode formando um grande clarão. Antes de qualquer coisa, gostaria de avisar que o teto desta sala foi encantado para simular um céu à noite.

- E onde estão as estrelas? – perguntou um aluno.

- Ah... é que o céu está nublado, apenas torça para não chover. – respondeu o professor – Agora, senhores, tenham a bondade de apagar as varinhas.

- Guive. – disseram eles o contra feitiço e as varinhas, instantaneamente, deixaram de produzir as bolhas de luz.

- Obrigado. Agora, observem. Pelínculo!

A ponta da varinha de Tirso disparou um brilho que atravessou o limite de onde deveria estar o teto e explodiu no ar com um leve barulho e uma forte luz amarela iluminou temporariamente a sala.

- Senhor Freman, poderia nos fazer as honras. – convidou o professor sobre a já enfraquecida luz do feitiço.

- Pelínculo! – disse o garoto com a varinha erguida.

Desta vez, uma luz verde clareou o lugar. Ao que parecia, a cor que a luz assumia variava de bruxo para bruxo. Não demorou muito para o céu encantado tornar-se multicolorido.

- Até parece ano novo! – brincou Tirso ao se aproximar de Kal – E então? Como foi sua conversa com Cacius?

- Esclarecedora. – resumiu.

- Ótimo, agora eu vou te dar uma dica que talvez ele não tenha te dito.

- E qual é? – perguntou Kal olhando para Guine e Ralph que não se cansavam de disparar seus raios rosa e laranja.

- Quando se tem um dom, o melhor a fazer é usá-lo.

Kal remou a frase em seus neurônios e então se sentiu feliz de tê-la ouvido. Aquelas simples palavras ditas pelo professor foram o suficiente para retirar de sua cabeça qualquer receio que ele ainda tinha sobre olhar o passado. Por mais assustador que possa ser você vivenciar eventos já acontecidos, como se estivesse lá, ser incentivado a fazê-lo por um bruxo como Tirso era um sinal de que os seus medos eram infundáveis e que estavam comprometendo o desenvolvimento de sua habilidade.

Fazer perguntas a Tirso nunca pareceu um problema a Kal, mas uma, em especial, rondava sua mente querendo se completar com uma resposta que parecia não poder chegar de lugar algum, a não ser do próprio professor. No dia da seleção para os representantes de Tadewi no Quizard, Kal presenciou o momento da transformação de Tirso, de macaco para homem. Mas não fora a primeira vez que Kal vira aquele macaco. Em seu primeiro dia na Cidade dos Elfos, quando batalhou contra Rick, Kal viu o mesmo macaco, que por sinal foi atingido pela maldição Dunkel. E desde então a pergunta rugia dentro de sua mente. O que Tirso fazia transformado em macaco na Cidade dos Elfos?

- Ah... professor, desculpe parecer intrometido... – começou Kal selecionando bem as palavras para o professor não ser evasivo. Decidiu então que seria direto, sem rodeios – O que você estava fazendo na Cidade dos Elfos transformado em macaco na primeira semana de aula?

- Hum... isso faz tempo, Kal, bom eu estava passeando. A Cidade dos Elfos tem lindos pomares de maçã, sabia?

- Eu vi uma macieira em um quadro no escritório do diretor. E ganhei de Guine, Daimon e Ralph uma foto em que ela aparece ao fundo.

- Ah, sei qual macieira. A de um fruto só. – comentou Tirso.

- Como assim?

- Você não conhece a história?

- Não.

- Está brincando! Não se pode conversar com um Elfo por dois minutos que ele já começa a tagarelar sobre a árvore.

- Mas o que ela tem?

- Bem, segundo os elfos da cidade, ela nunca produziu mais do que um fruto por vez, entendeu? E biologicamente falando, maçã é pseudofruto... Mas bem, aquela árvore nunca produziu duas maçãs ao mesmo tempo! Os motivos são vários, uns dizem que é por se tratar de uma árvore milenar, outros porque foi ali que Merlin pousou para a tela que você viu na sala do diretor. E ainda outros dizem que foi debaixo dela que o grande bruxo escreveu as páginas do seu livro lendário. Pura lorota. Na verdade macieiras nem deveram produzir frutos nesta região.

- Eu não teria tanta certeza disto professor.

- O quê? Você realmente acredita que o Livro de Merlin existe?

- Com todas as minhas forças. – respondeu entusiasmado.

- E como pode ter tanta certeza? Imagina onde ele possa estar? – interrogou Tirso não escondendo seu interesse.

- Eu não tenho idéia de onde possa estar o livro, mas por qual motivo Kricolas fugiria da prisão depois de tanto tempo?

- Bem, a idade chega para todos, vampiro ou não...

- Isto não me convence, professor.

- Tudo bem, e se Kricolas estiver, também, enganado sobre a existência do livro. – insistiu.

- Na sala de Cacius eu tive uma visão do momento em que aquele quadro de Merlin foi pintado. E ele dizia O saber pode ser perigoso, mas também é a porta para a mudança.

- Como assim?

- Para mim, Merlin quis dizer que o conhecimento deve ser repassado, para que possamos mudar o que há de errado. Então, a menos que Merlin esteja ainda vivo, o que é pouco provável, o livro realmente existe e de fato armazena todo o conhecimento dele.

- E está por aí... – disse Tirso quase que para si só – Não posso duvidar do seu dom quando o próprio Cacius o confirmou, no entanto, a interpretação pode estar errada. Ele, Merlin, era muito enigmático.

- Mas e se eu estiver certo professor...

- Mesmo que estivesse certo, isso não nos dá uma localização exata...

- Como assim? Têm bruxos procurando o livro?

- Ah... você realizou a tarefa, Kal? – disfarçou Tirso.

- Pelínculo! – falou Kal com a varinha erguida, e uma bola gigantesca de luz roxa explodiu no ar – Continue professor.

- Acho que já bateu o sinal. – Tirso apressou-se em se levantar, agitou a varinha e então as janelas se abriram e o encanto do teto desapareceu – Obrigado alunos até mais.

Tirso sentou em sua cadeira, pegou pena, tinteiro e pergaminho e na velocidade de um feitiço escreveu um pequeno recado que foi despachado no minuto seguinte. O pequeno aviãozinho zumbiu tão rápido no ouvido de Kal, que ele nem teve tempo de ver qual caminho o bilhete tomou. Mas podia ter certeza de que era um bilhete para Cacius, o seu conteúdo também interessava a ele.

- Hei, no mundo da lua! – berrou Ralph que ao lado de Guinevere se dirigia até a porta – Aula com nosso querido Amadeus.

Pelo caminho até o primeiro andar, Kal contou a Ralph e Guine sobre a conversa que tivera com Tirso e os dois concordaram que o professor não havia contado tudo o que realmente sabia sobre o livro.

- Talvez seja assunto secreto. – argumentou Guine.

- Ou que não lhe agrade. – disse Ralph – Falando em não agradar, olha quem está ali.

Rick Wosky e seu pequeno rebanho de puxa sacos estavam parados diante de uma sala de aula vazia, rindo-se, certamente de algum aluno de Angus, que geralmente servia como chacota. Assim que Rick viu Kal se aproximar com o seu distintivo, disparou um feitiço contra um aluno primeiranista de Angus que estava saindo de uma sala de aula abarrotado de materiais.

- Por que você fez isso? – disse o primeiranista encarando Rick com tanto medo que podia ver-se de longe o suor escorrer por sua testa pálida.

Como guadião-mirim, Kal deveria, sem usar magia ou qualquer tipo de força, impedir brigas entre os alunos. Mas quando se tratava de Rick Wosky era quase impossível não se irritar. Ele tirou um pedaço de pergaminho de dentro da bolsa junto com uma pena, pronto para escrever uma ocorrência por mau comportamento e desrespeito com o colega.

- Hei, Foster, viu que panaca que esses alunos de Angus são? Não sei porque você os defende. – disse Rick e seu rebanho riu sabe-se lá de que. Ao que parecia, eram débeis mentais que riam por qualquer motivo.

- O panaca aqui é você, Wosky, porque fica de castigo quase toda semana, mas ainda assim não aprende – repreendeu Kal – Agora você vai pedir desculpas àquele garoto e ficar em paz ou terei que fazer uma ocorrência?

- Você se acha muito esperto, não é? Vai ver quando eu acabar com você na Sala das Diferenças.

- Como é?

- É isso mesmo que você ouviu, Foster – disse enojado – eu sou o desafiante da equipe de Katzin.

- O que houve com Divalte? – perguntou Kal referindo-se ao desafiante que jogara as últimas partidas por Katzin.

- Foi expulso da escola. Mas isso nem é da sua conta! Pensando melhor, acho que não vou competir com você no Quizard. Afinal não te deixam jogar. É claro, você é o elo fraco da equipe...

- E você será o elo perdido! – disse Kal sacando a varinha.

- Amstãnder! – mandou Rick.

- Escaparta! – retrucou Kal.

Os dois feitiços encontraram-se no ar e ricochetearam voltando aos dois garotos. Ambos caíram no chão e Rick tentou a maldição Dunkel, sem sucesso. Kal acertou-o na cabeça com o feitiço Mórfinus fazendo-o despencar provocando um forte barulho.

- Vê se esfria a cabeça. – disse ele olhando para os débeis – Vocês, levem-no para a enfermaria.

Os quatro garotos ergueram Rick pelos braços e pernas e seguiram rumo a sala da Srª. Simon, sem uma gargalhada ou reclamação.

- Quem manda se meter com o Guardião-mirim. – disse Guine sobre o aplauso de alguns alunos de Angus e Tadewi que se juntaram para ver o que estava acontecendo.

- Menos Guine, menos... – abafou Kal – Vamos para a aula.

Pelo caminho, seus amigos continuaram a falar sobre o ato heróico de Kal e concordaram que Rick estava merecendo uma lição há tempos. Ele tinha a fama de ser um garoto valentão e encrenqueiro, e fazia jus a isso. Nem mesmo a personalidade ativa de seu pai parecia intimidá-lo. Era como se para Amadeus, Rick fosse tudo o que um pai espera ver em seu filho.

Na sala de maldições, estavam os alunos de Angus e também os de Tadewi, todos reunidos em três grupos de cinco alunos, a não ser por Daimon e Jonathan que estavam sentados a um canto, ambos pareciam dois espantalhos pálidos e extremamente suados.

- Qual é o problema? – indagou Kal ao sentar-se ao lado do irmão.

- O que está acontecendo, Daimon? – insistiu Guinevere vendo que ele batia seus joelhos de tamanho nervosismo.

- É hoje... – respondeu apavorado.

- O que é hoje Daimon? Meu aniversário? Obrigado pela foto.

- Feliz aniversário, gostou do nosso presente? – disse ele dando um tapinha no ombro do irmão e Kal assentiu que sim.

- Feliz aniversário, Kal. – felicitou Jonathan.

- Obrigado. Mas Daimon! Que diabos você tem? – perguntou novamente em tom de nervosismo.

- Hoje é o dia que o professor Amadeus marcou para o teste de final de semestre! – respondeu de modo conclusivo.

- Nossa! É mesmo! – assustou-se Ralph alisando a testa.

- Nós vimos três alunos de Katzin sendo levados com urgência à enfermaria depois que acabaram os testes deles. – informou Jonathan.

- Arre! O que esse doido quer? – falou Guine indignadamente.

- Desculpe, parece que eu ouvi vocês me chamarem de doido? – Amadeus acabara de surgir como um fantasma agourento carregando suas correntes pelos corredores de um castelo velho.

- Desculpe, mas se ouviu não o deveria, pois se trata de uma conversa particular, senhor. – respondeu Kal com azedume e encarando bem os olhos do professor.

O professor vislumbrou o rosto sarcástico do garoto, deu uma leve mexida em seu nariz razoavelmente empinado e prosseguiu até sua mesa. De lá iniciou a aula.

- Espero que todos estejam bem preparados, porque o teste de hoje será conclusivo! Os que passarem por ele estarão dispensados das próximas aulas. Os alunos que não passarem e por ventura tiverem condições de freqüentar as aulas, terão uma reavaliação.

- Ai meu Deus... – gemeu Daimon encolhendo-se ainda mais na cadeira.

- Chamarei os grupos um a um para que passem por esta porta, que foi encantada para levá-los ao coração da Floresta Amazônica. Lá, vocês deverão localizar algo em especial, algo que não condiz com o que nós estudamos. Só assim poderão retornar vitoriosos. Os que quiserem desistir deverão sinalizar com a varinha. Agora, o grupo dos senhores Foster poderia se aproximar para ser o primeiro?

- Ai meu Deus, ai meu Deus... – choramingou Daimon quase que enfiando as duas mãos na boca.

- Qual o problema? Querem ser reprovados? – perguntou Amadeus vendo que nenhum dos cinco se levantou.

- Não! – respondeu Kal em tom grave – Nós vamos, senhor.

Daimon e Jonathan ergueram-se com dificuldade e caminharam até a porta logo atrás de Ralph e Guine. Daimon puxava Guine pela camisa para voltarem, mas então ela o empurrou para frente.

- Que objeto devemos encontrar professor? – perguntou Guine.

- Vai querer um mapa que a leve até o objetivo do teste também, senhorita Lingenstain?

Furioso com a resposta que Amadeus disse a Guine, Kal correu até a maçaneta da porta e a abriu com violência, e se jogando para dentro dela. Ele sentiu-se sendo sugado para um redemoinho e também sentiu o seu corpo despencar. Aquela sensação de queda não fora a primeira de sua vida. Pouco antes de se tornar bruxo, Kal sentiu-se caindo em um abismo, sendo sugado pelo vento. Mas ali era diferente. Era apenas uma queda livre, não havia outra força sendo exercida além da gravidade, mas o frio na barriga e o medo eram os mesmos.

- Kal! Encosta a ponta da sua varinha na minha! – Daimon aparecera na sua frente e parecia saber exatamente o que estava fazendo.

- Onde estão os outros? – perguntou Kal, fazendo o que o irmão havia pedido.

- Devem estar vindo!

No momento em que as duas varinhas se tocaram elas grudaram-se como os lados opostos de um imã e nada parecia desgrudá-las.

Ralph e Guinevere surgiram no instante seguinte e foram orientados por Daimon a unirem também as varinhas com as duas outras.

- Só falta o Jonathan. – disse Daimon.

- Quando entrei, ele estava pendurado na maçaneta! – falou Ralph – acho que Amadeus ia jogá-lo!

- Teremos que continuar sem ele, seja lá o que vai fazer, Daimon.

- Não podemos Kal, mas acho que não temos muito mais tempo! No três nós gritamos Aprumus. Ok?

Os três confirmaram com a cabeça e estavam preparados para qualquer coisa que pudesse acontecer dali em diante.

- Esperem!

Jonathan despencava a ponto de bala e logo alcançou os outros quatro, juntando sua varinha com as demais.

- Um... Dois... Três... Aprumus!

Um enorme clarão surgiu e Kal sentiu seu corpo desacelerar... Em um baque, caiu como a uma altura de meio metro.

- Onde estamos? – perguntou Guinevere um pouco zonza.

- Na prova do Amadeus, e acabamos de responder a questão um. Como sobreviver a um portal. – falou Kal irritado.

- E o que nós temos que procurar? Ele é muito sem noção... – bravejou Ralph – Esta escola é para doidos, um diretor que não fala coisa com coisa e um professor homicida! Para mim isso não passa de uma conspiração maluca!

- Acalme-se Ralph, por favor, dá para ser menos psicótico? – falou Kal – Muito bem, quem quiser desistir basta sinalizar e fazer a reavaliação na próxima semana. Quem pretende continuar, me ajude a resolver a questão dois. O que devemos procurar?

Os olhares seguiram de Daimon para Ralph, Ralph para Jonathan, Jonathan para Guine e de volta para Daimon. A votação silenciosa optou por ficar na floresta e enfrentar os desafios que estavam por vir.

- Ok. Agora, um de vocês tem idéia do que devemos procurar?

- Talvez algum objeto que não deva ser encontrado em uma floresta. – sugeriu Daimon.

- Eu concordo. – disse Jonathan – Vamos procurar qualquer objeto que nos pareça estranho por estar em uma floresta.

- Isto envolve caminhar pelo mato, não é? Porque eu não tenho boas lembranças disso. Recordam-se da nossa última caminhada no mato, Daimon e Kal?

A aventura a qual Guine se referia era a do dia em que os três saíram a pé de Vila da Cachoeira, atravessando o Bosque de Vinho, quando uma mariposa gigante atacou os três e Kal foi atingido pelo pó paralisante do inseto e eles tiveram que seguir até o Hospital Nautilus.

- Bolhasradiant!

Ralph utilizou o feitiço e em seguida todos o imitaram.

- Para que lado nós devemos seguir? – perguntou Daimon – Este lugar me dá arrepios...

- Ai meu pai...

Jonathan acabara de chamar a atenção dos outros para mostrar a peluda figura do que parecia ser um lobisomem parado a pouco mais de quinze metros de distância.

- Pensei que lobisomens só se transformassem à noite! – falou Daimon espantado e ao mesmo tempo muito, muito assustado.

- Parece que esse aí não leu o manual dos lobisomens... e está vindo para cá! Corram! – berrou Ralph.

Os cinco alunos correram desenfreados passando pelas árvores, saltando raízes e troncos caídos, desviando de galhos, enquanto seu perseguidor, que se movia tranqüilamente pela floresta sobre suas quatro finas e peludas patas, farejando-os com seu comprido e negro focinho, espremendo os olhos amarelos contra a escuridão que se formava sobre as copas das árvores e apurando sua audição canina.

Depois de tropeçar sobre uma raiz, Kal ergueu-se rapidamente e apontou a varinha para o lobisomem que estava parado a uns vinte metros, na certa estava com dificuldades em farejar os cinco em meio aos tantos aromas existentes na floresta. A criatura balançava o pescoço num zigzag continuo e movia seu maxilar de um lado para o outro levantando a gengiva e revelando seus afiados dentes.

Sem pensar duas vezes, Kal decidiu que se alguma coisa deveria ser feita para livrarem-se do lobisomem a hora era aquela. Aproveitar o momento de distração do inimigo. Depois de uma rápida olhada mental nos feitiços que conhecia, Kal optou por um que surtiria um efeito imediato. Ergueu a varinha e disse:

- Sedru...

Mas antes que pudesse terminá-lo, Ralph e Guinevere puxaram-no pela gola da camisa para que voltasse a correr, e o feitiço, que certamente daria fim à perseguição, serviu apenas para sinalizar suas posições ao lobisomem, que desenfreadamente correu na direção do grito.

- Ficou maluco? – brigou Guinevere correndo e batendo os braços contra os galhos a sua frente – É um lobisomem, não um bichinho de pelúcia.

Na direção oposta aos três, vinha uma luz rosa, pouco maior que a mão de Kal. A luz passou pelos cinco e acertou o peito do lobisomem, derrubando-o logo em seguida.

- O que foi aquilo? – perguntou Jonathan parando.

A poucos metros de onde estavam, agora havia um lobisomem caído. A pele enrugada e peluda e grandes garras tão afiadas quanto navalhas, capazes de cortar a barriga de um homem com um único movimento. Poucos metros acima de seu corpo pairava a luz rosa que o havia atingido. No peito do lobisomem estava a marca do impacto como se tivesse levado um enorme soco.

- O que é isso? – perguntou Kal imaginando o que poderia ser aquele brilho rosa.

- Mais respeito com quem salvou sua vida, moleque! – uma voz fina e desafinada vinha do interior da luz, que ao se extinguir por completo revelou uma pequena menininha – Eu sou uma fada. Meu nome é Bruxa.

- Que adequado para uma fada... – brincou Guine.

- Eu vi essas malditas varinhas de vocês acesas e pensei que eram minhas amigas. Aí vi que vocês estavam fugindo do Cândido aqui, e resolvi ajudar.

- Cândido? Este bicho tem nome? – espantou-se Daimon.

- É claro que tem! Ele já foi humano. Mas agora não consegue voltar ao estado natural. Acho que foi uma maldição. Ele nunca sai da transformação de monstro.

- Então não é o que estamos procurando.

- Obrigado, Bruxa.

- De nada, menino Daimon.

- Como sabe meu nome?

- Nós fadas somos muito oniscientes.

Quando Bruxa finalmente desceu a uma altura visível, Kal percebeu que a fada tinha pele em tom de rosa claro e algumas protuberâncias fluorescentes da mesma cor, em que ele presumiu ser dali que ela emanava sua luz. Usava botinhas verde claras até o joelho e uma mini saia de pétalas de rosa vermelha que combinava bem com o chapéu em forma de cogumelo na cabeça dela. As seis asinhas batiam inquietas como se a qualquer momento Bruxa fosse decolar.

- Bem eu tenho que procurar meu grupo. – falou ela.

- Espera fada, quer dizer Bruxa, sei lá, você, espera! Viu algo de anormal nesta floresta hoje? – indagou Kal.

- Fora vocês? Não.

- Tem certeza de que não viu nada?

- Tenho, quase, para falar a verdade eu vi um livro no pé de uma árvore hoje pela manhã.

- Onde?

- Logo ali! Se quiserem, eu mostro a vocês.

A fadinha rosa voou na direção de onde viera e começou a cantarolar numa língua incompreensível, certamente era a língua das fadas, mas a música não chegava a incomodar os ouvidos de ninguém, por momentos Kal até mesmo esqueceu o que estava fazendo ali, tamanha a capacidade de distração e relaxamento que a música provocava.

Kik’s vcereny lazwbrk

Ademmügü, Ademmügü

Donp, donp xenobiurght

‘Ke tiny ‘borwh’ fanfas

Coch’xetlra duke tanmine

Ademmügü, Ademmügü

- O que significa isso? – perguntou Daimon olhando para a fada com incredulidade.

- Seria mais ou menos assim no idioma de vocês.

Viva eternamente minha

Felicidade, Felicidade

Voe, voe alegria

Vá direto ao mundo das fadas

Ilumine meu caminho,

Felicidade, felicidade

- Que horror... – comentou Kal amargamente.

- Quanta árvore... – resmungou Jonathan passados vinte minutos de caminhada em busca do livro.

- É uma floresta menino Jonathan.

- Escuta aqui, oh Sininho! Onde você está nos levando? - bravejou Kal parando no meio do caminho e encarando a figura colorida a sua frente.

- Oh nervosinho, dá para se acalmar que a fadinha aqui está cansada! Eu perambulei o dia todo a procura do meu bando!

- Pensei que as fadas nunca se separassem. Como você se perdeu? – perguntou Daimon.

- Eu acordei, e vi que estava sozinha... Só isso...

- Então você foi procurar seu bando e encontrou um livro. – deduziu Ralph.

- Isso! Nossa você é tão onisciente. Também é uma fada?

Ralph simplesmente ignorou o comentário e lançou um breve olhar a Kal. Ambos começavam a desconfiar de Bruxa, ou o que ela era uma fada muito mentirosa ou que fizesse parte do jogo. Talvez os dois.

- Vamos parar para descansar. – sugeriu Kal sentando-se num tronco caído.

- Ótimo! – berrou a fada com mau humor.

Metendo a mão no bolso da camisa, Kal retirou a ametista que ganhara de Cacius e passou a vislumbrá-la com a pouca luz que saia de sua varinha.

- Ah! Uma ametista milenar! – exclamou Bruxa –Posso ver? Uh... é tão cheia de energia... também, presenciou o feitiço Perpétuo.

- O que disse? – perguntou Kal limpando os ouvidos para ter certeza do que ouvira.

- Que essa pedra que você está segurando estava no local em que Donnovan foi derrotado.

- E como você sabe disso? – questionou Guine que mudou de posição para ouvir melhor o que a fada dizia tão cheia de confiança.

- Onisciência meus amigos, onisciência... – respondeu – agora vamos atrás do guarda-chuva.

- Qual guarda-chuva? – indagou Jonathan.

- O que nós estamos procurando, que está próximo a uma pedra. O que eu vi ontem à noite. – respondeu a fada.

- Opa! Nós estávamos à procura de um livro, embaixo de uma árvore e que você viu hoje pela manhã. – corrigiu Kal – Você está nos enganando!

- Hihihihi... – fez ela com a mão na boca.

- Amstãnder! – Ralph acertou a fada e a fez cair no chão com estrondo – Por que você está tentando enganar a gente? Fadas são boas! Lembra?

- Eu achei que vocês estivessem brincando, hihihihihi... – chiou.

- Ah... – resmungou Kal pronto para acertá-la com a varinha.

- Hei! Esperem! É ela quem deveríamos encontrar! – falou Daimon astuto - Lembram-se da história sobre fadas que habitavam ilhas e enganavam os navegadores com maldição Lonvy, que os deixavam sem senso de direção?

- Daimon, com sinceridade, não me lembro. – falou Ralph recolhendo a fada do chão.

- OK, mas tem outra. Fadas quando andam sozinhas não conseguem mentir por causa da maldição Fículous, o que torna esta fada algo diferente de se encontrar. – falou Daimon.

- Quer dizer que esta coisinha é o que procuramos? – duvidou Ralph que ainda a mantinha presa entre seus dedos.

- Então ela também pode ter mentido sobre a pedra... – decepcionou-se Kal.

- Provavelmente. – assentiu Daimon.

- E como faremos para voltar? – indagou Guine que se mostrava espantada com tudo aquilo.

- Vamos tocar as varinhas na fada. – sugeriu Jonathan – Não foi assim que a gente parou aqui?

- Ótimo vamos lá! – disse Kal acertando a cabeça da fada com sua varinha.

As outras quatro varinhas uniram-se a de Kal e então as protuberâncias da fada iluminaram-se até seu brilho rosa envolver os cinco e levá-los de volta à sala de maldições do mesmo modo enjoativo que chegaram à floresta.

domingo, 18 de novembro de 2007

Capítulo 10 - Sedructos

No café da manhã daquele sábado, os alunos estavam agitados. Boa parte deles acordou quase que de madrugada a fim de chegar mais cedo ao local dos testes. Os alunos de Angus iriam competir entre si nos jardins do castelo, Kal e os demais alunos de Tadewi iriam para uma arena montada na orla da floresta, mas ninguém sabia ao certo onde seriam os testes de Katzin, apenas sabiam que seria aplicado naquele mesmo dia pelo professor de Maldições, Amadeus Wosky.

Ralph e Daimon despediram-se de Kal e Guine nos terrenos baixos de Avalon, Daimon subiria para os testes com a professora Cristina e Ralph preparava-se para a detenção na sala de feitiços, que seria cumprida com a Srta. Scringer, pois Tirso aplicaria os testes para a equipe de Tadewi.

Guinevere seguiu até as arquibancadas de madeira, onde se sentou ao lado de outras meninas. No vestiário cor azul e laranja, Kal aproximou-se de um grupo de garotos e garotas, mais ou menos cinqüenta. Conseguindo um lugar na frente ele viu um macaco de uns sessenta centímetros, pelo negro e um pouco alaranjado com uma longa cauda cinzenta, que, para sua surpresa era o mesmo o qual Rick havia utilizado a maldição Dunkel, em seu primeiro dia na Cidade dos Elfos. E para surpresa ainda maior do garoto, o macaco transformou-se no professor Tirso. Kal esfregou os olhos, mas estava certo do que vira.

- Bom dia alunos! – saudou o professor com sua costumeira alegria. – Estou certo de que estão todos presentes. Muito bem. Gostaria de pedir que viesse à frente o único jogador já oficializado, Raiam.

Um garoto alto e magro separou-se dos demais alunos e posicionou-se ao lado do professor.

- Meninos e meninas, este é o novo capitão da equipe de Tadewi, Raiam Devine. – Ele era um garoto sem grande porte físico, pescoço longo e fino, maxilar arredondado, a cabeça levemente achatada e os cabelos compridos e ruivos. Tinha uma pele fina e os olhos castanhos – Raiam é o desafiante de Tadewi há dois anos, e agora o único membro que restou da equipe do ano passado. Para quem ainda não conhece o Quizard vou fazer uma breve explicação. Sete jogadores competem em uma floresta repleta de armadilhas. O objetivo de cada equipe é levar seu desafiante até a sala que fica no coração da floresta. É claro que além das armadilhas, vocês terão que enfrentar a equipe adversária. No ano passado Katzin deu uma lavada em nós na final, mas isto não vai se repetir, tenho certeza. – Tirso correu um olhar pelos alunos quase que dizendo “Se vocês perderem, vão ter se entender comigo” – Muito bem, sem enrolação. Quero que apenas me acompanhem os que se inscreveram para armadores e é claro, Raiam. Vamos?

Kal olhou para a sua inscrição e viu que ele disputaria a posição de desafiante reserva, então se sentou para esperar até ser chamado.

Dez alunos acompanharam, Tirso e Raiam para fora do vestiário. Kal olhou ao redor, mas não foi capaz de encontrar um rosto familiar, aparentemente os alunos primeiranistas ficaram assustados com o comentário de Pote no dia anterior, e certamente ele próprio não estaria ali, naquele vestiário de paredes azuis e laranja, se Guine não o tivesse inscrito.

Todos no vestiário sentaram-se a espera de outro chamado, o que não demorou mais do que meia hora. Tirso colocou a cabeça na porta e convocou os inscritos para a posição de escudeiros, quinze alunos levantaram-se e saíram em fila.

Depois de outra metade de hora Tirso reapareceu e outros dez alunos saíram do cômodo prontos para a prova que escolheria os dois clérigos da equipe de Quizard.

Kal não sabia quais eram as provas pelas quais os alunos estavam enfrentando, e no momento, preocupar-se com as provas que os outros alunos estariam enfrentando era a última coisa lhe interessava. A qualquer momento Tirso iria aparecer para o último teste, o de desafiante reserva.

Dos quinze alunos restantes Kal tinha certeza de que eram alunos avançados. Nenhum devia ser do primeiro ou segundo ano. No café da manhã Kal ouviu comentários de que alunos do primeiro ano foram parar no Hospital Nautilos devido os ferimentos que sofreram na prova de seleção do ano anterior.

Ficar ali sentado encarando seus oponentes não era a melhor coisa a se fazer em um sábado pela manhã, pior ainda foi ouvir o ranger da porta se abrindo e Tirso enfiando apenas sua cabeça, como se esta não estivesse ligada ao corpo, para chamar os alunos, e sem colocar pressão nenhuma dizendo que metade da escola e alguns habitantes de Cidade dos Elfos estavam nas arquibancadas. Todo este coquetel de nervosismo fez despertar em Kal uma ponta de inveja de Ralph, que a esta hora estaria muito bem seguro em Avalon, onde seu maior risco era de encontrar uma pequena aranha numa das caixas velhas da sala de Feitiços.

Ao saírem do vestiário eles ouviram o furor da platéia, toda a equipe de Tadewi estava presente, além do Conselho Estudantil e boa parte dos habitantes, aos sábados apenas alguns Pubs ficavam abertos para os estudantes se divertirem.

Assim que avistou Kal, Rômulo apressou-se em enfeitiçar um pedaço de papel que voou na direção do garoto. Sem que mais alguém percebesse, desdobrou-o e leu a única palavra escrita, Réplica. Amassou o papel e colocou-o no bolso.

Tirso segurou sua própria varinha como quem segura um microfone e disse:

- Alunos de Tadewi, depois de três provas e alguns feridos, a equipe do nosso grupo já está formada! No entanto, precisamos escolher o desafiante reserva, para pequenos casos de emergência! Para isso estes valentes alunos estão aqui na nossa frente! – a voz do professor soou de forma suave e calma. – Como o nosso capitão, Raiam, ocupa a posição de desafiante titular, nossa equipe está apta a competir em igual com qualquer uma das outras. Mas repito, precisamos de um reserva, para o caso de algum infeliz acidente com o nosso titular, pois o desafiante é o passaporte para uma competição. Sem ele não há equipe. Que se iniciem os testes!

Instantaneamente, Tirso transformou-se em fumaça e desapareceu, surgindo logo em seguida em uma torre de madeira acima da platéia.

- Os competidores devem atravessar o campo cheio de armadilhas até chegarem à Sala das Diferenças. O primeiro a chegar será o vencedor.

No primeiro minuto todos correram para a floresta “montada” nos jardins de Avalon e um silêncio enorme seguiu-se em diante. Kal não sabia para onde ir, sentia-se encurralado. Olhou para os lados, mas não viu nenhum competidor, pensou em subir numa árvore, mas depois achou que ali seria um alvo fácil. Seu estômago embrulhou com o grito da torcida. Uma garota chamada Luana Siamês tinha um fã clube ao seu lado. Vários alunos ergueram cartazes com seu nome e outros tantos alunos erguiam as varinhas para dispararem fogos de artifício que no final da explosão formavam o nome “Lusi, estamos com você”.

Kal permaneceu entretido com aquele show pirotécnico, em dado momento até mesmo esperou que seu nome também fosse conjurado no ar, mas sabia que era impossível. Aquela façanha era de alunos do terceiro, quarto ou quinto ano, e não para seus amigos primeiranistas.

Recobrando os sentidos, Kal desviou de um feixe de luz laranja disparado da esquerda que derrubou de uma árvore um aluno, que ali se escondera.

- Oh não! Parece que Djoni está fora! – narrou Tirso.

Kal ficou contente em saber que se fosse derrotado não seria mais o primeiro, pois se isto acontecesse ele tinha quase certeza de que não seria mais tão respeitado como Guardião-mirim.

Zump!

Outro feitiço cortou o ar e pelo barulho que se seguira depois, outro aluno tinha sido atingido. Kal permanecera parado desde o início do teste, atentou-se para o fato de que ele poderia ser o próximo assim que um raio lambeu sua orelha direita e acertou um galho à frente, fazendo-o em vários pedaços.

- Essa galera não está de brincadeira. – comentou Tirso orgulhoso.

- Então você é o pequeno Foster? – falou um garoto alto e robusto que pulara de cima de uma árvore, o qual Kal não tinha visto – Só porque é um Foster não significa que é melhor do que eu.

- Nunca disse isso. – respondeu Kal.

- Lamento por você, Foster, mas sua aventura termina aqui! – o garoto brandiu a varinha – Até logo! Farfalha!

Kal tateou atrás de sua varinha e sentiu o papel amassado em seu bolso.

- Réplica! – uma barreira verde se formou em sua frente e o protegeu do feitiço, mandando-o de volta para o seu dono.

- Que defesa incrível! – berrou mais uma vez Tirso

- É por isso que ele é guardião! – Kal viu uma garota ruiva, que ele não tinha a menor idéia de quem era, gritar a plenos pulmões para toda a platéia.

- E Jean está fora da competição! – prosseguiu Tirso com um risinho.

Kal lembrou-se do Réplica, Rick usara contra ele quando se conheceram. Procurou Rômulo pela arquibancada para agradecê-lo, mas ele havia sumido.

Jean ficou estirado no chão até que fosse sugado pela terra, como se tivesse em areia movediça.

- Dos quinze alunos que entraram, apenas sete permanecem no páreo. Quanto tempo mais iremos esperar para saber quem é o nosso desafiante reserva?

Enquanto Tirso falava, vários raios e lampejos cortavam o campo da partida e mais alunos saiam derrotados.

Kal resolver adotar a estratégia do não-combate, já dera sorte demais sobrevivendo até aquele momento. Resolveu procurar pela Sala das Diferenças por um caminho onde não pudesse encontrar nenhum outro competidor. Sempre que via raios e luzes faiscantes pelo caminho, ele tomava o sentido contrário. Por vezes utilizou o Captus para ouvir o que estava acontecendo ao seu redor. Resolveu abandonar este feitiço depois de ouvir cinco gritos agonizantes e várias gargalhadas vitoriosas.

Sem qualquer aviso, uma garota pulou de uma clareira e passou por ele mais rápido do que um feitiço. Olhando de um lado para o outro, a procura da tal garota, seu coração acelerou de tamanho modo que ele achou que poderia parar a qualquer momento.

Assim que ouviu um grito, Kal virou-se na direção de onde viera e ergueu a varinha com a língua a meio caminho de um feitiço. Espantou-se quando outro garoto pulou da mesma clareira aos berros seguindo uma direção qualquer.

- Parece que nossos competidores estão com enormes problemas. – narrou Tirso.

Nas arquibancadas via-se as pequenas e curiosas cabeças olhando para o campo a procura de qualquer coisa que esclarecesse enormes problemas.

Kal não sabia se deveria correr ou permanecer naquele ponto. Suas opções não eram boas. Se corresse tinha certeza que seria apanhado por outro competidor qualquer, mas se permanecesse ali estaria correndo o risco de ser encontrado pelo enorme problema a qual Tirso se referira.

Sem saber se pelo medo, pavor, ou pela simples escolha, Kal permaneceu parado com a varinha ainda erguida e decidido a atacar o primeiro que pulasse em sua frente.

Quando percebeu um movimento a sua frente disparou vários feitiços ao mesmo tempo.

- Farfalha! Escaparta! Amstãnder! Farfalha!

A pequena moita fora completamente destruída, mas o que ela protegia, não.

Ele ouviu uma explosão em algum lugar longe de onde estava e Tirso confirmou com sua narração o que ele suspeitara, outro aluno fora da competição.

Kal ouviu novos passos em sua direção, olhou para os lados a procura de um bom esconderijo. Guardando a varinha nas vestes ele saltou para cima de uma árvore e se escondeu entre os galhos de forma que pudesse ver o que acontecia lá embaixo.

Um rapaz alto, robusto, de cabelos castanhos divididos ao meio, trajando uma veste negra e comprida rastreou o lugar com a varinha erguida e olhou compenetradamente para o esconderijo de Kal.

- Você é o Foster não é? – disse ele sorrindo – Levitoriano! – com extrema facilidade ele arrancou Kal de entre os galhos com o feitiço e largou-o a uns três metros do chão.

- Quem é você? – perguntou se levantando e posicionando a varinha em ataque.

- Eu sou o Escritor da Terra.

- Escritor? Da Terra? – duvidou Kal.

- Deixe-me apresentá-lo a minha varinha. Escaparta!

- Réplica!

A barreira verde não foi o suficiente para protegê-lo totalmente. Kal foi arremessado, mas logo se levantou.

- Simpática sua varinha, não? – disse levantando-se mais uma vez.

- A sua também não é nada mau. Carvalho, vinte e cinco centímetros, pelo de unicórnio.

- Farfalha!

­Escritor da Terra apenas brandiu a varinha no ar para que o feitiço fosse desviado.

- Belo broche. – disse ele apontando para o pequeno distintivo do Conselho Estudantil. – Este cargo foi meu no ano passado.

- Escritor da... E.T. – concluiu Kal.

- Haha. Não deboche do meu nome Kalevi Foster! Escritor da Terra é apenas um nome mágico.

- Como assim?

- Ora, você não acha que os grandes bruxos nasceram com esses nomes legais, acha? Você sabia que Merlin se chamava Emrys?

- Ok. Mas o que você está fazendo aqui?

- Bem, acontece que quando há uma prova para desafiante, o melhor aluno do ano anterior vem aquecer a competição.

- Hum...

- Agora que já batemos um papinho, se não se importa, eu tenho que tirar todo mundo do campo.

- Tente passar por mim então.

- Oia! – exclamou ele num tom caipira – Garoto de coragem. Tudo bem então, comece.

- Mórfinus!

- Ah Kal... que decepção... – disse o outro ao esquivar-se facilmente. – vou deixá-lo imobilizado, assim você vai poder ficar um pouco mais no campo.

Escritor da Terra atirou um raio branco na direção de Kal, que foi atingido antes de fazer qualquer movimento. Ele sentiu o sangue congelar em suas veias, os ossos pesarem como se fossem feitos de chumbo, seus músculos enrijeceram de tal modo que era impossível contraí-los. Estava petrificado.

- Eu vou dar uma sondada por aí e já volto. Você tem sorte sabia, me simpatizei com você. Até mais.

Ficar imóvel não era uma situação confortável, principalmente quando se está em uma arena de batalha. Depois de permanecer ali sem qualquer sinal de Escritor, ou de qualquer outro oponente, Kal ouviu um ruído de galho quebrando e a garota que ele havia visto anteriormente surgiu entre as árvores. Somente agora Kal conseguira observá-la direito. Ela devia ter seus quinze anos, era alta, um corpo bem atlético, cabelos longos e vermelhos, nariz fino e olhos bem verdes, combinando com sua calça e sua blusa azul celeste.

- Ele é forte. – disse a garota dobrando o corpo para apoiar-se nos joelhos enquanto arfava – te petrificou... seu eu te ajudar, nós dois podemos vencê-lo. Lócus Amenus!

- Obrigado. – agradeceu Kal respirando profundamente – Eu tenho um plano.

Seguindo o plano, a garota escondeu-se por trás de uma moita enquanto Kal permaneceu na sua posição de estátua. Era bem arriscado, para os dois. Escritor da Terra poderia surgir por trás dela sem que ao menos percebesse, ou talvez notasse que Kal não estava petrificado. De qualquer forma, era um plano, e o único que eles tinham.

- Olá, você continua aí. Uma garota fugiu, que pena... Mas vou me despedir de você primeiro.

- Escaparta!

Num movimento rápido de varinha Kal golpeou o rival no peito. Sem qualquer defesa ele cambaleou para trás e foi novamente atingido, mas pela garota.

- Mórfinus!

- Ouououou! – berrou Tirso – Parece que temos uma aliança! Kalevi Foster e Luana Siamês uniram forças contra o nosso convidado. Restam apenas os dois no campo. Será que eles vão duelar?

Os dois estavam olhando para Tirso no alto da torre, entreolharam-se sem saber o que fazer, então Kal disse:

- E então? Como decidiremos isto, Luana?

- Vamos apostar corrida.

- Han?

- Em algum lugar do campo está a Sala das Diferenças. E é para lá que vamos correr, cada um pelo seu caminho.

- Tudo bem. Quem chegar primeiro vence, então. Só uma coisa. – disse Kal com um sorriso maldoso – Mórfinus! – ele disparou o feitiço que passou pela garota e acertou o Escritor da Terra, novamente – só para garantir.

- E começa a nossa final! Kalevi Foster após utilizar um último feitiço no já imobilizado Escritor da Terra dispara numa corrida de tirar o fôlego. Parece que o nosso primeiranista está com vontade de vencer! – narrou a voz de Tirso.

E era verdade, Kal corria feito um louco quebrando obstáculos e saltando sobre eles. Um sentimento alegre e entusiasmático invadiu-lhe todo o corpo dando forças e um poder que ele não imaginava ter.

- Eu vou vencer! Eu vou vencer!

Se olhasse para cima Kal certamente veria a imagem de Luana desenhada no céu com os fogos de artifício, parecia que a platéia tinha se dividido ao meio. Os que não gritavam o nome de Luana, gritavam freneticamente por Foster. E só agora ele vira que alguns alunos mais velhos também estavam ao seu lado conjurando seu sobrenome para que todos pudessem vê-lo.

- Parece que Kalevi Foster está se aproximando e não há qualquer sinal de Luana. – berrou Tirso para delírio dos que o apoiavam.

- Estou vendo! Lá está!

A Sala das Diferenças estava a poucos metros de distância. Bastava apenas algumas passadas largas para alcançar o arco feito de folhas.

Atravessando o arco, Kal chegou a um espaço de pouco mais de duzentos metros quadrados com chão de pedra e algumas poucas árvores com caules antigos. Próximo de um deles, Kal avistou dois outros garotos que aparentavam ter a idade de Raiam.

- Quem são? - indagou – O que fazem aqui?

- Eu vou te vencer a qualquer custo, Satler! – falou um deles não percebendo que Kal estava a observá-los – Sedructos!

Um som mortífero se propagou pela sala acompanhado de uma luz negra esverdeada que ofuscou a visão de Kal. Instantes depois ele foi desperto pela gritaria da multidão nas arquibancadas.

- É Kalevi Foster! – berrou ensurdecedoramente Tirso – Kalevi Foster é o desafiante reserva da equipe de Tadewi.

Esfregando os olhos com as costas da mão, ele procurou pelos dois garotos, mas não estavam mais lá.

Guinevere e Daimon vieram em sua direção acompanhados de outros alunos de Tadewi. Vinham gritando e agitando bandeiras laranjas. Junto deles estava outro bruxo, Escritor da Terra, já recuperado.

- Parabéns, Foster. Foi merecido, aquele Escaparta foi decisivo.

- Obrigado.

- Não é nada.

- Como você está, Foster? – perguntou o capitão da equipe.

- Feliz, Raiam, obrigado. – disse ele virando-se para o colega.

- Ótimo! Teremos a partida inicial daqui dois meses, mas não se preocupe, por enquanto você só compete se eu não puder competir. Meus parabéns novamente.

Depois de ser cumprimentado por todos os alunos, inclusive Luana, Kal procurou o professor Tirso, já que ninguém mais pode lhe dizer quem eram os dois garotos, nem mesmo Guinevere, que disse que aquilo era cansaço e pura emoção misturada. Para sua sorte, o professor aproximou-se dele com um enorme sorriso de parabéns.

- Foi uma boa prova, Kal.

- Tirso, quem eram os dois garotos na Sala das Diferenças?

- Como assim garotos?

- Quando eu entrei lá, eu os vi. Pareciam estar duelando. Nenhum deles se incomodou comigo, então um deles conjurou um feitiço de luz negra, talvez, um negro esverdeado... O nome de um dos garotos era Satler.

- Satler, você disse?

- Sim. Algum problema?

- Talvez. Vamos até o professor Cacius, depois você comemora.

Conduzido pelo professor de feitiços Kal atravessou a multidão aglomerada a sua volta a juntos atravessaram os terrenos a passos largos, após três longos minutos de uma caminhada silenciosa, eles alcançaram o castelo e seguiram pelas escadas vazias até o quinto andar, onde por trás das asas de um dragão estava a passagem para a sala do diretor.

- Macieira! - falou Tirso ao dragão de mármore e este abriu suas asas cruzadas revelando a entrada circular.

- Bom dia, Prof. Cacius.

- Bom dia, Prof. Tirso. O que o traz ao meu escritório em um dia de festa como hoje? – perguntou Cacius não parecendo muito interessado em uma resposta, pois já parecia saber do que se tratava.

- Parece que Kal teve, hum, não sei explicar... uma visão.

- Ah sim. E o que exatamente o senhor Foster viu? – perguntou bondosamente Cacius com a mão erguida e a boca entreaberta.

- Eu vi dois garotos duelando. Um deles conjurou um feitiço de luz negra. – Cacius ergueu levemente as sobrancelhas e passou seu olhar para Tirso que permanecia ao lado de Kal.

- E qual era mesmo o feitiço? – indagou novamente o diretor.

- Ah bem... não sei, não pude ouvir direito... – mentiu Kal, mesmo sem saber porque e Cacius lhe olhou curiosamente.

- Conte a ele o nome de um dos garotos – disse Tirso cutucando-o pelo ombro.

- Ah sim! Eu ouvi o nome Satler...

- Você disse Satler? – indagou Cacius no mesmo tom estupefato de Tirso.

- Sim, professor. Satler foi o nome que eu ouvi.

- Professor Tirso, poderia nos dar licença? Parece que o senhor Foster e eu precisamos ter uma breve conversa.

- Claro, professor Cacius, certamente.

Kal viu Tirso desaparecer por trás das asas do dragão, a testa suada e o andar cansado seguirem pelo corredor.

- Muito bem, senhor Foster.

- Kal, profes...

- Como desejar. – respondeu ele em um sorriso muito agradável, como os que Adonis lhe lançava quando ficava muito contente com alguma coisa.

- Não é a primeira vez este ano que você entra em minha sala. Na outra ocasião? Não me lembro mais...

- Eu desmaiei.

- Sim, claro. Não posso mais contar com a minha memória... Por sorte, os objetos e os lugares têm uma memória incrível, sabia!

- Coisas têm memórias?

- Certamente. É claro que elas guardam apenas memórias que seriam inesquecíveis, até mesmo para uma cabeça velha e cansada como a minha...

- Professor, desculpe, entendo o que isso...

- Acalme-se, aproxime-se até aqui.

Cacius então se aproximou do grande quadro pintado a óleo de Merlin.

- Creio que já comentei sobre este quadro. – o quadro mostrava Merlin, um dos maiores bruxos que já existiu, sentado à sombra de uma macieira. A árvore representada no desenho possuía apenas uma reluzente e vermelha maçã. – quando lhe disse que Merlin estava inquieto você me respondeu que o motivo seria Kricolas, bem, você acertou. Mas agora olhe para este quadro com admiração. Observe seus detalhes sem se importar com a expressão angustiada de Merlin.

Kal não estava entendendo a que ponto Cacius esperava chegar, no entanto passou a admirar a gravura. Merlin franzia o cenho e se lamentava com as mãos, o céu azul então foi enegrecendo com o cair da noite, e voltou a clarear assim que o sol nasceu, fez isso repetidas vezes enquanto Kal o observava, ele parecia indicar a passagem de tempo.

Na árvore, a maçã havia mudado de galho várias vezes e Merlin passou a encarar Kal com um vasto sorriso e pareceu mexer os lábios e dizer:

- O saber pode ser perigoso, mas também é a porta para a mudança.

As palavras começaram a ecoar em sua mente e ele passou a desperceber os sentidos. Por um breve momento, sentiu-se dentro do quadro, naquele mesmo cenário, respirando o mesmo ar que Merlin, que permanecia sentado ao pé da árvore, Kal olhou para os lados, mas sua visão estava limitada pela moldura, então ele olhou para frente viu Cacius e ele mesmo admirando o quadro. Kal balançou a cabeça confuso quando a mesma frase se repetiu em sua cabeça – O saber pode ser perigoso, mas também é a porta para a mudança.

- O que disse, professor? – falou retomando a consciência de que estava encarando um quadro antigo ao lado do diretor de sua escola.

- Eu? Eu não disse nada.

- Disse sim. Disse, “O saber pode ser perigoso, mas também é a porta para a mudança”.

- Oh, esta frase não é propriamente minha, Kal. Há mil anos, Merlin proferiu esta mesma frase que você acabou de ouvir. E este é o momento retratado no quadro.

- Quer dizer que eu tive acesso à memória do quadro? É isto professor?

- Mais do ainda. É como se você estivesse lá. Existem bruxos e bruxas, e como existem, que são capazes de prever o futuro. Eles podem prever quando vai chover ou quando vai fazer sol, quando vamos conhecer uma pessoa ou quando morreremos, mas as ações humanas são sempre imprevisíveis, somos cheios de amor, ódio, arrependimentos... o que torna o dom dos chamados videntes algo obsoleto. O simples fato de se conhecer um resultado futuro faz com que mudemos nosso presente para impedi-los, então, a profecia que havia sido feita não se cumpre.

Kal fez menção em falar, mas foi interrompido por Cacius.

- Hoje você provou não possuir este dom. Sabe por quê? Porque você viu algo muito mais fantástico. Enquanto muitos podem enxergar, neblinadamente, um possível futuro, apenas você pode rever o passado. Há vinte e dois anos um aluno, Satler, foi assassinado pelo seu rival na Sala das Diferenças, naturalmente era uma partida de Quizard, mesmo assim uma vitória não justifica tal ato. Agora você entende que os dois garotos não estiveram lá hoje, e sim há vinte e dois anos e que você só os pode ver porque tem o dom de acessar memória esquecidas.

- Sim professor. Perfeitamente. Mas eles pareciam tão reais... como eu vou distinguir o passado do presente? – Kal estava se sentindo a deriva em um mar de dúvidas e incertezas. Como se você acordasse pela manhã, tomasse seu café e descobrisse que é o único ser humano na face da terra. Ser único, inigualável, e ao mesmo tempo sozinho e perdido...

- Esta tarefa não é mais minha. Infelizmente não posso ajudá-lo nisto. Você terá que aprender a dominar o seu dom. Agora, vá até os seus amigos, não posso prendê-lo aqui com minhas conversas enjoadas e meus conselhos bobos. Eles precisam de você nas comemorações.

- Obrigado, professor.

Cacius tomou as mãos de Kal e então olhou em seus olhos, ele quase podia ouvir o cérebro do professor maquinando um pensamento.

- Aguarde apenas mais um minuto.

Caminhando, apressadamente, até sua mesa, Cacius abriu uma das gavetas e dela retirou uma pequena miniatura de baú em madeira, do tamanho de uma caixinha de jóias. Cacius abriu-a em sua mesa e apreciou seu conteúdo por um breve momento. Envolvendo o objeto que havia dentro do pequeno baú entre os dedos, ele aproximou-se de Kal com as mãos estendidas.

- Esta pedra esteve comigo por muito tempo. Agora quero que fique com você. É uma ametista, uma pedra com poderes muito peculiares, assim como os seus.

Kal admirou a pedra com suas próprias mãos, ela era lilás e reluzente e de formato oval. Assim que a tocou sentiu um tipo de energia diferente fluir pelo seu corpo e voltou a entregá-la a Cacius.

- Não posso aceitá-la, professor, ela deve ser especial para o senhor.

- Mas eu desejo isso. Ela já me ajudou no que tinha que me ajudar, as pedras mágicas não gostam de serem abandonadas e esta ametista precisa de novas aventuras. Tome conta dela e me darei por satisfeito. Agora vá, não pode perder este sábado. É o seu primeiro final de semana em Avalon.

Estar entre amigos era reconfortante, ainda mais no salão privado da equipe de Tadewi, sentado nas poltronas mais confortáveis. Contara a Ralph e Guine sua conversa com Cacius, sua amiga parecia contente em saber que Kal possuía um dom que até então, nenhum outro bruxo manifestara.

- Kal Foster, uma caixinha de surpresas. Quando o tio Adonis souber desta história... – disse ela batendo palminhas – também ficará orgulhoso de ter o filho no time de Quizard.

- Só porque o Ralph não competiu. – falou Kal olhando para o amigo que estava emburrado desde o café, pois havia pegado detenção justamente naquele sábado.

- E como foi passar a detenção com a Srtª. Skinger? – perguntou Guine.

- Me sentindo um pássaro enjaulado...

- Falando em pássaro, olhe quem está vindo, Ralph. – disse Kal apontando para uma das janelas.

Os dois abriram uma banda da janela para que o pássaro pudesse entrar.

- Longa viagem, não foi, garoto. – disse Ralph estendendo o braço direito para servir como poleiro à ave.

- Quer biscoito? – perguntou Guine a Osíris.

- Ele é um falcão não um papagaio. – respondeu Ralph.

- Podemos oferecer Rick Wosky. – disse Kal rindo-se.

- Deve dar indigestão. – falou Ralph.

Osíris largou o pedaço de pergaminho que trazia na pata e voou em direção as árvores antes que ouvisse outra sugestão sobre sua alimentação.

- O que ele trouxe? – indagou Guine.

- Uma resposta. Eu mandei uma carta para os meus pais no início da semana pedindo uma foto ou gravura de Kricolas. – respondeu Ralph.

- E para quê você quer a foto?

- Você se lembra da conversa do meu pai com Thom na cripta? – perguntou Kal com ar misterioso – Eles estavam dizendo que Kricolas fugiu com o propósito de eliminar a família Foster, descendentes daquele que destruiu o seu mestre.

- Donnovan. – completou Guinevere – Você acha mesmo que isso seja possível?

- O que mais seria? – questionou Ralph.

- Reviver Donnovan também é uma opção dele. – disse Kal de imediato.

- Para mim isso é tudo piada. – bufou a garota – Não há como trazer a vida a um bruxo que morreu há quase mil anos?

- O Livro de Merlin! – exclamou Kal – Thom falou que ele realmente existe. E acho que se Kricolas o tiver, nada poderá impedi-lo de ressuscitar Donnovan.

- Será? – questionou Ralph – Será que Kricolas vai se manter livre a tempo de encontrar o tal livro? Warren está atrás dele. Há nove anos estão em sua cola, ele não vai conseguir escapar por muito tempo.

- Pois é, há nove anos. E se ainda não encontrou o Livro de Merlin, é porque ele não existe. – falou Guine.

- Ele parece ser um bruxo incrível, não se esqueçam de que é metade vampiro também. – disse uma outra voz.

- Tâmisa? O que faz aqui? – indagou Guine olhando de esguelha para a garota.

Tâmisa, que junto com Diogo representava o grupo de Tadewi, estava parada ao lado dos três, olhando e ouvindo a conversa como se fizesse parte dela.

- Como você bem disse, Tâmisa, Kricolas é metade vampiro, então ele não pode fugir à luz do dia sem sofrer queimaduras de milionésimo grau. – chiou Ralph.

- Aí é que você se engana, garotinho, Kricolas tem todas as habilidades de um vampiro, mas nenhuma de suas fraquezas.

- Desculpa, mas se puder nos dar licença... - encrespou Guinevere.

- Eu sou a Representante de Tadewi e...

- E eu sou o guardião-mirim de Avalon, agora, se fizer a bondade de não nos incomodar mais, ficarei feliz, pois não estou afim de pegar a minha pena para lhe dar uma ocorrência em pleno sábado. – enquanto falava, Kal procurou uma posição ao sol para que seu broche pudesse reluzir nos olhos de Tâmisa.

- Hum...

Tâmisa atravessou a passagem até o corredor e desapareceu de vista levando consigo o seu mau humor.

- Que desaforada, pelo menos este broche serve como espanta intrometidos. - brincou Guinevere.

- Pelo menos ela nos deu uma informação valiosa. – disse Kal.

- Nem tanto assim. Olhem só isso, mamãe e papai deixaram isso escrito na carta. Eles disseram que além dos poderes de vampiro, Kricolas é um bruxo poderoso.

- Tanto que fugiu de Warren. – falou Guine.

- Agora imaginem, se Kricolas já é tudo isso, Donnovan dever ser ainda mais poderoso, e com o Livro de Merlin serão invencíveis. – disse Kal – Nos resta torcer que o livro seja apenas lenda.

- Ou que Warren o recapture. – falou Ralph em desânimo.

- A esta hora, Kricolas deve ter arrumado um disfarce.

- Não adiantaria, Guine. Tirso me disse que os prisioneiros são marcados com a Flor-de-Lis, em uma parte visível do corpo. Assim são facilmente identificados. E não há feitiço no mundo capaz de remover a marca.

- Kal tem toda razão. Meus pais também comentaram sobre isto. E olhem para o desenho.

Era a primeira vez que Kal olhava para um retrato de Kricolas, não longe de um mostro ele era. Os olhos furiosos e cansados provocavam temores, o focinho achatado como o de um morcego e as orelhas pontudas, sobrancelhas salientes e elevadas, o queixo longo e grosso, lábios finos como se a boca fosse apenas um corte horizontal e o que mais lhe chamou a atenção foi a expressão vazia, fria, quase que sem vida.

- Então este é o homem que quer caçar a minha família. Estão vendo a marca no pescoço? Esta é a Flor-de-Lis.