domingo, 21 de dezembro de 2008

Um conto de Natal

Chovia forte do lado de fora do bar, que naquela noite fora completamente decorado para as comemorações natalinas. Dois homens entraram se estranhando no recinto, vociferando alto um para o outro em tom de insulto. Madame Maria Ortiz, a dona do bar Mulsos para Moços, brandiu sua varinha de detrás do balcão em gesto repreendedor.
Com os nervos acalmados, os dois homens sentaram-se distantes e fizeram seus pedidos.
- Sempre a mesma estupidez. – disse um jovem, muito desgostoso com a situação que incomodara sua janta.
- Um dia eles conhecerão seu lugar. – disse em resposta um homem encapuzado ao lado do jovem.
- Não enquanto bruxos como Merlin insistirem em ensinar magia a esse humanos. – dizer essa última palavra parecia ter ardido a língua do jovem.
- Nessas horas fico feliz em não ser considerado humano. – disse o encapuzado enquanto tomava para si um drink cor de âmbar.
O jovem, de pele alva e cabelos enegrecidos, fuxicou o nariz levemente ao ouvir o encapuzado se pronunciar.
- Tudo ao seu tempo, Kricolas. – disse o jovem, retomando o assunto original – Existem outros bruxos que não estão tão satisfeitos em ter que partilhar suas riquezas com esses humanos.
- Temos o apoio de criaturas mágicas, certamente. – disse o encapuzado em meio a outro gole do líquido âmbar.
O jovem Donnovan desviou sua atenção do homem ao seu lado e voltou a olhar para a sua janta, que aquela altura já esfriara. Olhou para a janela e viu a chuva brigar com o vento. Tudo parecia desinteressante naquele momento. As pessoas no bar não se entreolhavam, era como se o espírito de natal não tivesse alcançado aquele lugar.
A maioria dos freqüentadores da Mulsos para Moços eram pessoas que não tinham companhia para essas ocasiões, ou não gostavam de comemorá-las, como Donnovan.
- E o seu pai? – perguntou o bruxo.
- Não sei por onde anda. Provavelmente se vendendo e não fazendo o que sua natureza ordena. Uma vergonha.
- Difícil acreditar que um dos maiores vampiros do mundo é aliado do tolo mago Merlin.
- Não me culpe por isso, por favor. – disse Kricolas.
- Poderíamos assassinar Merlin. – disse Donnovan com um certo vislumbre em seus olhos, como se pudesse imaginar perfeitamente a cena.
- É uma opção. Ou podemos matar aquele discípulo estúpido dele.
- Foster? – indagou o bruxo em meio a uma risada – Não entendo qual talento Merlin vê naquele fracote.
- Dizem que ele tem um Enid próprio. – comentou Kricolas.
- Está falando sério? – espantou-se Donnovan, um ar de indignação estampou-se em seu rosto, lividamente.
- Não se chateie por isso. Você ainda é o mais forte, sem dúvidas.
- Não eu não sou. Por mais difícil que seja dizer isso, Merlin ainda é mais poderoso do que eu. – como da primeira vez, parecia que a língua do jovem bruxo iria inflamar.
- Merlin é apenas um velho, meu senhor. Não há dúvidas de que seu poder será infinitamente maior que o dele em questão de tempo.
- Quão tempo? – indagou Donnovan, sacudindo a varinha no ar em gesto ameaçador.
- Você será uma lenda e quando isso acontecer, esses não mágicos cairão. Serão escravos ou sei lá qual o destino deles.
Donnovan permaneceu em seu silêncio, mas quase era possível ouvir seus pensamentos fantasiando com dias de glória, poder e total controle sobre a magia. Algo que ele fascinava e orgulhava-se. Há poucos dias ele soubera que possuía um Enid próprio, um indicativo de que ele era dono de grandes habilidades mágicas e capaz de grandes feitos.
- Desgraçado! – rugiu um dos homens que entrara no bar minutos antes.
O outro, que o acompanhara, reagiu do outro lado jogando no primeiro uma garrafa cheia de hidromel, que se espatifou ao atingir o balcão.
Madame Maria Ortiz veio correndo da cozinha ver o que acontecia em seu bar, mas desta vez nem mesmo sua varinha foi ameaçadora o suficiente para os dois briguentos.
Num ato impetuoso de fúria, Donnovan largou o resto de sua janta no balcão e ergueu a varinha para o homem que iniciara a nova confusão. Sibilou algumas palavras e um feixe de luz prata engalfinhou o humano, fazendo tombar e bater a cabeça com força em uma mesa próxima. Quando o sangue parecia jorrar pelo ouvido do sujeito, Madame Maria Ortiz horrorizou-se
- Por Merlin, você o matou?
Donnovan sorriu maliciosamente para a mulher e repetiu o gesto com a varinha, mas esta estava preparada para desviar do ataque. Os demais ocupantes do bar recolheram-se a um canto, amedrontados demais para qualquer outra reação.
Enquanto o jovem bruxo de cabelos negros abria caminho para fora do bar, ouviu-se um grito seguido por uma explosão. Quando Donnovan olhou de volta para o balcão, viu os traços de Kricolas arrastando para a chuva o corpo inerte e ensangüentado do outro humano briguento.
Numa última ação triunfante, Donnovan disparou um feitiço dentro do bar fazendo parte do teto ceder e, assim, saiu pela chuva para cumprir o seu destino que fora determinado naquela Natal.