Chovia forte do lado de fora do bar, que naquela noite fora completamente decorado para as comemorações natalinas. Dois homens entraram se estranhando no recinto, vociferando alto um para o outro em tom de insulto. Madame Maria Ortiz, a dona do bar Mulsos para Moços, brandiu sua varinha de detrás do balcão em gesto repreendedor.
Com os nervos acalmados, os dois homens sentaram-se distantes e fizeram seus pedidos.
- Sempre a mesma estupidez. – disse um jovem, muito desgostoso com a situação que incomodara sua janta.
- Um dia eles conhecerão seu lugar. – disse em resposta um homem encapuzado ao lado do jovem.
- Não enquanto bruxos como Merlin insistirem em ensinar magia a esse humanos. – dizer essa última palavra parecia ter ardido a língua do jovem.
- Nessas horas fico feliz em não ser considerado humano. – disse o encapuzado enquanto tomava para si um drink cor de âmbar.
O jovem, de pele alva e cabelos enegrecidos, fuxicou o nariz levemente ao ouvir o encapuzado se pronunciar.
- Tudo ao seu tempo, Kricolas. – disse o jovem, retomando o assunto original – Existem outros bruxos que não estão tão satisfeitos em ter que partilhar suas riquezas com esses humanos.
- Temos o apoio de criaturas mágicas, certamente. – disse o encapuzado em meio a outro gole do líquido âmbar.
O jovem Donnovan desviou sua atenção do homem ao seu lado e voltou a olhar para a sua janta, que aquela altura já esfriara. Olhou para a janela e viu a chuva brigar com o vento. Tudo parecia desinteressante naquele momento. As pessoas no bar não se entreolhavam, era como se o espírito de natal não tivesse alcançado aquele lugar.
A maioria dos freqüentadores da Mulsos para Moços eram pessoas que não tinham companhia para essas ocasiões, ou não gostavam de comemorá-las, como Donnovan.
- E o seu pai? – perguntou o bruxo.
- Não sei por onde anda. Provavelmente se vendendo e não fazendo o que sua natureza ordena. Uma vergonha.
- Difícil acreditar que um dos maiores vampiros do mundo é aliado do tolo mago Merlin.
- Não me culpe por isso, por favor. – disse Kricolas.
- Poderíamos assassinar Merlin. – disse Donnovan com um certo vislumbre em seus olhos, como se pudesse imaginar perfeitamente a cena.
- É uma opção. Ou podemos matar aquele discípulo estúpido dele.
- Foster? – indagou o bruxo em meio a uma risada – Não entendo qual talento Merlin vê naquele fracote.
- Dizem que ele tem um Enid próprio. – comentou Kricolas.
- Está falando sério? – espantou-se Donnovan, um ar de indignação estampou-se em seu rosto, lividamente.
- Não se chateie por isso. Você ainda é o mais forte, sem dúvidas.
- Não eu não sou. Por mais difícil que seja dizer isso, Merlin ainda é mais poderoso do que eu. – como da primeira vez, parecia que a língua do jovem bruxo iria inflamar.
- Merlin é apenas um velho, meu senhor. Não há dúvidas de que seu poder será infinitamente maior que o dele em questão de tempo.
- Quão tempo? – indagou Donnovan, sacudindo a varinha no ar em gesto ameaçador.
- Você será uma lenda e quando isso acontecer, esses não mágicos cairão. Serão escravos ou sei lá qual o destino deles.
Donnovan permaneceu em seu silêncio, mas quase era possível ouvir seus pensamentos fantasiando com dias de glória, poder e total controle sobre a magia. Algo que ele fascinava e orgulhava-se. Há poucos dias ele soubera que possuía um Enid próprio, um indicativo de que ele era dono de grandes habilidades mágicas e capaz de grandes feitos.
- Desgraçado! – rugiu um dos homens que entrara no bar minutos antes.
O outro, que o acompanhara, reagiu do outro lado jogando no primeiro uma garrafa cheia de hidromel, que se espatifou ao atingir o balcão.
Madame Maria Ortiz veio correndo da cozinha ver o que acontecia em seu bar, mas desta vez nem mesmo sua varinha foi ameaçadora o suficiente para os dois briguentos.
Num ato impetuoso de fúria, Donnovan largou o resto de sua janta no balcão e ergueu a varinha para o homem que iniciara a nova confusão. Sibilou algumas palavras e um feixe de luz prata engalfinhou o humano, fazendo tombar e bater a cabeça com força em uma mesa próxima. Quando o sangue parecia jorrar pelo ouvido do sujeito, Madame Maria Ortiz horrorizou-se
- Por Merlin, você o matou?
Donnovan sorriu maliciosamente para a mulher e repetiu o gesto com a varinha, mas esta estava preparada para desviar do ataque. Os demais ocupantes do bar recolheram-se a um canto, amedrontados demais para qualquer outra reação.
Enquanto o jovem bruxo de cabelos negros abria caminho para fora do bar, ouviu-se um grito seguido por uma explosão. Quando Donnovan olhou de volta para o balcão, viu os traços de Kricolas arrastando para a chuva o corpo inerte e ensangüentado do outro humano briguento.
Numa última ação triunfante, Donnovan disparou um feitiço dentro do bar fazendo parte do teto ceder e, assim, saiu pela chuva para cumprir o seu destino que fora determinado naquela Natal.
domingo, 21 de dezembro de 2008
Um conto de Natal
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