sábado, 15 de dezembro de 2007

Capítulo 18 - O primeiro túmulo

Kal não entendia o que significava aquele sorriso no rosto de Kricolas. Ele acabara de queimar as páginas do livro mais poderoso do mundo. Graças a Kal, o Livro de Merlin jamais serviria aos propósitos maléficos do meio-vampiro. No entanto, Kricolas ria deliberadamente, gargalhava uma vitória. Mas seria a vitória um punhado de cinzas e uma planta chamuscada? Certamente, ele ficou doido perdendo o Livro de Merlin no último instante. Pensou Kal.

- Já era, Kricolas! – berrou ele – Seu conto de fadas chegou ao fim! Não é meia-noite, mas a carruagem virou abóbora!

- Não sabia que os Foster tinham tanto senso de humor. – disse ele revelando uma voz rouca e arrepiante, quase que forçada – Mas certas coisas nunca mudam. Novecentos e noventa e oito anos se passaram e os Foster continuam intrometidos. É claro que você sabe o que aconteceu ao último que se meteu no meu caminho.

- Derrotou seu mestre e todo o seu exército! – respondeu Kal desafiadoramente. Estava sendo demasiado corajoso em enfrentá-lo, mas não estava sendo nada esperto.

- Acho que não lhe contaram a parte em que eu o matei. – disse – Não foi difícil, ele não tinha mais poder mágico. Idiota! Destruiu um poderoso Enid pelos humanos que perseguiam seu povo. Logo depois que mestre Donnovan me transportou para outro lugar eu consegui retornar, mas aquele Foster imundo já havia utilizado o maldito Perpétuo. Sobrou apenas o seu corpo medíocre caído no chão.

- E você covardemente o matou. E depois de muitos anos preso resolveu fugir. Por quê? – Kal não sabia ao certo o que deveria fazer, mas achou que enrolar Kricolas até que Cacius chegasse era uma boa idéia.

- Warren não estava incluída nos meus planos de aposentadoria. Além do mais, pequeno Foster, um pouco de ação rejuvenesce o meu espírito.

- E sair matando pessoas inocentes é ação? – perguntou Kal rispidamente – Eu chamo de covardia!

- Por favor, não me ofenda! Eu mato para ter poder! Sacrifício humano. Muito útil.

- O quê? – perguntou atônito.

- A vida humana vale muito para mim, pequeno Foster. É uma grande fonte de poder. Com minhas primeiras sete vítimas realizei um belíssimo ritual de invocação para o Enid do meu mestre, que estava vagando perdido, mas Cacius e algumas dúzias de bruxos intrometidos impediram que ele pudesse se apossar de um recém-nascido. Isso não foi nada legal da parte dele. Não, não foi. Quando percebi o que haviam feito... ah, pequeno Foster, fiquei furioso. Jurei matar todos eles! Mas então, eu soube do que ficou conhecido como o milagre Foster. Meu milagre. Senti a energia do mestre Donnovan viva em você. Da mesma forma que estou sentindo agora!

- Eu não sou Donnovan! – berrou Kal.

- Não. É claro que não é. Mestre Donnovan é parte de você. Posso sentir a fúria e o ódio! Venha comigo pequeno Foster. Vou ajudar-lhe a despertar todo o poder do mestre. – disse Kricolas erguendo uma das mãos.

- Não se aproxime! – advertiu Kal – Não estou sozinho!

- Eu sei que não. – Kricolas sorriu maliciosamente e fazendo um simples gesto com as mãos fez com que Guine, Ralph, Daimon e Thalis fossem arremessados até o lugar em que Kal estava de pé.

- Deixe-os fora disso! – gritou.

- Mas foi você quem os envolveu... – falou debochadamente – Olhem, é o jovem Thalis.

Thalis o encarou com fúria nos olhos. Kricolas havia assassinado seus pais aparentemente sem motivo. Eles eram humanos, totalmente sem poderes, nunca haviam interferido nos seus planos. Ele não tinha motivos para atacá-los.

- Por que fez aquilo? – perguntou Thalis raivosamente – O que eles tinham a ver?

- Ora! O que dizer? Eu precisava de mais vítimas para outro ritual. Então pensei em visitar uma velha amiga.

- Ve-ve-lha a-a-mi-ga? – balbuciou Thalis permitindo-se que lágrimas cortassem o seu rosto.

- Você tem sorte por eu estar de muito bom humor hoje, garoto. Escute. Sua mãe era bruxa! Filha de dois grandes Guardiões de Warren. Na minha fuga, há alguns anos, eles se meteram no meu caminho e pagaram com a vida por isso. Com a morte dos pais, sua mãe quebrou a própria varinha e desvinculou-se do mundo mágico para viver uma vida humana medíocre.

- Cale a boca! Cale a boca! Não fale dela! – berrou Thalis.

- Foi divertido vê-los morrer. Principalmente seu pai, que morreu sem ao menos entender o que estava acontecendo. É uma pena que você tenha conseguido escapar tão facilmente. Teve muita sorte, sabia? Poucos bruxos menores de idade esfumaçam tão bem.

- Eu disse para se calar! Escaparta!

Nem mesmo se Thalis concentrasse toda sua fúria no feitiço ele produziria qualquer efeito em Kricolas. O meio-vampiro permaneceu inalterado, mas Thalis havia se deixado cair pelas emoções e desatou a chorar.

- Não se preocupe, meu jovem. Posso te mandar para seus pais agora mesmo. – falou.

- Nunca! Não haverá mais mortes! – grunhiu Kal – Ninguém vai morrer à toa!

- Ninguém morre de graça, pequeno Foster. A morte dos pais do seu amigo foi necessária para que eu pudesse encontrar isto! – Kricolas ergueu uma folha de pergaminho encardido. – Sabe o que é?

- Uma página do Livro de Merlin. – arriscou Daimon.

- Exatamente! – falou Kricolas encarando o garoto – E na minha opinião a melhor. Há uma lenda britânica que diz que Merlin e Foster criaram um feitiço destrutivo. O feitiço da morte, que diferente do Sedructos ele mata, mas não amaldiçoa. Merlin achou que seria perigoso e resolveu tirá-lo do livro queimando-o logo em seguida. Precisei de muita pesquisa e duas mortes para recuperá-la. Mas valeu a pena.

- Será a sua única página Kricolas!

- Não tenha tanta certeza disso, pequeno Foster.

Kricolas retomara seu sorriso malicioso e penetrante. Ele os encarava com leve desprezo. Não se importava em ter cinco garotos do primeiro ano na sua cola, afinal, o que poderiam fazer sozinhos?

O meio-vampiro agachou-se e enfiou uma de suas mãos no amontoado de cinzas que havia se tornado a pequena macieira que Kricolas plantara e que Kal, deliberadamente, ateara fogo. A cena estava seguindo-se quase como em câmera lenta. Kricolas puxava o seu braço de volta, quando o ergueu com mais firmeza revelando um objeto retangular.

- O Livro de Merlin! – falou com entonação.

O livro de capa vermelha com detalhes dourados passaria despercebido dentro de uma biblioteca. Nada nele chamava a atenção, nenhum efeito brilhante ou de alguma forma, magicamente encantado.

- Finalmente meu! – continuou Kricolas em frenesi.

Ele abriu o livro à procura da parte em que a página fora arrancada. Quando localizou, ele ergueu o pergaminho que encontrou na Cidade dos Elfos e o devolveu ao lugar original. Num raio de luz ofuscante o livro se restaurou.

- Completo. E é meu...

- Mas como? – perguntou-se Kal – Eu o queimei...

- Você apenas me ajudou, pequeno Foster. Deixe-me esclarecer. Existem quatro elementos fundamentais na magia, e Merlin os conhecia muito bem. Outro ponto importante é a maçã, a transmissora do conhecimento. Esta macieira – disse apontando para a árvore mais antiga do pomar – foi plantada pelo próprio Merlin, e o grande segredo do bruxo estava escondido dentro das sementes do fruto dela. O ar as carregou. Caíram na terra. Foram irrigadas pela água. Geraram a vida e você, Kal Foster, usou o fogo, o elemento que faltava para que o Livro de Merlin pudesse ser meu!

- E o que vai fazer agora? Dominar o mundo... – perguntou Guine pomposamente.

- O mundo é grande demais, garota! Não vou dominá-lo, mas meu mestre irá.

Kricolas repetiu o gesto de mão que usou contra Guine, Ralph, Daimon e Thalis, fazendo Kal aproximar-se tanto dele que era possível sentir a respiração do vampiro.

- Vamos embora, pequeno Foster. Vou lhe ensinar o que precisa saber para dominar a raça humana.

- Nunca!

- Largue ele! – berrou Ralph correndo até os dois.

Kricolas o fez voar cinco metros até bater em uma árvore.

- Farfalha! – berrou Kal com a varinha apontada para o rosto de Kricolas.

O meio-vampiro recebeu os golpes e caiu pesadamente no chão gritando de tanta dor.

- Corra, Kal! – gritou Guinevere e Kal atendeu-a prontamente, mas Kricolas também foi rápido e o agarrou pela perna direita derrubando-o.

- Escaparta! – o feixe de luz azul liberado por Kal atingiu o queixo ensangüentado de Kricolas, mesmo assim ele não cedeu e continuou prendendo a perna do garoto.

- Você vem comigo! – berrou enfurecido.

- Amstãnder! – o raio amarelado atingiu Kricolas com tamanha violência que ele subitamente largou Kal e o Livro de Merlin foi arremessado contra a macieira logo atrás– Não toque no meu filho!

- Pai... – disse Kal entre dentes.

Adonis correu até ele e ergueu-o, apanhando o livro logo em seguida.

- Você está bem? – perguntou ao filho.

- Sim, mas devemos correr.

- Não tão cedo! – Kricolas estava novamente de pé, suas feridas auto-cicatrizando, ele ergueu a mão direita articulando os dedos e conjurou uma varinha de cor avermelhada. Em seguida disse:

- Todos queriam saber o que o renomado Sr. Nicolas Weny havia descoberto com a Página perdida! Pois sim, nela realmente estava o feitiço mortífero criado por Merlin e seu discípulo! Aqueles malditos escreveram o livro em várias línguas e repleto de códigos! Não têm idéia do que passei para traduzir isto. Morgora Nãltis!

Um ruído longo e tenebroso atravessou o pomar varrendo-o de trevas. Um único ponto de luz amarela cresceu na direção de Kal e Adonis. Este jogou o filho no chão e recebeu todo o impacto. Sem mais barulhos, Adonis bateu no chão com estrépito.

Kal congelou aquela cena em seu pensamento. Não podia ser verdade. Adonis Foster caíra derrotado, talvez muito mais do que isto. Talvez Kal nunca mais veria seu pai levantar-se. Ele esperou. Esperou que Adonis eliminasse qualquer pensamento negativo da mente de Kal fazendo um simples aceno indicando que estava bem e pronto para cair outra vez e levantar-se novamente se fosse preciso para deter Kricolas.

Kal ainda esperava.

Os segundos se estenderam como horas e Kricolas gargalhava vitorioso. Levante! Levante! Repetia Kal em pensamento como se quisesse conversar por telepatia com o pai que permanecia estirado no chão.

Por favor, ajude-nos! Não pode nos deixar agora! Insistia em pensar.

- Pai! – gritou Kal percebendo que nada que pensasse faria seu pai erguer-se.

Seu coração batia acelerado à medida que se aproximava de Adonis que estava com o corpo inerte e pálido, os olhos carregavam um estranho cinza que olhava para o nada. Todo o ar a sua volta cheirava a morte.

- Maldito! – praguejou Kal uivando como um lobo – Papai... acorde... por favor... acorde... Não me deixe, não... acorde por favor... acorde...

Kal sacudia o corpo do pai inutilmente. Ele evitava pensar que Adonis Foster se fora para sempre.

- Quanto clamor, pequeno Foster.

- O que você fez, seu maldito? – gritou Daimon a plenos pulmões – Acorde ele!

- Lamento filho, mas ainda não sei trazer pessoas à vida. Ainda... – terminou Kricolas.

- Seu desgraçado! Eu vou te matar! – Kal ergueu-se e caminhou a passos largos até Kricolas com uma mescla de fúria e ódio nos olhos.

- Sua arrogância começa a me incomodar, pequeno Foster! Há vários modos de trazer meu mestre de volta ao poder. Saiba que você é completamente descartável! Vou enviá-lo até o seu querido papai.

- Kal, não! – gritou Guinevere do outro lado prevendo o que estava para acontecer.

- Morgora Nãltis!

O lampejo amarelo floresceu entre as árvores e disparou em direção a Kal, acertando-o no lado esquerdo do peito desequilibrando-o. Do mesmo modo que acontecera com Adonis, Kal bateu no solo semelhando o barulho de um tambor.

- Kal! – Thalis correu o máximo que pode até chegar ao amigo.

- Menos um Foster... – disse Kricolas secamente – Agora o último deles.

Kricolas ergueu Daimon no ar de modo que não pudesse escapar da mira. Mais duas palavras e a família que se intrometera no caminho de Donnovan estaria extinta. Salvo Cristina Foster Lê Fay.

- Morgora...

No instante final do feitiço, Kricolas foi golpeado no rosto por algo que parecia um chicote. Seja lá o que tivesse acontecido fê-lo largar Daimon e abaixar a varinha.

- Mas... – espantou-se o meio-vampiro ao ver Kal imponentemente de pé depois de ter recebido o mesmo feitiço que matou Adonis de forma instantânea – Como?

- Você acertou isto. – disse Kal abrindo a mão esquerda e revelando uma pedra negra em formato oval – Eu ganhei esta ametista de Cacius e o seu feitiço foi absorvido por ela.

- Quanta petulância. Você tem muita sorte, pequeno Foster. Pedras mágicas, como a sua ametista, sugam energia negativa do meio. Excelente escudo. – resmungou.

- Horbário Obedientis! – invocou Kal o feitiço que aprendera em Relações com a Natureza - Herviana, quebre a varinha! – dizendo isso uma estranha raiz rasgou a terra aos pés de Kricolas e roubou-lhe a varinha que ele segurava e partiu-a ao meio.

- O que é... – Kricolas estava demasiado confuso agora. Kal Foster havia sobrevivido ao feitiço mais mortal existente e controlava uma planta que quebrara sua varinha.

- Dê os cumprimentos à minha Herviana gornóide, Sr. Weny. – falou Kal num tom de voz alterado – Vai pagar pelo que fez ao meu pai!

- Hoje não! – Kricolas recolheu o Livro de Merlin e de suas costas surgiu um par de asas parecidas com as de um morcego, mas as dele tinham alguns cortes e ferimentos expostos.

Num único bater de asas, Kricolas decolou dez metros até que Kal desse outra ordem a sua planta.

- Agarre-o! – mostrando total agilidade e força, a Herviana segurou Kricolas pelo pé direito impedindo-o de continuar seu vôo.

- Prof. Cacius! – exclamou Guinevere aliviada ao vê-lo surgir entre as árvores do pomar.

- Já que não foi ao meu escritório fazer uma visita formal, resolvi procurá-lo. É uma pena que seja em tais circunstâncias... – Cacius olhou para o corpo de Adonis estendido ao chão e sua expressão fechou-se em amargura – Por que não desce até aqui?

Cacius ergueu a própria varinha e apontou para Kricolas e como se o controlasse fez com que aterrissasse.

- Há quanto tempo, Kricolas...

- Meu único visitante em Warren...

- Senti a sua falta. Mas vejo que continua cometendo os mesmos erros. Matar Adonis Foster foi o mesmo que assinar sua sentença de morte.

- Já estou morto, Cacius. Por acaso esqueceu que sou um vampiro?

- Meio-vampiro. Ainda tenho esperanças de que aí dentro bate um coração humano.

- Nunca! – berrou.

- Professor! Ele está com o Livro de Merlin! – gritou Thalis de onde estava.

- Foi um belo disfarce este de Nicolas Weny. Enganou quase todo mundo.

- Menos a você. – disse o meio-vampiro.

- Precisa muito mais do que maquiagem para enganar esta velha cabeça. – falou Cacius batendo no cocoruto.

- Mas esta velha cabeça não conseguiu encontrar o Livro de Merlin, não é? – riu Kricolas debochadamente.

- Não teria tanta certeza se fosse você. – de onde estava Cacius fez com que o livro se abrisse na última página – Está vendo? São todos os donos do livro. Os que um dia viveram com o Enid de Merlin.

De longe, Kal pode observar a página que Kricolas estava encarando. Nela havia vários nomes escritos em uma lista na qual o nome de Cacius posicionava-se em último.

- Eu e muitos outros protegemos este livro de pessoas como você.

- Mas você é o único que está vivo.

- Sim, por certo. Tenho que admitir também Kricolas que você foi extremamente hábil para encontrar o livro e recuperar a Página perdida.

- Uma das poucas coisas que não foi capaz de fazer, não estou certo? – perguntou Kricolas e Cacius assentiu – Qualquer coisa que envolva sacrifícios te impossibilita de agir, não é?

- Que tal colocarmos isso a prova? – uma voz bem familiar chegou aos ouvidos de Kal. Virando-se ele reconheceu Elvira.

Ela dobrara seus dedos sob a garganta de Guinevere e mantinha-a fortemente presa. A menina tinha a vida nas mãos da mulher.

- Solte o mestre Kricolas que eu solto a garota! – vociferou.

- Isso explica muita coisa... – falou Cacius pensativo.

- Deixe-o fugir com o livro e ninguém mais sai ferido! – disse Elvira apertando mais firme a garganta de Guinevere – E então Cacius? Vai ser o livro ou a garota? Nem tente fazer algo contra mim! Ela não é a única que está como refém!

- Eu sei perfeitamente que você também fez a Srª Foster de refém. – disse Cacius lendo os pensamentos da bruxa.

- Mamãe! – exclamou Kal desesperado – O que você fez com ela?

- Ainda não fiz nada, mas se Cacius não libertar o meu mestre, só restarão você e seu irmãozinho vivos.

- Professor... – disse Kal suplicante.

- Nunca sacrificaria alguém, por qualquer motivo que seja.

- Solte-a! – gritaram Ralph e Thalis.

- Kricolas, – disse Cacius – assim que te libertar, você estará no controle. Você já matou Adonis e tem o livro. Não precisa fazer mal a mais ninguém. Há duas opções: ficar, duelar comigo e correr o risco de voltar a Warren, ou fugir e seguir seu plano. Aliás, você tem uma terceira opção.

Todos ficaram atônitos como o que Cacius estava dizendo. Uma das principais características do diretor de Avalon era manter a tranqüilidade nos momentos mais críticos, como no dia em que Jonathan aparentemente tentou se jogar da Torre do Sino. Mas desta vez, Cacius estava muito além do seu estado normal de serenidade. Ele oferecera a Kricolas uma oportunidade de fuga e estava prestes a dar-lhe outra alternativa. O meio-vampiro parecia ligeiramente interessado e penetrou nos olhos de Cacius procurando a resposta.

- Você pode largar tudo isso e viver tranqüilamente em meu castelo. – terminou Cacius, o que fez Kricolas gargalhar abertamente.

- E ensinar magia aos seus alunos também está nos planos? Qual é o seu problema Cacius? Isso nunca foi uma opção. Parece-me pior até mesmo do que Warren. – disse Kricolas mudando de alegria a impaciência – Solte-me e tudo acaba bem.

- Depende de qual lado você está. – comentou Cacius.

- Não vou deixar este assassino fugir assim! – berrou Kal.

- Não pode fazer nada, pequeno Foster! Eu venci!

- Depressa velho! Solte-o! – berrou Elvira ainda apertando o pescoço de Guinevere.

Cacius assentiu com a cabeça e recuou alguns passos.

- Está livre Kricolas.

Nem bem Cacius terminou de falar e o meio-vampiro soltou um alto rugido e esfumaçou carregando o Livro de Merlin e a certeza de que havia vencido a primeira batalha. Elvira empurrou Guinevere e esfumaçou logo atrás.

- Você está bem? – perguntou Ralph a Guinevere.

Tossindo fortemente e puxando mais ar do que talvez seus pulmões pudessem suportar, ela confirmou estar bem.

Kal e Daimon estavam abraçados e chorando muito ao lado do corpo de Adonis. Nenhum dos dois olhava diretamente para o pai caído ao chão para que suas mentes não aceitassem o que havia acontecido.

- Por quê... – balbuciava Kal deprimido.

- Precisamos levá-lo, Kal. – disse Cacius se aproximando.

- Ele não podia fugir... – gritou Kal com Cacius.

- Nem Amanda e Guinevere podiam morrer. – respondeu serenamente, compreendendo a confusão de idéias que pela qual estava passando o garoto a sua frente.

Guinevere também chorava ao lado de Ralph a quem estava abraçada. Thalis se aproximou de Kal e o ergueu pelos ombros.

- Vamos. – disse ele.

Cacius fez com que o corpo de Adonis levitasse em posição horizontal e caminhou lentamente. Os cinco garotos seguiram o professor pela estrada que levava até Cidade dos Elfos. Kal, Guine e Daimon aos soluços, estavam sendo praticamente arrastados por Ralph e Thalis. Ao longe, Amanda esperava-os aflita. Estava com as mãos tapando a boca para tentar conter o choro. De onde estava, Amanda não via o corpo de seu marido que levitava logo atrás de Cacius. Ela desatou a correr na direção dos filhos assim que os avistou.

- Graças a Deus! Adonis foi até vocês assim que... Ah! – gritou Amanda desesperada recuando alguns passos – Adonis! – gritou novamente aproximando-se do marido que agora estava novamente no chão.

- Lamento, Srª. Foster. – disse Cacius em uma voz pesada e pondo a mão no ombro da mulher que desatou a chorar – Não pude fazer nada.

- Não! Adonis... – disse soluçando entre lágrimas – Por quê? Por quê? Adonis, por favor...

Kal, Daimon e Guinevere abraçaram Amanda em consolo, mas não sabiam como fazê-lo, pois também não continham as lágrimas. A única coisa que podiam fazer era ficar ali ao lado do corpo de Adonis tentando entender aquela situação. Assimilando que nunca mais veriam um sorriso de seu marido e pai. Compreendendo que agora estavam sozinhos, não havia mais aquela figura otimista e carinhosa de sempre, que sabia dizer as palavras exatas em todos os momentos. Imaginando que se Adonis estivesse vivo ele saberia o que fazer em momentos como aquele. Porque ele era assim. Muito mais do que um esposo, muito mais do que um pai. Adonis Foster era um pilar para os quatro, sem ele, não saberiam por onde recomeçar.

Em pouco tempo a cidade amontoou-se no local, professores, alunos e os habitantes prestaram apoio à família Foster. Até mesmo a natureza pareceu sofrer com a perda, pois o céu da Cidade dos Elfos cobriu-se em luto com nuvens negras de chuva, que logo molharam a multidão misturando-se às lágrimas de bruxos, elfos, fadas e todo o resto de criaturas mágicas que se podia imaginar.

Cacius aproximou-se de Kal e colocando a mão no ombro do garoto disse:

- Você merece saber tudo. Provou isso hoje.

Kal esfregou um dos braços nos olhos para que pudesse enxergar o professor com mais nitidez e percebeu que ele abandonara seu ar de serenidade. Mas ele não pôde distinguir se aquela gota em seu rosto era uma lágrima ou simplesmente chuva.

Ele o seguiu por entre as pessoas imaginando o que Cacius considerava digno de Kal saber. Suspeitou que deveria ser algo sobre o seu Enid. Mesmo tendo ouvido do próprio Kricolas que Donnovan vivia em seu corpo, Kal não podia acreditar que não fora apenas uma grande coincidência. A cidade parecia estar morta, a chuva fazia um barulho típico sobre os telhados e sobre as copas das árvores na floresta. Não havia pássaros cantando, nem mesmo um vento soprando de dentro da floresta. Era como se todo ser vivo ao redor estivesse prestando uma última homenagem a Adonis Foster.

Cacius guiou Kal até os portões do castelo da Rainha dos Elfos e juntos atravessaram o jardim enfeitado com estátuas de gnomos, curiosamente todos estavam segurando os chapéus cônicos e de rosto erguido para o céu com uma expressão tristonha.

Os dois atravessaram o salão de entrada e seguiram pelos corredores e escadas até a sala circular em que Thalis revelara seu Enid. Cacius encarou Kal nos olhos e franzindo o cenho disse as primeiras frases:

- Isto foi apenas o começo, Kalevi. Kricolas tem o Livro de Merlin e você supostamente sabe o que ele está prestes a fazer.

- Ressuscitar Donnovan. – respondeu secamente.

- Sim, mas dizer ressuscitar, faz parecer que qualquer um pode voltar da morte.

- Meu pai, por exemplo. – disse com peso na voz.

- Diremos que Kricolas quer dar um corpo a Donnovan. – falou Cacius disfarçando o ressentimento de Kal – Ele já tentou fazer isto há sete anos. Quando trouxe ao nosso mundo o Enid de seu mestre.

- Mas vocês o impediram que possuísse um recém-renascido.

- Não contávamos que o Enid de Donnovan se apossasse do seu corpo.

- Ele não conseguiu se apossar de mim! – retorquiu Kal.

Cacius lançou-lhe, imediatamente, um olhar contraditório e prosseguiu.

- Restou a Kricolas roubar o Livro de Merlin para conseguir o Enid de volta.

- Por que ele simplesmente não me matou?

- E por acaso ele tentou fazer algo de diferente hoje? – indagou Cacius.

Kal apalpou o lado esquerdo do peito e sentiu a ametista contra sua pele. Sem o presente de Cacius, certamente, Kal estaria morto.

- Acredito que Kricolas fará o possível para manter você vivo, Kal. Ele não sabe ao certo o que pode acontecer ao Enid se você morrer. Talvez seu Enid se perca e... Bem, é difícil prever qualquer coisa. – finalizou.

- Ele disse que sou descartável... – respondeu Kal.

- No calor da batalha as pessoas dizem muitas coisas. Mesmo meio-vampiros milenares.

- E o que acontece se Donnovan voltar?

Após um longo silêncio Cacius disse:

- Ainda não tive coragem de pensar nisso. Mas afirmo que será desastroso.

- Como Kricolas encontrou o livro?

- Há uns três anos, um bruxo chamado Nicolas Weny se popularizou com uma grande descoberta na Inglaterra. A partir daquele momento ele ganharia fama e influência com novas descobertas. Kricolas se disfarçou muito bem criando este personagem. O feitiço Glamory pode ser realizado em qualquer lugar, basta um espelho e algumas poucas velas. Era assim que Kricolas transformava-se em Nicolas Weny e usando de sua recém adquirida influência, aproximou-se de estudiosos do assunto e foi montando o quebra-cabeça. Kricolas também teve acesso à minha sala este ano e roubou alguns de meus livros.

- O que o senhor quer dizer com isso? – perguntou Kal deixando de soluçar.

- Na manhã em que Jonathan ameaçou se jogar da torre. – respondeu – Ele estava sob efeito de algum encanto.

- Kricolas fez aquilo com ele?

- Indiretamente sim. Como você bem sabe, Tâmisa foi uma Representante de Avalon este ano. Ela abriu os portões da escola naquela manhã e permitiu que Kricolas entrasse. Enquanto uma terceira pessoa conduzia Jonathan até o alto da torre.

- Elvira.

- Não. Uma Outra pessoa. Eu estive com Elvira aquela manhã no Hospital Nautilus.

- Tem idéia de quem possa ser este terceiro aliado? Lembro-me que era uma voz feminina que induziu Jonathan a se jogar.

- É uma pista. – comentou Cacius.

- E a Página perdida? Por que o senhor não a pegou antes de Kricolas? Foi nela que ele conheceu o feitiço que ma...

- Eu sabia da existência desta página. – cortou Cacius antes mesmo que Kal pudesse terminar a frase - Mas não poderia recuperá-la sem que houvesse um sacrifício...

- Acho que entendo. De qualquer forma. Houve um sacrifício... – disse ele querendo chorar.

- Alguns professores procuraram pela Página perdida, por isso o professor Amadeus manteve-se tão ocupado. Ele passou o ano arrumando outra maneira de recuperá-la. O professor Tirso também contribuiu com a busca. Ele comentou como você duelou bem contra Rick Wosky. Infelizmente, ele teve que passar alguns dias se recuperando da maldição Dunkel que recebeu enquanto estava na forma de macaco. Mesmo com tanta ajuda, eu não poderia ter a Página perdida. Quanto ao Livro de Merlin, Kricolas contava com a poderosa ajuda de Elvira, o que para mim era algo inesperado.

- Poderosa ajuda? – espantou-se Kal lembrando-se da medíocre figura esquelética da mulher.

- Elvira tinha acesso ilimitado à biblioteca de Thomas, que certamente faz a de Alexandria parecer obsoleta. Com tanta informação e habilidade prática, os dois formaram uma dupla muito poderosa.

- E Thomas? – perguntou Kal confuso.

- Foi envenenado durante todo o ano. Induzido ao coma, ele permaneceria inativo. Assim, Kricolas e Elvira podiam agir deliberadamente.

- Thomas foi envenenado? – perguntou Kal incrédulo.

- A poção Mekeivan, um verdadeiro veneno para um vampiro. No começo do ano, pedi que Cristina Foster fosse até o Hospital Nautilus tentar reanima-lo, mas como não sabíamos o que o estava deixando inconsciente, nenhum dos esforços da professora valeram a pena.

- E onde Elvira conseguiu tanta poção?

- Em Avalon! – Kal arregalou os olhos já inchados de tanto chorar e Cacius prosseguiu – Tâmisa, a filha de Elvira, surrupiou nosso estoque de poção e ingredientes para que sua mãe continuasse dopando Thomas.

- E por que Elvira e Tâmisa apoiaram Kricolas? – perguntou Kal sentindo que seus neurônios estavam recebendo informações demais para aquele momento.

- Quando uma nova força surge, as pessoas procuram se aliar a um dos lados em busca de proteção. Elvira e Tâmisa já fizeram sua escolha. – explicou Cacius – Temo que outras pessoas vão passar para o mesmo lado quando souberem que Kricolas tem o Livro de Merlin.

Kal parou por um breve instante digerindo aquelas informações. O plano de Kricolas havia sido meticulosamente desenhado e provara-se infalível. Talvez até mais do que isso. Superara as expectativas, afinal ele não só havia conseguido pegar o Livro de Merlin por completo, mas como também eliminado um Foster, o que certamente iria chocar ainda mais a comunidade mágica.

- Professor, quanto tempo o senhor acha que Kricolas vai demorar para trazer Donnovan de volta, agora que tem o livro?

- É um tempo difícil de se calcular, Kal, não sei até onde Kricolas sabe sobre ele. Pode demorar um século, ou apenas um dia. Merlin e Foster escreveram o livro utilizando de várias línguas, algumas que já não se tem mais registro, adicionaram códigos e alguns métodos subliminares. Tudo dependerá da habilidade de Kricolas agora.

- Vamos torcer para que ele demore então. – disse de cabeça baixa.

- Bem, acho que chega por hoje. Você se mostrou muito corajoso, Kal. Você quis mudar algo em sua vida e acho que conseguiu. Acredito que a partir de hoje as pessoas não vão mais vê-lo simplesmente como um Foster, ou o Milagre Foster, a partir de hoje você é Kal, Kal Foster.

- Obrigado, professor. – o garoto desenhou um leve sorriso em seu rosto, os olhos ainda inchados, mas também carregados de uma esperança estranha que dominava todo o seu corpo tranqüilizando-o.

Ainda na Cidade dos Elfos, várias carruagens subiram ao céu, velozmente, arrastando um clima de depressão e melancolia. A Guarda Armada de Warren liderou as carruagens rumo ao cemitério dos bruxos que ficava em algum ponto não muito escondido no mundo humano, no litoral do nordeste brasileiro. Quando as primeiras cidades mágicas foram fundadas no país, nenhuma delas entusiasmou-se com o fato de ter um cemitério em seu tão pequeno território. O Governo Mágico determinou então que fosse erguido o Cemitério Nacional para Bruxos.

O cemitério não possui poderosos encantamentos de proteção contra os humanos, pois em si o lugar já é um repelente natural. A vasta área murada tem bem ao centro um farol onde mora o guardião do cemitério, que provoca aflição e medo aos curiosos com sua desfigurada aparência. O homem de uns sessenta anos era recoberto por cicatrizes e manco da perna direita, cheirava a peixe podre, tinha alguns fios de cabelo jogados sobre o rosto e mantinha a barba mal feita.

A parte interna do cemitério era bem modesta, a exceção de alguns esplendorosos túmulos de marfim. Havia uma pequena estrada de pedras brancas que interligava os portões de entrada ao farol, no centro do cemitério. Desta primeira estrada principal, partiam várias outras interligando os túmulos de pedra. Alguns traziam apenas um simples vaso de flores, outros eram bem ornamentados com coroas de flores em cores variadas e velas flutuantes acesas com a chama eterna. Algumas árvores estavam espalhadas pelo cemitério, àquela hora da tarde permitia que o cemitério fosse iluminado fracamente pelo alaranjado sol poente, dando ao cemitério um aspecto pacífico.

O mausoléu da Família Foster era o primeiro do lado esquerdo do farol. No cemitério cada túmulo correspondia a uma família de bruxos. Gerações e gerações estavam ali presentes, prontas para receber mais um de seus descendentes que tristemente se despediu do mundo vivo. Adonis Foster tinha agora seu epitáfio.

Enquanto o caixão de seu pai era carregado, Kal manteve-se o mais distante possível. Não entrou no mausoléu junto com os outros tantos presentes, amigos, alguns poucos parentes de sua mãe, representantes do governo acompanhando Mardo, habitantes da Cidade dos Elfos, como a Rainha Eva e alguns guardas de Warren, incluindo o senhor e senhora Scheiffer.

No momento em que o orador retirou do paletó preto um pedaço de pergaminho para iniciar a despedida, Kal deu uma última olhada em sua mãe que estava abraçada à sua irmã Lilith e recuou para o mais longe que pudesse alcançar.

Kal não queria ver o túmulo do pai tão cedo. Sabia que assim que o visse tudo se tornaria real, e ele não queria encarar aquela realidade.

O pequeno Foster, como foi chamado por Kricolas, caminhou por entre os túmulos e procurou seguir caminho olhando fixamente para o chão afim de não guardar qualquer imagem do cemitério. Kal estava vestido com um paletó preto sem gravata, os sapatos estavam tão lustrosos que refletiam as lápides por todos os lados. Resolveu seguir de olhos fechados, mas a todo o momento em sua cabeça surgiam imagens de seu pai caindo no chão do pomar e ele ouvia mais atentamente as gargalhadas do assassino de seu pai.

Percebendo que nada do que fizesse, sair do mausoléu, abaixar a cabeça ou fechar os olhos faria esquecer que seu pai estava morto, Kal correu o máximo que pode para alcançar os portões brancos que davam acesso à praia. No momento em que ele saiu e sentiu a brisa fria do mar tocar seu rosto, permitiu-se soltar uma última lágrima naquele dia. Pois guardaria todas as outras para os momentos de felicidade que passaria com sua família.

Daimon e Guinevere também resolveram largar a cerimônia de lado e seguiram os passos de Kal até a praia, onde estava sentado e olhando fixamente para o mar.

Um minuto mais tarde, Thalis e Ralph também se sentaram na areia para fazer companhia aos amigos. Nenhum deles disse uma palavra, nem mesmo quando o farol se acendeu sinalizando que a cerimônia havia finalizado. A luz do farol, acredita-se, ilumina o espírito do bruxo a um lugar belo onde pudesse descansar eternamente.

Um profundo, e também estranho, sentimento de felicidade invadiu o corpo de Kal por completo. Era como uma forte onda de esperança. Esperança de que talvez um dia uma luz pudesse ser acesa para celebrar a vida.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

Capítulo 17 - O acidente mágico

No dia das bruxas, Cidade dos Elfos preparava uma grande festa. Não houve aula devido o feriado e os alunos puderam curtir o dia entre as enfeitadas lojas. Os postes de iluminação traziam grandes abóboras como lâmpadas, algumas até mesmo conversavam, pequenos arbustos que no lugar de frutos brotavam chocolate, caramelo ou balas açucaradas.

Além, é claro, dos bruxos, donos da festa, e dos elfos e fadas, moradores da cidade, outras figuras inusitadas apareceram de surpresa como, o boto-cor-de-rosa, que chegou arrancando suspiros profundos das jovens estudantes. O boto era uma criatura mágica muito popular, ele saia de dentro dos rios, onde tinha a aparência de um tipo de golfinho de água doce, para assumir a forma humana em festas, a procura de uma jovem moça com quem pudesse aproveitar a noite.

Enquanto todos se entupiam de divertimento, o Sr. Nicolas Weny nem ao menos dera a cara para a cidade. Talvez ele não gostasse de comemorações, ou estivesse se aprofundado tanto em suas pesquisas que perdera a noção de tempo e espaço.

No entanto, Nicolas continuava com os seus encontros secretos na velha loja e Kal e os outros não conseguiam descobrir o que se passava por lá. Certa noite, Kal, Ralph e Thalis se arriscaram ir até a velha loja pessoalmente, sem ser por meio da projeção, eles determinaram que permanecer dez metros longe era uma distância segura. Mesmo usando o Captus eles não conseguiram ouvir nada, apenas o barulho noturno de uma floresta silenciada.

Kal insistia em controlar suas visões, mas nunca conseguia algum resultado espontaneamente. Ele não tivera uma só visão desde o dia em que viu Nicolas matando pessoas. E isso era uma intriga na cabeça dele. Aquilo realmente fora uma visão ou algo imaginário? E se foi uma visão, quem Nicolas Weny poderia ter matado?

Pelo meio de novembro, todos começaram os preparatórios para as provas finais, naturalmente os alunos de Angus estavam bem tranqüilos em relação a isso. Alunos, que como Daimon, não dependiam de altas notas para passar. Kal, no entanto, ainda precisava se esforçar muito para conseguir nota em Relações com a Natureza. Talvez se ele acertasse oitenta por cento da prova tivesse alguma chance de passar para o próximo ano.

O mau desempenho de Kal devia-se a combinação de não saber lidar com plantas e o fato da sua ser a pior de todas. A Herviana havia sido plantada na Cidade dos Elfos devido o seu tamanho e Kal passou a ter que assistir primeiro as aulas e depois, sozinho, praticar com ela o que “aprendera”.

Thalis estava bem tranqüilo em relação às matérias. Mesmo tendo começado o ano atrasado e por ter sofrido com a morte dos pais e a descoberta de uma vida mágica, ele parecia bem normal. Nos últimos meses, sempre depois de terminarem a lição de casa, Kal, Ralph e Thalis passaram horas conversando no dormitório tramando uma maneira inteligente de Rick perder o distintivo de Guardião-mirim, e com sorte ser expulso de Avalon.

Das provas, a primeira seria de Maldições. Alguns alunos apresentaram-se na sala usando capacetes e alguns mais exagerados trouxeram também escudo, cordas e quites de sobrevivência. Todos esperavam por um teste ainda pior que o do meio do ano, mas encontraram uma simples prova escrita que não tinha mais do que quatro folhas. Talvez os métodos avaliativos de Amadeus Wosky tenham sido questionados.

No mesmo dia, eles fizeram provas de Clerigologia e Relações com a Natureza. Kal não achou que tinha se saído bem nesta última prova porque disse que em casos de emergência deve-se atear fogo na planta, sendo o certo apenas paralisá-la.

O segundo dia compensou-o com uma brilhante prova de Feitiços e outra de História. Kal tinha certeza de que descrevera bem como fazer o Efesto, um feitiço lançador de fogo. Além, também, de ter marcado muitos pontos dizendo que Chico Liber fora o mentor da Revolução dos Sacis no século XIX e que o duende Pukaka Bert liderou a Rebelião dos Mangues Negros do Sudeste em 1566.

De qualquer modo, os resultados finais sairiam apenas no penúltimo dia letivo, que seria, sem dúvida, um dia de muito alvoroço. Alunos se despedindo de Cidade dos Elfos e voltando para suas casas nas mais variadas regiões do país, outros tantos choramingando e resmungando com os professores por que não terem passado de ano ou ficado de recuperação. E Kal torcia para que não estivesse entre estes. Ninguém poderia imaginar que na verdade os dias de tensão em Avalon e Cidade dos Elfos seriam bem antes disso.

Uma semana antes da grande final de Quizard entre Tadewi e Katzin, Raiam Devine recebeu uma suspensão que o proibia de jogar sua última partida.

- Como isso aconteceu? – perguntou Tirso que era o treinador da equipe de Tadewi.

- Eu estava na biblioteca estudando para a última prova... Acabei cochilando e quando acordei me apressei para ver se conseguia o último balão. Foi quando Rick Wosky apareceu e perguntou o que eu fazia ali tão tarde. Respondi que tinha cochilado na biblioteca e que já estava descendo, mas ele me deu suspensão de uma semana...

- Ele pode fazer isso? – perguntou Malvina, clériga da equipe de Tadewi.

- A suspensão estava assinada pelo professor Amadeus... – explicou Raiam.

- Tinha que ser ele, amaldiçoado... – retorquiu Tirso – Não há como fazer mais nada.

- Então não jogaremos professor? – perguntou Malvina.

- Jogaremos. Porque ainda temos Kal.

- Desculpe, acho que não entendi professor... – interrompeu Kal um pouco confuso.

- Simples, Raiam não vai poder competir e você é o Desafiante reserva. – explicou Tirso.

Kal ficara completamente imóvel, como se estivesse sido atingido no peito por um feitiço. Ele não dera devida atenção aos treinamentos de Quizard porque era apenas um reserva. Seu titular era Raiam, um excelente aluno e muito astuto dentro do campo. Quando ele entrava na Sala das Diferenças não havia desafiante que o vencesse. Na verdade, Raiam só lutara duas vezes naquele ano. As duas vezes foram contra o desafiante de Angus. Rick Wosky, sempre, convenientemente, se perdia no labirinto estourando assim o tempo limite de dez minutos. Com o tempo esgotado a vitória ia para a outra equipe.

- Muito bem, está resolvido então. Semana que vem teremos uma partida e tanto! – entusiasmou Tirso.

- Você contra Rick Wosky! – exclamou Thalis no dormitório.

- Vai ser o jogo do ano! – disse Ralph eufórico.

- Não tenho tanta certeza... – retrucou Kal – Rick se preparou o ano inteiro para esta final.

- Não brinca! Rick nunca encarou um desafiante na Sala das Diferenças. Perdeu as duas partidas para Tadewi por Tempo Limite e ganhou as duas de Angus porque a equipe de Katzin sabe atacar e derrubou o desafiante deles antes mesmo de chegar à Sala das Diferenças, a equipe dele é boa. – comentou Ralph.

- Este é o meu medo... – confessou Kal – Ter que passar pela equipe de Katzin com vida.

- Fique tranqüilo! Nós vamos te ajudar, mesmo que falte apenas uma semana... – terminou Thalis coçando a nuca.

Naturalmente os jogadores de Quizard tiravam alguns dias de concentração antes de cada partida. O ano já havia chegado ao fim e os alunos estavam apenas terminando uns simples conteúdos e esperando os resultados finais. Algumas aulas já haviam sido encerradas, entre elas, Maldições, Biomagia e Relações com a Natureza, a qual Kalevi estava extremamente preocupado com a nota que iria alcançar.

No intervalo destas aulas, ele era ajudado por Thalis, Ralph, Guine, Daimon e Jonathan. Os cinco revisavam com ele alguns feitiços como o Escaparta, o Amstãnder e o Réplica. Jonathan, que era ótimo aluno em Clerigologia, lhe dava algumas dicas de como se curar em uma batalha. Não era muito fácil, considerando que em algumas ocasiões era impossível fazer qualquer coisa porque a boca estava imobilizada, impedindo de pronunciar qualquer feitiço.

Durante os intervalos vários alunos de Tadewi iam encorajá-lo, em geral acenavam distante, muitos ainda estavam assustados com o fato de Kal possuir o Enid de Donnovan. A verdade é que isso era uma boa vantagem, talvez Rick ficasse apavorado e permitisse que Kal vencesse. Ralph sugeriu que no meio da batalha ele usasse o Revelarbus, mesmo que não fosse derrotar Rick, iria deixá-lo atônito.

Toda aquela atmosfera de excitação se condensou na manhã do grande jogo. Um estádio com tamanho suficiente para mais de mil pessoas, número muito superior ao número de habitantes de Cidade dos Elfos. O estádio fora detalhadamente montado no centro da cidade. Algumas lojas como a Labaredas de Ferro simplesmente haviam desaparecido, era como se nunca tivessem existido.

O estádio descrevia uma elipse com suas arquibancadas de madeira e a estrutura de pedra. No centro estava o campo, o espaço ocupado pelo labirinto, onde no meio estaria a Sala das Diferenças. Kal sabia que precisava ser rápido para chegar lá. Se entrasse primeiro e Rick não aparecesse em dez minutos Tadewi ergueria a taça de campeã.

Estava feito então, entrar e aguardar.

Se ele tivesse que lutar contra Rick faria o melhor possível para não decepcionar sua equipe e os outros alunos de Tadewi, em especial, Ralph, Thalis e Guine. Kal ainda devia a vitória a Daimon e Jonathan, que como os outros alunos de Angus, estavam torcendo por Tadewi.

Somente quando ele pisou no campo ele viu como aquela partida era importante. Em quatro extremidades do estádio, a pouco mais de quinze metros, estavam os camarotes, cada um com cor diferente, laranja, azul, branco e marrom. Neste último camarote estavam o Escritor da Terra, Tirso, Cristina e Cacius que conversava com ninguém menos do que o Ministro da Defesa Mágica, Mardo e alguns outros bruxos bem vestidos.

Na outra extremidade, atrás de onde Kal estava, tinha-se o camarote azul, o qual o único conhecido era Amadeus Wosky e seu sorriso de aranha faminta.

O garoto escaneou as arquibancadas inferiores à procura de Ralph e os outros, mas era impossível encontrá-los. Dois terços dos alunos usavam roupas azuis e laranja, as cores de Tadewi, e tinham os rostos pintados. Era como procurar um determinado musgo na Floresta Amazônica.

- Os competidores entram em campo! – narrou uma voz que com certeza não era a de Tirso. Obviamente os katzenianos exigiram um juiz mais imparcial – Começou!

A torcida soltou um “Uh!” delirante.

O labirinto à frente de Kal era feito com pedras altas e lisas, era impossível escalá-las para se enxergar mais à frente. Levitar certamente era um grande risco. Quando se está a cinco metros de altura qualquer um torna-se alvo fácil.

- Venham! – chamou Malvina à equipe.

Ela havia se tornado a capitão com a saída de Raiam, que infelizmente nunca mais iria jogar por Tadewi. Ele estava em seu último ano em Avalon e aquela final seria sua partida de despedida do Quizard. Mas Rick Wosky estragara tudo e agora, após fazer uma brilhante campanha nos últimos quatro anos, ele assistia a grande final de sua vida na arquibancada, ao lado dos outros alunos.

Todos seguiram Malvina, sorrateiros. O silêncio era fundamental para não denunciar a posição ao inimigo. Os seis alunos haviam feito um cerco ao redor de Kal para protegê-lo. Todos estavam bem dispostos a se sacrificar para que ele entrasse na Sala das Diferenças.

- Kalevi é importante, nós não. – havia dito a capitã minutos antes de entrarem em campo.

Eles estavam andando rápido e já se aproximavam da Sala das Diferenças, felizmente não haviam encontrado ninguém da equipe adversária. Estavam bem despreocupados, quando um desafiante entra na sala, um marcador automático surge de forma que possa ser visto de qualquer lugar do campo.

Já havia se passado vinte minutos desde que a partida começara. Até então não tiveram qualquer sinal de Katzin.

Das arquibancadas se tinha uma visão privilegiada. Os espectadores podiam acompanhar o movimento das duas equipes. Para evitar que alguém passasse informações para dentro do campo, este era magicamente encantado com um filtro de palavras para coibir qualquer fraude.

Kalevi calculou que estavam a uma distância de centro e cinqüenta metros da Sala das Diferenças. Estavam entrando em uma área de risco. A qualquer momento eles poderiam deparar-se com os katzenianos. Era hora do grupo se separar.

Quatro alunos seguiram por uma direção diferente, eles procurariam e atacariam Rick, esta era a estratégia. Enquanto isso Kal seria escoltado até a sala por Malvina e por um armador, Gregori Clark.

Assim eles seguiram, lenta e pacientemente, passos vagarosos não chamavam atenção.

Um pouco mais a frente havia um arco com a passagem para uma ante-sala. No momento em que Kal, Malvina e o armador atravessaram o arco, a torcida entrou em frenesi e gritou bem alto. Os tímpanos de Kal pareciam querer estourar, mas então ele olhou para um lado e viu o motivo do estardalhaço.

Três garotos de Katzin estavam na mesma ante-sala observando-os, então um gritou:

- Derrubem o Foster!

Em um reflexo extremo Kal berrou:

- Pelínculo!

O feixe de luz explodiu na frente dos três garotos tirando a visão deles de foco.

Kal conseguira pensar naquilo primeiro que Malvina e Gregori porque fora alertado pelo seu instinto de sobrevivência. Em uma mínima fração de segundos seu cérebro processara que estava correndo perigo, gerou uma resposta imediata ao ataque e seus músculos agiram prontamente.

- Bom trabalho! – elogiou Malvina.

Gregori e a clériga agarraram Kal pelo braço e correram os últimos vinte metros juntos até um abismo que separava a Sala das Diferenças.

- Escaparta! – os três garotos da equipe adversária já estavam de pé atacando.

Kal olhou para trás, achou que o Pelínculo não funcionaria novamente. Parou por uns instantes e avaliou suas opções, não eram muitas. Tentar um salto de sete metros sobre o abismo ou encarar os três rivais.

- Amstãnder! – exclamou Gregori acertando um dos inimigos que acabou tropeçando e derrubou os outros dois.

- Escaparta! – o feitiço vinha de outra direção de encontro com Kal, mas Malvina posicionou-se entre os dois e desmaiou em seguida.

A ante-sala agora estava tomada por alunos de Katzin. Estavam todos os sete ali. Eram sete contra apenas Gregori e Kal.

Uma explosão ocorreu atrás dos katzenianos e os quatros outros alunos de Tadewi haviam surgido. Eles destruíram a parede do labirinto e os estilhaços derrubaram alguns rivais, contudo, Rick estava muito bem protegido por um escudo mágico conjurado por um garoto baixo e gorducho.

Gregori partiu para cima dos outros pronunciando mais feitiços do que sua boca conseguia suportar.

- Linglesingle, Escaparta, Amstãnder, Réplica...

Ele havia nocauteado três de Katzin, no entanto um garoto bem alto e ossudo disparou um feitiço contra Gregori que o acertou bem no peito e dividiu-se em pedaços menores acertando os outros competidores de Tadewi.

Gregori voou bem uns três metros e ficou imóvel, assim como os outros. O caminho estava livre para que os katzenianos pudessem render Kal e se proclamassem campeões. Entre eles estavam os corpos caídos de seus companheiros de equipe e atrás um abismo que não lhe dava escolha. Ele estava sem opções. O que estava para fazer era quase suicídio. Encarar toda a equipe sozinho.

Kal empunhou a varinha decidido, mas ouviu um ruído. Era Gregori, jogando sua última carta. Um verdadeiro Ás.

- Cefalotúrgia! – diferente do que todos pensavam, o feitiço veio em direção a Kal, por um breve momento ele pensou em desviar, mas pensou melhor. Talvez seja isso mesmo.

O feitiço acertou o rosto do garoto provocando-lhe um formigamento incômodo. Sua respiração falhou, mas ele não conseguia abrir a boca. Os lábios estavam colados. Ele sentiu seu crânio inflar. Seus pés estavam largando o chão, ele tateava mas era irreversível. Sua cabeça enchera tanto quanto um balão e ele estava flutuando.

A platéia aplaudiu de pé muito surpresa. Os katzenianos ficaram sem reação. Kal estava cada vez mais alto e olhou para baixo, viu Malvina caída. Sentiu que seus lábios podiam se abrir e então disse.

- Corparo! - o feitiço de cura que Jonathan o havia ensinado fora bem útil. Malvina estava de pé novamente e rapidamente curara os outros. No entanto, assim que terminou o feitiço seus lábios não conseguiram se fechar e um forte sopro fugia pela sua boca.

Kal parecia ter se tornado uma bexiga de festa de aniversário. Seu corpo estava sacolejando no ar devido a pressão que saia de si. Aos poucos ele sentiu que sua cabeça estava voltando ao tamanho normal e estava sobrevoando a Sala das Diferenças. Kal aterrissou no chão de terra levantando um pouco de poeira. Estava deitado olhando para o céu quando o marcador automático começou a contar os dez minutos de espera. Ele havia conseguido. Estava na Sala das Diferenças.

A platéia continuava a aplaudir de pé. Tirso vibrava no camarote ao lado do Escritor da Terra. Até mesmo Cacius lhe sorria simpaticamente.

Agora é só aguardar, pensou Kal. Ele contou cada segundo no marcador de número roxo. Kal cansara de observar a sala, que não passava de um lugar esférico, com terra e algumas rochas mal dispostas.

Pelo barulho que o público fazia, as coisas pareciam estar esquentando do lado de fora. A equipe de Katzin tinha mais quatro minutos para mandar Rick, o que Kal torcia para não acontecer. Não que ele tivesse medo do oponente, muito pelo contrário, estava esperando pela chance de bater nele há muito tempo, mas não queria que fosse em frente a mais de mil pessoas.

Três minutos. Esperar ali era muito angustiante. Kal não tinha se quer noção do que se passava lá fora. Tinha em mente que no próximo ano ele seria o Desafiante titular, já que Raiam estava se despedindo de Avalon. Kal teria que se acostumar com a Sala das Diferenças.

Dois minutos. Um pensamento rápido lhe veio à cabeça. Rick Wosky havia dado a suspensão a Raiam propositalmente, na certa esperou por uma boa oportunidade e aplicou o castigo. Rick sabia que não teria a menor chance contra ele.

Um minuto. Kal estava odiando ainda mais Rick.

Para seu espanto, alegria e descontentamento, Rick Wosky pairava a alguns metros do chão atravessando a parede da sala e aterrissando a uns vinte metros de Kal.

Ele havia chegado do mesmo modo que Kalevi, com a cabeça na forma de um balão.

- Que original, Wosky. – debochou.

- Contente por me ver, Foster? – cuspiu no chão.

- É claro que estou. Escaparta!

- Pelas barbas de Merlin! – exclamou o locutor – Estes desafiantes não estão brincando!

- Nem um pouco. – concordou Rick esquivando-se do ataque de Kal e lançando o seu próprio – Linglesingle!

O feitiço acertou o peito do garoto, mas pareceu não surtir efeito. Apenas pareceu...

- Escapaaartaaa! – disse Kal em um forte sotaque de cantor de ópera.

- Inacreditável! – narrou a voz – Rick Wosky acertou uma maldição que transformou a voz de Kalevi! Tudo que ele disser sairá como música.

- O que estáááa acooonteceeendoooo? – questionou, mas não tinha tempo para isso. Rick Wosky estava atacando rapidamente.

Kal estava relembrando dos feitiços de cura que Jonathan havia lhe ensinado, mas era impossível realizá-los cantando. Primeiro teria que se livrar da maldição. Mas como?

- Qual o problema Kalevi? O gato comeu sua língua? – debochou Wosky enquanto conjurava vários feitiços.

- Parece que Kalevi Foster está levando uma surra de Wosky! Será que Katzin será a campeã?

Jamais. Pensou Kal. Em hipótese alguma ele permitiria que Wosky levasse a vitória. Se fosse preciso derrubaria-o no braço. Sim, talvez aquela fosse a única saída...

- Como é, Foster? Não vai me atacar? – gargalhou Wosky.

- Parece que Rick está usando a velha tática da provocação! – exclamou a voz – Se Kalevi resolver largar a varinha e usar os punhos será desclassificado.

- Maldiiiiitoooo! – praguejou Kal – Tentaaaandooooo me enganaaaaar...

- Escaparta! Amstãnder! – Rick continuava com os seus sucessivos ataques e Kal, ainda amaldiçoado pelo Linglesingle não podia se quer defender-se.

Braços. Pernas. Queixo. Costelas. Ombro.

Wosky atacava por todas as direções. Já sem forças, Kalevi caiu no chão. O suor pingava de sua testa, estava exausto. Não era o que ele tinha em mente, ser açoitado por Rick. Em seus pensamentos ele erguia a varinha e acertava Wosky no peito e vencer a partida. Parece que agora estavam quites. No começo do ano, Kal o vencera em um rápido duelo. Naquela ocasião Rick havia derrubado-o, mas ainda assim ele o venceu. Por que seria diferente agora? Pensou Kal.

- Vamos Foster, desista! – berrou Rick – Dunkel!

A maldição acertou-o em cheio. Os ossos de Kal estavam se revirando, seus órgãos também pareciam mudar de posição. Era terrível a dor. Kal sentiu seus dedos dos pés serem sugados para dentro do corpo e brotarem em sua testa. A maldição estava sugando os poderes de Rick. Aparentemente, não era tão simples realizá-la em humanos. Wosky estava suando. Cortou o feitiço e Kal voltou ao normal.

- Escaparta! – berrou Rick recuperando suas forças – Você é bem resistente.

Kal estava se levantando aos poucos. Quando ergueu o rosto exibiu seu sorriso. Sem perceber Rick havia retirado a maldição Linglesingle. Pelos princípios das maldições que Amadeus ensinara em sua primeira aula, um corpo não pode receber duas maldições ao mesmo tempo, sendo que a segunda anula a primeira. Dunkel havia sido a segunda maldição, que retirou o efeito do Linglesingle. Felizmente, Rick não se lembrara disto.

- Porque está rindo? É masoquista? – bufou Rick.

Kal não ligaria para as provocações do rival. Tinha uma boa oportunidade e não iria desperdiçá-la. Ele não estaria preparado para se defender, era agora ou nunca.

Meio que sem jeito, Kal ergueu-se por completo. Tremulamente apontou a varinha para Wosky e berrou a plenos pulmões:

- Sedructos! – uma forte luz negra esverdeada escapuliu da varinha de Kal avançando para Wosky que estava apavorado. Cinco metros antes de acertá-lo a luz transformou-se em chamas negras acinzentadas que engoliram o garoto por completo.

Após o efeito, Rick Wosky ficou pálido, como se todo o seu sangue subitamente tivesse evaporado. Os olhos dele vagavam no vazio. Em um baque o corpo caíra no chão.

Mais do que imediatamente seis bruxos esfumaçaram dentro do campo. Amadeus, Cristina, Escritor da Terra e outros dois bruxos vestidos de branco cercaram Rick combinando feitiços para reanimá-lo. O sexto bruxo, Tirso, foi até Kal com uma expressão furiosa na face.

- Acompanhe-me. Agora! – disse rispidamente.

Tirso era o professor favorito de Kal. Ele sempre ouvia seus problemas e indiretamente o ajudava. Tirso raramente se aborrecia, na verdade, Kal só o vira naquele estado por uma vez, quando conjurara Donnovan em sua sala de aula.

- Professor, o que aconteceu? – perguntou Kal, mas logo desejou que não tivesse dito nada.

- Não seja irônico comigo, Foster! Você sabia muito bem o que estava fazendo. – retorquiu.

Naquele momento Tirso parecia muito mais com Amadeus.

Os dois saíram do campo em silêncio e seguiram até o vestiário. O professor abriu a porta com a varinha a uns cinco metros de distância. Entraram. O lugar estava vazio, não tinha qualquer outra saída. O que Tirso iria dizer a Kal?

- Professor? – chamou Kal.

Ele não respondeu. Dirigiu-se para um armário com a varinha erguida e começou a sussurrar encantamentos. Então ordenou que Kal entrasse.

- É um armário...

- Entra já! – resmungou seriamente.

Kal puxou a maçaneta e entrou, mas logo percebeu que não estava em um armário, e sim no corredor do quinto andar do castelo. Tirso parecia ter criado um portal que ligasse o armário na Cidade dos Elfos até Avalon.

O professor bateu com a porta e ela desapareceu na parede.

- Trambolho! – disse à estátua do dragão que logo abriu as asas, permitindo que Kal e Tirso entrasse na sala do diretor – Prof. Cacius, trouxe Foster.

- E como está o jovem Wosky? – perguntou.

- Ainda não sei, professor. No momento em que saímos estava sendo reanimado. – informou Tirso.

- Muito obrigado professor Tirso. Agora, creio que Kalevi e eu precisamos conversar. Novamente.

- Sim, senhor. – disse Tirso e saiu.

- Professor! O que aconteceu? – perguntou Kal – Porque todos estavam nervosos?

- Lamento por você ser tão ingênuo, Kalevi. – desabafou Cacius – O que aconteceu hoje poderá desencadear uma sucessão de fatos que vão marcar toda a sua vida.

- O que está acontecendo? – perguntou quase que implorando.

- Não acredito que eles vão te acusar de assassinato. No entanto você deve estar preparado.

- Assassinato? – indagou o garoto demasiadamente assustado.

- O feitiço que você lançou em Wosky é o mais mortal de todos, ao que se sabe. – Cacius enfatizou bem as últimas palavras – Nem mesmo Kricolas tem coragem para usá-lo. Sabe por quê? Porque é um feitiço catastrófico.

- Professor eu não entendo...

- Deveria. Você já sabia qual era o efeito. – afirmou Cacius decidido – Você o aprendeu e quis usá-lo.

- Eu não... Professor...

- Não tente me enganar novamente. Sempre soube que você havia visto o jovem Satler morrer. – falou Cacius perdendo o seu ar de serenidade.

- Morrer? – questionou atônito.

- Sim, morrer. Você o viu no dia em que ganhou o teste para Desafiante reserva. Você me disse que viu dois bruxos lutando e que um venceu o outro. Satler foi assassinado naquele dia, numa situação semelhante a que ocorreu hoje.

- Eu matei Rick Wosky? – perguntou Kal em choque.

Cacius fechou os olhos por um momento e explicou:

- Sedructos é a maldição da morte. Quem a usa vencerá o seu inimigo assassinando-o, mas será eternamente perseguido pela sua vítima, e o efeito da maldição que o acompanha

- Quer dizer que Satler persegue quem o matou até hoje?

- Sim. – respondeu o diretor – Amadeus Wosky está condenado a ser eternamente perseguido.

A notícia chegou a Kal como uma pedra de gelo no estômago. As pernas fraquejaram e ele sentou-se em uma cadeira atemorizado. Colocando a cabeça entre as mãos olhou para Cacius em busca de mais respostas.

- Amadeus... Amadeus Wosky assassinou este tal de Satler?

Cacius assentiu.

- Satler era o irmão de Tirso.

Esta outra revelação fora ainda pior. Agora Kal entendia porque Tirso chamava Amadeus de amaldiçoado. Porque ele realmente era. Eternamente amaldiçoado pelo espírito de Satler. Amadeus usara o Sedructos na Sala das Diferenças contra o desafiante rival. Agora Kal repetia a história...

- Sim, Kalevi. A história sempre se repete... – falou Cacius como se lesse os pensamentos dele – Por isso é tão importante estudá-la, compreendê-la, para não repetirmos os mesmos erros. E você tem o dom de alcançar o passado como se fosse o presente, se o tem e o usa precisa de responsabilidade.

Cacius estava sendo levemente severo, na opinião de Kal. As palavras eram duras, mas o diretor recompusera o ar sereno e uma expressão misericordiosa.

Entendendo a gravidade do problema, Kal ergueu seus olhos afogados em lágrimas presas na direção dos de Cacius e perguntou:

- O que vai acontecer comigo, professor?

- O mesmo que aconteceu ao professor Amadeus. – Kal engoliu em seco esperando a continuação – Receberá a maldição que lançou e nada mais. Não mandam garotos de treze anos para Warren. Não por usarem Sedructos. A maldição que vai lhe cair é o pior castigo que uma pessoa pode receber.

- Professor... – suplicou – Eu não queria... Juro...

- Acredito em você, Kal. – Cacius colocou a mão no ombro dele – Mas cometeu um erro tremendo. Foi ingenuidade, sim, foi, mas ainda assim será penalizado.

- Não há como trazê-lo de volta? – perguntou em última esperança.

- Não. – respondeu rapidamente – Nenhuma mágica no mundo é capaz de vencer a morte ou criar a vida. Manipular esta benção está muito além dos poderes de um bruxo. É muito superior, algo que não pertence a nós, mortais...

Kal choramingou, mas percebeu que aquela não era a hora. Precisava ser forte, já que passaria o resto dos seus dias sendo atormentado por Rick Wosky.

Do lado de fora da sala de Cacius, no corredor do quinto andar, Ralph, Guinevere e Thalis o aguardavam ansiosos. Thalis e Ralph que ainda estavam com os rostos pintados, estampavam largos sorrisos. Kal olhou para a figura dos três e pensou. “Tão ingênuos quanto eu...”.

- Você ganhou Kal! – exclamou Thalis – Você venceu Rick! Tadewi é campeã!

- A que preço... – resmungou Kal.

- Este, definitivamente, não é o comportamento típico de um campeão. – falou Ralph animado – Vamos comemorar! Estão todos indo para Tadewi comemorar nossa vitória.

- Fica quieto, Ralph. – disse abruptamente Guinevere percebendo o olhar vago de Kal.

- Mas o que...

- Ralph! Fica quieto. – repreendeu outra vez – O que Cacius lhe disse?

- Que eu matei Rick Wosky. – respondeu e imediatamente Guinevere levou uma das mãos à boca.

- Não pode ser... Aquele feitiço que você... – gaguejou Ralph.

- Sim. Foi a maldição da morte.

- Maldição da morte? – indagou Thalis.

- Quem o usa mata o inimigo, mas será atormentado pelo espírito da sua vítima. – explicou Kal.

- Quer dizer... Quer dizer que Wosky...

- Isso mesmo Guinevere. Ele vai me perseguir por toda a vida.

- Porque o professor Amadeus não nos advertiu logo sobre esta maldição? – questionou Thalis.

- Para que ele tenha com quem compartilhar da mesma dor. – respondeu Kal rispidamente.

- O quê? – espantou-se Guinevere.

- Amadeus Wosky também usou o Sedructos uma vez. – explicou Kal.

- Contra quem? – quis saber Thalis.

- Um garoto chamado Satler. Irmão do professor Tirso.

Outra vez Guinevere levara a mão à boca.

- E agora eu também estou fadado à maldição.

Meio segundo após Kal fechar os lábios, Daimon e Jonathan surgiram no final do corredor e se aproximaram deles dando longos passos.

- Kal! Kal! – gritava Daimon sacudindo os braços – Rick, Rick Wosky... Morto...

- Eu sei... Não precisava me lembrar que sou um assassino...

- Cristina, Amadeus, Escritor da Terra e os clérigos que estavam no campo reanimaram ele. – completou Jonathan vendo que Daimon não conseguira dar a notícia por completo.

- O que? Rick não morreu então? – perguntou Ralph.

- Rick Wosky está vivo? – insistiu Kal segurando Daimon pelo ombro.

- Sim, sim, está... Os clérigos disseram que você não é forte o suficiente para lançar um Sedructos mortal. – informou Jonathan – Mesmo tendo o Enid de Donnovan você não tem os poderes desenvolvidos, porque ainda é jovem, inexperiente...

- Sem detalhes Jonathan. – interrompeu Kal sentindo como se tivesse arrancado uma montanha das próprias costas.

- Viemos dizer outra coisa a vocês. – prosseguiu Daimon e Kal assentiu para que continuasse – Logo depois de todo o alvoroço com Rick e dos alunos de Tadewi saírem comemorando a vitória, eu e Jonathan vimos Nicolas Weny correndo para o pomar de maçãs acompanhado de uma pessoa, os dois estavam encapuzados, mas ainda assim o vimos.

- Como? – espantou-se Kal – O que ele quer fazer lá agora?

- Acho que tem alguma coisa a ver com a Página perdida. Ele estava com ela em mãos e mostrou para a pessoa do lado dele. Não tenho a menor idéia de quem possa ser, mas meu palpite me diz que devemos fazer alguma coisa.

- Confio no seu palpite, Daimon.

- Obrigado, mas o caso é que ele não está agindo da maneira normal que um historiador deveria agir. Ele veio para cá para responder alguns mistérios sobre o Livro de Merlin, encontrou uma resposta e agora não quer contar para ninguém. Não confio mais nele.

- Preciso ver esta página. – falou Kal decidido.

- Para quê? – pergunto Thalis.

- Preciso descobrir o que há nela.

- Kal, ele é perito! – continuou Thalis.

- Ele pode ser perito, mas não pode ver o passado.

- Hã? – Guinevere deu de ombros.

- Por que Merlin rasgaria o próprio livro? – indagou Kal já andando pelo corredor.

- No que você está pensando? – perguntou Ralph.

- Porque ela é perigosa! Cacius deve ter razão quando disse que nela não há algo de bom. Nicolas pode tornar-se perigoso se conseguir entender o significado da Página perdida.

- Faz completo sentido! – disse Thalis.

- Ok. Ok. Tudo bem, nós vamos com você, Kal. – falou Guinevere. Ralph, Jonathan, Thalis e Daimon balançaram a cabeça positivamente.

A Cidade dos Elfos estava de pernas para o ar. Pessoas corriam agitadas arrastando bagagens para todos os lados. Alguns alunos de Tadewi ainda davam gritos de campeões. Infelizmente, Kal perdera toda a comemoração em Tadewi, nem ao menos vira Malvina erguer a taça no meio do campo, ele nem chegara a ver a taça.

- A maioria dos alunos está indo hoje. Nem vão esperar pelos resultados finais. São os que têm certeza de ter passado. – falou Jonathan – Meus pais só chegam amanhã, se não iria também.

- Espero podermos ir para casa amanhã também, Kal.

- Ok, Daimon, agora precisamos encontrar Weny.

- Direto para o pomar. – disse Thalis.

Avançando entre a multidão o mais rápido que podiam, Kal, Ralph, Guine, Thalis, Daimon e Jonathan seguiram até o suposto lugar em que Weny estaria. Frente a frente com o bruxo Kal contaria a ele sobre os seu dom e em seguida pediria para olhar a Página perdida. Tentaria ver o passado do objeto e assim, julgaria se era certo confiá-la a Nicolas Weny. Desde o momento em que o bruxo pisara na cidade, Kal manteve um certo receio, o que foi reforçado com o pedido de Cacius para vigiá-lo. Ele devia muito a Cacius e agora saudaria a dívida.

Os seis continuaram a correr e empurrar quem quer que estivesse no caminho. Kal viu de longe Rick em uma cadeira de rodas, estava pálido e magro. Pensou em ir falar com ele, mas a hora era imprópria.

- Ele não teve pena de você dentro do campo. – falou Ralph percebendo que Kal diminuíra o ritmo – Agora temos algo mais importante a fazer.

- Tudo bem. – confirmou Kal apressando-se.

Eles já podiam sentir o cheiro das flores vindo do pomar. Ele estava a poucos metros. As folhagens surgiam e ficavam mais próximas. Lá estava. O pomar de maçãs no meio da floresta amazônica, com suas árvores carregadas de frutos vermelhos. Exceto uma. A árvore central e mais antiga de todos. A árvore que estava pintada na sala de Cacius, com Merlin sob sua sombra.

Thalis foi o primeiro a entrar no pomar, logo em seguida entrou Kal acompanhado pelos outros. Eles se esconderam por trás de um arbusto. A alguns metros dali estava Nicolas Weny sondando o lugar como se procurasse por algo. O bruxo parecia ser o mesmo de sempre, no entanto a pele estava levemente enrugada e não usava a tradicional gola de rufos. A pessoa que Daimon e Jonathan viram acompanhando o bruxo não estava ali.

- Olhem aquilo! – disse Kal apontando para o pescoço de Weny.

- É a... – gaguejou Jonathan.

- Flor-de-Lis! – exclamou Ralph – Ele era de Warren, prisioneiro!

Nicolas Weny averiguou se o pomar estava vazio, mas não percebeu que seis alunos do primeiro ano estavam logo atrás dele. O bruxo começou a remexer e a sacudir o corpo de um lado para o outro. Kal achou tudo aquilo muito familiar, mas preferiu ficar observando o que estava acontecendo.

- Transformação! – cochichou Daimon – Ele está se transformando...

Alguns segundos depois a criatura transformada virou-se na direção dos seis e soltou um forte grunhido de liberdade. No rosto do ser transformado estava impressa a imagem do bruxo mais procurado do país, Kricolas. Era a mesma face monstruosa que Kal, Ralph e Guinevere viram na carta enviada pelos pais de Ralph no começo do ano.

- Pelas barbas de Merlin! – O Sr. Weny é Kricolas! – espantou-se Daimon deixando-se cair no chão.

- Devemos avisar Cacius... – gaguejou Jonathan ainda incrédulo.

- Faça isso! – confirmou Kal.

- Então vamos! – disse Guinevere.

- Eu não vou. – disseram Kal, Ralph e Thalis juntos.

- Jonathan, vá e avise Cacius e a quem mais você vir, vou ficar também. – anunciou Daimon.

- Eu também fico então. – disse Guinevere logo em seguida.

Jonathan acenou com a cabeça e saiu apressado por entre as árvores. Kricolas estava em frente ao pé de maçã mais antigo do pomar, tocou o seu envelhecido tronco e suspirou profundamente com o se experimentasse o cheiro doce de uma flor. Ergueu um dos braços e alcançou o único fruto da árvore.

- O que ele está fazendo? – perguntou Thalis mesmo sabendo que ninguém o daria uma resposta.

Calmamente Kricolas mordeu a maçã e pareceu saboreá-la de forma inestimável. Depois de devorar todo o seu policarpo, a parte maciça e branca da maçã, Kricolas separou as sementes e admirou-as por um instante. Mexeu os lábios e as sementes voaram de suas mãos nodosas carregadas pelo ar.

Kal olhou para aquela imagem sem entender, mas para Kricolas parecia fazer sentido. Ele se aproximou de onde as sementes haviam caído na terra. Sorrindo ergueu o dedo indicador esquerdo e mais uma vez mexeu os lábios.

Uma densa nuvem surgiu a sua frente produzindo uma leve chuva. A água irrigou as sementes quebrando sua dormência. As raízes foram sugadas para o fundo da terra e as sementes brotaram imediatamente erguendo um pequeno e fino caule que rapidamente foi aumentando de tamanho e espessura, criou casca e ficar da grossura de um pescoço humano.

As primeiras folhas caíram rapidamente e em seguida flores de cinco pétalas foram brotando e em menos de cinco segundos estavam transformando-se em frutos. Mas não surgiram maçãs. Surgiram folhas de pergaminho.

- Deve ser o Livro de Merlin! – falou Kal desesperado – Não vou deixar Kricolas pegar aquele livro.

Kal levantou-se decidido. Iria queimar a árvore e impedir que Kricolas colhesse as páginas do livro mais poderoso do mundo.

Ele abandonou o esconderijo e Kricolas o encarou com um olhar de desprezo.

- Efesto! – disse Kal com a varinha apontada para a árvore que foi atingida pelas chamas e entrou em combustão – O Livro de Merlin jamais será seu, Kricolas!

A pequena macieira estava reduzida a um punhado de cinzas, no entanto, diferente do que se esperava, Kricolas mantinha uma aparência tranqüila e disse, finalmente:

- Fogo. O elemento que faltava!