quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Capítulo 11 - O desafio do amaldiçoado

Depois da longa e prazerosa primeira semana em Avalon, as aulas passaram a se tornar monótonas, principalmente as de Geomagia. A cada nova semana a professora Zélia Bússola enchia mais o quadro com tarefas chatas que envolviam localizações de antigos povos e suas respectivas cidades. Certa aula, sobre Atlântida, um aluno respondeu que a cidade submersa estava escondida em seu aquário de peixinhos dourados. A resposta, não tanto didática, despertou fúria na professora que passou a lotar mais ainda o quadro. Quando um aluno não trazia toda a tarefa completa, o próximo lugar que ele deveria localizar era a coordenação.

- E sem mapas! – rugia ela com as bochechas vermelhas.

Com Maldições não seria diferente. O mau humor de Amadeus começava a refletir no desempenho dos alunos que continuavam a tirar notas baixas, a exceção de Kal que se empenhava ao máximo para ver Rick Wosky irritado por ele ter êxito em suas tarefas.

História e Feitiços eram as matérias favoritas de Kal, além da afinidade pelo conteúdo, a amizade com os professores servia como estímulo. Cacius sempre se mostrava sereno em suas aulas e explicava como se a história fosse um conto de fadas. Depois daquela conversa no escritório, o diretor não mais procurou por Kal, nem ao menos perguntava se ele tivera mais alguma visão do passado. Limitava-se aos cumprimentos na sala de aula e nos corredores, quando se cruzavam. A ametista que recebera do professor vivia em seu bolso e à noite o garoto a colocava sobre o travesseiro, de forma que ninguém pudesse pegá-la enquanto dormia.

Já Tirso, que vivia sempre tão alegre em sala de aula, a ponto de os alunos esquecerem por completo de Amadeus, preparava aulas mais criativas a cada nova semana. Os feitiços estavam ficando mais difíceis, no entanto, à medida que isso ocorria, o professor fazia uma breve pausa para melhores explicações.

Kal também passou a ter progresso nas aulas em que deveria utilizar sua planta. A Herviana estava, depois de dois meses de aula, em um vaso muito maior que as dos outros alunos. Com mais alguns meses ela teria que ser enterrada em solo, pois suas raízes precisam de espaço para continuar crescendo saudáveis.

Adonis e Amanda mandavam cartas aos garotos toda semana, numa dessas cartas, Kal perguntou sobre Cristina e seu pai lhe disse que ela realmente é uma Foster e já é considerada parte da família. O romance entre Foster e Morgana nunca fora oficializado, e o filho entre eles também não recebeu o sobrenome Foster, nem suas gerações seguintes, no entanto, séculos depois, a família Lê Fay provou seus laços com os Foster.

Os pais de Ralph também lhe escreviam contando algumas poucas novidades. Aparentemente, a família Scheiffer não tinha um lado terno tão desenvolvido.

Kal estava adorando ser Guardião-mirim, poder acabar com brigas e mandar Rick Wosky para detenção por insultar alunos era prazeroso. As reuniões noturnas do Conselho Estudantil eram a parte ruim, pois ele perdia boa parte do seu tempo livre discutindo banalidades como mudanças de móveis no terceiro andar e a criação de um novo caminho para as hortas. Kal sabia que aquilo tudo é para mostrar à escola que o Conselho Estudantil fazia alguma coisa de útil por ela. No entanto, depois das reuniões, Kal tinha uma sala vazia e tranqüila para fazer a projeção astral. Voar por cima da Floresta Amazônica e pelo castelo era algo divertido, principalmente quando ele encontrava alunos de Katzin perdidos. Ele havia lido mais o seu livro “Além da matéria” e descobriu com fazer barulhos que podiam ser ouvidos por pessoas no mundo físico. Esta era a rotina das noites de quinta-feira: Ir até a reunião, fazer a projeção astral para assustar alguns alunos medrosos e descer até Tadewi antes do último balão partir de Avalon.

No final do mês de maio, as equipes de Quizard já haviam sido devidamente treinadas pelos professores responsáveis, Tirso, Amadeus e Cristina em Tadewi, Katzin e Angus, respectivamente.

Ao que parecia cada equipe havia desenvolvido uma habilidade, uma tática de jogo diferenciada. Cada uma com sua estratégia, as equipes de Angus e Katzin abriram os jogos de Quizard com uma vitória esmagadora dos katzenianos. A vitória tornou o castelo um pesadelo para todos os alunos que não pertenciam à casa vencedora. Tiveram que aturar por longas semanas as bandeiras amarela e azul balançando nos corredores o grito de guerra dos alunos de Katzin.

“A supremacia é notória,

Perder não é nosso passado

Grite, Katzin, sua vitória,

Angus o lixo fracassado”

Já na primeira partida de Tadewi e Katzin, os habitantes de Cidade dos Elfos assistiram a um show de horrores. A rivalidade entre as equipes as fez esquecerem o objetivo do jogo, e ao invés de levaram seus desafiantes à Sala das Diferenças em segurança, os competidores travaram uma verdadeira batalha dentro do campo, e a partida foi anulada em com nova data prevista para depois das férias de julho.

As semanas iam-se e Kal continuava impressionado com a conversa que tivera com Cacius a respeito de seu suposto dom de enxergar o passado. Depois daquele sábado nada de anormal aconteceu, nada de visões ou flashes. Simplesmente nada. Era como se nunca tivesse acontecido.

A ametista, sempre guardada em seu bolso, lembrava que não estava sozinho. Cacius o ajudaria, caso precisasse. Sabia disso.

Na manhã do dia dois de junho, Ralph acordou Kal aos berros desejando feliz aniversário ao amigo. Depois jogou um travesseiro em cima do garoto ainda sonolento e o arrastou pelo braço até a sala de Tadewi.

- Obrigado, Ralph. – agradeceu Kal aos tropeços pela escada.

- Depressa! Depressa! Você ganhou presentes!

- Calem a boca vocês dois, ou vou amaldiçoá-los... – disse Pedro bocejando após a entrada nada discreta de Ralph no dormitório.

Todos os anos, Kal ganhava presentes de seus pais e de alguns parentes, no seu décimo terceiro aniversário não seria de outra forma.

- Feliz aniversário, Kal! – Guinevere já havia mudado o pijama, talvez tenha sido a primeira a acordar.

- Bom dia, e obrigado, Guine. – disse ele escaneando os presentes ao lado da lareira do salão principal da República de Tadewi. Olhando as etiquetas viu o nome de seus pais, de sua tia Lilith e de sua prima Bernadina, dos seus padrinhos Vitória e Roberto, que moram na Inglaterra e uma pequena caixa marrom com a assinatura de Daimon, Guine e Ralph.

- Abra o do seus pais. – Guinevere estendeu a Kal um embrulho de papel dourado com fita vermelha, ele o segurou por um breve momento tentando adivinhar o que era, como sempre fazem as crianças quando sacodem seus presentes para deduzir qual o seu conteúdo pelo barulho que fazem dentro da caixa.

No instante em que fechou os olhos para imaginar o que poderia ser, teve a visão de seus pais na Livros & Boatos, eles seguravam um livro de capa verde em título azul “Os bruxos que mudaram a história”, e na saída da livraria os dois seguiram até a casa da Rainha dos Elfos, Eva.

- Acho que eles erraram de filho, Guine. – falou Kal sorrindo.

- Como assim?

- Deram-me um livro, “Os bruxos que mudaram a história”, isso é mais a cara do Daimon.

- Como você sabe o que é sem abrir o presente? – perguntou Ralph.

- Eu os vi comprando. E tem mais, acho que eles ainda estão na Cidade dos Elfos.

- Jura? Eu nem acredito! Preciso avisar ao Daimon! – falou Guinevere batendo palminhas na altura do queixo.

- Quer dizer que você viu os seus pais mesmo? Só em segurar o presente? – perguntou Ralph levemente assustado pela espontaneidade de Kal, que a esta altura já havia desembrulhado o presente e confirmado sua visão.

- Foi isso, mas é tudo involuntário. Eu não tenho qualquer controle sobre essas visões. É assustador. – respondeu – Vamos olhar este livro...

Assim que fez menção em abri-lo, Kal sentiu uma estranha sensação de perda, como se lhe faltasse algo. Resolveu subir para pegar a ametista. Talvez seja ela. Pensou.

Ele subiu rapidamente de volta aos dormitórios e enfiou uma das mãos sobre o travesseiro. Aliviado, ele pegou a pedra e enfiou-a no bolso da frente da camisa. Ainda assim permaneceu por ali espiando o quarto para ver o que poderia estar faltando, mas não identificou nada. Sem fazer mais barulhos, porque Pedro Andrade ainda estava dormindo e ameaçou Kal e Ralph com a varinha se fizessem mais barulhos.

- Não vai abrir o nosso presente? – perguntou Guine estendendo o braço com o embrulho marrom.

- O que é? – perguntou.

- Abra!

Kal rasgou o embrulho sem nenhuma cerimônia e se deparou com um porta-retrato com a foto dos amigos e do irmão, os três sorriam e acenavam para ele, ao que parecia, a foto havia sido tirada no pomar de maçãs, em frente à mesma árvore que estava pintada na sala de Cacius.

- Esta macieira é a mais antiga da Cidade dos Elfos. – informou Ralph.

- Os elfos nos disseram que a árvore une as pessoas. – disse Guine.

- Acrescentaram outras histórias também... – continuou.

- Obrigado. – disse Kal alçando-os pelo pescoço num abraço amistoso.

Ele ainda recebera, de seus padrinhos, uma pedra do humor, aquelas que mudam de cor de acordo com o estado moral, das pessoas. No entanto, esta era mais como um termômetro, que mede o grau de segurança para se conversar com alguém, você aponta a pedra para a pessoa e ela revela o estado de espírito desta. A pedra veio acompanhada com uma escala de cores. Branca – disponível para qualquer tipo de conversa – azul celeste – pode falar, estou ouvindo – vermelho – não teste a paciência desta pessoa – preta –puxar assunto com esta pessoa pode ser a última coisa que você vai fazer na vida. Kal teve a impressão de que sempre que apontasse para Amadeus a pedra ficaria preta.

O presente de suas adoradas tia e prima Kal jogou dentro do baú de sua cama para abrir outra hora. As duas nunca lhe mandavam nada de interessante mesmo, desde pequeno ele recebia frascos de poções velhos e cadernos para rabiscar. Não que elas não pudessem comprar algo melhor, afinal recebiam uma ótima pensão do governo após da morte de seu tio Cosmo, mas as duas nunca se simpatizaram muito pela figura de Kal, mantinham certas cordialidades apenas para manter a amizade com a família.

Guine, que já estava pronta desde cedo, ordenou que Kal e Ralph fossem mudar de roupa e tomar café para seguirem logo para as aulas.

- Não pense que só porque é o seu aniversário o governo vai criar um feriado nacional para você curtir o dia. – falou ela.

Os três alcançaram a sala de história antes do professor e da maioria dos alunos. Providenciaram cadeiras bem à frente para ouvirem com perfeição a mais um excelente relato histórico de Cacius.

- Bom dia, alunos de Tadewi! – saudou o professor ao entrar na sala dez minutos mais tarde – Gostaria de comunicá-los que a partir desta aula estarei revisando a matéria para a nossa prova de final de semestre. E como o primeiro assunto, falarei sobre a queda de Donnovan e sobre a história de Kricolas.

Ao ouvirem este último nome os alunos estremeceram e alguns chegaram a esbugalhar os olhos. Apesar de estar, inativo, por assim dizer, Kricolas ainda era o homem mais procurado do país, e representava um problema de segurança internacional.

- Nós sabemos muito bem que um poderoso bruxo chamado Foster, há exatamente novecentos e noventa e oito anos, destruiu todo um exército de criaturas mágicas e seu líder, Donnovan, que naquele tempo também era conhecido como Cavaleiro Negro, mas isto é bobagem. Independente de ser cavaleiro ou não, Donnovan possuía ódio e total desprezo pelas fraquezas humanas. Para ele, um bruxo era um humano sem deficiências. Seu ódio chegou a tanto que ele considerava inadmissível a mistura dos dois povos, e muito pior ainda foi quando Merlin e Foster tentaram ensinar magia à espécie que Donnovan classificava como impura. – Cacius parou e olhou para os alunos lendo na expressão de cada um o interesse que sentiam ao ouvir esta história, em especial. Todo bruxo conhecia-na muito bem, desde o berço ela lhe é contada, mas nenhum deles se cansa de ouvi-la. Ainda mais contada por uma figura tão simples e ao mesmo tempo enigmática como Cacius – Este bruxo – continuou – de coração sangrento formou um exército com todos aqueles que pensavam como ele. Que humanos são criaturas inferiores. Infeliz daquele que se opusesse ao seu grandioso exército. Houve mortes não apenas no Brasil, a Europa também foi dominada pelo seu idealismo distorcido e até hoje se vê os resultados. Pequenos demais se comparados ao furor com que este Cavaleiro Negro batalhava. Até ser finalmente impedido por um jovem bruxo de meio sangue, resultado do casamento de uma humana com um bruxo. No entanto, este jovem, a quem foi dado por Merlin o nome de Foster, foi capaz de acabar com este reinado de trevas utilizando apenas um feitiço.

- Perpétuo. – disse Kal.

- Exatamente. Com este feitiço, Foster desgastou todo o seu poder e conseguiu destruir por completo o exército de Donnovan.

- Professor – chamou uma aluna – por que o exército de Donnovan estava reunido aquele dia?

- Excelente pergunta Srta. Cerda. Excelente pergunta. Merlin ergueu este castelo para ensinar magia a quem quisesse aprender. E muitos queriam. Eram tantos os alunos que o castelo tornou-se pequeno para abrigar a todos. Logo surgiram as primeiras casas onde é hoje a Cidade dos Elfos, vieram então os comerciantes, as Repúblicas onde vocês passam boa parte do tempo, e assim a cidade se expandiu. Prevendo que a situação fugia do seu controle, Donnovan convocou todo o seu exército para um ataque maciço, que arrasaria a cidade e o castelo. E foi nesta oportunidade que Foster agiu.

Cacius continuou relatando pequenos detalhes sobre aquele período, dizendo que naquela época o Brasil era conhecido por todos como Hy Brazil, e que assim ficou conhecido por cartógrafos humanos da época. Os bruxos europeus acreditavam que o país na verdade fosse uma ilha cheia de elfos, fadas e duendes, que boiava no Atlântico e que por vezes mudava de posição.

Ao tocar o sinal, os alunos adiantaram-se ao garoto.

- Lembrar é preciso.

- Porque ele não consegue falar sem ser por enigmas? – queixou-se ao ver a sombra do diretor desaparecer pelo corredor.

- Eu confesso que não entendi nada agora... – falou Ralph – para mim ele tem um parafuso a menos.

- Vocês já repararam que a cada vez que Cacius conta como foi há mil anos ele acrescenta algo novo a história? – indagou Guine.

- Mas desta vez ele fugiu totalmente ao que ia dizer. Falou que iria explicar sobre a queda de Donnovan e a história e Kricolas, mas nosso bebedor de sangue foi deixado de escanteio. Para mim o velho está senil.

- Talvez ele continue na última aula, Ralph. Agora temos que correr para não nos atrasarmos para a aula de feitiços. – disse Guine jogando os materiais em cima dos garotos e os empurrando em direção ao corredor.

A sala de Tirso estava, incomumente, escura. As janelas trancadas e nenhuma vela acesa. Apenas a luz que entrava pela porta dupla de carvalho iluminava fracamente a sala. O professor não parecia sentir-se muito confortável com a ausência de luz, mantinha-se na beirada da porta e iluminava o caminho entre as cadeiras para os alunos com sua própria varinha.

- Bom dia professor. – cumprimentou Guine ao atravessar o arco da porta.

- Bom dia, srta. Lingenstain.

- Aderiu ao estilo do professor de maldições? – brincou Kal.

- Longe de mim parecer igual àquele amaldiçoado. Mas tive que ambientalizar minha sala para a aula de hoje. Acho que não vai vir mais nenhum aluno, certo? – perguntou o professor depois de conferir os alunos nas mesas – Então podemos começar. A propósito, Kal, feliz aniversário.

- Obrigado professor, mas como...?

- Encontrei seus pais agora pouco.

- Eles estão no castelo?

- Sim, acredito que devam estar tomando um café na sala do professor Cacius. – disse sorrindo.

Tirso indicou o caminho aos três até a mesa mais próxima e então trancou a porta.

- Alunos, vamos iluminar a sala com as varinhas, vamos lá, Bolhasradiant!

- Bolhasradiant! – repetiram, e as varinhas clarearam completamente a sala, embora fosse impossível enxergar o teto.

- Hoje veremos um feitiço simples e de grande utilidade. Pelínculo! Ele é muito utilizado por náufragos e pessoas perdidas como um sinalizador. Quando usado dispara um raio de luz fino que explode formando um grande clarão. Antes de qualquer coisa, gostaria de avisar que o teto desta sala foi encantado para simular um céu à noite.

- E onde estão as estrelas? – perguntou um aluno.

- Ah... é que o céu está nublado, apenas torça para não chover. – respondeu o professor – Agora, senhores, tenham a bondade de apagar as varinhas.

- Guive. – disseram eles o contra feitiço e as varinhas, instantaneamente, deixaram de produzir as bolhas de luz.

- Obrigado. Agora, observem. Pelínculo!

A ponta da varinha de Tirso disparou um brilho que atravessou o limite de onde deveria estar o teto e explodiu no ar com um leve barulho e uma forte luz amarela iluminou temporariamente a sala.

- Senhor Freman, poderia nos fazer as honras. – convidou o professor sobre a já enfraquecida luz do feitiço.

- Pelínculo! – disse o garoto com a varinha erguida.

Desta vez, uma luz verde clareou o lugar. Ao que parecia, a cor que a luz assumia variava de bruxo para bruxo. Não demorou muito para o céu encantado tornar-se multicolorido.

- Até parece ano novo! – brincou Tirso ao se aproximar de Kal – E então? Como foi sua conversa com Cacius?

- Esclarecedora. – resumiu.

- Ótimo, agora eu vou te dar uma dica que talvez ele não tenha te dito.

- E qual é? – perguntou Kal olhando para Guine e Ralph que não se cansavam de disparar seus raios rosa e laranja.

- Quando se tem um dom, o melhor a fazer é usá-lo.

Kal remou a frase em seus neurônios e então se sentiu feliz de tê-la ouvido. Aquelas simples palavras ditas pelo professor foram o suficiente para retirar de sua cabeça qualquer receio que ele ainda tinha sobre olhar o passado. Por mais assustador que possa ser você vivenciar eventos já acontecidos, como se estivesse lá, ser incentivado a fazê-lo por um bruxo como Tirso era um sinal de que os seus medos eram infundáveis e que estavam comprometendo o desenvolvimento de sua habilidade.

Fazer perguntas a Tirso nunca pareceu um problema a Kal, mas uma, em especial, rondava sua mente querendo se completar com uma resposta que parecia não poder chegar de lugar algum, a não ser do próprio professor. No dia da seleção para os representantes de Tadewi no Quizard, Kal presenciou o momento da transformação de Tirso, de macaco para homem. Mas não fora a primeira vez que Kal vira aquele macaco. Em seu primeiro dia na Cidade dos Elfos, quando batalhou contra Rick, Kal viu o mesmo macaco, que por sinal foi atingido pela maldição Dunkel. E desde então a pergunta rugia dentro de sua mente. O que Tirso fazia transformado em macaco na Cidade dos Elfos?

- Ah... professor, desculpe parecer intrometido... – começou Kal selecionando bem as palavras para o professor não ser evasivo. Decidiu então que seria direto, sem rodeios – O que você estava fazendo na Cidade dos Elfos transformado em macaco na primeira semana de aula?

- Hum... isso faz tempo, Kal, bom eu estava passeando. A Cidade dos Elfos tem lindos pomares de maçã, sabia?

- Eu vi uma macieira em um quadro no escritório do diretor. E ganhei de Guine, Daimon e Ralph uma foto em que ela aparece ao fundo.

- Ah, sei qual macieira. A de um fruto só. – comentou Tirso.

- Como assim?

- Você não conhece a história?

- Não.

- Está brincando! Não se pode conversar com um Elfo por dois minutos que ele já começa a tagarelar sobre a árvore.

- Mas o que ela tem?

- Bem, segundo os elfos da cidade, ela nunca produziu mais do que um fruto por vez, entendeu? E biologicamente falando, maçã é pseudofruto... Mas bem, aquela árvore nunca produziu duas maçãs ao mesmo tempo! Os motivos são vários, uns dizem que é por se tratar de uma árvore milenar, outros porque foi ali que Merlin pousou para a tela que você viu na sala do diretor. E ainda outros dizem que foi debaixo dela que o grande bruxo escreveu as páginas do seu livro lendário. Pura lorota. Na verdade macieiras nem deveram produzir frutos nesta região.

- Eu não teria tanta certeza disto professor.

- O quê? Você realmente acredita que o Livro de Merlin existe?

- Com todas as minhas forças. – respondeu entusiasmado.

- E como pode ter tanta certeza? Imagina onde ele possa estar? – interrogou Tirso não escondendo seu interesse.

- Eu não tenho idéia de onde possa estar o livro, mas por qual motivo Kricolas fugiria da prisão depois de tanto tempo?

- Bem, a idade chega para todos, vampiro ou não...

- Isto não me convence, professor.

- Tudo bem, e se Kricolas estiver, também, enganado sobre a existência do livro. – insistiu.

- Na sala de Cacius eu tive uma visão do momento em que aquele quadro de Merlin foi pintado. E ele dizia O saber pode ser perigoso, mas também é a porta para a mudança.

- Como assim?

- Para mim, Merlin quis dizer que o conhecimento deve ser repassado, para que possamos mudar o que há de errado. Então, a menos que Merlin esteja ainda vivo, o que é pouco provável, o livro realmente existe e de fato armazena todo o conhecimento dele.

- E está por aí... – disse Tirso quase que para si só – Não posso duvidar do seu dom quando o próprio Cacius o confirmou, no entanto, a interpretação pode estar errada. Ele, Merlin, era muito enigmático.

- Mas e se eu estiver certo professor...

- Mesmo que estivesse certo, isso não nos dá uma localização exata...

- Como assim? Têm bruxos procurando o livro?

- Ah... você realizou a tarefa, Kal? – disfarçou Tirso.

- Pelínculo! – falou Kal com a varinha erguida, e uma bola gigantesca de luz roxa explodiu no ar – Continue professor.

- Acho que já bateu o sinal. – Tirso apressou-se em se levantar, agitou a varinha e então as janelas se abriram e o encanto do teto desapareceu – Obrigado alunos até mais.

Tirso sentou em sua cadeira, pegou pena, tinteiro e pergaminho e na velocidade de um feitiço escreveu um pequeno recado que foi despachado no minuto seguinte. O pequeno aviãozinho zumbiu tão rápido no ouvido de Kal, que ele nem teve tempo de ver qual caminho o bilhete tomou. Mas podia ter certeza de que era um bilhete para Cacius, o seu conteúdo também interessava a ele.

- Hei, no mundo da lua! – berrou Ralph que ao lado de Guinevere se dirigia até a porta – Aula com nosso querido Amadeus.

Pelo caminho até o primeiro andar, Kal contou a Ralph e Guine sobre a conversa que tivera com Tirso e os dois concordaram que o professor não havia contado tudo o que realmente sabia sobre o livro.

- Talvez seja assunto secreto. – argumentou Guine.

- Ou que não lhe agrade. – disse Ralph – Falando em não agradar, olha quem está ali.

Rick Wosky e seu pequeno rebanho de puxa sacos estavam parados diante de uma sala de aula vazia, rindo-se, certamente de algum aluno de Angus, que geralmente servia como chacota. Assim que Rick viu Kal se aproximar com o seu distintivo, disparou um feitiço contra um aluno primeiranista de Angus que estava saindo de uma sala de aula abarrotado de materiais.

- Por que você fez isso? – disse o primeiranista encarando Rick com tanto medo que podia ver-se de longe o suor escorrer por sua testa pálida.

Como guadião-mirim, Kal deveria, sem usar magia ou qualquer tipo de força, impedir brigas entre os alunos. Mas quando se tratava de Rick Wosky era quase impossível não se irritar. Ele tirou um pedaço de pergaminho de dentro da bolsa junto com uma pena, pronto para escrever uma ocorrência por mau comportamento e desrespeito com o colega.

- Hei, Foster, viu que panaca que esses alunos de Angus são? Não sei porque você os defende. – disse Rick e seu rebanho riu sabe-se lá de que. Ao que parecia, eram débeis mentais que riam por qualquer motivo.

- O panaca aqui é você, Wosky, porque fica de castigo quase toda semana, mas ainda assim não aprende – repreendeu Kal – Agora você vai pedir desculpas àquele garoto e ficar em paz ou terei que fazer uma ocorrência?

- Você se acha muito esperto, não é? Vai ver quando eu acabar com você na Sala das Diferenças.

- Como é?

- É isso mesmo que você ouviu, Foster – disse enojado – eu sou o desafiante da equipe de Katzin.

- O que houve com Divalte? – perguntou Kal referindo-se ao desafiante que jogara as últimas partidas por Katzin.

- Foi expulso da escola. Mas isso nem é da sua conta! Pensando melhor, acho que não vou competir com você no Quizard. Afinal não te deixam jogar. É claro, você é o elo fraco da equipe...

- E você será o elo perdido! – disse Kal sacando a varinha.

- Amstãnder! – mandou Rick.

- Escaparta! – retrucou Kal.

Os dois feitiços encontraram-se no ar e ricochetearam voltando aos dois garotos. Ambos caíram no chão e Rick tentou a maldição Dunkel, sem sucesso. Kal acertou-o na cabeça com o feitiço Mórfinus fazendo-o despencar provocando um forte barulho.

- Vê se esfria a cabeça. – disse ele olhando para os débeis – Vocês, levem-no para a enfermaria.

Os quatro garotos ergueram Rick pelos braços e pernas e seguiram rumo a sala da Srª. Simon, sem uma gargalhada ou reclamação.

- Quem manda se meter com o Guardião-mirim. – disse Guine sobre o aplauso de alguns alunos de Angus e Tadewi que se juntaram para ver o que estava acontecendo.

- Menos Guine, menos... – abafou Kal – Vamos para a aula.

Pelo caminho, seus amigos continuaram a falar sobre o ato heróico de Kal e concordaram que Rick estava merecendo uma lição há tempos. Ele tinha a fama de ser um garoto valentão e encrenqueiro, e fazia jus a isso. Nem mesmo a personalidade ativa de seu pai parecia intimidá-lo. Era como se para Amadeus, Rick fosse tudo o que um pai espera ver em seu filho.

Na sala de maldições, estavam os alunos de Angus e também os de Tadewi, todos reunidos em três grupos de cinco alunos, a não ser por Daimon e Jonathan que estavam sentados a um canto, ambos pareciam dois espantalhos pálidos e extremamente suados.

- Qual é o problema? – indagou Kal ao sentar-se ao lado do irmão.

- O que está acontecendo, Daimon? – insistiu Guinevere vendo que ele batia seus joelhos de tamanho nervosismo.

- É hoje... – respondeu apavorado.

- O que é hoje Daimon? Meu aniversário? Obrigado pela foto.

- Feliz aniversário, gostou do nosso presente? – disse ele dando um tapinha no ombro do irmão e Kal assentiu que sim.

- Feliz aniversário, Kal. – felicitou Jonathan.

- Obrigado. Mas Daimon! Que diabos você tem? – perguntou novamente em tom de nervosismo.

- Hoje é o dia que o professor Amadeus marcou para o teste de final de semestre! – respondeu de modo conclusivo.

- Nossa! É mesmo! – assustou-se Ralph alisando a testa.

- Nós vimos três alunos de Katzin sendo levados com urgência à enfermaria depois que acabaram os testes deles. – informou Jonathan.

- Arre! O que esse doido quer? – falou Guine indignadamente.

- Desculpe, parece que eu ouvi vocês me chamarem de doido? – Amadeus acabara de surgir como um fantasma agourento carregando suas correntes pelos corredores de um castelo velho.

- Desculpe, mas se ouviu não o deveria, pois se trata de uma conversa particular, senhor. – respondeu Kal com azedume e encarando bem os olhos do professor.

O professor vislumbrou o rosto sarcástico do garoto, deu uma leve mexida em seu nariz razoavelmente empinado e prosseguiu até sua mesa. De lá iniciou a aula.

- Espero que todos estejam bem preparados, porque o teste de hoje será conclusivo! Os que passarem por ele estarão dispensados das próximas aulas. Os alunos que não passarem e por ventura tiverem condições de freqüentar as aulas, terão uma reavaliação.

- Ai meu Deus... – gemeu Daimon encolhendo-se ainda mais na cadeira.

- Chamarei os grupos um a um para que passem por esta porta, que foi encantada para levá-los ao coração da Floresta Amazônica. Lá, vocês deverão localizar algo em especial, algo que não condiz com o que nós estudamos. Só assim poderão retornar vitoriosos. Os que quiserem desistir deverão sinalizar com a varinha. Agora, o grupo dos senhores Foster poderia se aproximar para ser o primeiro?

- Ai meu Deus, ai meu Deus... – choramingou Daimon quase que enfiando as duas mãos na boca.

- Qual o problema? Querem ser reprovados? – perguntou Amadeus vendo que nenhum dos cinco se levantou.

- Não! – respondeu Kal em tom grave – Nós vamos, senhor.

Daimon e Jonathan ergueram-se com dificuldade e caminharam até a porta logo atrás de Ralph e Guine. Daimon puxava Guine pela camisa para voltarem, mas então ela o empurrou para frente.

- Que objeto devemos encontrar professor? – perguntou Guine.

- Vai querer um mapa que a leve até o objetivo do teste também, senhorita Lingenstain?

Furioso com a resposta que Amadeus disse a Guine, Kal correu até a maçaneta da porta e a abriu com violência, e se jogando para dentro dela. Ele sentiu-se sendo sugado para um redemoinho e também sentiu o seu corpo despencar. Aquela sensação de queda não fora a primeira de sua vida. Pouco antes de se tornar bruxo, Kal sentiu-se caindo em um abismo, sendo sugado pelo vento. Mas ali era diferente. Era apenas uma queda livre, não havia outra força sendo exercida além da gravidade, mas o frio na barriga e o medo eram os mesmos.

- Kal! Encosta a ponta da sua varinha na minha! – Daimon aparecera na sua frente e parecia saber exatamente o que estava fazendo.

- Onde estão os outros? – perguntou Kal, fazendo o que o irmão havia pedido.

- Devem estar vindo!

No momento em que as duas varinhas se tocaram elas grudaram-se como os lados opostos de um imã e nada parecia desgrudá-las.

Ralph e Guinevere surgiram no instante seguinte e foram orientados por Daimon a unirem também as varinhas com as duas outras.

- Só falta o Jonathan. – disse Daimon.

- Quando entrei, ele estava pendurado na maçaneta! – falou Ralph – acho que Amadeus ia jogá-lo!

- Teremos que continuar sem ele, seja lá o que vai fazer, Daimon.

- Não podemos Kal, mas acho que não temos muito mais tempo! No três nós gritamos Aprumus. Ok?

Os três confirmaram com a cabeça e estavam preparados para qualquer coisa que pudesse acontecer dali em diante.

- Esperem!

Jonathan despencava a ponto de bala e logo alcançou os outros quatro, juntando sua varinha com as demais.

- Um... Dois... Três... Aprumus!

Um enorme clarão surgiu e Kal sentiu seu corpo desacelerar... Em um baque, caiu como a uma altura de meio metro.

- Onde estamos? – perguntou Guinevere um pouco zonza.

- Na prova do Amadeus, e acabamos de responder a questão um. Como sobreviver a um portal. – falou Kal irritado.

- E o que nós temos que procurar? Ele é muito sem noção... – bravejou Ralph – Esta escola é para doidos, um diretor que não fala coisa com coisa e um professor homicida! Para mim isso não passa de uma conspiração maluca!

- Acalme-se Ralph, por favor, dá para ser menos psicótico? – falou Kal – Muito bem, quem quiser desistir basta sinalizar e fazer a reavaliação na próxima semana. Quem pretende continuar, me ajude a resolver a questão dois. O que devemos procurar?

Os olhares seguiram de Daimon para Ralph, Ralph para Jonathan, Jonathan para Guine e de volta para Daimon. A votação silenciosa optou por ficar na floresta e enfrentar os desafios que estavam por vir.

- Ok. Agora, um de vocês tem idéia do que devemos procurar?

- Talvez algum objeto que não deva ser encontrado em uma floresta. – sugeriu Daimon.

- Eu concordo. – disse Jonathan – Vamos procurar qualquer objeto que nos pareça estranho por estar em uma floresta.

- Isto envolve caminhar pelo mato, não é? Porque eu não tenho boas lembranças disso. Recordam-se da nossa última caminhada no mato, Daimon e Kal?

A aventura a qual Guine se referia era a do dia em que os três saíram a pé de Vila da Cachoeira, atravessando o Bosque de Vinho, quando uma mariposa gigante atacou os três e Kal foi atingido pelo pó paralisante do inseto e eles tiveram que seguir até o Hospital Nautilus.

- Bolhasradiant!

Ralph utilizou o feitiço e em seguida todos o imitaram.

- Para que lado nós devemos seguir? – perguntou Daimon – Este lugar me dá arrepios...

- Ai meu pai...

Jonathan acabara de chamar a atenção dos outros para mostrar a peluda figura do que parecia ser um lobisomem parado a pouco mais de quinze metros de distância.

- Pensei que lobisomens só se transformassem à noite! – falou Daimon espantado e ao mesmo tempo muito, muito assustado.

- Parece que esse aí não leu o manual dos lobisomens... e está vindo para cá! Corram! – berrou Ralph.

Os cinco alunos correram desenfreados passando pelas árvores, saltando raízes e troncos caídos, desviando de galhos, enquanto seu perseguidor, que se movia tranqüilamente pela floresta sobre suas quatro finas e peludas patas, farejando-os com seu comprido e negro focinho, espremendo os olhos amarelos contra a escuridão que se formava sobre as copas das árvores e apurando sua audição canina.

Depois de tropeçar sobre uma raiz, Kal ergueu-se rapidamente e apontou a varinha para o lobisomem que estava parado a uns vinte metros, na certa estava com dificuldades em farejar os cinco em meio aos tantos aromas existentes na floresta. A criatura balançava o pescoço num zigzag continuo e movia seu maxilar de um lado para o outro levantando a gengiva e revelando seus afiados dentes.

Sem pensar duas vezes, Kal decidiu que se alguma coisa deveria ser feita para livrarem-se do lobisomem a hora era aquela. Aproveitar o momento de distração do inimigo. Depois de uma rápida olhada mental nos feitiços que conhecia, Kal optou por um que surtiria um efeito imediato. Ergueu a varinha e disse:

- Sedru...

Mas antes que pudesse terminá-lo, Ralph e Guinevere puxaram-no pela gola da camisa para que voltasse a correr, e o feitiço, que certamente daria fim à perseguição, serviu apenas para sinalizar suas posições ao lobisomem, que desenfreadamente correu na direção do grito.

- Ficou maluco? – brigou Guinevere correndo e batendo os braços contra os galhos a sua frente – É um lobisomem, não um bichinho de pelúcia.

Na direção oposta aos três, vinha uma luz rosa, pouco maior que a mão de Kal. A luz passou pelos cinco e acertou o peito do lobisomem, derrubando-o logo em seguida.

- O que foi aquilo? – perguntou Jonathan parando.

A poucos metros de onde estavam, agora havia um lobisomem caído. A pele enrugada e peluda e grandes garras tão afiadas quanto navalhas, capazes de cortar a barriga de um homem com um único movimento. Poucos metros acima de seu corpo pairava a luz rosa que o havia atingido. No peito do lobisomem estava a marca do impacto como se tivesse levado um enorme soco.

- O que é isso? – perguntou Kal imaginando o que poderia ser aquele brilho rosa.

- Mais respeito com quem salvou sua vida, moleque! – uma voz fina e desafinada vinha do interior da luz, que ao se extinguir por completo revelou uma pequena menininha – Eu sou uma fada. Meu nome é Bruxa.

- Que adequado para uma fada... – brincou Guine.

- Eu vi essas malditas varinhas de vocês acesas e pensei que eram minhas amigas. Aí vi que vocês estavam fugindo do Cândido aqui, e resolvi ajudar.

- Cândido? Este bicho tem nome? – espantou-se Daimon.

- É claro que tem! Ele já foi humano. Mas agora não consegue voltar ao estado natural. Acho que foi uma maldição. Ele nunca sai da transformação de monstro.

- Então não é o que estamos procurando.

- Obrigado, Bruxa.

- De nada, menino Daimon.

- Como sabe meu nome?

- Nós fadas somos muito oniscientes.

Quando Bruxa finalmente desceu a uma altura visível, Kal percebeu que a fada tinha pele em tom de rosa claro e algumas protuberâncias fluorescentes da mesma cor, em que ele presumiu ser dali que ela emanava sua luz. Usava botinhas verde claras até o joelho e uma mini saia de pétalas de rosa vermelha que combinava bem com o chapéu em forma de cogumelo na cabeça dela. As seis asinhas batiam inquietas como se a qualquer momento Bruxa fosse decolar.

- Bem eu tenho que procurar meu grupo. – falou ela.

- Espera fada, quer dizer Bruxa, sei lá, você, espera! Viu algo de anormal nesta floresta hoje? – indagou Kal.

- Fora vocês? Não.

- Tem certeza de que não viu nada?

- Tenho, quase, para falar a verdade eu vi um livro no pé de uma árvore hoje pela manhã.

- Onde?

- Logo ali! Se quiserem, eu mostro a vocês.

A fadinha rosa voou na direção de onde viera e começou a cantarolar numa língua incompreensível, certamente era a língua das fadas, mas a música não chegava a incomodar os ouvidos de ninguém, por momentos Kal até mesmo esqueceu o que estava fazendo ali, tamanha a capacidade de distração e relaxamento que a música provocava.

Kik’s vcereny lazwbrk

Ademmügü, Ademmügü

Donp, donp xenobiurght

‘Ke tiny ‘borwh’ fanfas

Coch’xetlra duke tanmine

Ademmügü, Ademmügü

- O que significa isso? – perguntou Daimon olhando para a fada com incredulidade.

- Seria mais ou menos assim no idioma de vocês.

Viva eternamente minha

Felicidade, Felicidade

Voe, voe alegria

Vá direto ao mundo das fadas

Ilumine meu caminho,

Felicidade, felicidade

- Que horror... – comentou Kal amargamente.

- Quanta árvore... – resmungou Jonathan passados vinte minutos de caminhada em busca do livro.

- É uma floresta menino Jonathan.

- Escuta aqui, oh Sininho! Onde você está nos levando? - bravejou Kal parando no meio do caminho e encarando a figura colorida a sua frente.

- Oh nervosinho, dá para se acalmar que a fadinha aqui está cansada! Eu perambulei o dia todo a procura do meu bando!

- Pensei que as fadas nunca se separassem. Como você se perdeu? – perguntou Daimon.

- Eu acordei, e vi que estava sozinha... Só isso...

- Então você foi procurar seu bando e encontrou um livro. – deduziu Ralph.

- Isso! Nossa você é tão onisciente. Também é uma fada?

Ralph simplesmente ignorou o comentário e lançou um breve olhar a Kal. Ambos começavam a desconfiar de Bruxa, ou o que ela era uma fada muito mentirosa ou que fizesse parte do jogo. Talvez os dois.

- Vamos parar para descansar. – sugeriu Kal sentando-se num tronco caído.

- Ótimo! – berrou a fada com mau humor.

Metendo a mão no bolso da camisa, Kal retirou a ametista que ganhara de Cacius e passou a vislumbrá-la com a pouca luz que saia de sua varinha.

- Ah! Uma ametista milenar! – exclamou Bruxa –Posso ver? Uh... é tão cheia de energia... também, presenciou o feitiço Perpétuo.

- O que disse? – perguntou Kal limpando os ouvidos para ter certeza do que ouvira.

- Que essa pedra que você está segurando estava no local em que Donnovan foi derrotado.

- E como você sabe disso? – questionou Guine que mudou de posição para ouvir melhor o que a fada dizia tão cheia de confiança.

- Onisciência meus amigos, onisciência... – respondeu – agora vamos atrás do guarda-chuva.

- Qual guarda-chuva? – indagou Jonathan.

- O que nós estamos procurando, que está próximo a uma pedra. O que eu vi ontem à noite. – respondeu a fada.

- Opa! Nós estávamos à procura de um livro, embaixo de uma árvore e que você viu hoje pela manhã. – corrigiu Kal – Você está nos enganando!

- Hihihihi... – fez ela com a mão na boca.

- Amstãnder! – Ralph acertou a fada e a fez cair no chão com estrondo – Por que você está tentando enganar a gente? Fadas são boas! Lembra?

- Eu achei que vocês estivessem brincando, hihihihihi... – chiou.

- Ah... – resmungou Kal pronto para acertá-la com a varinha.

- Hei! Esperem! É ela quem deveríamos encontrar! – falou Daimon astuto - Lembram-se da história sobre fadas que habitavam ilhas e enganavam os navegadores com maldição Lonvy, que os deixavam sem senso de direção?

- Daimon, com sinceridade, não me lembro. – falou Ralph recolhendo a fada do chão.

- OK, mas tem outra. Fadas quando andam sozinhas não conseguem mentir por causa da maldição Fículous, o que torna esta fada algo diferente de se encontrar. – falou Daimon.

- Quer dizer que esta coisinha é o que procuramos? – duvidou Ralph que ainda a mantinha presa entre seus dedos.

- Então ela também pode ter mentido sobre a pedra... – decepcionou-se Kal.

- Provavelmente. – assentiu Daimon.

- E como faremos para voltar? – indagou Guine que se mostrava espantada com tudo aquilo.

- Vamos tocar as varinhas na fada. – sugeriu Jonathan – Não foi assim que a gente parou aqui?

- Ótimo vamos lá! – disse Kal acertando a cabeça da fada com sua varinha.

As outras quatro varinhas uniram-se a de Kal e então as protuberâncias da fada iluminaram-se até seu brilho rosa envolver os cinco e levá-los de volta à sala de maldições do mesmo modo enjoativo que chegaram à floresta.

Um comentário:

Anônimo disse...

Cara, sua história é incrível! POr favor, continue!!!