quarta-feira, 7 de novembro de 2007

Capítulo 8 - O fio de prata

Paulo Pote jurou que junto aos caldeirões de prata havia vários frascos da poção Mekeivan. Ele disse ter cedido apenas alguns frascos para uma aluna, que ele não revelou o nome, porque se tratava de um problema pessoal dela, mas ainda assim restaram alguns frascos no armário, mas ao julgar pelas aparências, impossível ter tantos frascos de poções naquele armário. Os caldeirões estavam todos perfeitamente alinhados e ocupando todo o espaço. Não havia sinal de qualquer arrombamento, pelo contrário, o armário estava mais trancado do que uma fechadura de banheiro ocupado.

- Quem teria pegado a poção do professor? – indagou Guine enquanto os três se aproximavam da sala de Clerigologia, que ficava no quinto andar.

- Alguém que quer enfrentar um lobisomem. – sugeriu Kal divertindo-se com a situação.

- Pode ter sido qualquer pessoa do castelo. – continuou Ralph, que assim como Guine, havia tomado o partido do professor acreditando, de fato, que alguém entrara em sua sala para roubar alguns frascos de uma poção idiota, na opinião de Kal.

- Francamente! Até mesmo a imbecil da Emanuela Goldemberg conseguiu fazer a poção! – bravejou Guinevere.

Kal não sabia exatamente porquê, mas um instinto selvagem invadiu-lhe a mente e por um momento pensou em atacar Guinevere por insultar Emanuela na sua frente. No entanto, Ralph foi mais rápido e cortou o clima.

- Talvez alguém que esteja com muita pressa da poção.

- E muito bem informado também. – falou Guine.

- Como assim? – questionou Kal ainda tentando disfarçar sua irritação com a garota.

- Esta foi nossa primeira aula de poções, e a de Katzin também.

- Então, resta Angus. – concluiu Kal.

- Sim. E se Angus teve aula de poções antes de nós eles fizeram a poção Mekeivan. – falou Guinevere parando subitamente – Olhem o Daimon!

O garoto aproximou-se ligeiramente assustado, Guinevere havia gritado tão alto que alguns alunos lançaram-na um olhar de reprovação e de curiosidade.

- Qual o problema? – perguntou Daimon.

- Vocês já tiveram aula de poções? – perguntou afoita.

- É... professor Paulo Pote, certo? Sim nós tivemos aula com ele ontem.

- Ok. – disse ela

- Mas porque a pergunta Guine?

- É que estávamos na aula de poções preparando a Mekeivan, quando o professor Pote foi pegar caldeirões de prata para usarmos e deu por falta dos frascos da poção.

- Então vocês estão achando que a sala dele foi roubada?

- Tenho certeza. – afirmou Guine.

- Mas por que alguém iria roubar uma poção Mekeivan? Ela é tão simples de ser feita. – disse Kal.

- É como eu já disse. A pessoa deve estar com muita pressa de usar a poção. – reafirmou Ralph.

- Mas o preparo da poção é uma questão de minutos. – retrucou Kal novamente.

- Você leu toda a página quinze? – perguntou Daimon, e vendo a expressão negativa no rosto do irmão, continuou – No fim da página, havia uma observação dizendo que a poção precisa de pelo menos uma noite de lua crescente para que seus poderes sejam suficientemente bons para ser usado contra qualquer criatura mágica.

- Sério? – indagou Guine – Isto estava na página quinze?

- Sim.

- De qualquer forma isto não responde quem roubou a poção. – disse Guinevere.

- Responde sim. – questionou Ralph – Se de fato alguém roubou a poção, esta pessoa deveria saber o horário de aula de Angus. Para saber que eles fizeram a poção ontem.

- E Tâmisa? – retruca Guine – Nós a vimos com alguns frascos. Poderia ser a poção, tinha cheiro forte pelo menos.

- Sim. – concordou Kal – Mas o professor Pote disse que cedeu alguns frascos para uma aluna. E como ela estava a poucos minutos da sala de poções, nos leva a crer que ela é a tal aluna.

- Concordo plenamente. – disse Daimon – Esta Tâmisa é a Representante de Tadewi não é?

- Sim. – responderam os outros três de imediato.

- Os Representantes são escolhidos pelo seu desempenho e pelo seu bom caráter. – concluiu – Certamente foi alguém de Angus. Vou tentar descobrir quem.

- Ok, caso encerrado. – diz Kal com certo alívio – Não precisa se meter nestes assuntos, Daimon. Estes dois é que gostam de bancar os detetives...

Ralph e Guine ainda não concordavam com Kal, mas não pretendiam questioná-lo mais, afinal, acabaram de reconciliar e a última coisa que queriam provocar era uma briga, que talvez se tornasse definitiva. Os dois também achavam que ele tinha uma certa razão ao dizer que não precisavam se envolver mais no assunto. Não era da conta deles.

Daimon seguiu, então, para a horta enquanto Kal, Ralph e Guine seguiram até a sala de Clerigologia, que ficava no primeiro andar, acompanhados dos demais alunos de Tadewi.

As portas duplas da sala de Clerigologia estavam completamente fechadas e com um pedaço de pergaminho pregado. Nele havia escrito em letras verdes e bem cintilantes o recado:

Prezados alunos,

Devido um pequeno imprevisto, a professora Cristina foi obrigada a se ausentar do castelo. Lamentamos o inoportuno, mas não encontramos nenhum substituto. Vocês serão compensados com uma aula extra de feitiços. Adiantem-se até o terceiro andar.

A Direção

- Francamente! E papai ainda diz que esta é a melhor escola para bruxos do país. – bufou Ralph – Nenhum professor aqui parece ter responsabilidade ou noção de compromisso com o trabalho.

- Fale isto por Amadeus Wosky. – disse Guine – É ele quem sai da escola sem dar qualquer explicação. E por pior que seja, “um pequeno imprevisto”, se comparada às atitudes de Wosky, é uma ótima explicação.

- Vamos. – chamou o garoto ainda roxo de raiva.

Ao passarem pelas escadas, novamente, até o terceiro andar, avistaram o professor Tirso que estava confortavelmente encostado em uma das grandes e grossas colunas de mármore em frente a sua sala. Algumas delas possuíam buracos onde pássaros podiam construir ninhos espaçosos. Estas deformações artisticamente delineadas mostravam-se completamente ocas ao dia, no entanto, se observadas à noite via-se uma bela e forte luz branca capaz de iluminar o ambiente a sua volta a uma distância de metros.

- Tarde! – cumprimentou Tirso aos alunos que chegavam esbaforidos por subirem três andares em menos de dois minutos – Parece que teremos uma aula extra. – falou o professor sorrindo para os alunos – Entrem, vamos, entrem...

Depois de se acomodarem nas cadeiras da frente, Kal, Ralph e Guine largaram suas mochilas no chão e começaram um árduo trabalho para se abanar, sendo acompanhados pelos demais alunos.

- Está quente não está? – Tirso ergueu a varinha e uma brisa gelada atravessou a sala e tornou o lugar um cômodo muito confortável – Estou tão surpreso quanto vocês a respeito desta nossa aula. Eu estava com este tempo livre. Não ia deixá-los à toa. Bom eu não tenho nada planejado para nós fazermos... alguém poderia dar uma sugestão?

- Professor! – chamou Freman com a mão frenética no ar – Poderíamos aprender este feitiço que o senhor usou agora?

- Hum... Calma, calma, Sr. Freman. Isto que eu fiz não é bem um feitiço. E ainda é um pouco avançado para vocês. – respondeu.

Houve um pequeno silêncio por um tempo, a não ser por murmúrios e cochichos dos alunos que pareciam unir as idéias como teias trançadas por aranhas ou como os fungos que unem suas hifas para formar uma estrutura única, os micélios.

- Ninguém pensou em nada? – indagou o professor olhando para os alunos – Pode falar Kal – disse ele assim que enxergou a mão do garoto levantada.

- É prof... – Kal interrompeu sua fala e lembrou-se das ultimas conversas que tivera com Tirso e este o dissera para que ele o chamasse pelo nome – Tirso, poderíamos discutir, conversar... sobre projeção astral? – finalizou ele. Kal não gostava muito de ser o centro das atenções, não gostava de falar em público. Não era nada bom nisto.

- Não conseguiu nada com seu livro não é? – perguntou o professor apontando para o Além da matéria que agora, estava sobre a mesa em que Kal estava sentado – Se ninguém mais tiver alguma objeção. – vendo o rosto apático dos alunos Tirso resolver começar, sabia que nenhum outro aluno iria responder qualquer coisa – Normalmente, projeção astral é assunto para o terceiro ano, mas não custa dar uma palavrinha. A projeção astral, ou viagem astral, como preferirem, nada mais é do que uma forma de libertação e descanso. Deixe-me melhorar minha colocação. Cada criatura tem um cordão que liga o corpo físico ao corpo astral. A ele damos o nome de Fio de prata, é ele que mantém a ligação entre os dois corpos durante a projeção. Agora, porque o nome projeção? – disse estalando os dedos e erguendo o rosto para o teto com o olhar curioso – Chama-se assim, porque o corpo astral é uma projeção do nosso corpo físico. Exatamente como uma cópia...

- Professor! – chamou Samara Bringer – E como se projeta este corpo no astral?

- Bem, este é o segredo da viagem astral. Saber como iniciá-la. O básico, muita concentração! – respondeu Tirso quase que somente para Kal – Desprenda-se de qualquer coisa que possa te atrapalhar, esteja sempre de cabeça vazia quando for tentar.

- Mas o que veremos quando conseguirmos sair do corpo físico? – perguntou Kal que agora estava fazendo movimentos leves no rosto do próprio livro.

- Veremos exatamente o que vemos sempre. – respondeu.

Houve alguns “ah” quando Tirso falou que o mundo astral era também, igual ao mundo físico, mas Kal, que ainda brincava com o livro, pareceu não se importar com este detalhe.

- Mas no mundo astral há certas coisas que não podemos ver no mundo físico. - tarde demais, fora Guine, Ralph e Kal, nenhum aluno pareceu se importar com a palestra de Tirso. Todos conversavam baixinho ou simplesmente abaixavam a cabeça em suas mesas. Ele pareceu não se incomodar.

Dez minutos antes de o sino tocar no alto da torre, Tirso liberou os alunos. Eles, a maioria com os materiais já guardados, levantaram-se apressados e seguiram até os portões do castelo para descerem até Cidade dos Elfos.

- Aonde você vai? – perguntou Ralph a Kal que estava mudando seu caminho para as escadas de subida.

- Vou para a sala do conselho. – falou Kal em um enorme sorriso – Consegui!

- Han? – fizeram Ralph e Guine juntos.

Kal parou e se virou para os dois, enfiou a mão na mochila e retirou o misterioso livro prateado de Van Feo, em seguida o abriu aleatoriamente.

- Ele abriu! – exclamou Guine levando umas das mãos à boca.

- E vou direto para a sala do conselho, deve estar vazia a esta hora. Ralph, Guine, eu vou fazer a projeção astral! – disse com todo o entusiasmo que seus lábios podiam expressar ao mesmo tempo.

Kal subiu três ou quatro degraus por vez até chegar ao sexto andar, atravessou o corredor às pressas pedindo desculpa a cada vez que esbarrava em alguém. Freou os sapatos bem em frente às cortinas vermelhas, enfiou a varinha por entre elas certificando-se de que ninguém estava por ali.

- Sadauá!

Algumas luzes vazaram pelos rasgados da cortina e um vento leve saiu debaixo do tecido, revelando uma pequena porta de carvalho.

A sala do Conselho Estudantil era o lugar perfeito para ele tentar a projeção astral. Ele precisava de um lugar silencioso, e Tadewi nunca era um lugar silencioso quando quase cem alunos o ocupavam.

Kal atirou-se para dentro e trancou a porta imediatamente, tinha apenas meia hora até que o último balão descesse. Ele não sabia ao certo quanto tempo demoraria ali, mas se fosse preciso, dormiria naquela mesma sala.

Ajeitando-se confortavelmente em uma grande almofada, ele recostou o livro sobre os joelhos e começou a folheá-lo freneticamente. Somente no capítulo dezoito Kal mostrou interesse. A ilustração do capítulo trazia um homem deitado, e de sua testa saia um fio prateado que estava ligado à nuca da projeção do homem, atravessando um arco como os que se vê em castelo árabes e indianos, com a base estreita e a parte mais alta em formato circular com uma ponta na última extremidade.

O nome do capítulo estava logo acima da gravura. Muito bem escrito por letras moldadas nas cores ouro e preto onde se lia Além do véu.

Com uma leitura frenética e altamente excitante, Kal não demorou mais do que dez minutos para terminar o capítulo. Ele então passou a ler um Box que tinha um “passo a passo para a projeção”. Deitar e relaxar em lugar confortável e tranqüilo, segurar bem a varinha com a mão dominante, fechar os olhos e controlar a respiração, manter a mente vazia - para Kal esta seria a parte mais difícil de se conseguir, pois estaria tentando fazer pela primeira vez uma das coisas mais fantásticas que já ouvira falar.

Deitou-se confortavelmente no tapete com o Brasão de Avalon que ficava em frente à lareira. Segurou bem firme a varinha com a mão direita, de olhos fechados passou a controlar o ar que entrava e saia de seus pulmões, e então a parte mais difícil. Concentração.

Levou pouco mais do que quinze minutos até que finalmente apenas o crepitar do fogo ecoasse em sua cabeça. Mais alguns minutos se passaram e ele começou a sentir sono, ao mesmo tempo seu corpo passou a formigar intensamente, começando pelos membros como se houvesse pequenos seres do tamanho de besouros caminhando por baixo de sua pele e dentro de seus vasos sanguíneos, todos seguindo para um único ponto, o coração.

A respiração passou a ser incontrolável e ofegante, os batimentos cardíacos intensos, mesmo estando com os olhos bem fechados eles podiam captar flashes de luz branca. Um grande medo assolou Kal que agora tremia, todas as sensações pareciam levar a um único destino. A morte.

Enquanto sua concentração se dispersava por completo devido a forte presença de medo que em sua mente assumia a forma de caixões, e pessoas chorando próximo a uma lápide de mármore vermelho sangue, cravada nela estava escrita, “Kalevi Foster - Tão pequeno, tão breve”.

Kal levantou-se assustado e ergueu a varinha. Apurou os ouvidos, mas não pode ouvir nada, o rosto suado e a expressão pálida davam a ele um ar febril, sentiu algo parecido como um soco na boca do estômago seguido por uma forte náusea. Cambaleou até a porta segurando a mochila com a mão esquerda e a varinha na outra.

Ao sair da sala e dar seus primeiros passos cansados pelo corredor, Kal avistara uma mulher, visivelmente jovem e bonita, cabelos curtos e enegrecidos até o ombro, pele fina e bem feminina e trajava uma longa capa de viagem roxa. Assim que viu Kal cambalear até as escadas, acelerou os passos e segurou o garoto pelo braço que carregava a bolsa.

- Parece que andou se excedendo um pouco, não? – indagou a mulher – O que estava fazendo?

Kal olhou para ela atônito, tentou murmurar algo, mas foi em vão.

- O gato comeu a língua? Ok. Não quer falar, mas pelo que me parece foi um gasto excessivo de energia. Fácil, fácil! Griamen! – a varinha da mulher tocou a têmpora de Kal e ele sentiu um calor eletrizante invadir sua cabeça e dissipar pelo corpo inteiro, aliviando por completo sua fraqueza.

- Obrigado. – agradeceu Kal.

- Mas o que aconteceu com você?

- Não foi nada. Muito obrigado mesmo! – Kal apressou-se em descer as escadas e logo estava pegando o último balão para Cidade dos Elfos.

Encontrou Ralph e Guine assim que se arrumou por completo para o jantar. Kal estava com um jeans desbotado e uma camisa vermelha, o tempo frio que se formou depois de uma breve chuva o obrigou a vestir também um sobretudo.

Os outros três amigos desceram juntos ao salão de jantar, depois de limparem os pratos, cheios de carne e arroz, iniciaram uma longa conversa sobre projeção astral que se seguiu até a hora de dormir.

Na manhã do dia seguinte, Kal, Ralph e Guine juntaram-se com os outros alunos do primeiro ano para tomar café. Havia um grande cartaz verde afixado na parede dizendo que os alunos deveriam seguir até o refeitório de Avalon assim que chegassem na escola para ouvirem um comunicado do diretor.

Curiosos, saíram da República em direção aos terrenos baixos, passando por alguns alunos mais velhos, que pareciam estranhamente empolgados com algum acontecimento. Diogo Mendes, Representante de Tadewi ao lado de Tâmisa, estava entre eles e andava com ar imponente e muito orgulhoso.

- O que eles estão fazendo? – Kal ouviu Pedro Andrade, o garoto que dividia o dormitório com ele e Ralph, perguntar.

- Estão ensaiando... – falou um outro aluno que estava ao seu lado.

Kal olhou para o pequeno grupo de alunos onde estava Diogo que agora agitava sua varinha no ar e apontava para inimigos invisíveis.

- Eles enlouqueceram ou o que? – indagou Ralph apontando para outro garoto que estava saltitando e disparando feixes de luz da varinha.

- Quem vai saber... – respondeu Kal.

Durante todo o caminho até o refeitório, os três viram outros alunos de Katzin e Angus gargalhando e azarando os que passavam despercebidos.

- Eu juro que acabo com eles se tentarem alguma coisa. – falou Kal ameaçadoramente.

- Hum... o poder já subiu a cabeça... – falou Guine em um lindo sorriso que exibia belamente seus dentes brancos.

Kal poliu bem seu instintivo de Guardião-mirim antes de irem para o salão, ele agora reluzia de tamanha forma que sobre o reflexo do fresco sol da manhã parecia um pequeno espelho preso à roupa. Assim que os três passaram por um pequeno grupo de alunos de Katzin, estes lhes lançaram olhares curiosos e alguns cochichos.

- Captus! – fez Kal assim que viraram à direita.

- ...Rômulo é um idiota mesmo, escolher um aluno do primeiro ano para o cargo de Guardião-mirim...

- Kal! – interrompeu Guinevere puxando o braço do garoto – É falta de educação, sabia.

- Você não tinha esta opinião há alguns dias. – falou Kal continuando o caminho.

- Mas agora é diferente...

- Eu não vejo diferença. Além do que, eles estavam falando de mim. – bravejou ainda muito irritado.

O refeitório estava exageradamente enfeitado com as cores da escola; branco, azul, laranja e preto. A grande letra “A” empilhada em livros servindo de poleiro para uma coruja esbranquiçada. Este era o brasão da Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon, que naquela manhã estava estampado em uma bela ceda pendurada atrás da mesa dos professores.

Os três sentaram-se na mesa do lado esquerdo, pertencente a Tadewi. Após se acomodar, Kal olhou para a mesa dos professores, uma grande mesa de carvalho em forma de semicírculo, alguns deles cochichavam e olhavam para alguns alunos. Caminhando os olhos pela mesa, Kal achou uma pessoa de cabelos curtos e negros, olhos castanhos e um sorriso maroto. Tirso correspondeu ao olhar e estranhamente era como se o professor estivesse incentivando-o a fazer alguma coisa.

- Bom dia, Avalon! – saudou o diretor da escola, Cacius. As costumeiras aves vermelhas irromperam pelo teto de forma espalhafatosa, somente depois que todas se acomodaram em galhos e ramificações no teto, o professor Cacius continuou – estamos quase finalizando a nossa primeira semana de aula e vou dar-lhes uma notícia que alegrará a todos vocês.

Um ruído intenso de conversa atravessou o salão, agora todos os alunos discutiam que tal notícia seria aquela, particularmente, Kal achava que a notícia tinha relação com o comportamento esquisito dos alunos mais velhos, como Diogo era um Representante, Kal deduziu que ele já sabia qual era a tal novidade.

- Quem sabe o Amadeus está saindo da escola... – sugeriu Ralph fazendo os alunos mais próximos rirem baixinho.

De repente toda a nuvem de excitação se dissipou e o salão calou-se para ouvir Cacius.

- Este ano, vamos iniciar os jogos escolares mais cedo do que no ano passado. Segundo me informaram os professores, as três equipes, Angus, Katzin e Tadewi, estão com falta de componentes. A partir deste final de semana os professores; Tirso, Amadeus e Cristina estarão ajudando na seleção dos alunos para a competição. Os interessados devem procurar os professores até o final de semana. Vocês terão dois dias para decidir se querem concorrer a uma vaga ou não. Bom apetite e tenham um bom dia. – Cacius levantou os braços até a altura dos ombros e como se fosse um gesto maestral as aves iniciaram uma verdadeira orquestra, um som de fundo para abafar o incomodo ruído que os alunos sempre provocavam ao sair do salão todos juntos.

Kal, Ralph e Guine acompanharam Daimon e Jonathan até a aula de história no quinto andar, durante o caminho conversaram sobre como seriam estes tais jogos e o que teriam de fazer se quisessem competir. Cacius parecia muito inspirado naquela manhã, talvez ele mesmo estivesse ansioso pelo início dos jogos. Kal continuou pensando na competição, e se viu dentro de um campo, rodeado por uma torcida vibrante que gritava seu nome com euforia, como se ele fosse um herói. Kal erguia uma taça dourada e todos aplaudiam e o chamavam, mas não por Foster, gritavam Kalevi! Kalevi...

Ele acordou do sonho quando foi subitamente interrompido por Cacius lhe perguntando quem fora Morgana Lê Fay.

- Ah... ela foi... uma bruxa muito importante.

- Certamente, senhor Foster. Morgan Lê Fay foi a bruxa mais importante da história. – explicou Cacius sorrindo – Morgana fez algo que parecia impossível.

O sino no alto da torre badalou tão alto que fez alguns alunos saltarem uns dez centímetros de suas cadeiras com o susto.

- Bem, a aula termina agora, mas se bem não me engano, a última aula do dia também é minha. Então, até mais tarde.

Os alunos saíram da sala de Cacius e se apressaram à sala de Tirso, o professor estava sentado atrás de sua mesa e recebeu os alunos com um sorriso.

Tirso ensinou quatro feitiços bem simples naquela aula, dois que já eram conhecidos por Kal, Ralph e Guine. O Bolhasradiant se popularizou entre os alunos do primeiro ano e também seu contra-feitiço o Guive, ele interrompia o fluxo de luz da varinha e espocava as que já flutuavam no ar. Os outros dois feitiços ensinados foram, Levitoriano, que fazia os objetos flutuarem. Apenas Kal conseguiu fazer sua bolinha de tênis levitar a dois metros da cabeça, os demais alunos encerraram a aula sem sucesso. Por último, Tirso ensinou o Concertûnia, o mesmo usado pela professora Margarida para reparar o vaso da Herviana de Kal, e utilizado por Rômulo na sala do Conselho Estudantil.

Duas aulas de Maldições separavam Kal da hora do almoço. Amadeus Wosky parecia muito mais calmo do que de costume. Enquanto explicava sobre as maldições das pirâmides egípcias como a de Tut-Tanka-Mon, que na década de 1920 matou todos os responsáveis pela descoberta de uma tumba funerária. Explicou também a maldição Lonvy, uma maldição que determinadas fadas lançavam em marinheiros que passavam próximos a suas ilhas. A maldição deixava-os sem senso de direção e assim poderiam a qualquer instante bater em um recife de corais. Amadeus disse que o governo enviou mulheres para estas ilhas a fim de capturar estas fadas, mas elas eram mestres na arte de mentir e acabavam escapando da prisão. Só assim eles descobriram que essas fadas sofrem uma da maldição Fículous, uma maldição que impede que fadas mintam quando estão sozinhas.

Ao fim da última aula, Amadeus disse que seria obrigatório que os alunos trouxessem uma cobaia para as duas últimas aulas da sexta-feira, que seria uma aula prática.

No almoço, Kal praticou o feitiço Levitoriano fazendo travessas de comida flutuarem perigosamente sobre a cabeça dos alunos até chegarem em suas mãos.

- Pare de se exibir! – censurou Guinevere.

- Você está assim só porque não conseguiu levitar sua bola de tênis. – a garota corou de leve ao comentário de Kal.

- Relaxe, Guine. Ele tem o direito de se exibir, já que ninguém mais conseguiu. - disse Ralph sorrindo amistosamente para Kal.

- Levitoriano! – gritou Freman Silva apontando sua varinha para uma jarra de suco de laranja. A jarra de cristal flutuou alguns centímetros sobre a mesa e deslizou no ar até o garoto, com sucesso. Animado, Freman atreveu-se a levitar uma travessa de pudim de leite, ele ousou elevá-la acima das cabeças curiosas, para que todos vissem seu desempenho. A trinta centímetros de distância do garoto, a travessa de porcelana despencou cerca de meio metro de altura e se esmigalhou na frente de alguns alunos que ficaram ridiculamente melados de pudim.

- Concertûnia! – falou Kal enquanto passava próximo ao local do acidente e se dirigia para o terceiro andar para a aula de Biomagia acompanhado por Guine e Ralph.

No caminho até a sala da professora Flora, os garotos se distraíram um pouco em uma curta conversa com Rômulo, para alívio de Kal, Ralph e Guine não pareciam incomodados com presença do presidente do Conselho, pareciam ter esquecido completamente as diferenças e vez por outra Kal surpreendia-se ao ver um deles trocando algumas frases.

- E então, Rômulo? Vai tentar competir? – indagou Guine.

- Não. – respondeu rapidamente – Já sou presidente do Conselho, é responsabilidade demais. Mas é claro que nosso amigo Foster aqui vai participar.

- Ah... eu? – duvidou Kal.

- Sim. Por que não? Certamente você se sairá bem nos testes. – disse Rômulo.

- E que tipo de teste é feito com os alunos? – Ralph perguntou e agora mostrava-se visivelmente interessado pelo assunto.

- Em geral são testes de força e resistência. Mas o melhor é que os professores dão aulas extracurriculares para os competidores. E não é essa baboseira de plantinhas, localizar cidades em mapas, igual vocês estudam. É magia de verdade! Poderosa!

- Feitiços? – apostou Kal.

- Não só isto, Foster. Também todo o tipo de defesa e maldições.

- Estamos estudando as egípcias. – informou Guine.

- Humpft... outra baboseira, eles não ensinam na sala de aula como transformar um bruxo em codorna ou qualquer outra coisa assim... – disse Rômulo rispidamente – e foi por isso que eu quis entrar para o Conselho. Quatro anos lá me deram acesso a muitos livros que não estão na biblioteca. Eu já te disse não é, Foster?

- Oh, sim! Claro. – confirmou Kal, mesmo que ele soubesse de todos os livros que estão na Sala do Conselho, Kal ainda não havia visitado a biblioteca da Escola para conferir se o que Rômulo dissera era realmente verdade.

- Bem, eu preciso ir. Recebi um recado de Cacius, vou ver o que ele quer.

- Ok. Até mais. – despediram-se.

Já no terceiro andar, os garotos avistaram de longe a professora de Biomagia, Flora, que estava com um vestido vermelho sangue e um echarpe combinando. Os cabelos cuidadosamente presos em um coque, lembrando a concha de um caramujo. Flora gesticulou aos alunos com um leve gesto com as mãos, exibindo suas longas unhas pintadas em esmalte púrpura e um esplendoroso anel dourado com uma pedra que lembrava uma bola de gude feita de rubi.

- Boa tarde, meus queridos. – cumprimentou a professora assim que entraram e leram uma frase no quadro “Nem tudo são flores”. Na mesa mais próxima da porta e oposta à janela estavam sentados alguns alunos de Katzin que pareciam intrigados com suas plantas, Kal olhou por todas elas em busca de uma resposta, mas nada parecia fora do comum. Eram apenas plantas que estavam se desenvolvendo e apresentavam algumas inflorescências.

- Sentem-se! Sentem-se! – ordenou a professora – procurem suas plantas porque hoje elas serão de fundamental importância! Elas chegaram a uma excelente fase de estudo – Flora parecia muito excitada com a aula, um sorriso em seu rosto e as mãos abanando denunciavam toda aquela euforia.

Ajeitando-se perto de Guine e Ralph, Kal notou que o vaso em que sua Herviana estava soterrada era ainda maior que o da aula anterior, sua planta era realmente um planta estranha, não gostava de luz, como foi provado em sua primeira aula de Relações com a Natureza, com a professora Margarida, e ainda assim parecia crescer de forma escandalosa de um dia para o outro.

Com uma planta que não recebe luz pode crescer tão rápido? Pensou Kal.

- Meus queridos, quero que todos finquem suas varinhas nos vasos e digam, Planta Exander! – falou a professora docilmente.

- Planta Exander! – repetiram os alunos já com as varinhas devidamente posicionadas.

- Muito bem, muito bem. – elogiou Flora – Agora abram o livro na página trinta.

Os alunos abaixaram-se para pegar na mochila seus exemplares de Olho mágico e prontamente abriram na página indicada.

Flora Link iniciou uma árdua leitura da página trinta, capítulo dois, que explicava de forma bem simples os princípios básicos do crescimento de uma planta mágica, primeiro a adaptação, segundo o domínio de território, como explicou a professora, as plantas precisam de espaço para crescer e passam a eliminar plantas inferiores. Em terceiro lugar, vem o crescimento, Kal achou que sua planta já deveria estar neste terceiro processo há muito tempo. Só depois à leitura do quarto processo o garoto soube que todas as plantas da sala estavam igualmente evoluídas. Pequenos botões, que pareciam indícios de flores, brotavam do fino caule de cada planta, em exceção para a de Kal, ele ainda nem sabia ao certo se sua planta tinha um caule, muito menos um broto de algo que parecia uma flor.

- E agora, alunos, vamos motivá-las ao quarto processo. Se vocês lerem a página trinta e dois, verão que há um feitiço muito simples para isto. Por favor, sem a varinha, repitam comigo, Lumier.

- Lumier! – repetiram em uníssono.

- Um pouco mais forte agora, Lûmieeeerrrr – enfatizou a professora.

- Lumier! – fizeram.

- Excelente, excelente... Agora ponham seus óculos protetores, estão nas gavetas da mesa.

Depois de abrirem as gavetas e pegarem os óculos negros que tinha o tamanho de fundo de garrafas de cerveja, eles o colocaram e posicionaram suas varinhas em frente às plantas e conjuraram o feitiço. “Lumier” produziu uma luz radiante que encobriu toda a sala e foi suficientemente forte para atravessar as janelas da sala de aula e iluminar toscamente a horta lá embaixo. Quando a luz finalmente pareceu se apagar os alunos se sentiram seguros para retirar os óculos protetores e admiraram o resultado obtido em suas plantas, menos um aluno.

- Professora. – chamou Kal.

- Sim, senhor Foster.

- Minha planta...

- Ah claro. Esta Herviana mald... bem senhor Foster – retomou a professora – Sua planta é um caso a parte, por isso, tomei a liberdade de pedir ao senhor Rovil, nosso bibliotecário, que por sinal reclamou não ter recebido muitas visitas dos alunos do primeiro ano. Mas enfim, aqui está senhor Foster, um exemplar de “Plantas obscuras que gostam da escuridão” – Margarida aproximou-se do garoto e entregou o exemplar de capa dura e levemente flexível, um verde escuro enfeitava a capa juntamente com folhas grossas em alto relevo e duas travas em cipó.

- Senhor Foster, a partir desta aula, este será o seu livro de Biomagia e Relações com a Natureza. Este é um livro da biblioteca, então peço para providenciar seu próprio exemplar.

- Tudo bem. – afirmou Kal.

- Muito bem então, senhor Foster, aprece-se a abrir a página doze do seu livro e conjure o feitiço da página.

- Humhum. – assentiu – Dracóvia! – disse cravando a varinha no vaso e um efeito contrário ao Lumier ocorreu dentro do vaso da Herviana. Uma luz negra e densa escapou pelas frestas do vaso que parecia fazer um esforço tremendo para suportar a grande planta de Kal.

- Muito bem senhor Foster, isso foi o suficiente para desenvolver a coi... planta. - disse a professora.

Flora Link encerrou a aula com uma pequena explicação sobre a nova fase que as plantas acabaram de entrar. “É nesta fase que a maioria delas desenvolve habilidades especiais, acompanhem este processo, pois assim elas passam a se afeiçoar a vocês”. A professora ainda pediu que levassem suas plantas até a horta da professora Margarida. Quase todos os alunos não tiveram dificuldades para fazer isto, quase todos.

- Será que ela não percebe que é impossível? – brevejou Kal depois que teve certeza de que a professora não estava mais ouvindo – Olha o tamanho do vaso!

- Não deve ser tão pesa... – Ralph abraçou o vaso da Herviana e tentou erguê-lo, inutilmente – Talvez você tenha razão...

- Levita. – sugeriu Guine.

- Hahahaha, muito engraçado, Guinevere. – gargalhou Kal ironicamente.

- É sério, Kal! Não sei porque, mas você foi o único que conseguiu levitar a bola de tênis...

- Disse bem, a bola de tênis. E não um vaso de setenta quilos.

- Não custa tentar. Mas se você prefere usar os braços fique à vontade...

Kal encarou a menina que já estava de saída da sala. Olhou mais uma vez para o vaso avaliando suas opções, poderia deixá-lo ali e pedir que alguém buscasse, mas talvez seu moral ficasse baixo depois disto. Usar a força física nunca foi uma opção. Restou-lhe, então, acatar a sugestão de Guine.

- Levitoriano! – o grande vaso levantou alguns centímetros em relação à mesa e quando Kal orientou a varinha para seu lado direito, o vaso o acompanhou e em seguida sacolejou levemente como os balões da escola fazem quando um forte vento passa por eles. Finalmente pareceu se equilibrar a pouco mais um metro do chão.

- Viu, não custava tentar. – falou Guinevere não conseguindo disfarçar seu espanto por Kal ter conseguido levitar o pesado vaso e vê-lo carregá-lo como um cão preso à coleira.

Durante o caminho até à horta, que incluía descer três andares e atravessar metade do terreno da escola, Kal e a Herviana chamaram a atenção dos alunos. Olhares curiosos vazavam pelas portas das salas de aulas e miravam o estranho objeto voador que se movia gatunamente pela escola seguindo os passos de um garoto.

Nem mesmo os alunos de Katzin contiveram os “Ah” de espanto ao ver Kal com a varinha empunhada depositar levemente sobre a mesa de madeira, debaixo da cabana, já na horta. Rick Wosky lançou a Kal um olhar desdenhoso ao qual ele respondeu com um simples levantar de sobrancelhas. Como se dissesse: Qual o problema paspalho?

- Boa tarde! – cumprimentou a professora que acabara de surgir de um monte de plantas emaranhadas com grandes folhas verdes e flores vermelhas – estou vendo que temos plantas evoluídas, então poderemos iniciar o capítulo dez. Por favor, tenham a bondade. Senhor Foster, acredito que a professora Flora se encarregou de entregar o livro adequado para o estudo de sua planta, certo?

- Sim. – confirmou.

As duas aulas de Relações com a Natureza voaram tão rapidamente quanto os Pasmags no salão principal. Kal passou a maior parte da aula cutucando sua planta com a varinha e usando os feitiços indicados em seu livro. O objetivo daquelas aulas, segundo a professora Margarida havia dito, era para que os alunos pudessem se adaptar aos novos poderes de suas plantas, em seus livros dizia assim: “Quando plantas entram em seu quarto nível evolutivo adquirem habilidades especiais”.

- O que será que a sua planta pode fazer? – perguntou Ralph quando já se aproximavam do castelo.

- Ah sei lá... – respondeu Kal.

Guine ficou muda durante todo o caminho, Kal não sabia o porquê daquele silêncio, mas mesmo assim não quis incomodá-la.

Foi exaustivo subir cinco andares do castelo até chagar na sala de Cacius, o professor esperava calmamente os alunos enquanto admirava alguns alunos andando pelo campus. Sua barba longa e grisalha, os cabelos também compridos e levemente trançados caiam sobre as costas cobertas com um manto verde opaco e muito pouco enfeitado, ao contrário do chapéu cônico em sua mesa que era altamente chamativo, feito em tecido cor de abóbora, com babados e bordados em várias cores e botons presos faiscando.

- Ah! Boa tarde! – cumprimentou o professor – Imagino que estejam ansiosos para os testes de sábado...

- Professor! Os alunos do primeiro ano também poderão participar? – perguntou Pedro Andrade, o garoto que dividia o dormitório com Kal e Ralph.

- Certamente sim. Todo aluno terá o direito de se inscrever. É claro que serão escolhidos os alunos mais bem preparados. Os jogos podem ser perigosos para quem não o estiver.

- Quantos alunos participam de cada equipe? – perguntou Ralph muito interessado.

- São escolhidos sete alunos. Dois clérigos, dois armadores, dois escudeiros e um desafiante.

- O que eles fazem... – prossegui um aluno.

- Os clérigos são encarregados de curar e reanimar o grupo, os escudeiros fazem a proteção contra os armadores da outra equipe, que tem como função eliminar os competidores, em especial o desafiante.

- Qual o objetivo do jogo? – indagou Kal observando que todos os alunos estavam debruçados sobre as mesas para ouvir melhor o professor.

- Ah... que cabeça a minha. Esqueci de dizer que os competidores entram em um labirinto com uma sala central chamada de Sala das Diferenças. E este é o objetivo dos competidores. Levar seu desafiante a esta sala, onde os dois devem se desafiar usando apenas a varinha.

- Então, o objetivo do jogo é levar o desafiante para a Sala das Diferenças. E tentar eliminar o desafiante da equipe adversária antes que ele entre na sala. – recapitulou Freman.

- Exatamente, isto é o que chamamos de Quizard. – confirmou Cacius com um sorriso tímido – Na última aula, se não me falha a memória... estávamos falando sobre Morgana Lê Fay.

- Sim. – responderam os alunos.

- Certo, certo... estou me recordando. Lembro-me que o senhor Foster nos informou que Morgana foi uma bruxa muito importante. – Cacius mirou Kal e deu um leve sorriso, o garoto corou imediatamente e fez cara de quem não via mal algum em não saber, exatamente, quem fora Morgana Lê Fay – Bem, temos que concordar que Morgana faz parte da história do mundo em que vivemos, personagem muito importante por sinal... mas é outra coisa que nos interessa.

Cacius iniciou uma explicação sobre um reino chamado Camelot, e um rei chamado Arthur, falou também sobre Merlin, e disse que havia muitas especulações sobre Morgana, a maioria delas diz que ela era uma bruxa das trevas que pretendia matar o rei Arthur e se apossar de Camelot. Pelo tom de voz de Cacius percebia-se certa repugnância nesta versão histórica, a de que Morgana era do mal.

Assim que o sino badalou os alunos iniciaram um conhecido arrastar de cadeiras e caminharam até a porta. Kal, no entanto, jogou rapidamente os materiais na mochila e esta nas costas, se virou para os amigos e então disse.

- Vejo vocês no jantar.

Correu para fora da sala antes mesmo que eles pudessem responder-lhe alguma coisa. Subiu as escadas em lances de três degraus até chegar ao andar de cima. Num corredor distante do sexto andar, Kal aproximou-se da cortina velha, enfiou a varinha entre ela e disse:

- Sadauá!

Já no precioso silêncio daquele fim de tarde, Kal deitou-se no tapete aveludado próximo à lareira e deixou seu pensamento em branco.

Depois de algum tempo naquela posição, ele se sentiu suar e um leve vestígio de impaciência começou a assombrar-lhe. Pensamentos negativos e desconexos bombardeavam sua mente. Nos pensamentos ele via Rick Wosky e ele próprio em uma sala, a Sala das Diferenças. Wosky era acertado por um feitiço e voava cinco metros até finalmente cair em uma piscina de águas negras, e então ele levantava a cabeça e seus olhos eram botões de roupas e ele gritava o nome de Kal com um ar doentio.

Concentração. Concentração.

De súbito sua mente foi invadida por um cântico tranqüilizante que o embriagou, o levando a um estado de apatia e dormência...

Kal sentiu os olhos pesados e um formigamento iniciando pelos membros. Como no dia anterior. Sem saber ou sentir, tudo ao redor do garoto pareceu deixar de existir. Como se de repente um buraco negro se abrisse e carregasse toda a sala.

Algo como uma pedra de gelo desceu ao seu estômago, Kal sentiu o corpo gelar e finalmente sentiu algo novo. Algo nunca experimentado. Era uma incrível sensação de ausência de matéria, ele agora estava de pé e olhando para a mesa de reuniões.

Sem acreditar, Kal girou nos calcanhares e flutuou para fora da sala. Retornando, virou-se para onde estava a lareira e viu seu corpo estirado no chão com a varinha fortemente presa à mão direita. Agora ele tinha certeza.

- Estou no astral.

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