quinta-feira, 18 de outubro de 2007

Capítulo 2 - No Hospital Nautilos

Quase nove anos após a fuga de Kricolas, Vila da Cachoeira vivia em seu ritmo de tranqüilidade habitual. Há mais de sete anos não se tinham notícias do meio-vampiro, que teve sua última aparição no dia em que atacou e matou sete humanos.

Kal passou a freqüentar a escola de magia local já sem problemas. Diferente da maior parte de sua infância, ele era tratado agora como um tipo de milagre ambulante. Ninguém mais o ridicularizava ou tentava passá-lo para trás. Pelo contrário, se não chegavam perto demais dele era porque tinham medo. Ninguém ainda sabia como Kal conseguira tornar-se um bruxo de verdade. Nem mesmo o Prof. Cacius que de mês em mês visitava a família.

Os garotos estavam chegando ao fim das férias quando Adonis disse que iria matriculá-los em outro colégio. Todos ficaram muito excitados com a mudança porque a escola de Vila da Cachoeira era de longe um lugar em que se poderia chamar de tranqüilo. Todos os alunos, não passavam de vinte, encaravam Kal, Daimon e Guinevere no único corredor da escola na hora do recreio. Havia se criado uma lenda entre os outros alunos de que Kal era uma espécie de vampiro que suga poderes mágicos para se manter como bruxo. Evitavam olhá-lo ou conversar com ele, o que já era um grande progresso.

Na manhã do dia 30 de janeiro, Kal, Daimon e Guinevere deveriam encontrar Adonis na Fábrica de Vassouras Foster. Juntos iriam para a Cidade dos Elfos, uma cidade ao norte do país que ficava escondida dentro da Floresta Amazônica, longe dos olhos humanos. Lá comprariam seus materiais escolares para irem ao seu primeiro ano letivo na nova escola de magia.

- Bom dia, Daimon. – disse Kalevi ainda sonolento, quando se levantou.

- Bom dia Kal. – respondeu o irmão bocejando.

Os irmãos Foster levantaram-se de suas camas. Kal abriu um pequeno vaso em sua cabeceira. Dele saiu uma luz vibrante que girou pelo quarto fazendo com que os lençóis se dobrassem e voassem direto para um modesto guarda-roupa de cinco portas.

Quando chegaram à ante-sala encontraram o quadro de Betha, uma tia-avó dos Foster que adorava tagarelar com qualquer pessoa que passasse pelo lugar. Betha habitualmente usava um xale branco e vestido bordado da mesma cor. Estava sempre sentada na mesma poltrona esperando por um ouvinte com quem pudesse compartilhar suas aventuras na floresta amazônica, como quando ela derrotou dois lobisomens de uma só vez.

Os dois prosseguiram o caminho passando pela sala e finalmente chegando à cozinha, onde estava sua mãe, Amanda, e Guinevere.

- Bom dia, meninos – disseram as duas.

- Bom dia mãe, bom dia Guinevere – responderam em coro.

Guinevere tornara-se uma garota muito bonita, com o rosto muito parecido com o de Amanda, no entanto tinha olhos verdes esmeralda e cabelos castanhos.

- Meninos, vocês devem se apressar, o pai de vocês está esperando. Guinevere já está pronta. – apressou-se em dizer Amanda.

Depois de pelo menos quinze minutos os três estavam atravessando o jardim da mansão, passando por violetas, margaridas, e outras plantas estranhas e que não paravam de se mexer.

No caminho da fábrica Kal, Daimon e Guinevere passaram quase que despercebidos pelos habitantes de Vila da Cachoeira. Todos evitavam encará-los, com medo, e pareciam dar vivas de alegria quando circulou pela vila a notícia de que os três estavam de partida para outra escola.

A fábrica estava situada bem ao lado da cachoeira que tinha o fluxo de água invertido. Kal não conhecia tão bem a fábrica, gostava de brincar lá quando era criança, mas visitava sempre os mesmos lugares com medo de se perder. Já com seus quase treze anos raramente entrava lá. Preferia passar a maior parte do tempo livre próximo a fronteira com o Bosque de Vinho, e isso era outra coisa em Kal que os habitantes não achavam muito normal. Todos os meninos e meninas da vila tinham medo de se aproximar do bosque a noite e Kal caminhava dentro dele sem qualquer receio. Depois de passar a noite ali quando era menor, percebeu que o bosque nada era a não ser um lugar quieto e que o sopro do vento nas árvores confundia a mente dos medrosos.

Daimon preferia passar as horas livres praticando alguns simples feitiços e entulhado em livros e cadernos, estudando plantas e calculando a que dia e hora passaria o próximo cometa. Já Guinevere se divertia conversando com Amanda ou ouvindo as histórias que Betha tinha para contar. Assim como Kal, ela raramente lia os livros de magia espalhados pela casa.

A fábrica de vassouras tinha as paredes de pedras azuis muito reluzentes que refletiam bem as cores do céu, uma placa enorme que faiscava dizia; “Fábrica Foster” e duas portas gigantescas de carvalho com maçanetas em forma de dragão que serviam de entrada para um grande corredor que tinha as paredes decoradas com vários modelos de vassouras.

- Até que enfim garotos! – Adonis acabara de esfumaçar na frente dos três - Estava esperando por vocês há horas. Entrem aqui.

Os quatro caminharam até uma sala com uma bonita mesa de mogno abarrotada de papéis, tinteiros e penas, que eram usadas para escrever. Lápis e canetas não eram usados por causa de um decreto do governo que proibia o uso de qualquer produto que fosse produzido por humanos. O motivo de tal decreto não foi explicado.

- Por que diabos vocês demoraram tanto? – perguntou Adonis com a testa franzida.

- Acordamos tarde. – desculpou-se Daimon.

Adonis soltou um suspiro e então voltou a falar:

- Bem, como já havia lhes dito, vocês estão matriculados em uma nova escola. Ela é a mais antiga escola de Magia e Feitiçaria do país, Avalon. – respondeu Adonis animado.

- Avalon? – repetiu Kal em tom curioso – Não é a escola do Prof. Cacius?

- Isso é um sonho tio Adonis. – disse Guinevere com todo entusiasmo.

- Mas porque precisamos estudar tão longe? – perguntou Kal – Não que Vila da Cachoeira vá me deixar saudades, mas... Avalon é muito longe daqui.

- Avalon é a melhor escola de magia do país e Cacius é o melhor professor. Além de ser um antigo amigo. Vocês vão estudar em Avalon e em cinco anos serão os maiores bruxos que Vila da Cachoeira já viu. Eles nunca mais ousarão falar de nossa família. – terminou Adonis com azedume.

- E você e a mamãe? Vão para lá também? – indagou Kal.

- Infelizmente não poderemos estar lá. Tenho que resolver os assuntos da fábrica pessoalmente...

- Onde ficaremos? – perguntou Daimon.

- Na Cidade dos Elfos. – respondeu – Lá existem alguns alojamentos especiais para os alunos da escola. Ficarão lá enquanto estiverem estudando. E nas férias voltarão para Vila da Cachoeira. Não se preocupem, vocês vão ficar bem lá. A cidade é pouca coisa maior do que esta vila. Vão se acostumar depressa com o ambiente, além do mais haverá muitos estudantes por lá.

- Tudo bem então, papai. – falou Kal – Mas como iremos para a Cidade dos Elfos?

- Bem, agora de manhã soube que nenhum meio de transporte sairá de Vila da Cachoeira hoje. Isto significa que teremos que ir andando até a Cidade do Norte... – informou Adonis sem graça.

Instintivamente os três gargalharam como se Adonis tivesse contado uma piada realmente engraçada. Mas não era.

- Bem... vocês não conseguem esfumaçar e como eu disse não sairá nenhum transporte daqui nem em Dunas, teremos que ir andando...

- E porque não tem nenhum meio de transporte disponível? – perguntou Kal percebendo o tom de seriedade com que o pai tratava o assunto.

- Por motivos de segurança... – explicou vagamente.

- Kricolas? – perguntou Guinevere atemorizada.

- Não sei, na verdade ninguém sabe, mas houve novos assassinatos no mundo dos humanos, desta vez foram quinze. Parece que ele não está mais a fim de se esconder. – falou abertamente Adonis.

- Mas o que essas mortes têm a ver com nossa carona? – perguntou Kal que não havia conseguido relacionar uma coisa à outra.

- Acontece que... Mardo, ele é sempre tão psicótico... bem, Mardo achou melhor suspender todos os veículos até que a situação se resolva. Mas, na Cidade do Norte, um outro amigo meu vai conduzir uma carruagem até a Cidade dos Elfos, concessão especial, não me perguntem o motivo. O fato é que teremos que ir caminhando até lá. É um bom pedaço de caminho, mas se vocês perderem essa condução até Cidade dos Elfos, não sei quando teremos outra...

- E quando começam as aulas? – perguntou Kal interessado.

- Depois de amanhã. – respondeu Adonis em um sorriso amarelo.

- Já? – espantou-se Guinevere.

- É, bem... eu ando um pouco ocupado aqui na fábrica e não me lembrei de falar mais cedo... vocês já estão matriculados há uma semana e... bem, desculpem-me...

- Papai, esta é uma fábrica de vassouras. Poderíamos ir voando até Cidade do Norte. – sugeriu Kal.

- E infringir a lei? Vocês sabem que menores de quinze anos não têm permissão para saírem por aí voando em vassouras. Nem aprenderam a ficar invisíveis. Já pensaram se são vistos por humanos? – retorquiu ele disciplinadamente – De qualquer modo, Mardo proibiu também o tráfego de vassouras...

- Ele é doido? – indignou-se Kal – Não pode sair proibindo os outros de viverem.

- Sinto vontade de mandar ele me carregar nas costas até Cidade do Norte! – retrucou Guinevere.

Cidade do Norte era a maior cidade mágica da região sudeste. Localizava-se em cima de um alto morro entre as nuvens e tinha como porta de entrada uma longa ladeira íngreme e não muito amigável. Cheia de pedras lisas e bem cortantes. Poucas pessoas usavam aquele caminho, já que carroças voadoras movidas a vassouras eram mais convidativas do que se arriscar pelo Caminho das Pedras, como fora chamado.

- E a nossa bagagem? – indagou Daimon – como vamos levá-las?

- Essa parte é simples de se resolver. Posso transportá-las com mágica.

- Detesto não poder esfumaçar... – bufou Kal.

- É a lei meu filho é a lei... menores de dezesseis anos não podem esfumaçar, primeiro porque não têm poderes para tanto.

- Algum menor já tentou esfumaçar? – questionou Kal.

- Sim, vários tentaram, mas nenhum conseguiu transportar todo o corpo para um mesmo lugar. A não ser um, Emerick, pobrezinho, esfumaçou para dentro de uma parede de concreto... foi uma morte lamentável. – disse Adonis retirando um pequeno lenço de algodão e enxugando o canto dos olhos – Era um amigo e tanto...

- Tudo bem papai. – cortou Kal – Então acho que já podemos partir. Não é?

- É sim, claro. Atravessaremos o Bosque de Vinho e a cidade de Dunas, aí chegaremos ao Caminho de Pedra e finalmente estaremos na Cidade do Norte a tempo de pegar a condução para Cidade dos Elfos. – disse Adonis que naquele momento parecia um grande desbravador pronto para mais uma incrível missão com seus fiéis soldados.

Do corredor que dava acesso à sala onde os garotos estavam, veio um grito e passos apressados. A voz se aproximou e a porta se abriu com um enorme estampido. Dela saiu um homenzinho pouco maior que um metro e meio, de cabelo enrolado e na altura do ombro. A cara enrugada se mexeu e produziu um som que mais parecia um grunhido.

- Senhor Foster, o vampiro Thom pediu que, o senhor fosse a sua cripta. Ele precisa da ajuda do senhor urgente! – arquejou o homenzinho.

- Dino, informe a Thom que em no máximo três horas estarei chegando com os meus filhos. – respondeu Adonis ao homenzinho chamado Dino.

- Meu senhor, desculpe, mas parece ser uma grande emergência... a bruxa Elvira, ela estava toda afoita quando me transmitiu o recado pessoalmente... senhor, penso que deveria se apressar...

- Mas, eu não posso... – falou Adonis e olhou para os três – Diga que me esforçarei para chegar o mais rápido possível.

- Mas senhor, é o vampiro Thom... e é urgente... ele clamou...

- Mas o que diabos este homem quer tão cedo? Garotos, mil desculpas, mas terão que ir sem mim... Passem na mansão e despeçam-se de Amanda, expliquem bem a ela o caso. Vocês conhecem o caminho, lamento muito... tentarei acompanhar vocês assim que me livrar de Thom. Se não aparecer, assim que vocês chegarem na Cidade do Norte, procurem pela cripta do vampiro Thom, tenho certeza que qualquer um lá saberá informar. Agora preciso ir, desculpem-me.

Sem mais explicações e com um simples estalar de dedos Adonis Foster se dispersou em uma fumaça cinzenta e desapareceu, assim como Dino, que no instante seguinte sumira de vista.

Kal, Daimon e Guinevere saíram desanimados da fábrica. Chegaram a mansão e falaram à Amanda que em dois dias estariam estudando em Avalon. Esta respondeu com um enorme sorriso de quem não estava surpresa.

- Adonis pediu para que eu não contasse a vocês. Como ele demorou em contar. As aulas já estão próximas de começar... a que horas chega a condução de vocês?

Quando Kal respondeu que teriam que ir a pé, Amanda berrou com indignação.

- Este Mardo está ficando louco! Ele não pode proibir o transporte aéreo! Quem vai levar vocês até a Cidade do Norte?

Os três pararam e abaixaram a cabeça encarando as próprias pernas.

- Não acredito! E onde está o irresponsável do Adonis?

- Ele bem, mãe, não teve escolha. – balbuciou Daimon.

- Thom o chamou... – continuou Guinevere.

- Era uma emergência...

- Pelas barbas de Merlin! Não posso fazer nada. – resmungou a mulher.

- Poderia nos acompanhar. – sugeriu Kal.

- Lamento filho, mas a tia Lilith vai estar aqui em meia hora com a filha, não posso sair... – desculpou-se Amanda.

- Se a tia Lilith vai chegar então nós vamos sair. – retorquiu Kal.

A tia Lilith era a irmã mais velha de Amanda, e que perdera o marido, Cosmo, no dia da fuga de Kricolas, Cosmo era um dos guardas de Warren e trabalhava na mesma divisão dos pais de Guinevere. De qualquer modo, ela era o tipo de parente que só se pode gostar quando está longe dele. Era sempre tão indiscreta, vivia fazendo perguntas embaraçosas e grosseiras. Quando Kal tinha três anos ela os visitara e audaciosamente perguntou “se o imundinho do Kalevizinho havia tomado bainho”. Era claro que o que realmente perguntara era “este moleque adquiriu dons mágicos?”. Geralmente usava um vestido branco rodado e cheios de bordados horrorosos de flores e cavalos, tinha um jeito preguiçoso de falar e adorava usar diminutivos. Lilith tinha uma filha ainda pior. Bernardina, uma menina de corpo fino e nariz pontiagudo.

- Cuidado furar o olho de alguém com isso! – dizia Kal todas as vezes que via a prima.

Bernardina devia ter os seus dezesseis anos agora, e devia ter ficado ainda mais feia e com o nariz ainda maior. Nas lembranças de Kal, Bernardina foi a primeira pessoa a quem ele enfeitiçou com a varinha, é claro que foi sem querer, mas o fato é que a menina teve que ser levada para o hospital da cidade de Dunas por causa da pele cheia de furúnculos.

- Acho que elas virão esfumaçando, já que não haverá nenhum meio de transporte. Bernardina já é uma mocinha e pode fazer isso.

- Não deve ser difícil esfumaçar quando se parece um cabo de vassouras. – debochou Kal.

- Não quero que seja grosseiro com elas. – falou Amanda com severidade na voz.

- Não vou precisar. Não estarei mais aqui.

- Já vão para Cidade do Norte? – perguntou.

- Sim.

- Mas e as malas?

- Papai vai levá-la outra hora. – respondeu Daimon já se despedindo.

- Tomem cuidado e juízo! Escrevam quando chegarem na Cidade dos Elfos! – Amanda gritara, mas não sabia se eles ouviram. A essa altura já atravessavam os portões de ferro da mansão seguindo caminho para o Bosque de Vinho.

- Não é tão assustador assim. – comentou Guinevere quando já haviam ultrapassado metade do caminho no bosque.

- Não sei porque as pessoas da vila têm medo de virem aqui. – falou Kal.

- Talvez porque nunca vieram, bem, as pessoas têm medo quando não conhecem. – disse sabiamente Daimon enquanto saltava por cima de uma raiz.

- Eu venho sempre aqui. E nunca encontrei nada que fosse perigoso. Nunca vi Saci ou Curupira. Para mim é tudo uma invenção.

- Curupira e Saci não são invenções. – disse Daimon mais uma vez agindo como se soubesse de tudo – Eles não aparecem à toa, quando se pede ou se pergunta sobre eles.

- Tudo bem Daimon, tudo bem... – aceitou Kal, ainda assim não muito convencido.

- Podemos descansar agora... – suplicou Guinevere sentando-se em uma enorme raiz exposta.

- Eu concordo... plenamente... – falou Daimon que começava arfar.

- Tudo bem, vamos parar um pouco. – disse Kal que parecia estar em plena forma e com muita disposição para continuar.

Ficaram sentados uns vinte minutos. Enquanto isso, Daimon fazia a conta de quantos feitiços conhecia e Guinevere começou ajudar quando os dedos das mãos e dos pés do garoto já tinha sido todos usados.

Kal parecia despreocupado olhando atentamente para sua varinha. Sabia que a de Daimon e Guinevere haviam sido compradas por seu pai Adonis, mas e a sua? Só sabia que era um presente de Cacius. Kal tentou adivinhar o que dava poderes a ela, mas era inútil tentar adivinhar...

- Vocês ouviram isso? – Daimon estava de pé e com os olhos bem arregalados – Vocês ouviram isso? Vinha daquela direção.

Daimon apontara para o lugar onde eles havia vindo, e o som se intensificou.

- O que foi aquilo? – agora era Guinevere quem havia se levantado extremamente assustada.

- Abaixem-se! – ordenou Kal e no instante seguinte uma espécie de mariposa rasgou o ar acima deles com furor.

Um inseto de asas prateadas e corpo pequeno saltou de uma árvore e começou a bater as asas em ritmo acelerado – Prendam a respiração! – Kal levantou-se e armou a varinha, fez um movimento de espiral e bateu no ar gritando – Inflamiun! – uma chama de luz dourada brilhante saiu da varinha e queimou todo o pó paralisante que estava no ar, por fim a chama acertou o inseto.

- Isto realmente foi incrível, Kal! – elogiou Guinevere.

- Muita precisão. Não faria melhor. – disse Daimon com entusiasmo e orgulho do irmão.

No entanto, Kal não pode desfrutar dos elogios que recebeu, já que, quando conjurou o feitiço ele aspirou parte do pó da mariposa e desmoronou com todo o seu peso no chão.

- O que você tem Kal? – perguntou Daimon.

- Ele deve ter respirado o pó quando atacou. – deduziu Guinevere – Não dá para voltarmos à vila nem nos separarmos, aquele bicho pode voltar.

- Você está certa Guinevere. Mas como nós vamos ajudá-lo? – perguntou novamente Daimon.

Kal deu sinal de que não estava totalmente paralisado, eram apenas as pernas, o dorso e o pescoço. Nada muito grave. Pensou otimista. Tentou se levantar escorando-se no irmão. Guinevere ajudou Daimon a erguer o garoto e juntos apressaram-se em caminhar até a saída do bosque e a entrada da cidade de Dunas.

- Estamos quase chegando na ponte. – avisou Daimon.

- Quando atravessarmos a ponte e chegarmos em Dunas te levaremos ao hospital. – falou Guinevere – Alguém vai poder nos ajudar lá.

Alguns minutos se seguiram, durante eles, Kal, que estava sendo arrastado por Daimon e Guinevere, perguntava-se o porquê de Adonis desaparecer daquele jeito e deixá-los caminhar tanto até encontrá-lo. O que é tão importante assim com Thom que não pode esperar?

Finalmente chegaram à Dunas. Era pouco maior do que Vila da Cachoeira. Na entrada havia uma loja de artigos esportivos, um armazém, onde supostamente dizia vender de tudo, uma praça, um pequeno hotel, lugar em que os habitantes de Vila da Cachoeira descansavam depois de um dia inteiro fazendo compras e um pequeno hospital na forma de uma concha em espiral. Os garotos se apressaram em ir ao hospital. Por dentro era um lugar amplo e altamente confortável, as paredes branco gelo reluziam o lugar, o chão era recoberto com marfim e o teto era composto por nuvens brancas com algodão. Quase não se via o balcão no fim da sala onde ficava uma mulher gorda e morena que usava um jaleco combinando com o lugar. No bolso havia o desenho de uma concha em espiral. Kal mal lia o que estava escrito, porque as letras acompanhavam o formato da concha, mesmo assim pode ler: “Hospital Nautilus”.

- Bom dia! O que vocês querem? – perguntou a mulher.

- Meu irmão respirou pó de um inseto gigante. – disse Daimon.

- Hum! Claro. Isso acontece a todo momento. Levem-no para o oitavo andar e falem com a Drª. Samantha. Ela irá ajudá-los. – disse a mulher que parecia ainda mais gorda agora que estava de pé – Por favor me acompanhem – ela os conduziu até um portão dourado, talvez a única coisa naquela sala que não era branco.

- Oitavo andar, certo? – Confirmou Guinevere.

- Exatamente! Podem entrar.

Entraram, a mulher fechou o portão. Uma voz feminina, fina e aguda perguntou aos garotos.

- Onde desejam ir?

- Queremos ver a Drª. Samantha, oitavo andar! – Disse Daimon, e o elevador começou a subir quase que imperceptivelmente.

- Desse jeito não chegaremos nun... – Guinevere teve a voz cortada quando o elevador disparou para cima. Não era só isso, o elevador corria para os lados e para frente. Vários flashes vinham e desapareciam, entradas para outros corredores e às vezes eles viam pessoas caminhando. Finalmente o elevador subiu e parou.

- Oitavo andar! Espero que tenham aproveitado. – disse a voz do elevador.

- Da próxima vez vou pela escada. – comentou Daimon.

- Onde será que fica a sala da Drª. Samantha? – perguntou Guinevere.

O corredor onde estavam tinha o mesmo aspecto do saguão de entrada. Todas as portas estavam trancadas e não havia ninguém ali. Deram alguns passos para se aproximar de um grande relógio em forma de concha espiral que estava preste a marcar meio-dia. Quando os três ponteiros se juntaram a concha brilhou intensamente e começou a apitar. As portas se abriram ao mesmo tempo e várias pessoas caminharam por todo o corredor de forma desalinhada, pareciam apressados, tanto que nenhuma respondeu às perguntas que Daimon e Guinevere faziam.

Nenhum dos três conhecia aquele lugar, nunca haviam entrado. Sempre iam para a Cidade do Norte com Adonis, mas o meio de transporte que eles utilizavam eram carroças voadoras, mas por causa do decreto de Mardo não poderiam fazer o mesmo trajeto.

Quando não havia mais ninguém pelo corredor, eles pensaram em voltar para o saguão. Daimon retrucou dizendo que não iria passar todo o sufoco que era andar naquele elevador a toa. Resolveram esperar mais um pouco, uma hora as portas iriam se abrir novamente, já que estavam trancadas, e eles entrariam numa delas. Não demorou bem quinze minutos e uma porta bem no fundo se abriu e dela saiu uma mulher toda de branco com os cabelos negros e olhos castanhos.

- Por favor! Onde está a Drª Samantha? – perguntou Guinevere – Meu amigo está sobre o efeito de algum tipo de pó venenoso.

- Drª Samantha? Drª Samantha? – pensou.

- Acho que é a senhora, pelo menos é o que diz no seu jaleco. – disse Daimon apontando para o nome escrito no bolso da mulher.

- Ah, claro sou eu. – respondeu.

- Está bem doutora, você pode ajudar meu amigo? – perguntou Guinevere.

- O que ele tem mesmo? – perguntou Samantha.

- Essa mulher é doida. – disse Daimon – Ela disse que Kal está sob o efeito de um pó venenoso.

- Quem é Kal? – perguntou a doutora, que estava deixando os três completamente irritados.

- Escuta, Kal é meu amigo e irmão do Daimon. Estávamos atravessando o Bosque de Vinho quando um inseto gigante nos atacou. Kal lutou com ele, mas respirou o pó e agora mal consegue falar. Viemos para que você faça alguma coisa e cure-o. Entendeu!? – Guinevere realmente havia perdido a paciência, sua voz ecoou por todo o corredor em alto tom.

- Tudo bem eu preparo uma poção. Mas quem é Daimon? – perguntou Samantha.

- Apenas faça a poção! – gritou a garota muita nervosa.

Doutora Samantha conduziu os três a uma pequena sala cheia de frascos, ervas e poções já preparadas. Ela pegou alguns frascos e comparou com o tamanho de Kal, depois escolheu, jogou num caldeirão pequeno algumas ervas, esquentou e mexeu, colocou na medida do frasco e entregou para Kal.

O garoto bebeu toda a porção e quando se sentiu melhor soltou um enorme grito de alívio misturado com alegria. Agora o que importava era sair daquele lugar que já havia causado horrível dor de cabeça.

Saíram da sala da Drª Samantha e seguiram pelo corredor até o elevador. Depois de já terem fechado o portão dourado repararam que mais uma vez os ponteiros do relógio haviam se juntado e como da primeira vez a concha brilhou fortemente e apitou, para alívio dos garotos eles não precisariam estar lá quando toda aquela confusão recomeçasse. Fugiram do pesadelo que era o corredor do oitavo andar do Hospital Nautilus, mas ainda tinham que descer até o primeiro piso pelo elevador, que na visão de Kal era como um barco sendo tragado por um redemoinho. O elevador começa bem devagar e então dispara para baixo, esquerda, direita e gira e sacode e bate. Chegou.

- Quem inventou isto? – perguntou Kal com tom de rispidez voltando a ficar zonzo.

Enquanto caminhavam pelo saguão de entrada com passos apressados, a mulher do balcão pediu que preenchessem uma ficha de registro do hospital.

- Querido! Qual o seu nome e problema? – perguntou a mulher à Kal.

- Kalevi Foster, problema: INDIGNAÇÃO! – respondeu Kal com fúria e depois seguiu os amigos para fora do hospital.

Andando pela cidade Kal, Daimon e Guinevere ouviram murmúrios sobre um assassinato, guardiões, fortaleza e outros assuntos vagos. Um homem gorducho que estava usando uma capa vermelha sangue e apressava os passos junto a outro homem de capa amarela, cochicharam algo que realmente parecia secreto. Infelizmente nem Kal, Daimon ou Guinevere puderam ouvir o que eles diziam. Ambos estavam afoitos e cada vez mais nervosos por não saberem o que estava acontecendo.

- Se quisermos descobrir o que está acontecendo teremos que chegar na Cidade do Norte e conversarmos com nosso pai. – disse Daimon.

- Tem razão não vamos conseguir nada tentando ouvir conversas que podem ser desnecessárias. – terminou Guinevere.

Nesse mesmo momento, dois rapazes levantaram-se de um banco ao lado dos três e começaram a conversar.

- Não basta ter faro jornalístico, é preciso ter uma audição jornalística. Está vendo aqueles dois bruxos sentados na praça? - apontou para os dois homens de capa – São bruxos do governo. Com certeza, sabem sobre os assassinatos no mundo dos humanos, eu sei uma boa maneira de ouvir o que eles estão falando.

- Qual? – perguntou o outro rapaz.

- Segure sua varinha na frente do ouvido – e assim se fez, colocou a varinha de uns vinte centímetros no ouvido. Depois de seguir as instruções o primeiro rapaz continuou – agora diga este feitiço, Captus. – mais uma vez o segundo rapaz atendeu a ordem, e agora pelo que parecia eles podiam ouvir a conversa dos bruxos do governo.

- Viram só isso? Acho que nós não vamos para a Cidade do Norte agora – disse Kal – ergam a varinha e digam, Captus! – Kal sentiu um som agudo e irritante, mas segundos depois pode ouvir tudo o que as pessoas a sua volta diziam. No começo eram apenas vozes embaralhadas, mas depois de um pouco de concentração pode ouvir e entender a conversa daqueles dois bruxos.

- ...era de se esperar que isso começasse a acontecer Mardo. – disse o homem que usava capa amarela.

- Mas não era. Francamente estou decepcionado com os guardas de Warren. Como ele pode continuar solto depois de quase nove anos? Você não entende a gravidade da situação, Geraldo?! – resmungou Mardo com ar de desespero. Mardo ao que parecia, ainda ocupava o cargo de Ministro da Defesa e Segurança Mágica, mas nos últimos anos vinha passando por uma séria crise por causa dos assassinatos que Kricolas estava cometendo no mundo dos humanos.

- É claro que entendo você, como Ministro da Defesa e Segurança Mágica, é natural que esteja nervoso por causa de Kricolas, ele certamente está tentando, bem você sabe. Mas também sabe que isso é impossível... – depois de ouvir as palavras de Geraldo, Kal sentiu um enjôo enorme e deixou cair a varinha.

- Kal! O que houve? – perguntou Guinevere afoita.

- Talvez, apenas um efeito prolongado do pó – respondeu – vamos continuar pessoal, temos que chegar logo na Cidade do Norte.

Seguiram metade do caminho praticamente em silêncio, respondiam a alguns murmúrios e nada mais. O clima de tensão estava no ar, mingúem dizia qualquer coisa e Kal parecia ser o único ali realmente preocupado. Mais alguns passos e Guinevere, aparentemente, associou o silêncio de Kal com a conversa que haviam escutado. Agora, Daimon era o único que estava indiferente à situação. Kal e Guinevere sabiam o que significava toda aquela agitação, sabiam que Kricolas havia sido um fiel seguidor de Donnovan e estava assassinando humanos como se fossem sua comida, talvez seja este o mistério. Talvez a dieta que o manteve em Warren por quase um milênio tenha despertado sua fome e sede de sangue.

- O que você está fazendo? – perguntou Kal a Daimon que andava olhando para cima como se nada tivesse acontecendo.

- Pensando em que tipo de escola é Avalon.- respondeu Daimon com satisfação.

- Será que você não pode levar nada a sério? Você não prestou atenção no que Mardo e Nicolas disseram? – perguntou Kal com veemência.

- Ah! Sim! Disseram que Kricolas continua a solta e que os guardas de Warren não conseguem prendê-lo. – respondeu Daimon.

- Acontece que Kricolas é inimigo da nossa família há muito tempo. – disse Kal irritado.

- É, por acaso eu também sei disso. Como sei que ele fugiu de Warren quando ainda éramos muito pequenos e até agora ele não deu as caras para nos matar. Não vai ser agora que fará isso. – disse Daimon irritando-se.

- Talvez ele não veja tanta graça em matar crianças e nos esperou crescer mais um pouco. – disse Kal e Guinevere abaixaram a cabeça e continuaram o caminho.

Kal continuou pensando em Kricolas, se nem os guardas de Warren conseguiram detê-lo quem poderia?

Depois de pensar em toda a história de sua família, ele dispersou o pensamento devido um barulho de pessoas falando em voz alta a poucos metros a frente de onde estavam. Finalmente haviam chegado a Cidade do Norte.

- Bem chegamos! Vamos até a cripta do Thom! – disse Guinevere convicta.

Afinal, não fora tão difícil alcançar a Cidade do Norte caminhando, fora alguns contratempos como um inseto gigante no bosque, um elevador bem radical e uma médica biruta.

Já fazia um bom tempo que Kal não visitava a Cidade do Norte, mas ela continuava a mesma. A cidade estava localizada no alto de um alto morro praticamente todo encoberto por nuvens. De lá era possível ver a cachoeira correndo no sentido contrário e até mesmo a fábrica de Vassouras Foster. Movimentada, a Cidade do Norte abrigava uma grande quantidade de casas e lojas, além do Aeroporto Vassouras, a Biblioteca Central e o Palácio do Governo. Havia também um grande templo feito com pedras grandes e avermelhadas que se erguia do nível da cidade ao topo mais alto do morro.

- Alguém sabe onde fica a cripta do Thom? – perguntou Kal aos outros dois.

- Pensei que você soubesse Kal. – disse Guinevere.

- Pelo jeito teremos que procurar. – disse desanimado.

Continuaram percorrendo pela cidade, olhando e perguntando. Pararam uma mulher que parecia contar os passos, ela era magra e de dentro da capa, cor cinza-envelhecido, que usava via-se apenas os cabelos longos e desgrenhados. Tinha uma voz fina irritante. Ela disse que a cripta ficava dentro do templo. Depois de agradecerem a informação se apressaram para chegar porque a chuva começava a cair.

- Finalmente! Onde é a entrada da cripta? – perguntou Daimon.

- Olhem! Tem muita coisa para se ver aqui. – surpreendeu-se Kal.

Bonecos de cera de grandes personalidades mágicas como Merlin eram vendidos em uma barraquinha que se chamava “Cera polida”. Os bonecos eram variados, uns agitavam varinhas, diziam pequenas frases e outros mais ousados davam pequenas piruetas em cima de vassouras que realmente voavam.

Por um momento Kal parou e ficou admirando o rosto de Merlin naqueles bonecos. Os cabelos grisalhos e bem compridos contrastavam com os brilhantes olhos azuis, então, quase que imperceptível o boneco de cera deu uma piscadela para Kal. Quando ia dizer aos outros amigos percebeu que todos os outros bonecos faziam o mesmo.

- Olhem aquela barraquinha! – disse Daimon animado – eu vou lá!

O garoto aproximou-se e conseguiu se juntar às outras crianças. Uma mulher velha saiu de trás de uma porta feita com pano remendado e disse.

- Aproximem-se os que não tem medo! Formem um círculo ao redor da mesa. – disse. Todos se reuniram em volta de uma mesa velha com símbolos e letras nas bordas e um copo de cristal no meio.

- Meu nome é Dulce, e esta é a mesa dos espíritos. Quem for participar ponha a ponta da varinha no copo e digam “Interrupto”. – prosseguiu a mulher.

- Interrupto! – disseram as vozes ao redor da mesa.

- Muito bem, desta forma nos garantimos de que ninguém aqui moverá o copo. Vamos lá. – continuou – Oh espíritos do além, velhas almas bruxas, venham de onde estiverem e façam contato! – neste momento um forte vento surgiu debaixo da mesa assustando os garotos, incluindo Daimon.

- Que charlatã! – repugnou Guinevere.

- Concordo, e o pior é que tem gente que acredita. – continuou Kal – e se déssemos uma ajuda com os efeitos especiais? – Kal puxou a varinha discretamente e apontou-a para o copo.

- Venha! Venha! Venha espírito! – entusiasmou a velha, e dentro do copo surgiu uma fumaça negra que não parava de mudar de forma. Kal surpreendeu-se, mas quando olhou para o lado viu que a fumaça tinha sido provocada por Guinevere, que deu um leve sorriso.

- Vejam! É um sinal de que o espírito está presente. – disse a velha cada vez mais animada.

Kal com muita cautela se aproximou da mesa e com a varinha fez o copo andar sobre várias direções, sem intenção de formar algo significativo. O copo andou e girou através das letras que estavam dispersas.

- E-U-V-O-L-T-A-R-E-I. Ah! – a velha gritou e ordenou que todos dissessem “Desfecho”, os garotos assustados disseram o feitiço e se apressaram em se afastar do copo que agora tremia, a fumaça passou de preta a cinza e depois branca, quando ficou preta de novo fez o copo partir o que tirou vários suspiros dos espectadores. Kal não se assustou com nada já que tinha certeza de que era Guinevere a causadora, olhou para a garota e sorriu, ela lhe retribuiu com o mesmo gesto.

As pessoas que estavam no templo olharam assustadas e começaram a cochichar entre si.

- Captus! – disse Kal, agora pronto para ouvir qualquer conversa.

Os sons estavam vagos e as pessoas falavam em rimo frenético. “... ele vai voltar, só pode ser Kricolas...”, “...quem vai voltar?...”, “pelas barbas de Merlin, achei que ela fosse uma charlatã...”.

Do lado de fora do templo Kal também ouviu ruídos, “Incidente mágico dentro do templo, família Foster envolvida...”. Isto soou para Kal como uma batida de tambor indicando alarme de emergência. Antes que pudesse chamar Daimon e Guinevere, o templo foi invadido por pessoas agitadas, folhas e penas flutuantes viam de um lado para o outro seguindo alguns bruxos. Kal e Guinevere reconheceram dois rapazes do meio daquela multidão. Eram os mesmos que viram na praça e com quem aprenderam Captus, mas só agora Kal reparou o que estava escrito em suas vestes.

- Folha Mágica! – disse Kal.

- O que tem? – perguntou Daimon que acabava de se juntar aos dois.

- São do jornal mais sensacionalista do país. – completou Guinevere.

- Temos que sair daqui. – disse Kal receoso.

Quando viraram as costas um dos jornalistas os avistou, - Olhem a família Foster! – uma nuvem de repórteres surgiu em volta dos três, faziam perguntas confusas e as vozes embaralhadas não faziam qualquer sentido. Kal reparou no que alguns outros jornalistas faziam: erguiam a varinha e diziam – Fotograph! – um flash piscava pelo menos três vezes antes do feitiço finalizar, depois encostavam a varinha em uma folha de papel e diziam – Impresor! – a imagem captada caia no papel como fios de ceda prolongado da varinha, e a foto ganhava forma e movimento.

Depois de uma longa sessão de fotos e interrogatórios sem respostas, Adonis apareceu, para alívio dos três.

- Venham garotos! Por aqui! – disse Adonis que havia acabado de surgir de um alçapão que Kal tinha certeza de não tê-lo visto – depressa, entrem – Adonis abriu mais o alçapão para que os três entrassem e depois o trancou. Em seguida o alçapão desapareceu deixando todos muito intrigados.

A escada pela qual desceram era bem irregular e feita com pedras empilhadas, o caminho era iluminado por archotes presos às paredes que acendiam e apagavam sozinhos a medida que os quatro passavam.

Depois de descer todas aquelas escadas finalmente chegaram a um grande salão altamente confortável. No meio do salão tinha uma lareira feita também com pedras empilhadas que iam do chão até o teto. Nas paredes havia quadros de pessoas curiosas, eram pessoas diferentes das quais Kal já havia visto. Era um misto do horrível ao exuberante, não eram nem humanas nem animais. Incrivelmente pareciam os dois, reunidos em um mesmo corpo. Havia também cabeças de animas empalhados, uma dessas cabeças era um javali e estava inquieto com a presença deles. “Talvez Thomas não recebesse muitas visitas”. Pensou Kal. No teto viam-se algumas ilustrações de pequenos morcegos que voavam de uma ponta a outra, também pareciam inquietos com eles. Na verdade era como se todo o lugar estivesse incomodado com a presença dos três. Até o sofá parecia ser incrivelmente desconfortável.

O chão era recoberto com tapetes grossos e almofadas gigantes, quase não se via a madeira encerada. Algumas prateleiras exibiam orgulhosamente troféus dourados e reluzentes, além de alguns outros estranhos objetos. Kal olhou tudo aquilo admirado nunca havia entrado em uma cripta em seus treze anos de vida.

Depois de se acomodarem nos sofás uma mulher surgiu da porta que parecia dar acesso a uma cozinha.

- Sr. Adonis, meu amo sente muito ter partido sem mais explicações, ele não pode negar este encontro. – explicou a mulher.

- Não se preocupe conosco, Elvira, estamos bem. – respondeu Adonis.

Kal a encarou. Ela era muito magra, os cabelos compridos e bem grisalhos só lhe davam mais ainda um aspecto fúnebre. Lembrou-se da mulher que havia dito a eles onde ficava a cripta, certamente era a mesma, ou algum tipo de gêmea, mas esta última era muito improvável. Quando Kal ia questioná-la Elvira interrompeu.

- Suponho que sejam seus filhos, Adonis?

- Ah sim! Perdoe-me a falta de educação. Estes são Kal e Daimon, Guinevere não é propriamente minha filha, mas é como se fosse. – disse Adonis com um enorme sorriso de satisfação.

- Entendo. É um prazer enorme conhecê-los. Vou até a cozinha preparar um lanche, parecem cansados. – disse Elvira que logo seguiu para a cozinha.

Kal tinha certeza de que era ela, a própria, era a mesma mulher que encontraram no centro da cidade, não tinha como não reconhecê-os. Ele lembrou-se que ela usava uma longa capa quando a encontraram pela primeira vez. Talvez voltasse de uma viagem, e por algum motivo não quis ser identificada.

- Papai, onde está o Thom? – perguntou Kal – Ele fez o senhor vir aqui e desapareceu, foi?

- Não exatamente, quando cheguei, ele estava um pouco nervoso, conversamos e ele recebeu um chamado urgente e foi embora dizendo que não iria demorar. Já tem meia hora que isso aconteceu.

- E como soube o que estava acontecendo lá em cima? – perguntou Guinevere – o senhor tirou a gente de lá bem na hora.

- Estão vendo aquela bacia. – disse Adonis apontando para uma velha bacia de pedra em cima de uma mesinha – Bem, dela da para ver qualquer lugar da Cidade do Norte. Estava esperando por vocês.

- Já voltei!

Elvira voltara da cozinha menos de dois minutos depois trazendo uma bandeja cheia de biscoitos e sucos. Os biscoitos não eram os habituais feitos com trigo que Amanda preparava. Era uma massa acinzentada e por todo aperitivo havia pequenas patas que pareciam ser de insetos e algumas delas ainda pareciam incrivelmente vivas.

- Aceitam garotos? – perguntou Elvira gentilmente.

Kal, Daimon e Guinevere se entreolharam e decidiram aceitar, já que Adonis havia dado um sorriso de aprovação e já mordia o seu primeiro biscoito.

- Obrigado. – agradeceu Guinevere tentando pegar um biscoito que estava andando pela bandeja. – De que é feito?

- É uma massa que contém óleo de germe de trigo, ótimo revitalizante. Os insetos dão ao biscoito um gosto crocante. É receita minha!

- Esse suco está divino, Elvira! – entusiasmou Adonis erguendo uma taça no ar.

- É amora batida com sangue de javali e leite de texugo. Também é receita minha. – disse Elvira mais uma vez orgulhosa. – vou buscar mais.

- Acho que não queremos incomodar... – falou Kal que havia escondido seu biscoito no bolso e jogado seu suco no vaso de planta mais próximo.

- Não é incomodo nenhum. Vejo que vocês adoraram meus biscoitos. – ela quase dava pulinhos de alegria.

Elvira saiu da sala, mas não demorou a voltar novamente, desta vez veio anunciar a chegada de seu amo Thom.

- Sr. Adonis, garotos! Meu mestre Thomas acaba de chegar!

- Boa tarde a todos.

4 comentários:

Nath. disse...

Andréé
também fiz um bloguito
hasuidhuiehad
pra escrver boberinhas


uhull to colocando eu seu lah tah!
beisitos honey

Anônimo disse...

Oi, bem legal o livro, quando vai ter continuação?

Bruno Barreto Bucazio

Unknown disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Unknown disse...

Olá André
faz tempo que estou na comunidade o Kal Foster
e no seu blog, constam apenas os capítulos
eu gostaria de saber se não teria algum link pra baixar o livro todo direto
Obrigado pela atenção
Abraços
Luccas !!!

qualquer coisa comunique-se comigo através do meu e-mail zynnyh@hotmail.com