quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Capítulo 13 - Nicolas Weny e Griphons

Kal estava a meio passo da entrada da sala de Cacius. Olhou para o professor em pé ao seu lado, ele estava nervoso, apreensivo. Suas mãos suavam frio e se contorciam enquanto o diretor não respondia de dentro da sala.

- Tirso! – chamou Kal, mas ele não parecia ouvir ou se importar – Por favor, fale alguma coisa...

- Vou deixar para o professor Cacius. – respondeu.

- Entre, entre professor. – era a voz de Cacius.

- Desculpe incomodar, mas acredito que...

- Oh sim, sim. Tirso, poderia ter uma outra conversa a sós com o senhor Foster?

- É claro. – respondeu já se retirando.

- Muito bem, muito bem...

- Professor, eu posso... é quer dizer eu não sei como...

- Não se preocupe, Kal. Não se preocupe. Você não tem qualquer culpa. Se existe um culpado de isto estar acontecendo, este sou eu.

- Como assim? – perguntou Kal olhando fixamente para o diretor.

- Eu explico. Eu vou te explicar porque você tem o Enid de Donnovan. Algo que parece muito irônico, já que você é um Foster, responsáveis pela queda dele. Muito irônico que isto tenha acontecido... mas não foi por acaso. – dizia Cacius andando de um lado para outro de sua sala.

- Professor, como? De tantos Enids, por que logo o dele? E, por que o senhor se disse culpado?

- Você nasceu sem Enid algum, e ninguém sabe porque. – iniciou - Mas milagrosamente você recebeu um e se tornou bruxo. Essa é a história que todos conhecem. O problema Kal, é que você ter recebido um Enid aos seis anos não foi algo milagroso. Foi o resultado de uma sucessão de fatos que devem ser mencionados antes de qualquer coisa.

- Que fatos? – perguntou Kal aflito.

- Tudo aconteceu há alguns anos. A fuga de Kricolas, os sete humanos assassinados e o encontro internacional na sua casa.

- Professor, por favor, seja mais claro. – falou Kal um pouco mais alto.

- Por que motivo você acha que Kricolas fugiu de Warren?

- Para pegar o Livro de Merlin e reviver Donnovan! – responde com toda franqueza - Se bem... se agora isto for possível.

- Teoria interessante. Muito interessante. No entanto, equivocada em alguns pontos. – explicou – Kricolas, inicialmente, fugiu de Warren para trazer o Enid de Donnovan de volta.

- E onde ele estava? – perguntou Kal imaginando um lugar possível para Enids descansarem.

- Não é exatamente esta a pergunta. O Enid de Donnovan, que agora é seu, e vamos chamá-lo assim, estava vagando. Perdido da realidade desde que Foster atingi-o com o Perpétuo. E foi necessário que Kricolas assassinasse sete humanos inocentes para despertar seu Enid. Em minha teoria, Kricolas despertou-o para que possuísse um bebê.

- Por que isto, professor?

- Seu Enid é muito poderoso Kal, e assim como o meu, que você bem sabe que é o de Merlin, tem vontade própria. Funciona dentro de você como uma segunda mente.

- Eu não tenho uma segunda mente. – falou Kal com veemência.

- Não deveria afirmar tais coisas. Nunca fez nada por impulso ou imaginou coisas que não tem nada a ver com você?

Kal ficou pensativo, mas não demorou muito para sua mente capturar lembranças em que ele em momentos de raiva agia descontrolado como fora com Rick Wosky na semana anterior.

- Pois bem Kal, deixe-me continuar. O plano seria que seu Enid crescesse no corpo de um recém nascido. Bebês não têm uma mente formada, seria fácil para uma força tão poderosa tomar total controle do corpo. Assim, Donnovan renasceria. Com plenos poderes e o com seu braço direito, Kricolas, ele trilharia pelo mesmo caminho que andou há novecentos noventa e oito anos.

- Mas onde eu entro nesta história? O senhor está dizendo que eu posso, que eu vou ser Donnovan? Está errado, ele não me possuiu quando eu era bebê. E por que ele me escolheu se o plano era de entrar em um recém nascido? – Kal erguia o tom de voz, mas Cacius parecia não se importar.

- Desabafe, desabafe. – disse.

- Eu não sou Donnovan! Nem nunca vou ser! – Kal virou-se contra o professor decidido a não escutar nem mais uma palavra e a sair dali o mais rápido possível.

- Kalevi Foster entrou por aquela porta e eu não vou permitir que Donnovan saia por ela! – Cacius disse isto em tom firme e muito sério. Kal percebera, mais uma vez, que agia por impulso. Parou, olhou para Cacius e chorando alçou-lhe os braços em volta do professor.

- Acalme-se, Kal, acalme-se.

- Professor. Eu não quero isso... por que comigo? – Kal largara o professor e enxugava as lágrimas quando gritou – Revelarbus!

Donnovan surgiu mais uma vez com seu sorriso ofídico, como se estivesse pronto para morder e envenenar qualquer um que se aproximasse.

- Eu não sou você! – berrou Kal para a projeção a sua frente – Monstro! Por que me escolheu?

- Lócus Amenus! Eu posso te responder isso Kal.

Ele olhou para o diretor, o suor escorria-lhe pelo rosto, sentia os membros fraquejarem como se carregasse o mundo nos ombros.

- Depois daquele dia em sua casa, Donnovan não teve outra escolha se não você.

- Como assim?

- Vou te contar o que nós fizemos. Com medo de que Kricolas tivesse trazido o Enid de seu mestre de volta do “exílio” para se apoderar de um recém nascido, decidi reunir os maiores bruxos do mundo para proteger cada novo bebê. Ao nascer, cada criança estaria protegida de Donnovan. Ele não conseguiria encarnar em nenhum bebê de família bruxa, sabíamos que ele não tentaria com um bebê humano, primeiro porque para ele é uma raça desprazível e também ele não desenvolveria seu poder máximo. Restou-lhe você. Uma criança sem Enid e de família de bruxos. É claro que ele não conseguiu dominá-lo completamente porque você já tinha seis anos. Mas era você, a única opção.

- Quer dizer que Donnovan quer se apoderar de mim? Terminar o que começou usando o meu corpo?

- É o meu palpite. Ele deve ter percebido que não conseguiria se apossar de nenhum outro bruxo e te encontrou. No dia em que descobrimos que você havia adquirido poderes eu tive minhas desconfianças, mas não poderia afirmar nada.

- Professor, o que eu tenho que fazer agora?

- Você tem que se controlar, não deixar que Donnovan domine os seus pensamentos. Só você pode se ajudar. Lamentavelmente, não se pode separar um Enid de um corpo, sem que um dos dois morra, ou chegue perto disto... – falou Cacius com profundo desânimo – Agora, volte para os seus amigos, penso que você tem muito o que dizer a eles.

Kal saiu da sala de Cacius vagarosamente, como se cada um de seus pés pesasse uma tonelada. Arrastou-os pelos corredores espaçosos do quinto andar até finalmente achar o caminho que o levaria ao grande salão, onde almoçaria com Ralph e Guine. Ele estava tão pensativo que nem percebeu que todos os alunos, por onde ele passava, apontavam e cochichavam em silêncio. Tantos murmúrios fizeram Kal sentir como se ainda estivesse na sua antiga escola, na Vila da Cachoeira. Ao menos tinha Daimon, Guine e Ralph, pensava.

- Kal! Você está bem? – perguntou Guinevere cedendo seu lugar para que ele se sentasse.

- Estou.

- O que Cacius disse a você? – perguntou Ralph por sobre a mesa com cara de quem estava esperando por isso há muito tempo.

- Não seja indelicado, Ralph! Não vê que ele está mal?

- Está ok, Guinevere. – falou ele voltando a olhar seu pedaço de bife.

- Tudo bem Guine, tudo bem. Acho que preciso mesmo desabafar.

Kal contou então que Cacius dissera-se culpado por ele ter o Enid de Donnovan porque havia impedido que este se apoderasse de um bebê. Pela cara de espanto que Guinevere fez ela deveria achar que se apossar de bebês era realmente inescrupuloso.

- Quer dizer que Cacius é culpado? – perguntou Ralph fazendo gestos confusos com as mãos.

- Ele disse. Mas para mim não é. – respondeu Kal – Eu não nasci bruxo e isso ninguém tem culpa. Mas Donnovan sentiu-se encurralado, jamais escolheria um humano, e como eu não tinha Enid e sou de família de bruxos, ele se apoderou de mim...

- Mesmo você sendo um Foster? – espantou-se Guine novamente.

- Talvez a vingança seja melhor assim. Mas o fato é que só está em mim porque não teve outra opção.

- Isso é tão maluco... Donnovan agora quer se apoderar de você. Parece-me tão esquisito.

- É esquisito, Ralph. Porém não se preocupe. Ele não me controla.

- Você tem certeza, Kal? E o lance com Wosky?

- Calma, Guinevere, aquilo não foi Donnovan. – mentiu Kal.

- Você é quem sabe... Ainda assim acho melhor você tomar cuidado com o que for fazer daqui para frente. E também acho que você deveria avisar ao tio Adonis.

- Por quê? Eles vivem tão contentes desde que me tornei bruxo. Não vejo porque dizer a eles o que está acontecendo. Eu tenho minhas próprias escolhas.

- O problema não são suas escolhas. São as suas atitudes. – respondeu Guinevere de imediato.

- Guine, quero que me prometa que não vai contar isso aos meus pais. Termina aqui, ok?

- Ok. – respondeu contrariada.

- Oh, vocês dois, caso não perceberam todos já estão terminando de almoçar. Não vão nem ao menos tocar na comida?

- Não, Ralph... perdi a fome. Preciso ficar um... um pouco sozinho. – disse Kal procurando as palavras.

Naquela tarde Kalevi Foster não compareceu a nenhuma outra aula, sobre o pretexto de estar passando mal. Subiu até o quinto andar e se acomodou na vazia sala de estar dos alunos de Tadewi. Sentou no parapeito da janela e começou a observar o movimento nos campos da escola. A janela de vidro estava enfumaçando com a sua respiração, mesmo assim não o impedia de ver os alunos de Angus atravessarem o campo até a horta. Atrás deles vinham os alunos de Katzin com sorrisos debochados e nauseantes. Mesmo se Kal ficasse míope e estivesse a milhas de distância seria capaz de reconhecer aquele sorriso seboso e repugnante. O sorriso de Rick Wosky.

No entanto, havia um belo conjunto de dentes brancos e reluzentes que, misteriosamente, despertou em Kal um sentimento forte, quase inexplicável. Emanuela Goldemberg era, na sua opinião, a garota mais bonita do primeiro ano. A única oportunidade que tinha de estar ao seu lado era nas reuniões semanais do Conselho Estudantil. Uma hora e meia de relatórios e discursos do presidente Rômulo compensavam aquele momento em que ele podia admirá-la e apreciar sua voz aveludada.

Kal desembaçou o vidro da janela com as mangas da camisa para avistar melhor Emanuela, mas ao voltar a contemplá-la, viu Rick com o braço intimamente envolvido em torno da cintura da garota.

- Larga! – falava Kal batendo no vidro – Larga!

Os dois seguiram abraçadinhos até a horta onde permaneceram, do mesmo modo, até o fim da aula. A professora não se importara muito com a intimidade dos dois, pois não bravejou como fazia de costume.

Ficar ali, parado, olhando Wosky e Emanuela juntos não estava nos planos de Kal. Resolveu então sair da sala e ir à biblioteca procurar algo sobre o Livro de Merlin.

Com a ajuda do bibliotecário, o senhor Rovil, um homem de meia idade com cabelos grisalhos, óculos grandes que aumentavam seu olho fundo e acentuava suas olheiras, ele era baixo e tinha uma barriga presa por um cinto de couro numa calça azul marinho e uma camisa de manga longa também azul.

Kal amontoou alguns livros de história em uma mesa. Por um momento pensou estar preparando um porque parque de diversões para Daimon, que adorava se emaranhar em meio a pilhas de livros.

Depois de muitas páginas folheadas, Kal percebeu que era tudo muito inútil. Era realmente como Daimon mencionara, “todos falam sobre o Livro de Merlin, mas nenhum é digno de confiança”, mais ou menos isto.

O garoto começou uma sessão de martírio que logo foi notada pelos outros poucos alunos do lugar, em geral eram alunos do último preparando seus trabalhos de final de curso. Logo Kal percebeu que bater com um livro grosso na própria cabeça não era algo muito normal de ser feito. Mesmo que fosse de leve.

Tanta pressão no cérebro o fez lembrar de um outro livro que talvez pudesse ajudar. O livro que ganhara de seus pais como presente de aniversário, “Os bruxos que mudaram a história”. Só o que precisava fazer era correr até a sala de Tadewi e abrir a mochila.

Assim o fez.

Olhando pelo índice ele correu até a letra “M”, a fim de procurar Merlin. Lá estava, página 401.

Um dos bruxos mais poderosos do mundo, Merlin se destacou em todas as atividades mágicas, mas em especial na clerigologia.

Merlin fundou algumas escolas pelo mundo, sendo a principal a Escola de Magia e Feitiçaria de Avalon, atualmente dirigida pelo Prof. Cacius Henrique, que detêm o Enid daquele grade bruxo.

Sem dúvida nenhuma a maior criação do mago Merlin foi o seu livro. A lenda vem ganhando forças e se tornando fato, alguns historiadores como o renomado Nicolas Weny afirmam que Merlin, o grande bruxo, realmente escreveu um livro com os maiores segredos mágicos, e que por séculos ele permanece perdido em algum lugar do globo. Para que fim o livro foi escrito ninguém sabe responder. Apenas se conhece que o seu portador terá poderes insuperáveis.

Sua localização é totalmente desconhecida, pois Merlin residiu nos quatro cantos do mundo, mas especula-se que esteja no Brasil, lugar aonde veio a falecer há novecentos e noventa anos, na época o país era conhecido como a Ilha Hy Brazil”.

Kal leu o trecho ao menos cinco vezes antes de decidir falar com Guinevere e Ralph. Iria propor aos dois que procurassem Cacius, sendo ele o detentor do Enid de Merlin, talvez pudesse ajudá-los.

- O que o faz pensar que Cacius sabe onde está o Livro de Merlin? – perguntou Guinevere enquanto desciam até a Cidade dos Elfos – Se Cacius soubesse do paradeiro do livro ele já o teria pegado.

- E se ele não souber? Cacius pode querer nossa ajuda.

- Ele é um dos bruxos mãos influentes do mundo! Por que precisaria da nossa ajuda? – retrucou Ralph.

- Me respondam. Quantos bruxos vocês conhecem que pode ver o passado?

Ralph e Guine se entreolharam curiosos e sem jeito. Ralph coçou a nuca então disse:

- Mas você não tem controle sobre isto. É sempre uma visão involuntária.

- Então vou precisar aprender a controlar.

Naquela noite, Kal sentou-se em sua cama com alguns objetos de Ralph. Ele deveria dizer de quem Ralph ganhara cada um. Já passava da meia-noite e Kal não tivera nenhuma visão. Quando Ralph cochilou e caiu da cama eles resolveram que era hora de dormir.

No dia seguinte, com a ajuda de Daimon e Jonathan, Ralph e Guine, Kal procurou pela biblioteca algum livro que lhe pudesse ser útil. Nem mesmo em “Os intrigantes dons mágicos” mencionava algo sobre ver o passado. Era realmente algo inédito. Cacius não havia brincado quando disse a Kal que o seu dom era muito especial.

Outra vez retornando à Cidade dos Elfos, no fim do dia, Kal, Ralph e Guine continuaram a conversa sobre o Livro de Merlin.

- Assim que você adquirir controle sobre seus poderes procuraremos Cacius. – falou Guinevere, era incrível com ela mudava rápido de opinião.

- Teremos tempo nas férias para você aperfeiçoar. – disse Ralph.

- E então, vai mesmo conosco para Vila da Cachoeira? – perguntou Kal amistosamente.

- Eu não sei... preciso ver com meus pais primeiro.

- Chegamos. – falou Guine quando o balão tocou o chão.

Depois de abrirem a portinhola do cesto e atravessar o muro que separava os terrenos de Avalon da cidade, eles avistaram uma multidão de bruxos, Elfos e Fadas amontoados em um único ponto. Aproximando-se do lugar eles viram uma belíssima carruagem de madeira com detalhes arredondados de prata e três grandes letras moldadas nas portas moldaram um grande sorriso no rosto de Ralph.

- GAW! – disse ele lendo as letras da carruagem.

- O que é GAW? – perguntou Kal.

- Guarda Armada de Warren. – respondeu Ralph – Meus pais devem estar aqui!

Os três forçaram passagem até ficarem frente a frente com a carruagem. De dentro dela surgiu um homem muito magro e de nariz empinado, usava um terno fino com bordas roxas e uma camisa branca de algodão. Os sapatos de couro apenas tocaram o chão depois que lhe foi estendido um tapete vermelho. Cheio de pose, segurou a varinha como se fosse um microfone e anunciou.

- Direto dos castelos franceses, o Inquisidor Mágico, capa dos maiores jornais mágicos britânicos. Doutor formado em magia antiga, com especialização russa em feitiços. Expeditor de uma das maiores descobertas mágicas até hoje. Historiador renomado pela Academia de História da Magia Chinesa e, é claro, Chefe do Conselho Mundial de História e Artefatos Mágicos, Sr. Nicolas Weny!

Todos pareceram muito espantados com o currículo do visitante, a exceção de Kal.

- Quem é ele? – perguntou.

- O bruxo do século! – responderam Daimon e Jonathan em coro aparecendo logo atrás dos três.

- Ok, quem é ele? – insistiu Kal.

- O maior perito em magia avançada do mundo! – respondeu Jonathan quase aos pulos.

- Pela última vez, quem é ele?

Kal obteve uma resposta visual. Sr. Nicolas Weny acabara de descer da carruagem pousando seus lustrosos sapatos italianos no tapete estendido.

Era alto, forte, cabelos e olhos castanhos claro, nariz curto e tinha a face sobressaltada. Seu sorriso com dentes brancos e brilhantes arrancou suspiros de várias garotas presentes, incluindo Guinevere. Atravessou rapidamente pela multidão como se estivesse em uma passarela exibindo sua beca esverdeada e sua gola de rufos.

- O que um cara desses está fazendo aqui? – perguntou Kal com indiferença.

- E onde estão os meus pais?

- Por que você acha que eles estão aqui Ralph?

- Porque este cara veio em uma carruagem de GAW. E os meus pais devem tê-lo escoltado.

- Seus pais não são Guardiões Chefes? – perguntou Kal – Por que têm que escoltar um panaca em uma carruagem?

- Kal! Ele é o bruxo do século! – respondeu Daimon.

- Já sei, já sei...

- Como Daimon disse, ele é o bruxo do século. Metade da GAW deveria estar aqui. – falou Ralph enquanto olhava sobre os ombros a procura dos pais.

- Hei olhem! Ele está indo até a Pousada das Fadas. – gritou uma velha ao lado de Kal.

Toda a movimentação se acentuou em frente à pousada que foi obrigada a trancar suas portas para receber com tranqüilidade o novo hóspede.

Por toda a cidade correu a notícia de que na quinta-feira à noite, Sr. Nicolas iria ministrar uma palestra em praça pública a todos que se interessassem, principalmente aos alunos de Avalon. Dois dias se passaram e a cidade mudara completamente.

Enquanto Cidade dos Elfos se preparava para a grande noite, Kal treinava com Daimon, Ralph e Guinevere suas visões do passado. Eles ainda não haviam obtido nenhum sucesso, mas Daimon insistia muito para Kal pedir ajuda ao senhor Weny. A celebridade do momento debochava de Kal.

- Ele é perito! – retrucava Daimon.

- Ele não vai me ajudar. Ele não atende nem aos chamados do professor Cacius.

Desde o dia em que chegara à cidade dos Elfos, Sr. Nicolas era instigado a uma visita ao castelo de Avalon, todavia ele não aceitava os convites de Cacius. Dizia-se sempre muito ocupado com os trabalhos e precisava preparar o discurso palestral.

Quinta-feira chegou com ar de animosidade. No meio da cidade foi montado um pequeno palanque para a palestra, também mais de mil lugares foram postos para os ouvintes. A cidade parecia ter recuado em direção à orla da floresta para acomodar todo aquele espaço.

Oficialmente, as aulas acabariam naquela manhã, após o almoço os alunos já estariam de férias até o final de julho. No entanto, muitos alunos já haviam abandonado as salas de aula para curtir passeios matinais dentro da floresta amazônica. Algo que parecia exótico e muito divertido.

Para a maioria dos alunos do primeiro ano que haviam passado em Maldições, os testes finais de História e Feitiços foram os únicos da quinta.

Estando livres, das aulas e deveres de casa, eles desceram de Avalon radiantes de alegria. Alguns veteranos conjuraram aves de luzes para animar a cidade. Todos corriam muito contentes.

Ainda naquele dia, muitos alunos partiram para suas casas, entre eles Jonathan, que antes de ir embora implorou a Daimon que conseguisse um autógrafo de Nicolas.

Cidade dos Elfos nunca pareceu tão agitada quanto agora. Nicolas Weny devia ser realmente um exímio bruxo para provocar tanto alvoroço. Segundo Daimon, ele recentemente havia descoberto como repor chifre de unicórnio quebrado e também derrotou a bruxa Nicácia que estava espalhando terror por todo o mundo raptando criancinhas.

- Ele ainda derrotou lobisomens e pode resistir ao encanto da Iara! – Daimon explicou que Iara era uma mulher que seduzia homens e os matava afogados em rios.

- E por isso ele ficou tão famoso assim? – questionou Kal.

- Celebridade instantânea! Só sei que o cará é o máximo! Não vejo a hora de ouvir o que ele tem a dizer!

Daimon não era o único que estava ansioso. Até mesmo Guinevere, que não ligava para este tipo de coisa, mostrava-se nervosos pela ocasião, além dos outros tantos alunos que faziam fila na Pousada das Fadas na tentativa de conseguir um autógrafo do tão grandioso bruxo.

No fim da tarde, enquanto Kal e Ralph caminhavam pela cidade, Guinevere e Daimon haviam se juntado à multidão de fãs na pousada, encontraram Tirso ajudando com a varinha a erguer bandeirolas feitas com jornais velhos.

- Olá garotos! – cumprimentou o professor.

- Como estão com os preparativos? – perguntou Kal.

- Do meu ponto de vista está um pouco exagerado. Ainda estão faltando alguns enfeites e as fogueiras e tal... Acho que muito enfeite estraga... mas o dono da festa quer assim...

- Você o conhece, professor?

- Na verdade, Ralph, Nicolas não cursou escola alguma, tudo o que aprendeu foi com um tio avô. Ele é de alguma região do Centro-Oeste, não sei... Mas depois que o tal avô morreu ele seguiu a carreira de historiador, fez grandes descobertas em várias áreas da magia e hoje ele é mundialmente conhecido e mora na Europa, onde também está desenvolvendo novas pesquisas. É isso que sei sobre ele.

- Tem idéia do que ele veio fazer aqui? – perguntou Kal.

- Qual o problema, Foster? Tem medo dele roubar o brilhantismo da sua família? – Rick Wosky surgira atrás dos três ao lado de seu pai e seu irmão de apenas seis anos, Amadeus Filho.

- Continua por aqui, maldição? – perguntou Tirso referindo-se a Amadeus, o pai.

- Não que sua presença me agrade, feitiço. – respondeu de imediato.

- Foi no veterinário tosar as crinas? – falou Kal debochadamente encarando Rick com furor nos olhos.

- Anda muito audacioso, Foster. – disse Rick que cuspiu em seguida – Vamos ver por quanto tempo.

- Você pode até contar, se souber...

- Ora seu... – disse avançando contra Kal, mas Amadeus o deteve.

- Não Rick!

- Tudo bem, é cedo demais para ver sangue de Foster.

A família Wosky virou-se com rispidez e seguiram até a loja Labaredas de Ferro.

- Como eu odeio este amaldiçoado. Não sei como Cacius pode mantê-lo aqui. – resmungava Tirso.

- Eu não gosto de nada que termine com Wosky. A propósito, onde está o Srª. Wosky? – terminou Kal imitando uma voz fina e irritante.

- Ela cuida da casa. Não sei onde moram. – respondeu Tirso.

- Professor, você tem algum palpite sobre o que vai ser dito na palestra? – perguntou Ralph desviando o assunto.

- Bem, a última notícia que tive a respeito dos assuntos tratados pela nossa celebridade diz que ele quer reimplantar o uso das espadas mágicas.

- Não entendemos. – disse Kal cruzando o olhar duvidoso com o de Ralph.

- Ok. Eu explico. Há muitos anos. Mesmo antes de Merlin ficar conhecido, quando magia era algo comum no mundo todo. Nós, bruxos, usávamos espadas mágicas ao invés de varinhas. Mas com o passar dos tempos, com a perseguição de Donnovan, e posteriormente o medo dos humanos pela magia, precisamos nos esconder, mas um bruxo não andaria desarmado em um mundo que se tornara tão perigoso. E como andar sempre com uma espada enfeitada com pedras preciosas e laços não era muito discreto, nós resolvemos copiar as fadas! Algumas delas usam varinhas de condão. São simples e discretas. Entenderam? O que Nicolas quer é que usemos novamente espadas, com os feitiços que conhecemos hoje poderíamos disfarçá-las ou guardá-las em nossos bolsos, mas todos se acostumaram com a praticidade da varinha...

- Professor, e Nicolas o que usa? Espada ou varinha? – perguntou Ralph.

- Nenhum dos dois. – respondeu – Ele não precisa de nada a não ser as mãos para realizar magia.

Agora Kal começava a entender o fascínio que aquelas pessoas tinham por Nicolas. Ele era surpreendente. Um bruxo e tanto. Nem mesmo Cacius vivia sem a sua varinha e ele, com pouco mais de trinta anos, fazia grandes descobertas usando apenas as mãos.

Mal anoitecera e os habitantes de Cidade dos Elfos já se acomodavam na platéia improvisada no centro da cidade. Todos muito bem arrumados, as fadinhas com vestidinhos lilás e gorro na cabeça com enfeites esvoaçantes. Os elfos vestiram-se impecavelmente com lindos conjuntos de algodão e as indispensáveis botas de couro com tiras. Rainha Eva, que estava no palanque, trajava um vestido comprido cor de abóbora.

- Muito chique! – diziam os elfos.

Professores e alunos de Avalon foram mais discretos com roupas habituais.

Quando o grande bruxo da noite surgiu em meio a uma nuvem de fumaça azul bem no centro do palanque todos o aplaudiram com furor.

Sr. Nicolas Weny estava com uma calça e blusa azul-marinho com uma luxuosa gola de rufos cobrindo-lhe do pescoço até o lóbulo.

- Boa noite, Cidade dos Elfos! – saudou o bruxo amistosamente – Creio dispensar apresentações. Portanto, prosseguirei. É notável o desenvolvimento proeminente desta cidade graças à escola de Magia e Feitiçaria de Avalon.

Todos aplaudiram. Kal então se deu conta de que não vira Cacius ainda. Procurou no palanque e na platéia, ele não estava em parte alguma.

- Vocês viram o professor Cacius? – cutucou Ralph e Guinevere.

- Também não o vi. Assim como não vi os meus pais. – falou Ralph.

- Este cara é muito chato... – resmungou Kal e Guine pisou em seu pé.

- Oh, desculpe, foi sem querer.

- Ralph eu vou dar o fora. – disse Kal já de pé.

- Eu vou com você. Esse cara está me dando náuseas. Proeminente? Quem usa isso? É tão arcaico.

Nicolas tinha um jeito muito peculiar de falar, era pomposo e fazia entonações, do mesmo modo que os políticos fazem em campanha eleitoral. Chegava a ser irritante, mas ninguém a não ser Kal e Ralph parecia se importar.

- Para onde vamos? – perguntou Ralph quando já tinham se afastado do público.

- Eu vou para onde não possa ouvi-lo. – respondeu Kal – também vou praticar um pouco. Preciso aprender a controlar as visões.

- Tudo bem. Que tal irmos para a loja abandonada.

Os dois fizeram o caminho até a antiga Mausoléu, iluminados por suas varinhas. Foram discutindo sobre como era possível fazer qualquer feitiço mágico sem elas.

- Eu acho que Cacius não precisa de varinhas para fazer feitiços.

- Então por que usa? – perguntou Ralph.

- Porque ele não é um exibido como esse aí.

- Tem razão.

- Chegamos. Aqui deve ter muitos objetos em que posso praticar. E com toda certeza eles não têm menos de cinqüenta anos de história.

- Tomara que consiga. – torceu Ralph.

No momento em que Kal tocou a maçaneta veio um flash de luz branca e ele se viu dentro da loja olhando para Nicolas Weny.

- É hoje à noite. – disse o historiador – será inesquecível.

Nicolas tocou na maçaneta para abrir a porta e então tudo voltou ao normal. A não ser o fato de Kal estar deitado no chão da loja e Ralph encarando-o com extrema curiosidade enquanto se preparava para lhe jogar um copo de água no rosto.

- O que você viu? – perguntou o amigo colocando o copo em cima do balcão velho de madeira.

- Eu vi, vi Nicolas. Ele estava aqui. Disse que esta noite seria inesquecível.

- Como assim?

- Não sei. Ele apenas disse isso e desapareceu.

- Ele vai fazer um discurso e tanto. Que convencido. – bufou Ralph.

- Não tenho tanta certeza de que será só um discurso, Ralph. Ele não parecia muito amistoso e por qual motivo viria se encontrar com alguém aqui?

- Realmente estranho...

- Temos que avisar aos outros. Tirso e quem mais puder...

Kal foi estupidamente interrompido por uma forte gritaria vinda do centro da cidade, onde estava ocorrendo a palestra. Os dois saíram à pressas da loja, Kal e Ralph se esbarraram na porta e lhe veio outro flash que desapareceu rapidamente deixando a imagem de uma criança loira sentada em um berço.

- Você está bem? – perguntou Ralph quando viu o amigo com as mãos na cabeça.

- Estou, acho. Vamos ver o que está acontecendo.

Enquanto corriam até a gritaria outros fugiam desesperados dela. A cidade estava um enorme tumultuo, o palanque havia sido quebrado e as cadeiras que não estavam ao chão flutuavam a quinze metros de altura com seus ocupantes que desesperados pediam por socorro.

- Garotos! Corram! Vão para o alojamento de Tadewi!

- Professor Tirso, o que está acontecendo?

- Griphons!

- O que?

- Kal, acho que são eles... – Ralph apontou para três criaturas amareladas atrás deles.

Kal reconheceu-os de imediato, eram as mesmas criaturas que ele vira no castelo e em Tadewi. Agora pareciam bem mais reais e assustadores. Tirso avançou e disparou um feixe de luz que pareceu engolir os Griphons fazendo-os desaparecer.

- Eles são criaturas da escuridão. Não gostam de luz, porém eles acabam retornando e destruindo mais coisas. – disse Tirso – Acompanhem os outros alunos, depressa.

- Onde estão Daimon e Guinevere? – perguntou Kal.

- Já devem ter se abrigado. Agora vão!

Ralph puxou Kal pela camisa na direção de Tadewi, por onde passavam viam a destruição provocada pelos Griphons, casas e lojas estavam em chamas e metade do acervo da Livros e Boatos estava sendo jogada para fora da loja.

- Socorro! – gritou uma voz vinda de dentro da floresta.

Kal apurou os ouvidos e mudou de direção ao que Ralph rugiu:

- Aonde você vai?

- Eu vou ajudar, quem quer que seja. Vá chamar ajuda.

Sem mais palavras, Kal passou pelas árvores e correu muito até se orientar pela voz que não parava de gritar.

- Alguém...

O som ficava mais forte assim como o som rouco dos Griphons. Kal entrou em uma clareira e viu um garoto que deveria ter a sua mesma idade encurralado entre uma árvore e cinco das criaturas amarelas.

- Feche os olhos garoto! – ordenou Kal com a varinha erguida e ele obedeceu prontamente – Pelínculo!

O raio de luz correu em direção aos Griphons e provocou uma forte luz roxa que consumiu com os cinco inimigos.

- Você está bem? – perguntou ao garoto que estava muito pálido.

- Cuidado! – gritou ele, mas Kal não conseguiu esquivar-se dos três Griphons que surgiram da floresta. Ele caiu no chão largando a varinha aos pés do garoto.

- Pelínculo! – disse ele e Kal viu uma bola luz dourada engolir novamente as criaturas.

- Você também é bruxo? – perguntou Kal levantando-se.

- Tome. Disse ele. Meu nome é Thalis Kinguest e não sou isto que você disse.

Thalis tinha a mesma altura que Kal, cabelos escuros e olhos castanhos claro, uma pele branca e macilenta, ele também parecia muito magro dentro das roupas vermelhas que estava usando.

- Olá, Thalis, meu nome é Kalevi. O que você está fazendo aqui?

- Fiquei perdido.

- Onde você mora? Perdeu sua varinha também?

- Eu não tenho varinha e não moro aqui.

- Você é um bruxo e não tem varinha?

- Eu não sou um bruxo! – gritou Thalis como se estivesse sendo ofendido.

- Calma, vou chamar ajuda. Pelínculo!

Segundos depois de a bola de luz explodiu no ar cinco bruxos esfumaçaram diante deles com varinhas em punho.

- Professor Tirso, este garoto, Thalis, estava cercado por Griphons e tive que ajudá-lo. – falou Kal rapidamente percebendo que o professor estava demasiadamente zangado – Não podia deixá-lo aqui...

- Quem é o garoto? – perguntou Amadeus com a varinha ainda em punho e apontando na direção de Thalis.

- Ele também é um bruxo. Fez um feitiço professor. – respondeu Kal encarando Amadeus.

- Quem são seus pais? – perguntou Tirso.

- Eles morreram... – disse Thalis chorando – Eu quero ir para casa...

Kal abaixou-se também e quis consolar o garoto que se desmontara em lágrimas e cansaço a sua frente.

- Não vai acontecer nada com você, acalme-se. Vamos sair desta floresta e te ajudar.

Kal e Thalis atravessaram a floresta com a escolta de Tirso, Amadeus e dos três outros bruxos.

- Vamos até Cacius.

Um comentário:

Anônimo disse...

Muito bom! Mais um persoangem metido e misterioso, mais um segredo e, sinceramente, como o Calcius conversa com todo mundo! (Brincadeira)

E o Kal vai ficar do mal! (Perdoe o trocadilho)