sábado, 1 de agosto de 2009

Capítulo 4 - A Mulher, a cidade e o Conselho

Kal imaginou por alguns poucos segundos o que de tão importante Cacius tinha para lhe dizer, sendo que no dia anterior eles já haviam conversado bastante sobre Kricolas, o Livro de Merlin e Donnovan. Por sua mente não passou nada que poderia ser mais relevante do que esses três assuntos. A menos, é claro, que Kricolas milagrosamente já houvesse ressuscitado Donnovan da noite para o dia.

- Qual o problema, professor? –perguntou Kal, decidido.

- Você tem uma visão privilegiada da janela de seu quarto. – comentou o ele distraído – Este é sem dúvida um dos lagos mais belos do país. Embora duvide que possa ser tão bonito quanto o de Avalon, não é verdade?

- Sim. – disse Kal, entrando no jogo do professor.

- Deve ser muito bonito ver o reflexo da lua. – prosseguiu, lançando olhares cada vez mais nostálgicos para o lago.

- Ontem, o brilho parecia ser tão especial que todos os guardas de Warren estavam olhando para ele. – disparou Kal, sem rodeios.

- É certo. E você sabe por quê?

- Não, senhor. Mas o brilho não parecia vir apenas da lua. Era como se o lago estivesse aceso por dentro também.

- Até mesmo as coisas mais bonitas têm os seus segredos, não acha?

- O que quer dizer?

- Eu, pessoalmente, escolhi esta casa para vocês morarem. Eu a considero um dos lugares mais seguros para vocês, neste momento tão delicado.

- E por quê? Não seria melhor morarmos na Cidade dos Elfos? Próximo de vários outros bruxos. Próximo de você... do senhor. – acrescentou Kal. Cacius virou-se para ele lançando-lhe um conhecido olhar que dizia “obrigado pela consideração”, mesmo não parecendo dizer nada disto.

- A Cidade dos Elfos não é mais a mesma de antes.

- Com assim?

- Na hora certa você entenderá.

Kal resolveu ouvir o professor sem fazer mais perguntas. Aquele era o momento certo para perceber que não era a toa que os humanos possuem dois ouvidos e uma boca.

- Eu considero este lugar o mais seguro porque aqui vocês estão sob a guarda dos maiores bruxos do país. E não apenas estou falando dos guardas de Warren, mas por este lago ser um manto de poder e tranqüilidade. Ele tem um poder tamanho que ontem pôde conter nossa maior ameaça.

Ele não podia agüentar todos aqueles enigmas de Cacius. Seu cérebro fervilhava tentando decifrar o que seria aquele “manto de poder”. O garoto imaginou que o lago poderia ser um tipo estranho de cemitério para bruxos poderosos de várias gerações, mas isto seria estúpido. Todos os bruxos mortos estão enterrados no Cemitério Nacional para Bruxos, muito longe dali. Kal estava enlouquecendo com tudo aquilo e achou que se Cacius não explicasse tudo logo ele mesmo mergulharia no lago em busca de algumas respostas.

- Você sabe nadar? – perguntou o professor saltando de um assunto para o outro com pouca sutileza.

- Como?

- Perguntei se você sabe nadar.

- Sim, mas...

- Talvez seja necessário. Venha comigo.

Cacius guiou Kal até o mais próximo da margem do lago, a água era soprada pelo vento até os seus pés. O professor parou por um instante e admirou a superfície, com delicadeza tocou a pele d’água com a ponta de sua varinha.

- Professor, aonde vamos? – perguntou Kal, aproximando-se mais do lago.

- Bem, espero que não tenha enjôo por andar de barco.

Assim que Cacius selou os lábios, uma densa névoa emergiu, como se toda a água estivesse evaporando-se e do horizonte surgiu uma gôndola sem remos ou motor, guiada apenas por uma estranha figura encapuzada com um manto branco. Ela ressoava um cântico hipnotizante e Kal, embalado em seu ritmo, ficou sonolento e fechou os olhos para acompanhar melhor a melodia. Ele distinguiu o barulho de uma gaita e uma flauta, os sons misturaram-se à voz doce de uma mulher e sem nenhum aviso ele foi acordado por Cacius que o puxou pelo ombro.

- Vamos. – disse o professor subindo na embarcação.

Kal olhou para aquela cena por um instante. A gôndola de madeira flutuava no lago bem ali a sua frente, Cacius com sua mão estendida e logo atrás uma mulher de cabelos compridos tão loiros que pareciam misturar-se à névoa, formando um único corpo.

- Bom dia, Cacius. – cumprimentou a mulher com uma voz triste, mas doce.

- Bom dia, Viviane.

- Bom dia para você também, Kalevi Foster.

- Você me conhece?

- Sua história é triste. É claro que te conheço.

Kal ponderou se deveria dizer mais alguma coisa. Olhou para a mulher a sua frente que, virando-se para o interior do lago e abrindo os braços, fez a gôndola começar a se mexer suavemente.

- Não queremos ser vistos hoje, Viviane.

- Naturalmente.

A guia apontou os braços para o céu fazendo sair uma intensa luz da palma de suas mãos unidas. Esta luz envolveu todo o barco e dissipou a névoa e assim Kal percebeu que já estavam muito longe da margem.

- Viviane é a protetora deste lago e de tudo o que há nele, Kal. – informou Cacius.

- Há quanto tempo está aqui? – perguntou.

- Muito antes dos homens. – falou ela olhando para as ruas cheias de carros ao redor das margens do lago – Eles invadiram o espaço, meu lar. Mas não pude fazer nada. Os humanos são os únicos donos do mundo.

- É uma pena que a maioria deles não dê valor ao que têm. – disse Cacius concordando com o pensamento de Viviane.

- Aprenderão a dar quando o perderem.

- Até lá ainda veremos muita coisa, minha amiga.

- Eles não podem nos ver, professor? – perguntou Kal ao passarem ao lado de dois homens pescando.

- Os humanos não vêem muita coisa. – disse Viviane, num ar conformado.

- O feitiço está nos protegendo de olhares curiosos. – falou Cacius apontando para a luz que envolvia o barco.

- Chegamos, meu amigo.

- Onde estamos exatamente?

- Logo você verá.

Após Cacius dizer isto, a gôndola de Viviane começou girar lentamente e depois mais rápido, Kal ficava zonzo apenas em olhar o mundo ao seu redor dar voltas tão rápido. No entanto, nem Cacius nem Viviane pareciam sentir-se incomodados com isto. Para sua sorte aquele momento foi extinto no segundo seguinte em que o barco foi sugado para o fundo do lago. Da superfície, Kal apenas ouviu os dois homens dizerem:

- Como os peixes estão pulando hoje!

Cacius sorriu ao ver aquelas paredes brancas de marfim reluzirem sobre a luz da lamparina que surgira na dianteira da gôndola de Viviane, o barco estava flutuando no ar e lentamente descendo até um outro pequeno lago mais abaixo. Aquele lugar poderia ser Atlântida, a cidade submersa. Havia pessoas andando de um lado para o outro em sua única rua e entrando e saindo de suas quatro lojas.

- Bem vindo, Kal, bem vindo a Celacanto! – disse Cacius.

- É tão bonito. – comentou, admirado pelas oliveiras que cresciam entre as altas pilastras gregas e a margem do lago feita com degraus de pedra.

- Obrigado, Viviane. – agradeceu Cacius e a mulher inclinou a cabeça com gentileza.

- O que viemos fazer aqui? – perguntou Kal olhando de um lado para o outro observando os transeuntes.

- Viemos assistir a uma decisão do Conselho de Magia.

- E por que estou aqui?

- Ora, porque você mais do que ninguém precisa saber a verdade.

- Que verdade?

- Que Kricolas esteve em Celacanto ontem à noite.

- O quê? – espantou-se Kal, cada pêlo de seu corpo se eriçando – Como? E por qual propósito?

- O mesmo de sempre. Ele quer respostas sobre o Livro de Merlin.

- Como ele pôde ser tão cara-de-pau! – irritou-se.

- Kricolas está dominando a situação, por isso precisamos escolher logo nosso Ministro da Defesa e Segurança Mágica.

- O senhor foi indicado. – disse Kal lembrando-se da notícia do dia anterior no Folha Mágica.

- Sim, mas não posso aceitar. Além do mais outros bons nomes foram indicados.

- Como o pai do Ralph.

- Sim, por certo ele seria um bom ministro. Dormiria mais tranqüilo se soubesse que alguém tão responsável está por conta da segurança nacional. Porém, tem que compreender que nem sempre é assim. Quando disse que em Celacanto estão os maiores bruxos do país, não menti. Porém, talvez fosse preciso fazer uma importante observação de que aqui não estão os mais honestos. – Cacius lançou um olhar muito desconfiado ao fim da rua, onde uma imponente porta dupla, branca, se mantinha fechada – Os interesses políticos nem sempre coincidem com os interesses reais do país e decisões muito errôneas são tomadas sem o menor cuidado. Sem o menor escrúpulo, para desabafar de uma vez.

- Eles colocam o interesse pessoal na frente do país?

- Eles colocam qualquer coisa na frente dos interesses do país. Infelizmente eles sãos os mais poderosos e mais antigos na política... alguns jovens como Uric me dão esperanças... mas o Conselho da Magia é quase todo contaminado... lamentavelmente.

Tirando o fato da primeira má impressão, Celacanto tinha um brilho muito especial de magia. Parecia ser uma cidade recente, fato que Cacius confirmara logo em seguida dizendo que fora construída há apenas cinco anos. Toda a rua era de marfim e as quatro lojas também possuíam tonalidades claras. As colunas gregas sustentavam um teto de pedra rústica, a pequena cidade estava localizada em uma espécie de caverna submersa. O som dos sapatos nas ruas e o barulho das conversas na pequena esquina formada entre a rua e a margem do lago davam um ar vivo à cidadezinha. No meio de tantos sons confusos, um foi se aproximando de Cacius e Kal, que não resistiu ao impulso de virar-se.

- Bom dia, senhores. – falou um homem esquelético e de nariz exageradamente grande.

- Olá, Dorian. – saudou Cacius sem entusiasmo – Kal, este é Dorian Gulemarc, Secretário de Defesa e Estratégia do Estado Mágico.

- Olá, senhor.

- Trouxe o garoto para a reunião, Cacius? Pensei ter ouvido que era uma reunião apenas para bruxos de alta importância.

- Kal revelou a identidade de Kricolas, perseguiu-o e quase conseguiu impedi-lo de roubar o Livro de Merlin, se ele não for considerado um bruxo de alta importância, não sei quem mais poderia ser, Dorian. – falou Cacius em alto tom de voz.

- Esqueceu de dizer que o jovem Foster é guardião do Enid de Donnovan. Quem sabe de que lado ele realmente está.

Dorian estava claramente incitando Cacius a reagir, apesar de ser verdade o que ele dissera, que Kal tinha o espírito de Donnovan na forma de Enid em seu corpo, isto não era motivos para ter dúvidas da lealdade de um autêntico Foster.

- Uma vez herói, sempre herói, e uma vez Foster, sempre Foster. – disse uma outra voz saindo de um pub ao lado dos três.

- Bom dia, Uric. – cumprimentou Cacius a Uric Scheiffer, o pai de Ralph, um homem alto e robusto com os cabelos loiros e partidos ao meio.

- Bem, acho que eu sou o único que não se curva diante à auréola colocada sobre a família Foster. – prosseguiu Dorian – Quero que saibam que apenas desejo o melhor para o meu povo, e vou trabalhar para que eles possam viver em tranqüilidade e sem medo.

- Pelo menos concordamos nesse ponto. – reagiu Uric, posicionando-se ao lado de Kal.

- Os outros membros do conselho nos esperam. – disse Dorian, antes que saísse com os pés de banda e muito apressado.

- É um prazer revê-lo, Kalevi. – cumprimentou Uric, sorrindo.

- Como está o Ralph?

- Ele está bem, em casa. Está ajudando a Aline em algumas tarefas. – explicou – E então, Cacius, ficaria feliz se o Ministério da Defesa e Segurança Mágica tivesse você como maior representante.

- Oh, não tenho esses planos, Uric. O conselho sempre soube que nunca quis fazer parte deste governo. Também sabem os fatores e que a ordem deles não altera a minha decisão.

- Não adianta tentar escapar, professor. Em dois anos teremos eleições para presidente e o senhor novamente será indicado para o cargo.

- E mais uma vez terei que recusar.

- Muitos homens dariam a vida para ter os seus privilégios.

- É uma pena que nenhum deles a coloca em verdadeiro risco para alcançar os seus próprios.

- Realmente.

- E os guardas, Kalevi, têm feito uma boa vigília?

- Sim. – respondeu da forma mais simples – Tê-los por perto ajuda a tranqüilizar minha mãe.

- Soube que eles fizeram um bom trabalho ontem à noite também. – falou Uric.

- Sim, sim. – concordou Cacius – Kricolas chegou ao extremo invadindo Celacanto.

- Professor, como Kricolas pôde invadir este lugar. Parece tão... seguro.

- Sim, este é um lugar muito seguro, Kal, não há chances de acontecer nenhum tipo de incidente, como não ocorreu ontem. Igualmente a todas as outras cidades mágicas, esta não tem acesso restrito, não há um controle das pessoas que entram aqui. Os bruxos esfumaçam aos montes. – falou Cacius mostrando a pequena rua onde vários bruxos sumiam deixando um rastro de fumaça e outros tantos que apareciam da mesma forma.

- “Isto atrapalhará o desenvolvimento da cidade”. Foi exatamente o que Mardo disse. – comentou Uric – É uma pena que ele não possa mais ver no que isto está se transformando.

- Bem, agora temos que ir, Kal. Tenho certeza de que este assunto será muito comentado na reunião do conselho. – finalizou Cacius.

Os três seguiram pelo único caminho da cidade até uma escadaria de pedra que dava acesso as duas portas de madeira branca, que Cacius encarara a poucos. Ela se abriu assim que eles subiram o último degrau da escada e pararam a trinta centímetros da entrada. O local de reuniões do Conselho de Magia era nada menos do que um prédio de sete andares construído dentro da parede de pedra que limitava a cidade. Exatamente como a fábrica de vassouras da família Foster em Vila da Cachoeira.

Kal examinou o lugar com extrema curiosidade. O saguão de entrada tinha um caminho feito com tapete vermelho e estátuas de bruxos por toda à parte. Guardas uniformizados de Warren conversavam secretamente pelos corredores e assim que avistavam Uric batiam continência em sinal de respeito ao superior.

- Sempre achei a continência algo muito esquisito. – comentou Cacius.

- Eu também não gosto muito, mas tenho medo de perder o emprego se abandonar este costume. Velhos hábitos não devem ser abandonados e et cetera...– falou Uric.

- Bom dia, senhores. – saudou um homem magricelo ao lado do elevador. Por um momento Kal achou estar vendo Dorian pela segunda vez, mas logo se deu conta de que não.

- Bom dia, Jonas. Como vai a família?

- Bem, obrigado professor.

Por onde fossem, Cacius era sempre reconhecido e admirado, e talvez o mais estranho era que o professor também conhecia e saudava a todos como se fossem enormes amigos. Era uma característica que o lembrava muito seu pai, Adonis. Ele sabia ser gentil com qualquer pessoa, e em qualquer ocasião.

Por que teve que ser assim? Perguntou-se Kal.

- Segure o elevador! Segure o elevador! – berrou uma voz da entrada do saguão.

Jonas esticou o braço e impediu que a porta se fechasse e logo depois o dono da voz entrou no pequeno espaço quadrado com um largo sorriso.

- Olá, professor! Quanto tempo! Senhor Uric. Vejam só, se não é Kalevi Foster.

- Olá, Escritor da Terra. – cumprimentou Kal, contente por estar vendo alguém um pouco mais novo naquele ambiente tão novo e tão exclusivo.

- Apenas Bernardo agora. Deixei de usar este nome.

O rapaz à frente deles era Bernardo Mecflex, antigo aluno de Avalon, com quem Kal batalhara no ano anterior em um teste para jogar no time de Quizard da equipe de Tadewi. Quizard era uma competição realizada entre as três repúblicas da Cidade dos Elfos e coordenada pelos professores de Avalon. Escritor da Terra era o nome mágico que Bernardo adotara, mas agora, por algum motivo ele achou que era inapropriado.

- Como anda o seu projeto, Mecflex? – perguntou Uric, com um sorriso de simpatia.

- Está concluído, senhor. – falou ele apertando o botão SS do elevador.

- Resolveu aquele problema? – perguntou Cacius curioso.

- Não, senhor. Foi como disse, não há como resolver aquilo. – completou desapontado – Mas vou apresentá-lo ao conselho assim mesmo. Talvez o novo ministro se interesse.

Kal ouviu os três conversarem entre si como se ele nem ao menos estivesse ali. Ele não sabia qual era o projeto de Bernardo Mecflex, não sabia qual era o problema apresentado por ele e muito menos o que Cacius havia comentado sobre o projeto. Enfim, nada parecia fazer o menor sentido. No entanto pressentiu que todas as suas dúvidas seriam caladas na reunião do Conselho de Magia.

- Chegamos. Subsolo. – comentou Uric abrindo a porta do elevador.

Saindo do elevador, os quatro alcançaram um átrio pequeno que tinha como único propósito anteceder o imenso salão de reuniões dos bruxos mais poderosos do Brasil. Ele era como um pequeno estádio com capacidade para mais ou menos umas trezentas pessoas. O salão circular tinha em seu extremo um palanque de pedra com uma varinha pronta para ser usada como microfone e ao redor deste palanque, estavam dispostos os trezentos lugares entre as mesas semicirculares feitas com uma pedra fosca. O teto abobadado aparentava produzir uma acústica ideal para o lugar. Várias cadeiras com poltronas macias estavam dispersas entre as mesas, e outras com lugares para a platéia estavam bem no alto, próximos ao teto.

- Onde estão todos os outros membros do conselho, professor? – perguntou Kal inclinando a cabeça para que apenas Cacius pudesse ouvi-lo.

- Atrasados, como sempre. – respondeu – Vamos, suba – falou indicando uma escada que os levaria aos primeiros assentos.

Em alguns minutos, vários bruxos entraram pela porta de acesso ao átrio, outros tantos esfumaçaram diretamente em seus respectivos lugares dispostos entre as mesas... alguns portavam pilhas e mais pilhas de pergaminhos, outros distraíam-se com os feitiços cruzados, um passatempo do Folha Mágica. Um bruxa de chapéu cônico rosa lançava uma fragrância adocicada da ponta de sua varinha para amenizar o mal cheiro do seu colega ao lado que parecia ter dormido em alguma sarjeta bem suja acompanhado de uma forte garrafa de hidromel.

- Bom dia a todos. – falou um homem franzino e de sobrancelhas grossas no palanque de pedra – Estamos aqui, hoje, porque as circunstâncias revelaram-se desfavoráveis ontem à noite.

- Quem é ele? – perguntou Kal a Cacius.

- Timas Havany, Ministro da Comunicação Mágica.

- Senhoras e senhores, ontem Kricolas invadiu nossa cidade exigindo que entregássemos o menino chamado Kalevi Foster...

Kal sentiu seu sangue congelar, olhou para Cacius, mas este parecia não ter se alterado em nada. O professor não o dissera patavina sobre esta exigência do meio-vampiro. “De repente” ele não estava mais se sentindo tão confortável e seguro ali.

- Não podemos entregá-lo! – berrou um homem que ele jamais vira.

- Seria o mesmo que aceitar a soberania de Kricolas. – replicou a mulher de chapéu rosa.

- Mas temos que entender as condições impostas por ele. – prosseguiu uma mulher de cabelos ruivos – Ele disse que se não entregássemos o menino Foster nossas famílias sofreriam perdas maiores.

- Pense nos nossos filhos! É um por todos! – berrou uma voz masculina, alterada.

- Temos que pensar bem no assunto. – falou Dorian, que estava sentado em uma cadeira no terceiro andar.

Pensar bem no assunto? Indignou-se, Kal, os bruxos daquele conselho estavam tratando-o como um pedaço de carne, um simples chamariz, e Cacius continuava de boca calada!

- Vocês só podem estar loucos. – falou um homem encapuzado bem a frente de Kal – Pensar na possibilidade de entregar o garoto apenas comprova que este conselho está chegando ao fim.

- Ora cale-se, Saguior. – bufou Dorian – Nem ao menos bruxo você é.

- Saguior provou ser de grande valor para este conselho no passado. O levantamento de Dorian Gulemarc é inválido! – protestou Cacius de pé.

- Obrigado, velho amigo. – falou Saguior retirando o capuz e revelando um rosto barbudo e com orelhas alongadas.

- O que ele é, professor? – continuou Kal com o seu questionário.

- Um fauno. É metade homem, metade bode. Criaturas muito inteligentes, principalmente este aí.

- Tudo bem então, se é da vontade deste conselho ouvir o que este bode velho tem a dizer, que prossiga. – falou Dorian, num ar autoritário.

- Primeiro, devemos analisar a situação. Todos devem lembrar-se da reunião na Mansão Foster, quando impedimos que o Enid de Donnovan pudesse invadir o corpo de um recém nascido. E devem lembrar também que uma semana depois os jornais de todo o país noticiaram o chamado Milagre Foster.

Os bruxos assentiram em suas cadeiras ao ouvirem o fauno falar.

- O que nós nunca desconfiamos é que o Enid de Kalevi Foster é o Enid que nós tentamos aprisionar.

Os bruxos soltaram alguns sussurros inaudíveis e Kal fez outra pergunta a Cacius.

- Eles não sabem que eu... que eu tenho o Enid de Donnovan?

- Apenas uma minoria. No ano passado o Folha Mágica não recebeu a notícia como sendo um segredo e então não deram muito destaque. Uma nota de rodapé, se me lembro bem.

- Kalevi Foster, fique de pé para o conselho. – falou Saguior, olhando fixamente para o garoto ao lado do velho de barbas brancas.

- Levante-se. – repetiu Cacius e Kal levantou-se com um pouco de relutância.

Ele ouviu alguns urros de surpresa, talvez não tivesse sido totalmente notado.

- Creio que tenha aprendido a mostrar seu Enid, senhor Foster. – disse o fauno cordialmente – Poderia fazer a gentileza?

Kal estava um pouco embaralhado com a situação, mas ainda assim teve forças para levantar a varinha e dizer em alto tom de voz:

- Revelarbus! – o feitiço de revelação de Enid saiu da ponta da varinha de Kal como um raio de luz negro, subiu ao ponto mais alto do salão e mergulhou no chão formando a figura apavorante de Donnovan, um homem pálido de cabelos negros e olhos tão escuros quanto besouros em uma aparência rude e altamente cruel.

- Este é o nosso inimigo. – falou Saguior de um salto e caindo ao lado do Enid – Por isto Kricolas tem interesse em Kalevi Foster. Ele quer este Enid de volta.

- Sabemos muito bem que só se pode separar um bruxo de seu Enid através da morte. – disse Bernardo Mecflex, que estava sentado ao lado de Kal, tentando compreender tudo aquilo.

- Correto. – disse Saguior – E esta é, sem dúvidas, a intenção de Kricolas no momento. E ainda acredito que todos os bruxos deste conselho tenham a maturidade para entender quais os propósitos deste maldito meio-vampiro com o Enid de seu mestre.

- O que propõe que façamos, então? – perguntou Dorian, forçando um sarcasmo que não cabia na frase.

- É exatamente isto que este conselho veio decidir hoje. O que fazer para se proteger contra Kricolas, pois entregar um dos nossos está fora de cogitação.

Kal sentiu uma pontada de alegria em seu coração ao ouvir aquele fauno bem a sua frente defendendo-o. Pelos menos alguém ali não pretendia usá-lo como bode expiatório.

Bode expiatório... metade homem, metade bode... Kal não pôde resistir a comparação e rir da “piada”.

- Lócus Amenus! – disse Saguior e a imagem do Enid de Kal desapareceu.

Alguns minutos se seguiram em cochichos, o fauno retornara ao seu lugar, dando espaço para que outros pudessem tomar a atenção. Em especial, um que não a merecia tanto assim.

- Senhores. – chamou Dorian – Nas últimas semanas meu pessoal andou preparando alguns experimentos para serem usados contra Kricolas, a maioria ainda está em fase de testes, no entanto temos, hoje, aqui um protótipo totalmente desenvolvido. O pó de bobetônia. Mecflex, por favor.

- É claro, senhor. – falou ele descendo as escadas e se dirigindo ao centro do salão.

- E o que exatamente este pó faz? – perguntou Timas, o Ministro da Comunicação.

- Ele pode transportar qualquer coisa para qualquer lugar do mundo instantaneamente. – explicou Bernardo.

Os membros do conselho riram do jovem bruxo em alto tom e em seguida um deles disse:

- Nós podemos esfumaçar rapaz, para que precisamos comprar isso?

- Porque seus filhos não podem esfumaçar! – grunhiu Bernardo achando aquela reação do conselho estúpida.

- Eu aprovo o produto. – falou Uric Scheiffer – Nós que temos filhos sabemos como pode ser perigoso andar desprotegido. E ter em mãos este tipo de produto torna tudo mais seguro.

- Pode nos dar uma demonstração? – perguntou Timas.

Bernardo enfiou a mão dentro de um pote parecido com um de biscoito e retirou um punhado de uma areia brilhante e azulada, sem seguida disse:

- Cidade dos Elfos! – falando isto ele bateu a mão cheia de pó no próprio peito e uma chama azulada envolveu-o com ferocidade.

Alguns membros do conselho levantaram-se de suas cadeiras para olhar o que acontecera. Assim, deram-se conta de que ele realmente não estava mais ali. Um minuto se passou e os bruxos continuavam discutindo alguns assuntos que pareciam ser imediatos e então mais uma vez uma chama azulada se acendeu no centro do salão do conselho e Bernardo surgiu segurando uma maçã muito vermelha.

- Retirada do pomar da cidade. – falou ele exibindo o fruto em sua mão.

- Muito bem, Dorian. - prosseguiu Timas – Sua equipe desenvolveu um produto que pode ser útil, mas como não acredito em contos de fadas, qual o preço da patente?

- Cem milhões de flandres. – anunciou Dorian.

Flandres era a moeda circulante entre os bruxos, como o real no Brasil.

- Cem milhões! – exclamou Timas perplexo – Pelas barbas de Merlin! Isto é exorbitante! Não pagaremos este preço por um produto que faz as pessoas esfumaçarem! Sairia mais barato ensinar um cachorro a voar!

- É o nosso preço, senhores. – falou Dorian decisivo.

Os bruxos do conselho remexeram-se em suas mesas, pensativos. Apesar de cem milhões ser muito dinheiro para se gastar com uma única patente, eles precisavam daquele produto para acalmar os ânimos incontidos da população.

- Senhor, Ministro. – falou o fauno Saguior a Timas – Talvez não tenhamos outra escolha. Nossa gente precisa de proteção, e se não podemos produzi-la, necessitamos de comprá-la.

- Veja só como ele fala, nossa gente, já está achando que é um bruxo. – caçoou Dorian.

Bernardo Mecflex estava perdido naquela cena. Olhou para Cacius que estava cabisbaixo e então se aproximou da mesa de Dorian chamando-o em particular, mas isto não impediu que Kal pudesse ouvi-los.

- Senhor, o pó de bobetônia foi desenvolvido graças ao investimento do governo. Não podemos cobrar por algo que eles financiaram.

- Ora, Mecflex! Não seja ingênuo! Esta gente não sabe que os gastos foram pagos por eles. Aproveite esta oportunidade e terá uma vida melhor, rapaz.

- É que não me parece certo.

- O certo e o errado estão no ponto de vista de quem vê. Agora, cale-se ou não sairá com nada! – ordenou Dorian – Volte para o seu lugar e fique de bico calado!

- Mas senhor...

- Não me faça perder a paciência com você, Mecflex.

- Sim, senhor.

Kal pensou em comunicar a Cacius o que acabara de ouvir, mas não parecia necessário. O professor olhava fixamente para Dorian e seu rosto reproduzia claramente uma expressão angustiante e encharcada de repugnância.

- Conselho! – chamou Cacius de pé e mãos erguidas – Proponho que esta decisão seja tomada pelo novo Ministro da Defesa e Segurança Mágica.

- Quer fazer o plebiscito neste momento? – duvidou Timas.

- Sim.

- Talvez devêssemos passar esta responsabilidade para o presidente, afinal ele é a autoridade máxima deste estado. – disse o Ministro da Comunicação Mágica em protesto.

- Onde ele está agora, lacaio? – questionou Saguior olhando com desprezo para o homenzinho – Viajando, imagino. A negligência do presidente o torna incapaz de tomar qualquer decisão neste momento.

Encurralado, Timas Havany coçou a nuca e posicionou sua boca em frente à varinha usada como microfone e disse:

- Entremos em recesso por meia hora e em seguida faremos a votação que escolherá o novo Ministro da Defesa e Segurança Mágica.

Os bruxos do conselho levantaram-se de suas cadeiras e alguns ficaram parados no meio do salão conversando, eram vários os tipos diferentes de bruxos que estavam ali. Homens, mulheres, altos, baixos, bruxos bem vestidos e outros nem tanto, mas todos discutiam o mesmo assunto. Quem seria o novo Ministro da Defesa e Segurança Mágica. Ao que Kal sabia, Uric, Cacius e Dorian foram recomendados para o cargo, porém ele não tinha como saber os nomes dos demais indicados. Não parecia haver favoritismo, já que todos os integrantes do Conselho eram bruxos de importância na comunidade mágica. Altamente influentes e poderosos, qualquer um possuía os quesitos mínimos para exercer o cargo máximo da segurança do país.

- Maldito Dorian! – bravejou Uric que se juntara a eles durante o recesso – Ele quer enriquecer as custas do governo! Que atitude mais covarde, até mesmo para uma barata fina, como ele.

- Como assim? – indagou Kal.

- Dorian Gulemarc não tem o melhor histórico de honestidade dentro do governo. Mas ninguém se importa com isto por aqui. O fato é que ele foi subindo de posto à medida que ia derrubando todos a sua volta. – respondeu Uric sem vacilar nas palavras de efeito.

- Um estrategista miserável! – concordou Bernardo saindo furioso de dentro do salão – Maldito filho da mãe! Cem milhões! Cem milhões! O pó de bobetônia deveria ajudar as pessoas, e não fazer furos nos cofres do governo!

- Lamento que tenha que ser assim Bernardo. – disse Cacius recostando a mão no ombro do rapaz.

- Urgh! – bufou.

- Você inventa algo que pode salvar vidas, mas uma pedra cai bem em seu caminho. – prosseguiu Cacius sem ter se importado com a interrupção – No meio do caminho tinha uma pedra... li isso em um livro dos não mágicos. Eles sabem das coisas, às vezes.

- Sim, uma pedra magra e esquisita chamada Dorian Gulemarc! – ralhou Bernardo, cuspindo de tanta raiva.

- Falando de mim? – Dorian surgira entre as fileiras de mesas e carregava um irritante ar vitorioso – Fizemos a descoberta do século, não foi garoto?

- Pena que as pessoas não vão poder usufruí-la.

- Não fique tão desmotivado, garoto, tenho certeza absoluta de que o Conselho votará por um resultado favorável a nós. Vamos ganhar muito dinheiro!

- Mas esta não era a intenção! – retrucou Bernardo – Além do mais fomos pagos para desenvolver o pó de bobetônia!

- Escute, garoto – Dorian puxou Bernardo pela gola da camisa como se ninguém estivesse ali e então disse – nesta vida você precisa aprender a tirar os obstáculos do caminho, se continuar a me atrapalhar deste jeito significa que está no meu caminho, e isso não é bom! Prestou atenção?

Bernardo virou o rosto de cara amarrada e então concordou acenando levemente com a cabeça e com isso Dorian largou-o.

- Agora, preciso conversar com Timas. – cacarejou, enquanto se retirava.

- Porco imundo! Farte-se no seu dinheiro e poder! – amaldiçoou Bernardo quando ele já estava fora de vista .

- Algumas pessoas costumam se enforcar sozinhas, Bernardo. – disse Cacius sorrindo-lhe – Basta ganhar um pouco de corda e despretensão para subir a alturas que não os compete.

Alguns minutos de reflexão e puro silêncio se passaram entre os quatro, na entrada da sala de reuniões. Durante este tempo, Kal continuou a observar amiúde os membros do Conselho de Magia. Uma mulher de rosa que aspergira aromas durante a reunião estava a conversar com uma mulher coberta por um véu negro preso a seu chapéu pontiagudo. Elas pereciam excitadas de algum modo, sorrindo satisfeitas e trocando tapinhas nos ombros. Próximo ao elevador estava Saguior, recostado sobre a parede, cabeça baixa e fumando um longo cachimbo, que lançava ao ar uma fumaça azul prateada. Por uma fração de segundos os olhos escuros do fauno se encontraram com os de Kal, que rapidamente desviou a atenção, mas, com uma exultação percebeu um mexer de músculos no canto da boca do fauno, indicando um sorriso simpático.

Dentro do salão, praticamente vazio naquele momento, atrás do palanque onde o ministro da Comunicação Mágica discursara a pouco, estava Dorian Gulemarc e o próprio Timas Havany, discutindo em baixo tom de voz, com uma clara cumplicidade. Assim que Dorian se afastou do ministro, este retomou seu lugar de destaque e usou a varinha do palanque como microfone, mais uma vez.

- Atenção, atenção! – chamou – Por determinado motivo o plebiscito será antecipado. Por favor, quem não tem poder de voto se ausente da sala.

- Professor... – indagou Kal.

- Sim, Kal, infelizmente terá que sair.

Passos de casco em pedra puderam ser ouvidos e quando Kal, instintivamente olhou para a sua esquerda deparou-se com a figura barbuda de Saguior.

- Vamos, garoto, eu também não posso votar. – disse o fauno puxando-o pelo braço.

Os dois seguiram pelo átrio, os cascos do fauno fazendo barulho nas pedras à medida que dava um novo passo.

- Por que você não tem poder de voto, Saguior?

- Senhor. Refira-se a mim como senhor, gosto da formalidade.

- Tudo bem... senhor. – acrescentou.

- Não voto porque não sou um bruxo. Se não fosse por Cacius eu nem mesmo poderia opinar nas reuniões do Conselho. – disse de cabeça baixa, parando à frente do elevador – Quer saber, não ligo a mínima.

- Conheceu meu pai também? – perguntou Kal somente para puxar assunto enquanto os dois entravam no elevador.

- Era um bom homem, muito digno. Deve sentir saudades.

- Sim. – falou Kal achando que relembrar seu pai não fora uma boa idéia.

- Você não pôde fazer nada para ajudá-lo, não é mesmo?

Kal consentiu, pesadamente.

- Estava despreparado, mas a verdade é que não conheço muitos garotos que enfrentaram Kricolas e não saíram mortos. Bem, apenas você e aquele outro garoto no ano passado. Como é mesmo o nome dele?

- Thalis.

- Exato. Cacius me disse que o moleque esfumaçou bem no meio da floresta! Realmente um feito louvável. – disse Saguior apertando o botão número oitenta e cinco do elevador – Mas aquilo foi apenas sorte. Ele não se levantou e partiu para cima do homem que matou o seus pais.

Saguior estava revivendo na mente de Kal todo o doloroso momento da morte de seu pai por Kricolas, na Cidade dos Elfos.

- Nos tempos dourados de Donnovan e Kricolas, muitos tentaram, muitos mesmo. Alguns com experiência muito superior a de alunos de Avalon, e eles não tiveram a menor chance. Mortos no primeiro momento do combate. Corajosos, sim eram, porém uns tolos. É, garoto, teve muita sorte, muita sorte. Sorte somada à coragem é sempre um potencial. Vejo muito disso em você.

- Como assim? – perguntou Kal.

- Ora, você sabe duelar, não sabe?

- Um pouco, acho, mas...

- Não seja modesto, soube como você quase matou seu rival na Sala das Diferenças. – disse Saguior relembrando de outro momento do ano anterior de Kal, o que ele acidentalmente quase assassinara Rick Wosky, um garoto de Avalon a quem Kal odiara desde o primeiro instante.

- Como sabe disto tudo? – perguntou Kal achando que em qualquer banca de jornais havia um almanaque revelando tudo sobre sua vida.

- Cacius me disse. – falou o fauno abrindo a porta do elevador – Chegamos.

- Que lugar é este?

- O andar oitenta e cinco da sede do Conselho de Magia.

- Quantos andares ainda tem?

- Não sei. Não tenho tempo para ficar visitando. – respondeu secamente.

- O que viemos fazer aqui?

- Treinar.

- Han?

- Vamos, garoto, me ataque.

- Senhor, eu não...

- Eu disse para me atacar! – berrou.

Prontamente, Kal sacou a varinha da veste e apontou para o homenzinho a sua frente.

- Vamos lá, com o seu melhor!

- Escaparta! – berrou Kal e um lampejo azul partiu de sua varinha explodindo no peito peludo de Saguior.

- Nada mau, nada mau.

- Obrigado. – disse Kal encolhendo o corpo.

- Não baixe a guarda! Não baixe a guarda! – berrou o fauno mais uma vez – Quero que se defenda agora. Tudo bem para você?

Kal concordou com a cabeça, mesmo estando incerto.

- No três – começou o fauno – Um... dois... três... – Saguior lançou sobre Kal uma bola de luz amarela que atravessou o ar produzindo um zunido irritante, contudo, Kal defendeu-se bem.

- Réplica! – uma parede verde transparente surgiu na frente dele protegendo-o do feitiço e fazendo com que a bola de luz amarela retornasse em direção a Saguior, que facilmente desviou do próprio golpe.

- Hahahaha! – gargalhou – Muito bom, muito bom, garoto! Veja se consegue com este!

Saguior posicionou três dedos de sua mão de modo que formassem um triângulo do qual saiu um raio roxo e continuo.

- Réplica! – disse Kal mais uma vez formando a barreira de luz verde.

- Não desta vez! – Saguior manteve o feitiço que destruiu a proteção de Kal e o atingiu no ombro.

- Garoto, você está bem? – perguntou Saguior aproximando-se rapidamente de Kal que estava caído no chão.

- Acho que sim... por que, por que não pude me defender?

- Porque o seu feitiço protege apenas um ataque de cada vez. Um ataque contínuo pode facilmente atingi-lo. – explicou Saguior – Se pretende desafiar Kricolas precisa primeiro aprender a se defender.

- Como sabe que quero desafiá-lo, senhor? – perguntou Kal confuso.

- Vi em sua mente.

- Leu minha mente? – questionou indignado, mas não surpreso, pois sabia que era possível fazer este tipo de coisa.

- É a mente mais transparente que já conheci! Qualquer um pode ver quais pensamentos estão rondando por aí. – disse o fauno girando o indicador por cima da cabeça de Kal.

- Ok, mas não pedi a sua ajuda. – retrucou ainda indignado por ele ter lido a sua mente.

- Só porque não pediu não quer dizer que não precise.

Saguior estava sendo bem sincero em suas colocações, e um tanto grosseiro também. Zero de evasão e zero de delicadeza, todavia Kal ficara impressionado com a autenticidade que os faunos apresentavam.

- Posso te ajudar. Espere um momento aqui. – dizendo isto Saguior esfumaçou deixando um rastro marrom de fumaça.

Apenas meio segundo depois Saguior esfumaçara de volta bem no mesmo lugar.

- Tome. – falou ele segurando um livro com capa de couro.

- O que é?

- Um livro, oras.

- E para quê?

- Será que você não tem bom senso? – perguntou Saguior embravecido – Leia-o!

- As cinco maneiras de se defender dos bruxos das trevas.

- Isso. Agora que estão apresentados vamos ver se você aprende alguma coisa.

- Existem outras maneiras de se defender, além do Réplica?

- Por certo. São todas muito difíceis e complicadas, mas muito úteis. Vamos, garoto, temos pouco tempo para você aprender pelo menos um dos mais úteis.

Saguior afastou-se de Kal mantendo uma distância fixa de uns dez metros, ordenou que ele abrisse o livro na página trezentos e doze e que lesse o feitiço da página para se defender.

- Acha que está pronto para aprender a maior lição da sua vida?

Kal não sabia como proceder dali em diante. Todos os feitiços que ele sabia usar exigiram-lhe um bom tempo de prática e, agora, Saguior estava querendo que ele simplesmente se defendesse usando um feitiço completamente desconhecido! Talvez os métodos didáticos de Saguior não fossem os melhores, mas ele parecia saber o que estava fazendo, então, Kal confiou.

- Vamos lá, garoto! – exclamou o fauno segundos antes de disparar o mesmo raio contínuo de antes.

Kal agilmente abaixou a cabeça para ler o nome do feitiço e então levantou a varinha e disse com força:

- Égide Silver! – ela brilhou intensamente e logo se extinguiu como fogo, mas nada mais pareceu ter ocorrido. Nada de barreiras coloridas ou qualquer outra coisa, desesperado, Kal repetiu – Égide Silver! – outra vez a varinha brilhou e novamente se apagou, o golpe de Saguior estava cada vez mais próximo – Égide Silver! – por sua têmpora escorria uma gota de suor – Égide Silver! Égide Silver! – não ia ser derrubado sem se defender. Sentiu alguma coisa na região da sua nuca se remexer loucamente, um arrepio percorrendo-lhe os corpo até o umbigo, descendo seu dorso como água gelada, espremendo cada centímetro quadrado do seu corpo. Suas células pareciam estar agitadíssimas, como que submetidas a uma grande atividade física. Desanuviando os pensamentos de todas aquelas estranhas e novas sensações, ele encheu os pulmões para gritar – ÉGIDE SILVER!!!!

Desta última vez, uma bola de luz prateada cobriu todo o corpo de Kal como uma grande e poderosa bolha de sabão. O feitiço do fauno acertou a bolha, que começou a ondular em sinal de fraqueza, de segundo em segundo a ela piscava ameaçando extinguir-se, mas não podia... Saguior continuava a dez metros dali disparando o feitiço...

- Vamos ver até onde você agüenta! – desafiou o fauno.

Kal sabia que não duraria muita mais do que alguns segundos ali. Sua bolha protetora estava cada vez mais fraca e o golpe de Saguior estava perfurando-a. Ele não tinha muito mais tempo. Olhou para os lados procurando um esconderijo, porém o lugar era um completo vazio. Uma sala inutilizada. Kal Foster decidiu uma última manobra, sacudiu a varinha desfazendo a bolha que o protegia e abaixou-se para desviar do golpe direto, mirou em Saguior e disparou:

- Farfalha! – estilhaços vermelhos como vidro irromperam no ar de uma só vez e acertaram o rosto do fauno rasgando superficialmente sua pele.

- Por mil moedas de dragões! Que raio de feitiço foi esse? – murmurou o fauno levando uma das mãos ao rosto – Que droga foi essa? Era para se defender! Este feitiço me atingiu em cheio, mas Kricolas estará mais preparado! Precisa controlar o Égide Silver. Quero que pratique isto, me ouviu?

- Mas, senhor, achei que meu objetivo era derrotá-lo...

- Seu objetivo era apenas bloquear o meu golpe! Se não pode entender isto é melhor se virar sozinho!

- Desculpe se fiz algo de errado, mas...

- Sem mas ou meio mas, Foster! Você tem que aprender a ouvir os outros, se é isto que quer saber! Eu disse que era apenas se defender, e por Merlin, quase perco meu nariz! Estas coisas podem fazer estragos, sabia? – bravejou ele apontando para a varinha na mão de Kal – Agora, vamos! Devem ter acabado aquela maldita votação.

Kal nunca vira alguém tão sério e nervoso. Nem mesmo Amadeus Wosky, seu professor de Maldições em Avalon, um homem atormentado e exageradamente mal humorado. Saguior havia ultrapassado qualquer limite que ele conhecia e o que Kal achou pior fora o motivo pelo qual se irritara. Talvez o fauno tenha se irritado por ter sido facilmente derrotado por um garoto com pouco menos que quatorze anos. Ainda assim, alguma coisa em Kal dizia que Saguior tinha muito mais força do que demonstrara ali no andar oitenta e cinco da sede do Conselho de Magia.

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito massa.
Ass: André Vitoriano

Thife R. Almeida disse...

Muito legal... Tah demais.


Obs: Só por fim de revisão, etc por extenso é et coetera, fora isso tah massa.